Decisão Arbitral
I - RELATÓRIO
A…, S.A., pessoa coletiva nº…, com sede em Lisboa, veio, enquanto sociedade dominante do Grupo B…, e ao abrigo dos artigos 2º nº 1, alínea a) e 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), constante do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar, em 29 de Agosto de 2016, pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2005…, respeitante ao exercício do ano de 2001, bem como do parcial indeferimento da reclamação graciosa que contra ele deduziu.
Não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como tal os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, ficando o tribunal constituído em 18 de Novembro de 2016 (alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT), na ausência de manifestação de vontade das partes de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Notificada para responder, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) fê-lo por impugnação, defendendo a improcedência do pedido.
Na reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT foi ouvida uma testemunha apresentada pela Requerente, tendo as partes produzido alegações orais, em que sustentaram as respetivas posições, e o tribunal anunciou que publicaria a decisão até 31 de março de 2017, data mais tarde transferida para 10 de abril de 2017.
II - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e 1º da Portaria nº 112-A / 2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Não ocorrem outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III - DECISÃO
III - 1. Matéria de facto
III – 1.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A)
A Requerente é sociedade dominante do “Grupo B…”, que, no exercício de 2001, optou por ser tributado em IRC de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
B)
O Grupo B… integra, além da Requerente, a C…, S.A., a D…, S. A., a E…, S. A., e a F…, S.A..
C)
Na sequência do procedimento de inspeção externa, a coberto da Ordem de serviço n.º OI2005…, instaurado para efeitos de verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do RETGS, promoveram os serviços da AT, entre outras, as seguintes correções:
• € 16.711.855,65 respeitantes a custos com realizações de utilidade social que ultrapassam o limite dos 15% das despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários, por violação do n.º 2 do artigo 40.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC);
• € 203.253,80 relativos a encargos não devidamente documentados, por os respetivos documentos justificativos, sejam eles emitidos por terceiros ou documentos internos elaborados pela empresa à data da realização dos referidos encargos para complemento daqueles documentos externos, não permitirem assegurar de uma forma inequívoca de que se trata de custos efetivamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora dos mesmos, por violação da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC;
• € 145.533,71 relativos a custos com viagens, não considerados dedutíveis para efeitos fiscais, por não ter sido comprovado que as referidas viagens foram utilizadas ao serviço da empresa, dado a sua finalidade não constar do descritivo das respetivas faturas ou de documentos de apoio que tivessem sido apresentados relativamente às mesmas, em violação do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.
D)
A Requerente foi notificada, para exercício do direito de participação, do Projeto de Relatório de Inspeção, após o que foi elaborado o Relatório Final de Inspeção, cujas conclusões foram notificadas à Requerente, e onde foram determinados ajustamentos à matéria coletável bem como ao cálculo de imposto.
E)
Tais correções originaram a liquidação adicional n.º 2005…, de 2005-11-16, no montante de € 12.362.731,34 e juros compensatórios no montante de € 1.741.828,12, da qual a Requerente reclamou graciosamente.
F)
A reclamação foi parcialmente atendida por despacho de 2016-04-29, de acordo com as conclusões vertidas na Informação …/2016 dos serviços da AT.
G)
Dos € 203.253,80 relativos a encargos considerados não devidamente documentados, referidos em B), a Requerente questiona, no presente processo:
€ 2.901,98 relativos a passagens aéreas;
€ 12.9111,95 relativos a passagens aéreas;
€ 3.316,65 cujo documento de suporte é uma carta do Banco…, intitulada fatura, mas não numerada, e sem referência da entidade emissora, contendo uma relação de despesas efetuadas.
H)
Relativamente ao encargo no valor de € 3.316,65, entendeu a AT que os documentos de suporte não permitiam “assegurar de uma forma inequívoca de que se tratam de custos efetivamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora dos mesmos, situação que conduz à exclusão do montante em questão do âmbito dos custos preconizados no art. 23.º do CIRC”.
I)
O Banco … assessorou a Requerente nos negócios no Brasil, designadamente, na tomada do controle da G… pela A… .
J)
A AT desconsiderou os gastos incorridos com as passagens aéreas - € 2.901,98 mais € 12.9111,95 -, pelo facto de não se tratar de um custo indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto e a manutenção da fonte produtora.
K)
As passagens aéreas referidas foram utilizadas por membros da Administração e altos quadros da Requerente, ao seu serviço, para visitas ao Brasil e a Espanha, aonde tem interesses, designadamente, participações sociais em empresas do ramo da produção e distribuição de eletricidade, e a Nova York, em cuja bolsa a Requerente estava cotada.
L)
Do Grupo B… faz parte a empresa F…, cujo objetivo é prestar assistência médica aos colaboradores das empresas do grupo na área da prestação de cuidados de saúde (de medicina assistencial) e na área da medicina do trabalho (de medicina ocupacional).
M)
Nos termos da cláusula 114 do Acordo Coletivo de Trabalho de 2000, vigente à data, a Requerente estava obrigada a prestar aos seus trabalhadores, pensionistas e reformados, serviços médicos no âmbito da medicina assistencial, os quais cobrem as áreas de clínica geral, especialidades, meios auxiliares de diagnóstico, enfermagem, medicamentos e apósitos, próteses e ortóteses, terapêuticas especiais e assistência hospitalar.
N)
Neste âmbito as empresas do Grupo B… celebraram contratos de prestação de serviços com a F… regulando as condições em que esta se obriga a prestar os serviços em causa.
O)
Os serviços médicos prestados pela F… às empresas do Grupo B… no âmbito da medicina assistencial são faturados àquelas empresas em função do número de trabalhadores ao seu serviço que possam usufruir daqueles serviços, mediante débito de um valor mensal (tarifa) por utente, fixado anualmente tendo por base o volume de serviços prestados no ano anterior pela F… e o índice de geral de preços na saúde. Paralelamente, cada trabalhador ou pensionista comparticipa nos encargos mediante o pagamento, 14 vezes por ano, de um valor mensal (mútua) a ser deduzido na retribuição ou pensão e que é fixado anualmente tendo por base os custos suportados pela F… no ano anterior. Este valor, a cargo do trabalhador, não varia em função do número dos seus familiares que beneficiam dos serviços médicos da F… .
P)
Ao nível da medicina ocupacional, os serviços médicos prestados pela F… às empresas do grupo são suportados exclusivamente pelas empresas que pagam em função do número de trabalhadores ao seu serviço uma quantia fixa por trabalhador que é revista anualmente tendo por base o índice geral de preços na saúde.
Q)
Os custos suportados pelas empresas em questão no âmbito da medicina ocupacional e da medicina assistencial foram registados nas contas de custos 647 denominadas “Custos de Acão Social – Serviços Médicos” de cada uma dessas empresas.
R)
Estes custos foram pela AT reduzidos a 15% “(…) das despesas com pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários (massa salarial), estabelecidos no nº 2 do artº. 40.º do CIRC”, rejeitando a AT como custo fiscal o excesso de € 16.711.855,65.
S)
A Requerente contabilizou, a título de complementos de pensões de reforma a sobrevivência, € 52.275,86.
T)
A AT só considerou como custos fiscais, deste montante, a parte não excedente a 15% da massa salarial, invocando o disposto no nº 2 do artigo 40º do CIRC.
U)
Da quantia liquidada a Requerente pagou € 5.465.215,44 em 2 de Janeiro de 2006, sendo € 4.686.032,39 de imposto e € 779.185,05 de juros compensatórios, e em 18 de Dezembro de 2013 mais € 119.679,91 ao abrigo do RERD.
V)
Em 26 de Abril de 2006 a Requerente prestou garantia no processo executivo emergente da liquidação impugnada, mediante seguro caução, suportando um encargo de € 152.864,11.
III. – 1.2. Factos não provados
De entre os alegados, relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.
III. – 1.3. Fundamentação da matéria de facto
A convicção do tribunal resulta do exame dos documentos do processo, designadamente, do processo administrativo, todos aqui dados por reproduzidos, e do depoimento da testemunha ouvida, que se mostrou conhecedora dos factos e depôs com aparente isenção.
III – 2. Matéria de Direito
-
Dos serviços médicos
(i) Síntese da posição da Requerente
Defende a Requerente, em síntese, que:
- Os encargos suportados com serviços médicos não devem ser considerados realizações de utilidade social, por não se subsumirem a nenhuma das situações previstas no artigo 40.º n.º 2 do Código do IRC e por serem custos legalmente obrigatórios, devendo, por isso, ser considerados indispensáveis e dedutíveis nos termos gerais;
- Os custos com medicina ocupacional são indispensáveis na medida em que, decorrendo a sua obrigatoriedade da lei, as empresas com trabalhadores não podem deixar de incorrer nesses custos;
- No caso da medicina assistencial, os custos são igualmente obrigatórios na medida em que decorrem de um ACT cujo incumprimento é suscetível de gerar responsabilidade civil e contraordenacional para as empresas. Por outro lado, os ACTs têm na sua génese uma fonte legal;
- As empresas do Grupo B… não são livres de se desvincular do ACT e de fazer cessar a atribuição dos benefícios nele previstos;
- Os trabalhadores não podem renunciar aos direitos e benefícios nele previstos;
- Os trabalhadores têm um direito individual e individualizável a serem medicamente assistidos a expensas do empregador. Se este direito não for assegurado, cada um dos trabalhadores, individualmente, pode obter a execução coerciva do seu direito;
- Os serviços médicos prestados não são um verdadeiro seguro de saúde. Os montantes suportados pelas empresas do Grupo B… pretendem remunerar serviços médicos a que estas estão legalmente obrigadas.
(ii) Síntese da posição da Requerida
Defende a Requerida, em síntese, que:
- Não estando em causa direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários, não se está em face de custos indispensáveis para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora;
- Não se trata de rendimentos de trabalho dependente para efeitos de IRS, já que não se enquadram no artigo 23.º n.º 1 al. d) e n.º 4 do Código do IRC;
- Os encargos suportados, embora não estejam agregados a um seguro de saúde no sentido restrito e formal do termo são em tudo similares às contribuições para um plano médico;
- Uma vez que os encargos suportados são de difícil individualização relativamente a cada um dos beneficiários, os encargos constituem realizações de utilidade social que visam beneficiar não só os colaboradores das entidades empregadores de uma forma generalizada, mas também, os reformados e os respetivos familiares, pelo que devem ser enquadrados no artigo 40.º do Código do IRC;
- A dedutibilidade das realizações de utilidade social que não estejam taxativamente enumeradas na primeira parte do artigo 40.º n.º 1 do Código do IRC depende de reconhecimento prévio da AT, o que não se verificou no caso concreto. Assim, os encargos em apreço apenas podem ser enquadráveis no artigo 40.º n.º 2 do Código do IRC;
- O regime estabelecido no artigo 40.º do Código do IRC consagra uma exceção ao artigo 23.º do mesmo Código. Com efeito, o Código do IRC prevê que sejam aceites como custos determinadas liberalidades que, como tal, não seriam consideradas custo à luz dos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código.
(iii) Decisão quanto aos Serviços Médicos
Nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, na redação em vigor à data dos factos, “1 – Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(…)
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;
(…)
4. Exceto quando estejam abrangidos pelo disposto no artigo 40.º, não são aceites como custos os prémios de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como as importâncias despendidas com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões e para quaisquer complementares de segurança social que não sejam considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS”.
No que respeita à dedutibilidade dos encargos com serviços médicos cumpre primeiramente aferir da possibilidade de aqueles poderem ser dedutíveis nos termos gerais, i.e., no contexto do artigo 23.º do Código do IRC. Isto porque, a este respeito, a posição da Requerente e da Requerida é frontalmente antagónica. Importa ainda confirmar a interpretação a dar ao artigo 23.º, n.º 4 do Código do IRC. Neste contexto, parece ser ainda de analisar qual o âmbito de aplicação daquele artigo quando interpretado conjuntamente com o artigo 40.º do Código do IRC (atual artigo 43.º), relativo às realizações de utilidade social.
Relativamente à matéria da dedutibilidade dos custos, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, já se pronunciou este Centro por diversas vezes. Lê-se, com efeito, na decisão do processo n.º 39/2013-T, de 10/14/2013, em que foi árbitro presidente Jorge Lopes de Sousa, que a “interpretação do conceito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do CIRC tem, na doutrina jurídico-fiscal portuguesa, em TOMÁS TAVARES e ANTÓNIO PORTUGAL, autores de obras nucleares quanto à dilucidação de tal conceito.
Para o primeiro destes autores: «A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspetiva económico-empresarial, por preenchimento, direto ou indireto, da motivação última para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo.»
E continua: «(…) A indispensabilidade subsume-se a todo qualquer ato realizado no interesse da empresa. A noção legal de indispensabilidade reprime, pois, os atos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro».
O segundo autor, relativamente à questão de saber qual a melhor interpretação do conceito de indispensabilidade, exprime a seguinte posição:
«A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objeto societário. Esta posição está presente desde logo nos escritos de Vítor Faveiro, que reconduz a indispensabilidade do gasto à sua apreciação como ato de gestão em função do concreto objeto societário, recusando que esta indispensabilidade possa ser aferida livremente a partir de um qualquer juízo subjetivo do aplicador da lei».
Estas obras sustentam, pois, que qualquer decaimento económico (gasto) que tenha uma relação com o objeto societário, seja incorrido no âmbito da atividade, ou evidencie um business purpose, cumprirá o requisito da indispensabilidade.”
No processo n.º 12/2013-T, de 07/08/2013, em que foi árbitro presidente Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, lê-se que tendo “em conta a jurisprudência dos tribunais superiores (devidamente citada pelas partes, em especial pela Requerida [nomeadamente, Acórdão do STA 186/06, de 12/7/2006; 107/11 de 30/11/2011; 1077/08, de 20/5/2009; 246/02, de 10/7/2002 e Acórdão do TCA Sul 5251/11, de 24/4/2012, consultados em www.dgsi.pt]) e os ensinamentos da doutrina que se debruçou sobre o assunto (abundantemente citada pelas partes, nomeadamente pela Requerida) inclusive um trabalho de que o árbitro é autor (Tomás Cantista Tavares, Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos, CTF 396, Outubro-Dezembro de 1999 e António Portugal, A dedutibilidade dos custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004), podemos estabelecer os seguintes corolários, aceites por todas estas fontes, relativamente ao caso dos autos:
1. O art. 23.º do CIRC contém uma cláusula aberta, que carece de interpretação e aplicação ao caso concreto (sem que o Fisco possa entrar num juízo de oportunidade ou de discricionariedade técnica), pela qual só são fiscalmente aceites os custos indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
2. A indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua atividade concreta.
3. A Autoridade Tributária não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa.
4. O gasto imprescindível equivale a todo o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos e que represente um decaimento económico para a empresa.
(…)
7. O art. 23.º do CIRC quer apenas recusar a aceitação fiscal dos custos, que embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais. Trata-se de situações claramente abusivas, pois tais gastos não se inscrevem no âmbito da sua atividade – foram contraídos não no interesse da sociedade, mas para a prossecução de objetivos alheios (por exemplo, camuflar gastos pessoais dos administradores).
8. O custo fiscal exige um interesse próprio e egoístico da sociedade que regista o custo: esse interesse tem de existir autonomamente e não pode ser diluído no interesse coletivo ou do grupo.”.
Ora, tomando como boas as teorias acima descritas e reconduzindo as suas diretrizes aos factos em análise no caso concreto, sempre será de relembrar, em primeiro lugar, que a listagem prevista no artigo 23.º não é exaustiva. O artigo 23.º assume-se, tal como referido, como uma cláusula aberta, pelo que o custo poderá ser dedutível mesmo que não diretamente reconduzível a uma das alíneas previstas no seu número 1. Assim, o facto de as despesas serem, ou não, individualizáveis relativamente a cada trabalhador, não se assume como elemento definitivo na análise da dedutibilidade do custo.
Por outro lado, os custos deverão ser, regra geral, dedutíveis, a menos que a lei expressamente determine a sua não dedutibilidade. E mesmo nestes casos, como refere António Moura Portugal “resulta que a jurisprudência não nega um qualquer valor à enumeração exemplificativa, mas que está longe de ser a pretendida indispensabilidade ex lege.
Quanto muito, poderá falar-se numa potencial indispensabilidade, por via de um juízo probabilístico e da maior afeição que resulta do facto de ser um dos encargos enumerados na lei como exemplos de custos dedutíveis. Em todo o caso, sem que daí resulte qualquer garantia ou juízo definitivo”[1].
Ora, no caso da medicina ocupacional, o facto de os encargos serem obrigatórios nos termos da lei, sendo indispensáveis para a manutenção de empregados, parece argumento bastante para aceitar a dedutibilidade do custo. Não apenas a existência de empregados é um elemento necessário à “realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, como o facto de se tratar de uma obrigação legal é suficiente para determinar a existência de um “interesse próprio e egoístico da sociedade que regista o custo”.
O facto de as prestações médicas poderem não ser reconduzíveis a um rendimento do trabalho dependente, não parece, assim, ser fundamental para sua dedutibilidade ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC. A questão que importa colocar, para aferir da possibilidade de deduzir um custo para efeitos fiscais ou, por outras palavas, se um custo deve ser considerado indispensável, é verificar se a intenção que presidiu à assunção do encargo é, ou não, empresarial.
Desta feita, os referidos encargos parecem ser dedutíveis nos termos gerais, i.e., no âmbito do artigo 23.º do Código do IRC.
Os encargos com medicina assistencial e as prestações a favor de pensionistas e familiares pode exigir algumas notas adicionais.
Neste contexto salientamos que também estes serviços são obrigatórios, decorrendo de obrigações resultantes de um ACT em vigor, o que será igualmente bastante para demonstrar o caráter não abusivo dos encargos.
Ainda, a lei não parece exigir como condição para a dedutibilidade de um custo, um juízo subjetivo relativo à possibilidade de o encargo, em concreto, ter sido apto à obtenção de lucro ou à manutenção da fonte produtora. Não deve, assim, a AT substituir-se postumamente aos órgãos decisores da Requerente e fazer um juízo sobre como conduziria a situação caso fosse confrontada com a necessidade de tomar uma decisão semelhante tendo em consideração os factos do caso. Não é condição para a dedutibilidade de um custo a identidade potencial de decisões entre o particular e a AT. A este respeito J. L. Saldanha Sanches defendia que não se “trata de saber se corresponde ou não à mais eficaz defesa dos interesses da empresa: esta é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado – nem na veste da Administração, nem mesmo na veste do juiz, de modo a que estes possam realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial. Também não pode depender da validação mediante a verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos. O julgamento sobre a possibilidade, em abstrato, de um custo ou despesa produzir lucros não cabe à Administração ao discutir a quantificação do lucro tributável, nem cabe ao juiz ao julgar um litígio comercial entre sócios.
Não se trata de saber se a operação foi uma boa ou má decisão de gestão, se seria a melhor solução para aquele caso concreto. A liberdade e a responsabilidade da decisão cabem apenas ao gestor”[2]
Defende Rui Duarte Morais, relativamente à dedutibilidade de custos fiscais, que “serão aceites como tal, para efeitos fiscais, os constantes da contabilidade, desde que comprovados e indispensáveis”[3]. Neste contexto, refere o autor que em “primeiro lugar, há que atentar no elemento literal da norma no significado da palavra indispensável. Indispensável não é aquilo que é «obrigatório», mas o que é necessário”[4], acrescentando que a necessidade se destina à manutenção da fonte produtora, entendida num sentido dinâmico. As “empresas visam o seu desenvolvimento, o seu crescimento. As despesas incorridas com tal objetivo são, indiscutivelmente, custos fiscais”[5]. O mesmo autor defende que os “sujeitos passivos são, pois, livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e montante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada atividade económica.
Temos, como princípio inerente à ideia de Estado Fiscal, a não interferência da administração na gestão das empresas.
A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial, feito pela administração fiscal ou pelos tribunais.
Um custo não deixa de o ser (não deve deixar de ser considerado como tal para efeitos fiscais) pelo facto de, numa avaliação a posteriori, se revelar inútil ou ineficaz (p. ex., por não se mostrar gerador de proveitos) ou, simplesmente, excessivo na ótica dos interesses fazendários. Até porque uma tal avaliação resultaria, muitas vezes, viciada pelo facto de, no momento em que é realizada, serem conhecidos factos novos, não presentes aquando da tomada da decisão pelo sujeito passivo.
Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a aceitação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação directa com a obtenção de concretos proveitos”[6].
Com efeito, defende Rui Duarte Morais que se “à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial – no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável” [7].
No mesmo sentido, José Casalta Nabais defende que o “princípio da livre disponibilidade económica exige que se permita, com a maior amplitude possível, a livre decisão do indivíduo em todos os domínios da vida, e que a limitação dessa liberdade de decisão apenas seja admitida quando, do seu exercício sem entraves, resultem danos para a colectividade, ou quando o estado tenha de tomar precauções para que se possa conservar e manter essa mesma liberdade de decisão”[8].
Quer no caso da medicina assistencial, quer no caso da medicina ocupacional, o objetivo que presidiu aos encargos foi o cumprimento de obrigações que, de forma mais ou menos direta, podem ser reconduzíveis à lei. Desta feita, a manutenção de trabalhadores depende, não apenas da existência de medicina ocupacional, mas também de serviços médicos assistenciais, sem os quais o ACT seria violado.
Repare-se que, mesmo no caso da proteção médica extensível a pensionistas e familiares, é possível descortinar um objetivo empresarial, já que se pretende, no essencial, assegurar com essas prestações uma maior motivação por parte dos trabalhadores no ativo, quer tendo em vista as prestações que podem vir a beneficiar chegados à reforma, quer a proteção de que beneficiam as suas famílias.
Relativamente ao âmbito de aplicação do então artigo 40.º do Código do IRC atinente a realizações de utilidade social e da sua relação com o então artigo 23.º, n.º 4 do mesmo Código, também já se pronunciou este Centro. No Processo n.º 69/2013-T, de 10/22/2013, em que foi árbitro presidente Jorge Lopes de Sousa, em particular no que respeita a despesas com seguros, refere-se que “em regra, não são considerados como custos para efeitos de IRC, os prémios de seguros de doença de que sejam beneficiários os familiares de trabalhadores, pois não são considerados rendimentos do trabalho dependente dos respetivos beneficiários.
Por isso, a eventual consideração como custos dos prémios dos seguros de doença de que são beneficiários familiares de trabalhadores só poderá resultar do artigo 40.º do CIRC vigente em 2005 (anterior artigo 38.º e atual artigo 43.º), ao abrigo da exceção prevista na parte inicial daquele n.º 4 do artigo 23.º.
É de notar, no entanto, que a parte inicial do referido n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, ao fazer referência às importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», deixa entrever que é indiferente para que estas despesas de prémios de seguros sejam consideradas «rendimentos do trabalho dependente», e consequentemente, custos à face do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, independentemente de se tratar de seguros obrigatórios ou facultativos.
Não há, assim, fundamento para distinguir entre os seguros de doença obrigatórios e os facultativos, a nível da relevância dos respetivos prémios como custos, quando a obrigatoriedade deriva de vinculações de origem contratual e não é imposta por lei.
Aliás, a alínea b) do n.º 4 do artigo 40.º do CIRC, ao definir as condições da dedutibilidade dos custos com seguros de doença, alude aos benefícios estabelecidos «em cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho», o que revela que o regime deste artigo 40.º se reporta também aos benefícios obrigatórios por esta via, que têm base contratual, já que têm esta natureza os impostos por instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho (artigos 539.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor em 2005).
Assim, conclui-se que, como resulta daquele n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, os prémios de seguros de doença que são rendimentos do trabalho são dedutíveis como custos. Os que não sejam rendimentos do trabalho, apenas poderão ser quando sejam abrangidos pelo artigo 40.º.
Está afastada, por isso, a consideração como custos de prémios de seguros de saúde de que sejam beneficiários familiares de trabalhadores, por via do n.º 1 do artigo 23.º, pois está especialmente regulada da sua relevância para esse efeito, no n.º 4 do mesmo artigo, com remissão para o artigo 40.º do CIRC.”
Nos termos da mesma decisão, em particular no que respeita “a dedutibilidade como custos das despesas com seguros de saúde de familiares de trabalhadores terá de ser aferida à face do artigo 40.º do CIRC, que, em 2005, estabelecia o seguinte:
(…)
No que respeita a referência a «familiares» de trabalhadores, apenas se encontram nos n.ºs 1 e 9.
Desta constatação, conclui-se, logo numa primeira análise, que os «familiares» dos trabalhadores não são uma realidade social de que o legislador se tivesse esquecido ao estabelecer o regime das «realizações de utilidade social».
Mas, também se conclui que, entre todas as realizações de utilidade social que se ponderaram incentivar com a dedutibilidade de despesas como custos, se entendeu dar relevo a esse nível apenas algumas delas quando são beneficiários familiares dos trabalhadores.
Na verdade, «quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e direto das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exato) de que o legislador soube exprimir com correção o seu pensamento».
Assim, no caso em apreço, não há qualquer suporte no texto da lei para concluir que as despesas com seguros de doença que são consideradas custos dedutíveis abranjam as relativas a familiares dos trabalhadores, já que apenas aos trabalhadores se faz referência no n.º 2 e o legislador tinha presente a hipotética extensão do âmbito de aplicação das norma aos familiares dos trabalhadores, expressamente referidos nos n.ºs 1 e 9.
O n.º 4, que se reporta também aos seguros de doença, também apenas faz referência aos trabalhadores e não aos seus familiares.
Por outro lado, mostrando que os familiares dos trabalhadores não foram esquecidos quando se redigiu este artigo, no n.º 9 deste artigo 40.º volta-se a fazer referência a esses familiares, a propósito das realizações de utilidade social referidas no n.º 1, o que reforça a conclusão de que apenas nos casos previstos no n.º 1 se entendeu dever aceitar-se a dedução como custos despesas com eles relacionadas.
Nestas condições, a omissão de referência aos familiares dos trabalhadores nos n.ºs 2 e 4, no contexto de um artigo do CIRC em que eles estavam na mente legislativa, deverá considerar-se como intencional, à face da presunção, imposta pelo artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Há, assim insistentes argumentos literais que apontam no sentido da interpretação efectuada pela Administração Tributária, de que os seguros de doença de familiares não são dedutíveis como custos, apenas o sendo os indicados nos n.ºs 2 e 4, relativos aos trabalhadores da empresa [quando não sejam direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários, pois se o forem a dedutibilidade plena é assegurada pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, conjugado com o n.º 4 do mesmo artigo e o n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS].
(…)
Para além dos argumentos literais, é de notar que, sob a perspetiva da relevância dos custos para obtenção dos proveitos, que é a que tem de adotar nesta matéria, se justifica que sejam tratadas diversamente, a nível do incentivo em que se traduz a dedutibilidade das despesas, aquela que são efetuadas com as infraestruturas de apoio social referidas no n.º 1 e as que se reportam a seguros de saúde de familiares dos trabalhadores.
Na verdade, as primeiras (creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas,) estão naturalmente vocacionadas para terem repercussão a nível de benefícios para a empresa, por permitirem aos trabalhadores mais fácil assistência aos seus dependentes, com o corolário de maior disponibilidade para a empresa e o natural reflexo positivo no incremento dos proveitos, enquanto seguros de saúde de familiares dos trabalhadores não têm ou, pelo menos não terão provavelmente, qualquer efeito positivo a nível dos ganhos da empresa.
Para além disso, também é manifesto que se justifica que se distinga, a nível da dedutibilidade de custos e sua relevância para a formação dos proveitos, entre os seguros de doença de que são beneficiários trabalhadores, conexionados diretamente com a promoção de uma eficaz laboração no interesse da empresa, e os seguros de que são beneficiários os seus familiares, que não têm qualquer relação direta com aquele interesse.
Por outro lado, é também esta interpretação que decorre do teor literal que se compagina com o princípio constitucional da tributação das pessoas coletivas com incidência fundamentalmente pelo rendimento real, que aponta no sentido de apenas poderem relevar como custos as despesas que tenham sido realizadas com a perspetiva de incrementar os ganhos ou proveitos ou manter a fonte produtora e não as supérfluas, as que não tenham qualquer relação percetível com a formação do rendimento.
Se a empresa, por sua iniciativa, decide efetuar, com vinculação jurídica de natureza contratual ou sem ela, despesas que não são necessárias para a formação do rendimento nem manutenção da fonte produtora, deverá suportar integralmente essas despesas, não havendo suporte lógico, nem legal, nem constitucional para que seja a generalidade dos contribuintes a suportarem o parte do prejuízo que de tal conduta deriva para o erário público, através da diminuição das receitas fiscais.
Nem se divisa aqui uma violação do princípio da igualdade, pois o tratamento fiscal das despesas conexionadas com a formação do rendimento ou a manutenção da fonte produtora não tem de ser idêntico ao que é dado às despesas que não contribuem para essa formação.
Por outro lado, também não é violado o princípio da capacidade contributiva, pois ele não exige que se dê relevância a diminuições de rendimento desnecessárias.
Também não é afetado o direito constitucional à propriedade privada, pois o dever de pagar impostos é uma das restrições constitucionalmente previstas a esse direito.
Diga-se ainda que, não se justificam, nesta matéria de seguros de doença, comparações com os regimes de assistência na doença aos funcionários públicos e equiparados, pois estes são regimes contributivos, pagos pelos trabalhadores cujos familiares são beneficiários.”.
Também no Processo n.º 328/2015-T, de 06/07/2016, em que foi árbitro presidente relator José Baeta de Queiroz e em que a “questão que ora se apresenta a resolver, é, exclusivamente, uma questão de Direito, e prende-se diretamente com a interpretação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 40.º do CIRC, na redação à data aplicável aos factos, que dispunham que: «São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.»; e que «O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões de segurança social.».
Antes de mais, diga-se que não se subscreve o entendimento propugnado pela AT, segundo o qual o artigo 40.º do CIRC se reporta a liberalidades que não seriam consideradas à luz dos artigos 23º e 24º do mesmo Código.
Com efeito, e salvo o devido respeito e melhor opinião, considera-se que o que está em causa nas previsões da norma em questão, não são liberalidades, mas formas alternativas de remuneração da prestação de trabalho. Ou seja: o espírito que preside à sua atribuição, não é um animus donandi (que, de resto, seria contraditório, tendo em conta o escopo lucrativo que é essencial à figura jurídica da sociedade comercial, forma sob a qual se incorporam a esmagadora maioria dos sujeitos passivos de IRC), mas – antes – uma vontade de remunerar o seu pessoal pelo trabalho que presta (se tal tipo de remuneração é, ou não, tributada em IRS, é questão distinta e autónoma da que ora se discute). Será inquestionável, em suma, julga-se, a existência de um sinalagma entre a prestação do trabalho pelo pessoal, e os «contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa». Tais regalias serão, notoriamente e por regra, percecionadas por ambas as partes (empregador e pessoal) como um complemento da remuneração por si convencionada.
E será, justamente, esta natureza remuneratória, e não de liberalidade, conjugada com a dificuldade da sua tributação como rendimento na esfera dos beneficiários, que explicará a restrição no montante das despesas que são dedutíveis, restrição essa que se explicará não por um propósito de incentivar as empresas a realizar certo tipo de despesas, como aventa a AT, mas – antes – de as limitar.
Não se compreende, por outro lado, qual a relação entre a base de cálculo do regime geral obrigatório de segurança social, e a base de cálculo do limite das contribuições facultativas para os regimes de natureza complementar, estabelecida pela AT. Com efeito, uma coisa é a base de cálculo de uma contribuição; outra é a base de cálculo de um limite de contribuições; outra, ainda, é a base de cálculo de um limite à dedutibilidade fiscal de despesas com contribuições, que é o que está ora em causa, e que não se descortina que espécie de lógica comum partilhará com a primeira das situações enunciadas, em termos de impor uma relação de identidade.
Nada adianta no sentido sustentado pela Requerida, a circunstância de o legislador referir que tais despesas têm que ser escrituradas a título de «remunerações, ordenados ou salários». Com efeito, se é verdade que, tratando-se de valores relativos a rendimentos do trabalho, o normal será que sobre os mesmos recaiam contribuições para a Segurança Social, não deixa de ser verdade também que as situações em que tal não acontece, se bem que não constituindo a regra, não serão elas próprias situações anormais nem, muito menos, patológicas, multiplicando-se nos regimes legais aplicáveis, por exemplo, quer as situações de isenção, quer as situações de exclusão, quer as situações de sujeição optativa.
Não se acolhe, também, o argumento esgrimido pela AT, segundo a qual o n.º 3 se explicaria pela necessidade de se acolher um limite superior, por razões de política fiscal e considerando uma maior utilidade social, caso os trabalhadores não tenham direito a pensões de segurança social. Com efeito, os trabalhadores que não tenham direito a pensões de segurança social, por princípio, serão aqueles que – justamente – estarão afastados da base contributiva para a segurança social, pelo que careceria de sentido que fosse com base nesta que se calculasse o limite à dedutibilidade dos gastos em causa.
Deste modo, não se vislumbra nenhum argumento que justifique qualquer desvio em relação ao sentido escrito da lei, considerando-se que se o legislador quisesse que a base de cálculo para o referido limite fosse o do conjunto de remunerações que serve de base de cálculo às contribuições para a segurança social, tê-lo-ia dito, em lugar de utilizar a expressão «despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício»”.
Ora, sem prejuízo de se poder discutir a ratio juris específica que preside aos artigos 23.º n.º 4 e 40.º do Código do IRC, verificamos que, quer da letra da lei, quer das decisões arbitrais acima descritas, resulta que as restrições à dedutibilidade descritas apenas se aplicam aos casos particulares descritos nos referidos artigos. Não será, desta feita, possível, invocar uma mera interpretação substancial para reconduzir a prestação de cuidados médicos à previsão legislativa aplicável a seguros de saúde, como faz a AT. Tal como já foi referido acima, a regra geral será a dedutibilidade dos custos fiscais, a menos que estes sejam expressamente limitados. Com efeito, a isso obriga o princípio da capacidade contributiva. As situações de não dedutibilidade ou de limites à dedutibilidade são, assim, absolutamente excecionais.
Assim, se na linha do defendido no Processo n.º 328/2015-T, de 06/07/2016, as situações previstas no artigo 40.º do Código do IRC não “são liberalidades, mas formas alternativas de remuneração da prestação de trabalho”, por maioria de razão também o serão outros elementos que, nos termos do artigo 2.º n.º 3, b) 3) do Código do IRS, são igualmente considerados remuneração.
Lembramos, desta forma, que enquanto no caso das “importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social”, apenas são consideradas remuneração “desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários” ou que “não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade;”. Os referidos requisitos, nomeadamente a existência de direitos adquiridos e individualizados, não se exigem relativamente a outro tipo de remunerações.
A natureza absolutamente excecional das limitações à dedutibilidade de custos e o facto de os requisitos previstos no artigo 40.º do Código do IRC apenas se aplicarem a “contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício da reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa”, faz com que o regime previsto nos artigos 23.º n.º 4 e 40.º do Código do IRC não seja aplicável aos encargos médicos em discussão no presente processo.
Na verdade, nos termos do artigo 2.º n.º 3, al. b) do Código do IRS, considera-se remuneração “todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica”, ainda que não as vantagens não sejam pagas ao trabalhador, ou pagas pela entidade empregadora. Com efeito, não obstante decorrer atualmente do número 11 do artigo 2.º do Código do IRS que se considerada existir remuneração ainda que a vantagem beneficie “qualquer outra pessoa do seu agregado familiar ou que a ele esteja ligado por vínculo de parentesco ou afinidade até ao 3.º grau da linha colateral, ao qual se equipara a relação de cada um dos unidos de facto com os parentes do outro”, tendo esta norma sido introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o referido princípio decorre já do artigo 2.º do Código do IRS. Com efeito, considera-se remuneração toda a vantagem auferida em conexão com a prestação do trabalho, sendo esta paga no momento da prestação ou no futuro, constituindo, neste último caso, uma expectativa existente no momento da negociação do pacote salarial.
Desta feita, se dúvidas existissem que os encargos com as prestações de serviços de medicina assistencial se enquadram no artigo 23.º do Código do IRC, sendo uma decorrência da regra geral, sempre seria de reiterar a sua recondução à noção de encargo remuneratório previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. d) do Código do IRC, dando-se, também neste contexto, razão à Requerente.
Não o fazemos somente nos termos já referido processo n.º 328/2015-T, de 06/07/2016, do CAAD a que presidiu o mesmo presidente deste mesmo acórdão (v., em especial o ponto iv.).
Também recentemente o TCA-Sul usou uma linha de raciocínio que podemos transportar para o caso presente, enquadrando os custos que ora se discutem no artigo 23.º, mas admitindo aqui, ao contrário daquele Tribunal a sua dedutibilidade, uma vez que ali apenas faltou suficiência probatória que aqui abunda. Afirma então o TCA-Sul no P. 7661/14, de 19/02/2015, e com os sublinhados que acrescentamos:
“A recorrente censura a sentença recorrida, bem como a correção efetuada. Esta última impôs o tratamento das despesas relacionadas com atos de assistência médica prestados aos trabalhadores das empresas do grupo, como realizações de utilidade social, sujeitas, por isso, ao limite de aceitação como custo de 15% sobre o montante das despesas escrituradas como remunerações de pessoal, nos termos do artigo 40.º/2, do CIRC.
A recorrente não juntou aos autos elementos que comprovem os encargos em causa. A correção em causa impõe o tratamento como realizações de utilidade social, subsumível ao preceito do artigo 40.º/2, do CIRC, das despesas com assistência médica aos trabalhadores das empresas do grupo. Correção que foi confirmada pela sentença recorrida, nos seus precisos termos.
O ataque à bondade da correção e da qualificação jurídica em causa suporia atividade probatória desenvolvida no sentido de concretizar os termos em que foram realizadas as despesas em causa, tendo em vista a sua caracterização como custos efetivos e indispensáveis à formação de proveitos, os quais pela sua permanência, regularidade e efetividade e indispensabilidade afastariam a sua caracterização como realizações de utilidade social. A invocação de decisões judiciais em sentido contrário não se afigura de utilidade à posição da impugnante, dado que estão em causa custos, cujo detalhe descritivo cumpre dilucidar, através de documentação idónea de suporte. Sem a referida comprovação a caracterização pretendida incorre em petição de princípio, pois que o eventual erro na subsunção, supõe o esclarecimento da premissa fáctica de que se parte.
É esta falta de comprovação em concreto dos termos em que foram realizadas as despesas em apreço que foi objeto de censura por parte da sentença, juízo que a recorrente não logra inverter, pois que a matéria de facto assente relevante não é pela mesma impugnada – artigo 640.º do CPC. A recorrente não logrou juntar aos autos elementos que permitam aquilatar do destino das despesas em causa; não juntou aos autos elementos que permitam descaracterizar a asserção de se trata de encargos com assistência médica dos seus empregados e com a proteção social dos mesmos e nessa medida recondutíveis a realizações de utilidade social, subsumíveis ao disposto no artigo 40.º/2, do CIRC, nos termos da jurisprudência fiscal firme [alíneas 14./III.1.4 e 59. do probatório].
Por último, cumpre apreciar a alegação segundo a qual a qualificação jurídica em causa ofende o princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º da CRP.
A este propósito, dir-se-á que a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 23.º do CIRC, dado que são necessários para a formação dos proveitos depende da demonstração por parte do contribuinte de especiais requisitos, como sejam a efetividade e a indispensabilidade. Por seu turno, a dedutibilidade dos custos previstos no artigo 40.º/2, do CIRC, depende da sua efetividade e da sua relação com os mecanismos de proteção social dos trabalhadores da empresa, depende também da sua consagração em instrumentos de regulação coletiva do trabalho e de que a sua concessão obedeça a critérios objetivos e idênticos para todos os beneficiários. Subjacente à intenção normativa de ambos os preceitos está o princípio constitucional da tributação do rendimento real das empresas. No caso do preceito do artigo 23.º/1, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a relação de causalidade do mesmo com a geração dos proveitos, no caso do preceito do artigo 40.º/2, do CIRC, a dedutibilidade do custo prende-se com a garantia da proteção social do trabalhador e do seu agregado familiar assegurada pela empresa, no quadro dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho. São tipologias de custos diferentes, os quais justificam um regime de dedutibilidade também diferente, nos termos legais. No caso, afigura-se que se verificam os pressupostos do artigo 40.º/2, do CIRC [alíneas 14./III.1.4 e 59. do probatório].
Donde decorre que o princípio da legalidade fiscal não apenas suporta, como torna necessária a caracterização dos custos em exame e, como consequência, torna inevitável a aplicação do limiar de 15% sobre as despesas escrituradas com remuneração de pessoal, como preceitua o disposto no artigo 40.º/2, do CIRC.
Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada, nesta parte.”
Ou seja, o Tribunal Central Administrativo vê assim dois regimes possíveis para a mesma despesa, tendo em conta a prova efetuada e a convicção dessa prova no julgador. Nos casos do artigo 40.º, n.º 2, a prova é menos exigente, mas também é limitada a dedutibilidade, fazendo-se este compromisso pela bondade das despesas, digamos assim; nos casos do artigo 23.º a prova é mais exigente e a dedutibilidade segue os termos gerais. Ora, também aplicando esta metodologia, entendemos que estes custos são dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º na medida em que no presente processo ficou provado a efetividade, permanência, regularidade e indispensabilidade destes custos na esfera das empresas que os realizam.
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Dos custos não devidamente documentados
A Requerente contesta a posição da AT ao não considerar dedutíveis os seguintes gastos registados como tal na contabilidade da primeira:
- Passagens aéreas no valor de 2 901,48 €
- Fatura de agência de viagens no valor de 12 911,95 €
- Reembolso de despesas no valor de 3 316,65 €.
Refere a Requerida na Resposta que apresentou ao Pedido de Pronúncia Arbitral submetido pela Requerente que os “custos supra identificados não foram aceites pela AT atendendo a que não permitiam assegurar de forma inequívoca serem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos ou manutenção da fonte produtora dos mesmos”. E fundamenta tal conclusão no facto de a documentação de suporte se ter revelado insuficiente “pelo seguinte:
i- Quanto aos encargos com deslocações e estadas: ausência de boletim de deslocações visado pela hierarquia que permita comprovar a indispensabilidade da despesa, ou, boletim de deslocações sem o respetivo visto por parte da hierarquia que permitisse comprovar a autorização da despesa.
ii- Quanto aos encargos com trabalhos especializados/reembolso de despesas: o suporte documental em causa (carta de entidade brasileira que debitou à A… os encargos incorridos por sua conta), não continha qualquer referência da entidade emitente, nem o número da fatura”.
Na dúvida sobre a aceitação dos referidos custos como gasto fiscal, por indispensáveis à realização de proveitos, a AT considerou que a existência de boletim de deslocação, de visto da hierarquia que permita comprovar a autorização de despesa e de referência à entidade emitente e número de fatura no documento de suporte ao reembolso de despesas seria complemento suficiente para concluir sobre a indispensabilidade do gasto.
Ora, independentemente dos méritos organizativos da adoção de boas práticas de controlo interno, não pode a não adoção de tais boas práticas ser fundamentação ao não cumprimento do dever de comprovar a dedutibilidade fiscal dos custos suportados pelas empresas. Com efeito, em parte alguma o Código do IRC exige o cumprimento dos requisitos referidos pela AT, ou quaisquer outros relativos à adoção de práticas ideais de controlo interno, para comprovar indispensabilidade dos gastos suportados pelos sujeitos passivos para a realização de rendimentos tributáveis.
Resta, assim, analisar se as despesas suportadas pela Requerente, cuja veracidade não foi posta em causa pela AT, se relacionam com o exercício efetivo da sua atividade empresarial. Com efeito, conforme refere o Acórdão do STA de 29 de março de 2006, referente ao Processo 01236/05, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.”
Por outro lado, refere o Acórdão do TCA de 14 de julho de 2014, relativo ao processo 2390, que, "em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº 1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA. A exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão só, para alguns autores, um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação. Em relação à jurisprudência deste Supremo Tribunal, ficou consignado no Acórdão de 8/7/1999, proc. nº 23535, que “Os requisitos das faturas, constantes do artigo 35º, nº 5, do CIVA, não são exigências de validade formal das faturas para efeitos de IRC, mas apenas para efeitos de dedução do IVA, nos termos do artigo 19º, nº 2, do CIVA”."
Ora referindo-se parte dos gastos em causa a viagens de quadros da A… ao Brasil e a Espanha, territórios nos quais a Requerente tem presença substancial com subsidiárias, e a Nova Iorque, cuja Bolsa de Valores a A … integrava à data, viagens essas que a AT não contesta, não se vê razão para que a ausência de boletim de deslocação e/ou de autorização da hierarquia legitime a conexão destes gastos com o seu interesse empresarial. Também a ausência de referência à entidade emitente e número de fatura na carta de reembolso de despesas suportadas pelo Banco …, um banco de investimento brasileiro contratado pela Requerente para a auxiliar nas negociações em 2001 para aquisição do controlo pela Requerente da sociedade G…, não parece ser razão suficiente para que seja posta em causa a despesa como necessária à prossecução do interesse empresarial da Requerente.
Assim, conclui-se que os gastos suportados pela Requerente respeitam o princípio da indispensabilidade previsto no artigo 23º do Código do IRC e estão devidamente comprovados, dando-se razão à Requerente.
IV. Juros Indemnizatórios
Conforme se estabeleceu em sede factual, a Requerente pagou, da quantia liquidada, € 5.465.215,44 em 2 de Janeiro de 2006, sendo € 4.686.032,39 de imposto e € 779.185,05 de juros compensatórios, e em 18 de Dezembro de 2013 mais € 119.679,91 ao abrigo do RERD. Além disso, em 26 de Abril de 2006 prestou garantia no processo executivo emergente da liquidação impugnada, mediante seguro caução, suportando um encargo de € 152.864,11.
Como resulta do discurso que antecede, relativamente à apreciação jurídica do caso, não houve retardação da liquidação de imposto devido – antes, foi ilegal a liquidação efetuada e consequente arrecadação de imposto.
Como assim, e de acordo com a disposição do artigo 35º da Lei Geral Tributária, os juros compensatórios liquidados e em parte pagos foram-no indevidamente, devendo ser restituídos à Requerente.
O mesmo se passa com a garantia prestada pela Requerente para suspender a execução fiscal emergente da liquidação ilegal. Decidida a ilegalidade da liquidação, a Requerente deve ser indemnizada das despesas em que incorreu, por força do artigo 53º nºs. 1 e 2 da Lei referida.
Tudo isto foi peticionado pela Requerente, que também quanto a estes pontos obtém ganho de causa.
Por último, a Requerente pede à AT juros indemnizatórios, e também este pedido procede, face à estatuição do artigo 43 nº 1 da Lei Geral Tributária: verifica-se, em impugnação judicial, que a AT incorreu em erro que lhe é imputável e que dele resultou o pagamento de dívida tributária indevida.
V. Dispositivo
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a decisão da reclamação graciosa, na parte desfavorável à requerente, e anular a liquidação de IRC, na parte impugnada, com as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis:
b) Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, a partir das datas dos pagamentos efetuados, e sobre esses pagamentos, até integral reembolso;
c) Julgar procedente o pedido de condenação da AT no pagamento do montante suportado pela Requerente com a prestação de garantia mediante seguro caução;
d) Condenar a AT nas custas do processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 6.776.630,85 (seis milhões, setecentos e setenta e seis mil, seiscentos e trinta euro e oitenta e cinco cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 306.º, n.º 2, do CPC.
VII. Custas
O montante das custas é computado em € 84.762,00 (oitenta e quatro mil setecentos e sessenta e dois euro), de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 10 de abril de 2017.
Os árbitros,
(José Baeta de Queiroz)
(João Taborda da Gama)
(Luísa Anacoreta)
[1] António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa (2004), 271.
[2] J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal3(2007),384.
[3] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC (2007), 79.
[4] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC (2007), 83.
[5] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC (2007), 89
[6] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC (2007), 85-86.
[7] Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC (2007), 87.
[8] José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo (2009), 204.