Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 547/2016-T
Data da decisão: 2017-04-03  IRS  
Valor do pedido: € 2.461,59
Tema: IRS – união de facto; domicílio fiscal.
Versão em PDF

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.            RELATÓRIO

A…, contribuinte fiscal número…, residente na Rua …, …, …, …-… Maia, doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando:

(i)                 seja declarada válida e eficaz a opção feita pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens;

(ii)              a anulação da liquidação de IRS nº 2015…, relativa ao IRS do exercício de 2013;

(iii)            a condenação da Requerida na restituição da diferença entre o imposto devido a final e o que foi entregue nos cofres do Estado a título de retenção na fonte, deduzido do valor já reembolsado ao Requerente;

(iv)             a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre a totalidade do reembolso devido desde a data em que o mesmo era devido até à data em que foi reembolsado ao Requerente o valor de € 1220,02 e nos vencidos e vincendos, desde aquela data, calculados sobre a diferença entre o reembolso devido e o reembolso efetuado.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)                  Vive em união de facto com B…, de forma ininterrupta, desde o início de 2007;

b)                 Pese embora viva em união de facto desde 2007, apenas em Março de 2012 o Requerente e B… passaram a ter o mesmo domicílio fiscalmente declarado;

c)                  Em 2014, dentro do prazo legal, o Requerente apresentou conjuntamente com B… declaração de rendimentos modelo 3 respeitante ao exercício de 2013, na qualidade de unidos de facto, da qual resultou um reembolso a favor do Requerente no valor de € 3.681,61;

d)                 Em 2015, a AT anulou a declaração modelo 3 de rendimentos apresentada e processou uma declaração oficiosa, na qualidade de solteiro, da qual resultou um reembolso a favor do Requerente no valor de € 1.220,02;

e)                  O Requerente reúne os requisitos legalmente previstos para apresentação, na condição de unido de facto, da declaração de IRS modelo 3 respeitante ao exercício de 2013;

f)                  O incumprimento da obrigação de comunicação do domicílio fiscal, prevista no artigo 19º nº 3 da Lei Geral Tributária, não determina a invalidade da alteração do domicílio fiscal mas apenas a sua ineficácia e inoponibilidade à AT.

Com o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou 9 documentos e arrolou duas testemunhas.

Em momento posterior, veio o Requerente juntar mais 22 documentos, junção essa que foi admitida e objeto de contraditório por parte da AT.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 28 de Novembro de 2016.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, alegando, em síntese, o seguinte:

a)                  A declaração de rendimentos modelo 3 respeitante ao exercício de 2013 apresentada pelo Requerente ficou em situação de erro e foi definitivamente cancelada, não tendo culminado em qualquer imposto a pagar ou a restituir;

b)                 Em 31/12/2013, o Requerente não preenchia os requisitos legalmente previstos para beneficiar do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS, já que não coabitava nem tinha o mesmo domicílio fiscal que B… há mais de dois anos.

A Requerida não juntou documentos nem arrolou nenhuma testemunha, tendo junto cópia do processo administrativo.

Teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, na qual foram ouvidas as duas testemunhas arroladas pelo Requerente.

Requerente e Requerida apresentaram, de forma sucessiva, alegações escritas, nas quais mantiveram a posição anteriormente assumida e defendida nos seus articulados.

 

II.    QUESTÃO A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas partes, verifica-se que a única questão a decidir se reconduz a saber se, em 31/12/2013, o Requerente preenchia os requisitos legalmente exigidos para beneficiar do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS.

III.     MATÉRIA DE FACTO:

 

a.      Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.      O Requerente apresentou, em 29/04/2014, declaração modelo 3 de rendimentos, respeitante ao exercício de 2013, assinalando a opção “unidos de facto”, a qual deu origem à liquidação nº 2014…, da qual resultou imposto a favor do Requerente no valor de € 3.681,61;

2.      Por ofício datado de 22/05/2014, o Requerente foi notificado pela AT para apresentar todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar;

3.      Em 11/06/2014, o Requerente enviou à AT os esclarecimentos que entendeu necessários;

4.      Por ofício datado de 14/11/2014, a AT notificou o Requerente da sua intenção de desconsiderar os esclarecimentos prestados pelo Requerente quanto à sua situação de unido de facto e para, querendo, exercer o direito de audição;

5.      A AT anulou a declaração de rendimentos apresentada pelo Requerente e emitiu uma declaração oficiosa, assinalando a opção de “solteiro”, a qual deu origem à liquidação nº 2015…, da qual resultou imposto a favor do Requerente no valor de € 1.220,02, reembolsado ao Requerente em 24/04/2015;

6.      Em 13/08/2015, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação nº 2015…;

7.      Por ofício datado de 22/10/2015, o Requerente foi notificado do projeto, datado de 22/10/2015, de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e para exercer, querendo, audição prévia;

8.      Por requerimento datado de 09/11/2015, o Requerente exerceu a audição prévia;

9.      Por ofício datado de 30/11/2015, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;

10.  O Requerente apresentou, em 30/12/2015, recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

11.  Por ofício datado de 03/06/2016, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado;

12.  O Requerente vive, de forma ininterrupta, na mesma residência habitual e em comunhão de leito, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, com B…, desde pelo menos 2010;

13.  Entre 13/12/1996 e 27/03/2012, o Requerente teve o seguinte domicílio registado junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes: Rua …, nº…, …, Coimbra;

14.  Em 15/01/2007, B… passou a ter o seguinte domicílio registado junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes: Rua …, n.º…, …, …, Maia;

15.  Em 20/03/2012, B… alterou o seu domicílio junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes para a Rua…, n.º…, …, Maia;

16.  Em 27/03/2012, o Requerente alterou o seu domicílio junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes para a Rua …, n.º…, …, Maia;

17.  No dia 06/09/2016, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

b.      Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

 

c. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos pontos 1 a 11 e 13 a 16 dos factos provados formou-se tendo por base a prova documental junta pelo Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos e o processo administrativo.

Quanto ao ponto 12 dos factos provados, foram determinantes para a convicção do tribunal, para além dos documentos juntos pelo Requerente e cuja genuinidade não foi colocada em causa pela AT, os depoimentos prestados pelas testemunhas C… e D…, as quais, revelando conhecimento direto e pessoal dos factos, por se tratarem, respetivamente, da irmã do Requerente e da irmã da sua companheira, depuseram de forma escorreita e credível, confirmando os factos descritos.

Ainda quanto a este ponto 12), apenas se deu como provada a comunhão de leito, mesa e habitação desde 2010 pelo facto de os documentos juntos não permitirem uma prova cabal da vivência comum antes dessa data. Quanto às testemunhas inquiridas, D… declarou que o Requerente vive com a sua irmã desde 2007, ao passo que a testemunha C… referiu saber que o seu irmão vivia com B… desde 2010, pelo que, em face da contradição, neste ponto, dos depoimentos, não pode este tribunal dar como provada a existência de uma vivência comum em momento anterior a 2010.

 

IV.      SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

O processo não enferma de vícios que afetem a sua validade, não existindo exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

V.                DO DIREITO:

Fixada que está a matéria de facto provada, cumpre agora, por referência àquela, apurar qual o Direito aplicável.

Analisada a argumentação expendida pelas partes, facilmente se observa que o quid da questão a apreciar nos presentes autos reside em saber se o Requerente, em 31/12/2013, preenchia os requisitos legalmente exigidos para beneficiar do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS.

A este respeito, invoca o Requerente que vive em união de facto com B…, de forma ininterrupta, desde o início de 2007, pelo que não há qualquer dúvida de que, em 31/12/2013, preenchia os requisitos legalmente exigidos para beneficiar do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS.

Em sentido inverso, advoga a AT não se encontrar demonstrada a identidade de domicílio fiscal entre o Requerente e a sua companheira por período superior a dois anos, identidade esta que apenas iniciou em 27/03/2012, data em que o Requerente e B… passaram a ter o mesmo domicílio fiscal registado junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.

Assim, de acordo com a AT, em 31/12/2013 o Requerente não reunia os requisitos para beneficiar do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS.

Para a apreciação da questão em causa nos presentes autos importa, antes de mais, trazer à colação o artigo 14º do Código do IRS, que, à data dos factos, tinha a seguinte redação:

1. As pessoas que, vivendo em união de facto, preencham os pressupostos constantes da lei respectiva, podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.

2. A aplicação do regime a que se refere o número anterior depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.

3. (…)”.

Assim, à data dos factos, para beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, era necessária a verificação cumulativa de três requisitos: (i) existência de união de facto; (ii) identidade de domicílio fiscal durante dois anos; e (iii) assinatura da declaração de rendimentos, por ambos os sujeitos passivos.

 

Nos termos do disposto no número 2 do artigo 1º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

 

Pese embora a citada lei, à semelhança do que sucedia com a anterior Lei nº 135/99, de 28 de Agosto, não determine o que se deva entender por “viver em condições análogas às dos cônjuges”, deverá julgar-se como tal a situação de duas pessoas que vivam em comunhão de leito, mesa e habitação, tal e qual sucederia se fossem casadas. Perdurando esta comunhão de leito, mesa e habitação por um período superior a dois anos, então será tida, para todos os efeitos legais, como união de facto.

 

Quanto aos efeitos da união de facto, dispõe a alínea d) do artigo 3º da referida Lei nº 7/2001 que as pessoas que vivam em união de facto nas condições previstas na referida lei têm direito à aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

Por seu turno, sob a epígrafe “Domicílio fiscal”, dispõe o artigo 19º nº 1 da Lei Geral Tributária o seguinte:

O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a)      Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b)      (…)”

Nos termos do disposto no número 3 do mesmo artigo, é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sancionando o número 4 do mesmo preceito com ineficácia a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

Note-se que se trata, neste caso, de uma mera ineficácia da mudança, que determina a sua não produção de efeitos perante a autoridade tributária, e não de qualquer invalidade da mudança, não afetando a falta de comunicação a sua substância.

Por outras palavras, o domicílio fiscal do sujeito passivo pessoa singular, que é o local da sua residência habitual, não deixa de o ser pelo facto de não o ter comunicado à administração tributária.

Cumprida a obrigação prevista no artigo 19º nº 3 da Lei Geral Tributária, têm os sujeitos passivos a seu favor uma presunção de que o seu domicílio fiscal corresponde ao domicílio constante do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.

Inversamente, no caso de os sujeitos passivos não cumprirem esta obrigação, incumbe-lhes o ónus de provar o respetivo domicilio fiscal.

De facto, nos termos do disposto no número 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

No caso dos autos, resultou provado – cfr. pontos 15 e 16 dos factos provados - que o Requerente e a sua companheira apenas passaram a ter o mesmo domicilio registado junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes em Março de 2012.

Mas daqui não resulta, sem mais, como defende a AT, que o Requerente e a sua companheira não detivessem o mesmo domicílio fiscal em momento anterior.

Isto porque, o que a lei exige é a identidade do domicílio fiscal, enquanto residência habitual, e não a identidade do domicílio constante do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes.

E quanto à identidade do domicílio fiscal, enquanto local da residência habitual dos sujeitos passivos pessoas singulares, dúvidas não restam de que o Requerente a logrou demonstrar.

De facto, resultou provado – cfr. ponto 12 da matéria de facto provada – que o Requerente vive, pelo menos desde 2010 e de forma ininterrupta, em comunhão de leito, mesa e habitação com B…, pelo que dúvidas não restam de que ambos tinham, desde pelo menos essa data, o mesmo domicílio fiscal, enquanto residência habitual

E se o Requerente e B… tinham, desde pelo menos 2010, a mesma residência habitual, vivendo desde essa data em comunhão de leito, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, de forma ininterrupta, dúvidas não restam de que viviam, desde então, em união de facto.

Note-se que a união de facto não exige qualquer formalidade especial, podendo a sua prova ser efetuada por qualquer meio legalmente admissível, conforme resulta expressamente no artigo 2º-A nº 1 da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.

No caso dos autos, os documentos juntos pelo Requerente não permitem concluir, com a certeza necessária, que o Requerente vivia em união de facto desde 2010.

 

No entanto, a prova desse facto foi efetuada através da prova testemunhal arrolada, meio este idóneo e suficiente à prova da união de facto do Requerente.

Importa aqui referir que no decurso do processo administrativo nunca a AT questionou que o Requerente vivesse em união de facto com a sua companheira, apenas tendo afastado a aplicação do regime previsto no artigo 14º do Código do IRS pelo facto de ter entendido que os sujeitos passivos não detinham o mesmo domicílio fiscal há pelo menos dois anos.

Analisada a decisão proferida no âmbito do recurso hierárquico interposto pelo Recorrente, verifica-se até que a AT expressamente aceita essa união de facto desde 2007, quando, a fls. 4, refere que “o recorrente, vive com a companheira, desde 2007, como se de marido e mulher se tratasse”.

Pelo que não poderá deixar de se referir ser censurável a postura que a AT assumiu em sede de processo arbitral, ao questionar a existência desta união de facto quando nunca antes o havia feito.

Dito isto, uma vez feita a prova da identidade do domicílio fiscal e não sendo a exigência de identidade de domicílio fiscal junto Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes constitutiva do direito do sujeito passivo, então há que concluir que o incumprimento da obrigação prevista no artigo 19º nº 3 da Lei Geral Tributária não obsta a que os sujeitos passivos optem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados pessoalmente de pessoas e bens previsto no artigo 14º nº 2 do Código do IRS, quando lograram, por outros meios, fazer a prova, que lhes incumbia, da identidade de domicílio fiscal e da união de facto – nesse sentido, vide Ac. TCA Sul de 19FEV2015, processo nº 08313/14, in www.dgsi.pt.

Conforme defendido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05MAR2015, processo número 05655/12, in www.dgsi.pt, “vivendo duas pessoas, independentemente do sexo, em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, na mesma residência habitual (prova que cabe aos sujeitos passivos, no caso de incumprimento da obrigação de comunicação revisto no n.º 3 do art. 19.º da LGT) verifica-se a identidade de domicílio fiscal prevista no disposto no n.º 2 do art. 14.º do CIRS”.

Nem se diga, como faz a AT, que a interpretação que defende é a única que se mostra conforme com as exigências impostas pelos artigos 14º do Código do IRS e 19º da Lei Geral Tributária, “porquanto a mesma enferma de um erro primário, qual seja, o confundir obrigatoriedade de comunicação de domicílio fiscal (ou da sua alteração) e ineficácia de eventual alteração não comunicada com a existência ou possibilidade de reconhecimento do direito que poderá, sim, ficar dependente da prova que seja feita quanto à referida identidade de domicílio. Ou seja, é a eficácia da declaração conjunta que fica dependente da prova da identidade do domicílio fiscal (residência habitual) durante dois anos e não o direito a apresentar essa declaração que fica inviabilizado pela não comunicação de uma alteração de domicílio fiscal. Relevante é que o domicílio fiscal – dos declarantes em união de facto há pelo menos dois anos – seja efectivamente o mesmo e não que o tenham declarado como tal, ainda que a produção dos efeitos jurídicos pretendidos possa ficar paralisada no tempo até essa prova (e consequente afastamento de presunção de essa residência comum/domicílio comum se não verificar) se realizar. (sublinhados nossos) – neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19FEV2015, processo número 08313/14, in www.dgsi.pt.

Importa ainda referir que esta interpretação do artigo 14º do Código do IRS encontra também respaldo na Recomendação nº 1/A/2013 da Provedoria da Justiça, nos termos da qual se entendeu que “os contribuintes que, vivendo em união de facto, tal como definida pela lei respetiva e que não tenham atempadamente procedido à alteração do seu domicílio fiscal, não poderão deixar de beneficiar do regime de tributação conjunta por que tenham optado, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional que ao caso couber, nos termos do n.º 4 do artigo 117.º, do RGIT”.

Aliás, qualquer outra interpretação do citado artigo 14º do Código do IRS violaria de forma ostensiva os princípios constitucionais de proteção da família, da capacidade contributiva e da igualdade

Verifica-se, assim, estarem preenchidos os dois primeiros pressupostos previstos no artigo 14º do Código do IRS para opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens, isto é, existência de união de facto e identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante mais de dois anos e durante o período de tributação.

Quanto ao último pressuposto legalmente exigido – assinatura da declaração de rendimentos por ambos os sujeitos passivos -, não tendo a mesma sido colocada em causa pela AT, terá necessariamente de se concluir estar o mesmo verificado.

Em face de tudo quanto ficou exposto, verificando-se que, em 31/12/2013, se encontravam verificados todos os pressupostos previstos no artigo 14º do Código do IRS, poderia o Requerente optar, como fez, na declaração de rendimentos entregues respeitante ao exercício de 2013, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens.

Assim, resulta clara a inexistência de fundamento legal para o ato de liquidação impugnado, impondo-se, por isso, a sua anulação.

O Requerente peticiona ainda a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre a totalidade do reembolso devido - € 3.681,61 - desde a data em que o mesmo era devido até à data em que foi reembolsado ao Requerente o valor de € 1220,02 e nos vencidos e vincendos, desde esta data, calculados sobre a diferença entre o reembolso devido e o reembolso efetuado.

A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

No caso ora em apreciação, o erro que afeta a liquidação impugnada é imputável à AT, que liquidou o imposto sem qualquer suporte factual ou legal, pelo que dúvidas não existem de que tem o Requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.

Resta, no entanto, saber, desde que data serão os mesmos devidos.

Isto porque, se é certo que o erro é imputável à AT, não é menos certo que, em face da falta de identidade de domicilio fiscal registado junto do Sistema de Gestão e de Registo de Contribuintes, apenas poderia a AT tomar conhecimento desse erro e repará-lo quando devidamente alertada pelo Requerente.

E tal alerta por parte do Requerente surgiu com a reclamação graciosa, na qual, ademais, arrolou, para prova dos factos por si alegados, as mesmas testemunhas que arrolou no âmbito do presente processo.

Ora, atento o princípio do inquisitório constante dos artigos 58º da Lei Geral Tributária e 69º e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impunha-se à AT proceder à inquirição das testemunhas arroladas, as quais, como se veio a verificar, vieram a ser essenciais para a composição do litígio.

Pelo que poderia e deveria a AT alterar a sua decisão e corrigir o erro logo aquando da apreciação da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, apreciação essa que teve lugar em 22/10/2015.

Não o tendo feito, deverá ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios desde essa data, em que, insiste-se, poderia e deveria ter reparado o erro.

 

VI.             DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se:

a)      Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS respeitante ao exercício de 2013 e em consequência:

i)                   Anular o ato tributário de liquidação de IRS nº 2015…, do qual resultou imposto a favor do Requerente no valor de € 1220,02;

ii)                 Condenar a AT no pagamento ao Requerente do valor correspondente à diferença entre o imposto que lhe seria devido se tivesse sido aceite a sua opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e o valor que lhe veio a ser reembolsado;

iii)               Condenar a AT no pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor correspondente à diferença entre o imposto que lhe seria devido se tivesse sido aceite a sua opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e o valor que lhe veio a ser reembolsado, desde a data de 22/10/2015 e até efetivo e integral pagamento.

***

Fixa-se o valor do processo em € 2.461,59, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º do RJAT e do artigo 4.º do RCPAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

 

Lisboa, 03 de Abril de 2017.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.