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Decisão Arbitral
O árbitro singular, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, decide o seguinte:
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I. RELATÓRIO
1. Em 26 de agosto de 2016, a sociedade A…, S.A., NIPC…– a Requerente – apresentou um pedido de constituição de tribunal singular arbitral, pedido que foi aceite com referência a 16 de setembro de 2016.
2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que o ora signatário foi designado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
3. Em 18 de novembro de 2016, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 18 de novembro de 2016.
5. Em crise encontra-se a liquidação de IS no montante de € 931,74 (doc. n.º 1 ao Requerimento Inicial) na sequência da aquisição da fração autónoma designada pelas letras AA, destina a habitação, do prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial da Freguesia de …, concelho de Sintra (ver processo administrativo junto pela AT).
6. Deste modo, importa desde já ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
6.1 A AT emitiu comprovativos nos quais certifica que a transmissão em causa se encontrava isenta de IMT, ao abrigo do disposto da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, pelo que a liquidação consubstancia a revogação de uma isenção;
6.2 A referida norma do CIRE isenta a aquisição a pessoas singulares de bens do ativo referentes a massa insolvente, verificando-se vício do erro sobre os pressupostos de direito;
6.3 Caso assim não se entenda, tal interpretação deve-se ter por restritiva e, nessa medida, por inconstitucional por violação do n.º 2 do artigo 165.º da Constituição; e,
6.4 O ato tributário enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito.
7. A AT, discordando desses entendimentos, apresentou defesa, alegando, em síntese, que não se encontram reunidos os pressupostos legalmente previstos para beneficiar da isenção de IS em razão da sua transmissão ter sido efetuada num processo de insolvência de pessoa singular.
8. Efetivamente, a controvérsia em questão ao longos dos presentes Autos, ainda que nem sempre de forma clara – maxime decorrente do disposto no Requerimento Inicial – reside na circunstância factual de a Requerente ter adquirido um bem – in casu, um imóvel para habitação – a uma pessoa singular (e, portanto, não a pessoa coletiva) no âmbito de um processo de insolvência.
9. Quer isto dizer que, nos presentes Autos arbitrais, não nos encontramos na mesma situação factual, nem perante a mesma fundamentação da AT, do que nos processos (vários, de resto, tanto no STA como no CAAD) em que se discute a isenção de imposto a propósito da aquisição de um elemento do ativo da sociedade insolvente por oposição à aquisição da totalidade do ativo.
10. Termos em que as questões a decidir são as seguintes: a aquisição em causa está isenta de IS ao abrigo do disposto no artigo 269.º, alínea e), do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março e alterado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro? Ou, a isenção prevista na referida disposição legal opera unicamente em relação às aquisições de imóveis efetuadas a sociedades (ie., não pessoas singulares) no âmbito do processo de insolvência?
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II. SANEAMENTO
11. O Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
12. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º (no que respeita à AT) e 10.º do RJAT (no que respeita à Requerente).
13. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe agora, conhecer do mérito do pedido.
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III. MATÉRIA DE FACTO
14. Para provar os factos alegados, a Requerente apresentou a seguinte prova documental:
14.1Documentos de liquidação de IS (Doc. n.º 1 em anexo ao Requerimento Inicial);
14.2Documento comprovativo de aquisição de imóvel (Doc. n.º 2 em anexo ao Requerimento Inicial)
14.3Documento de liquidação inicial de IS com valor a liquidar a zero (Doc. n.º 3 em anexo ao Requerimento Inicial)
14.4Pagamento da liquidação de IS (Doc. n.º 4 em anexo ao Requerimento Inicial)
14.5Reclamação graciosa, ofício com projeto de decisão e decisão de indeferimento (docs. n.os 5, 6 e 7 em anexo ao Requerimento Inicial)
15. A Autoridade Recorrida juntou o processo administrativo.
16. Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, com base na prova documental junta aos autos:
16.1A Requerente foi notificada do documento de liquidação de IS em crise, do qual reclamou, tendo a reclamação graciosa disso indeferida pela AT (Docs. n.os 1, 5, 6 e 7 em anexo ao Requerimento Inicial);
16.2A Requerente efetuou o pagamento voluntário do valor da liquidação em crise (Doc. n.º 4).
17. Com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, não ficou provado – por não resultar de documento, bem pelo contrário – que a AT tenha emitido comprovativos nos quais certifica que a transmissão em causa se encontrava isenta de IMT, tendo antes procedido a uma liquidação a zeros.
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IV. DO DIREITO APLICÁVEL
Da alegada falta de fundamentação:
18. A mera análise do Doc. n.º 1 em anexo ao Requerimento é bastante para se concluir em sentido contrário ao da Requerente.
19. Efetivamente, tal liquidação fundamenta - e com alguma exaustão, diga-se – a liquidação em causa, identificando a factualidade relevante e, em especial, o direito aplicável, referindo diretamente ao disposto na alínea e) do artigo 269.º do CIRE.
20. Termos em que, sem necessidade de maior desenvolvimento, falece in totum a argumentação da Requerente a este respeito.
Do alegado erro sobre os pressupostos de direito e da suposta inconstitucionalidade:
21. Dispõe o artigo 269.º do CIRE:
«Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: […]
e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens» (cit., itálico nosso).
Foi perante esta redação, que a AT recusou a aplicação do benefício previsto na alínea e) deste preceito à aquisição efetuada pela ora Requerente, por se tratar de uma aquisição a uma pessoa singular, e procedeu à liquidação de imposto nos termos genéricos.
No entanto, e como vimos supra, a Requerente contesta esta fundamentação, considerando que tendo adquirido a fração no âmbito da liquidação de massa insolvente verificavam-se preenchidas as condições para beneficiar da isenção em causa.
Basta olhar para a letra da disposição legal (e nem poderia ser de outro modo, em face do artigo 2.º, n.º 2, do RJAT) para concluirmos que a hipótese factual presente nos Autos não é subsumível à previsão da citada alínea e) do artigo 169.º do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de «elementos do activo da empresa» (cit., itálico nosso). Do mesmo modo, não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade na interpretação da AT, pelo menos da forma com que é suscitada no Requerimento Inicial (cfr. § 33 e § 34 do Requerimento Inicial).
E nem se diga que ao aderirmos a esta tese, encontramo-nos a seguir a posição da AT que apenas permite a mesma isenção (ou a relativa ao IMT) quando o bem do ativo alienado constitui todo o ativo ou estabelecimento, e não quando se trata de um elemento do ativo isolado.[1] Efetivamente, o caráter literal da norma é bem diferente em ambas as situações sendo que, no caso dos Autos, a norma refere expressamente a palavra «empresa», não oferecendo margem para dúvidas que por «empresa» não estava a pretender considerar também ‘pessoa singular’.
Dir-se-á que esta posição, assente na Lei, choca, contudo – como sustenta, de resto, a Requerente – com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais».
Mas, neste ponto, seguimos o disposto no Acórdão do STA (2.ª Secção) de 25 de agosto de 2013, no processo 0866/2013 (Rel. Francico Rothes) segundo o qual, e por sua vez citando outra decisão superior:
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«Pode, é certo, defender-se que, na perspectiva do legislador do CIRE, as diferenças quanto ao âmbito da isenção de IMT relativamente à que existia no CPEREF para a SISA não se afiguraram como essenciais, daí que não lhes haja feito qualquer referência particular. É que, designadamente em matéria fiscal, nem sempre o preâmbulo dos diplomas espelha com rigor o respectivo conteúdo, não sendo sequer inédito que incluam menções que o articulado da lei infirma (cfr. no que respeita à SISA/IMT o Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 2010, rec. n.º 499/10)» (cit.).
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Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vício de inconstitucionalidade. (…)» (cit.).
A este entendimento que se acaba de transcrever, e que se subscreve in casu, adicione-se o explanado pela Juiz Cons.ª Fernanda Maças no Ac. STA no processo 0765/2013, de 03 de Julho de 2013; a saber:[2]
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«A referida isenção [n.º 2 do artigo 270.º do CIRE] não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial)» (cit.).
Em face do exposto, conclui-se, na senda da jurisprudência superior acabada de citar, pela inexistência de erro nos pressupostos de direito, bem como a improcedência do vício de inconstitucionalidade, do que decorre a não anulação do ato de liquidação objeto da presente ação arbitral.
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V. DECISÃO
a) Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado; e,
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 931,34, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 6 de abril de 2017
O Árbitro
(Nuno de Oliveira Garcia)
[1] Tal como sucede no Processo 200/2015 T (CAAD) no qual se equiparou a solução de ambos os casos, e segundo o qual: «Por outras palavras, se se aceita que o preceito em causa pode interpretar-se no sentido em que as expressões ‘venda’ e ‘permuta’ não se referem apenas à alienação da empresa ou dos seus estabelecimentos, podendo abranger qualquer venda e qualquer permuta operada no âmbito dos atos processuais e nos processos indicados pela norma, como foi entendido nos acórdãos de 30-05-2012 e de 17.12.2014, então também não faria sentido excluir a sua aplicação à insolvência das pessoas singulares, como foi decidido no acórdão de 03-07-2013» (cit.).
[2] Num processo que, sendo relativo a IMT, consagra jurisprudência aplicável a IS, por se tratarem de disposições (ie., 269.º e 270.º do CIRE) análogas.