Processo n.º 98/2012-T
Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Sr.ª Filipa Barros e Prof. Doutor Carlos Ramos Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 18-10-2012, acordam no seguinte:
1. Relatório
… SGPS S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na Rua …, sociedade dominante de um grupo de sociedades nos termos e para os efeitos dos artigos 69º a 71º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) (doravante a “Requerente”) vem, nos termos art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral, para pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial do acto de autoliquidação do grupo referente ao IRC do exerce de 2011 e a sua anulação parcial, no montante de € 449.542,02, correspondente à autoliquidação de derrama do Grupo e o pagamento de juros indemnizatórios até integral pagamento e juros de mora se a ele houver lugar.
Em suma, a Requerente defende que, actuando em sintonia com instruções genéricas da Administração Tributária divulgadas pelo Ofício Circulado n.º 20132, autoliquidou a derrama global com base na soma algébrica das derramas apuradas por referência ao lucro tributável de cada uma das sociedades do Grupo, no valor de € 536.286,50, quando tal apuramento deveria ser efectuado com base apenas no lucro tributável consolidado do Grupo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando as seguintes questões prévias, como sintetiza no artigo 82.º da sua resposta:
– Ilegitimidade passiva da AT — Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui representada pelo seu dirigente máximo) para estar em juízo como única demandada em matéria respeitante a derrama municipal, imposto co-administrado com os Municípios (sujeitos activos do imposto aqui em causa).
– Interesse em agir dos referidos Municípios neste litígio, porquanto além de co-administradores do tributo, tem um interesse pessoal e directo no seu resultado, devendo qualquer decisão que seja proferida sobre o litígio fazer necessariamente caso julgado em relação a estes.
– Possibilidade de sanação da invocada ilegitimidade passiva através de um incidente de intervenção provocada, a apreciar pelo tribunal arbitral — questão que todavia estará dependente da
– Apreciação da questão da não vinculação dos Municípios à jurisdição do CAAD, e consequentemente
– Incompetência do Tribunal arbitral para proferir decisão de mérito sobre a questão em litígio, porquanto esta não será apta a fazer caso julgado em relação aos Municípios, o que terá consequências relevantes no caso de ser dado provimento ao pedido da Requerente, ficando esta impossibilitada de executar a decisão arbitral contra os Municípios, por não ter quanto a eles a natureza de caso julgado.
Quanto ao mérito da pretensão da Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, em suma, que a derrama municipal é um imposto autónomo em relação ao IRC, de que são sujeitos activos os respectivos municípios e sujeitos passivos cada uma das sociedades do grupo, que estas não gozam de qualquer isenção e que o entendimento sustentado pela Requerente implica violação dos princípios constitucionais ínsitos nos artigos 81.º, 103.º me 238.º da Constituição da República Portuguesa. Defende ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que a nova redacção dada ao n.º 8 do art. 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, tem natureza interpretativa.
A Requerente pronunciou-se sobre estas questões prévias, oralmente e através de documento escrito apresentado na reunião prevista no art. 18.º do RJAT defendendo que elas devem ser julgadas improcedentes.
Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT, foi concedido prazo de 10 dias para a Autoridade Tributária e Aduaneira se pronunciar sobre o documento junto pela Requerente e foi pelo Tribunal Arbitral designado o dia 23-11-2012 para a decisão arbitral (implicitamente sem alegações orais).
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
A matéria relevante para apreciar as questões suscitadas é a seguinte, com indicação dos fundamentos do decidido:
a) A Requerente Grupo … SGPS. S.A assume a posição de sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), integrado, no ano de 2011, pelas seguintes sociedades: (artigo 3.º da pedido de pronúncia arbitral e documentos 3 a 27, com ele juntos, cujos teores se dão como reproduzidos):
Grupo …SGPS. S.A.
…, SGSP, S.A.
…, S.A.
…, Lda,
…, S.A.
…, Lda.
…, Lda.
…, S.A.
…, S.A.
…, S.A.
…Unipessoal, Lda.
…, S.A.
…SGPS, S.A.
…, S.A.
…, Lda.
…, Lda.
…Lda.
…, S.A.
…, S.A.
…, S.A.
…, S.A.
…, S.A.
…, SA.
…, S.A.
…, Lda.
b) No exercício de 2011, cada uma das sociedades integrantes do Grupo apresentou a sua declaração de rendimentos, apurando a correspondentes derramas as sociedades que apresentaram lucro tributável que foram as seguintes (docs. n.ºs 2 a 26, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):
…Lda. – € 298,31;
…, S.A. – € 1.145,06;
…, S.A. – € 1.680,64;
…, S.A. – € 762,36;
…, S.A. – € 32.536,28;
…, S.A. – € 494.152,33;
…, SA. – € 5.273,14;
…, S.A. – € 69,08;
…, Lda. – € 369,30.
c) Na declaração modelo 22 relativa ao ano de 2011, apresentada em 28-5-2012, a Requerente apurou o lucro tributável do grupo, que ascendeu a € 5.782.965,39, a derrama municipal, no valor de € 536.286,50, e o «total a recuperar» de € 3.535.958,72 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) A derrama municipal apurada corresponde à soma algébrica das derramas apuradas por referência ao lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo;
e) O sistema informático através do qual foi apresentada a declaração modelo 22 não permitia apurar a derrama municipal de forma diferente da adoptada pela Requerente (artigos 9.º a 11.º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor não é contrariado pela Autoridade Tributária e Aduaneira);
f) Em 30-8-2012, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (sistema informático do CAAD).
g) No cálculo das derramas a Requerente seguiu o procedimento indicado no Ofício Circulado n.º 20.132, de 14-4-2008, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, cuja cópia consta do documento n.º 27, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere o seguinte:
2. Regime especial de tributação de grupos de sociedades
No âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável do grupo é feita pela forma referida no artigo 64.º do Código do IRC, correspondendo à soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais.
Se é verdade que nas declarações periódicas individuais não há um verdadeiro apuramento de colecta, o mesmo já não se pode dizer relativamente ao lucro tributável.
Com efeito, cada sociedade apura um lucro tributável na sua declaração individual.
Assim, para as sociedades que integram o perímetro do grupo abrangido pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades, a derrama deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o Anexo A, se for caso disso.
O somatório das derramas assim calculadas será indicado no campo 364 do Quadro 10 da correspondente declaração do grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante, em consonância com o entendimento sancionado por despacho de 2008-03-13, do substituto legal do Director-Geral.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos referidos e afirmações da Requerente, cuja correspondência à realidade não é questionada.
Não existem factos com relevância para decisão da causa que não tenham sido dados como provados.
3. Questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral por ser adequada a acção administrativa especial
Nos artigos 4.º a 8.º da resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a incompetência deste Tribunal Arbitral para a apreciação da pretensão da Requerente, por a sua pretensão decorrer de um acto de autoliquidação de derrama estribado não no ofício circulado n.º 20-132, mas sim no Despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º 938/2010-XVIII, de 29 de Novembro, publicado através da Declaração n.º 245/2010, no Diário da República, II Série, de 30-12-2010.
No entender da Autoridade Tributária e Aduaneira a aplicação geral e abstracta deste Despacho apenas pode ser sindicada através de acção administrativa especial, pelo que a sua apreciação não se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Esta posição da Autoridade Tributária e Aduaneira não tem correspondência com a realidade, pois em, nenhum ponto do pedido de pronúncia arbitral a Requerente alude ao referido Despacho, designadamente como acto que pretenda impugnar, de forma geral e abstracta.
Na verdade, nomeadamente pelo pedido formulado, em que a Requerente afirma pretender que seja «anulada parcialmente (no montante de € 449.542,02) a autoliquidação de derrama do Grupo respeitante ao exercício de 2011», é claro que é a concreta autoliquidação que efectuou e não qualquer Despacho o acto cuja declaração de ilegalidade é objecto do pedido.
Por isso, não ocorre incompetência deste Tribunal Arbitral, derivada da alegada adequação da acção administrativa especial ao pedido formulado pela Requerente.
4. Questões prévias da incompetência deste Tribunal Arbitral por os municípios não se trem vinculado à jurisdição arbitral
As questões prévias da incompetência deste Tribunal Arbitral e da ilegitimidade passiva estão relacionadas, pois a caber essa legitimidade aos municípios, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD serão materialmente incompetentes, por os municípios em causa não se terem vinculado à sua jurisdição, nos termos do art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), que estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».
No entanto, abordar-se-á em primeiro lugar a questão da competência, por ser de conhecimento prioritário, como decorre do disposto no art. 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 29.º, n.º 2, alínea c), do RJAT.
O regime das derramas municipais consta do art. 14.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro), em que se estabelece o seguinte, na redacção inicial:
Artigo 14.º
Derrama
1 – Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.
2 – Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a € 50.000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.
3 – Quando o volume de negócios de um sujeito passivo resulte em mais de 50% da exploração de recursos naturais que tornem inadequados os critérios estabelecidos nos números anteriores, podem os municípios interessados, a título excepcional, propor, fundamentadamente, a fixação de um critério específico de repartição da derrama, o qual, após audição do sujeito passivo e dos restantes municípios interessados, é fixado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro que tutela as autarquias locais.
4 – A assembleia municipal pode, por proposta da câmara municipal, deliberar lançar uma taxa reduzida de derrama para os sujeitos passivos com um volume de negócios no ano anterior que não ultrapasse € 150.000.
5 – Nos casos não abrangidos pelo n.º 2, considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 117.º do Código do IRC, esteja centralizada a contabilidade.
6 – Entende-se por massa salarial o valor das despesas efectuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.
7 – Os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 2 indicam na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efectuam o apuramento da derrama que seja devida.
8 – A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado
9 – Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.
10 – O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.
Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, foi alterada a redacção dos n.ºs 8, 9 e 10 e foi aditado um n.º 11, com as seguintes redacções:
8 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC.
9 – A deliberação a que se refere o n.º 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado.
10 – Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama.
11 – O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia útil do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.
Como resulta linearmente dos n.ºs 8 a 10 do referido 14, na redacção inicial, e dos n.ºs 9 a 11, na redacção da Lei n. 64-B/2011, é à Direcção-Geral de Impostos que é atribuída a competência para a liquidação e cobrança das derramas municipais.
É, por ser atribuída tal competência à Direcção-Geral de Impostos que se prevê que lhe seja comunicada a deliberação sobre o lançamento da derrama e é porque só a Direcção-Geral de Impostos tem competência para liquidar e cobrar derramas municipais que a parte final do n.º 9 inicial e actual n.º 10 estabelece peremptoriamente que, sem a comunicação aí prevista, «não há lugar à liquidação e cobrança da derrama».
E é também por ser a Direcção-Geral de Impostos quem tem competência para cobrar a derrama que se prevê que o seu produto do seu apuramento por esta entidade seja transferido para os municípios.
Com a extinção da Direcção-Geral de Impostos, resultante do DL n.º 118-A/2011, de 15 de Dezembro, estas competências passaram para a Autoridade Tributária e Aduaneira, para a qual se consideram feitas «as referências feitas em quaisquer leis», por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do seu art. 12.º.
Assim, tem de se ter como assente, que a Direcção-Geral de Impostos e a Autoridade Tributária e Aduaneira mantêm e mantiveram sempre desde a entrada em vigor da referida Lei das Finanças Locais, as competências que em todas as leis das finanças locais lhe tem sido atribuída para liquidação e cobrança de derramas municipais e a Direcção-Geral de Impostos e a sua antecessora Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sempre exerceram pacificamente. E, correlativamente, também tem de considerar-se seguro que os municípios não têm competências de liquidação e cobrança, por nenhuma lei lhas atribuir e as autarquias locais apenas disporem dos poderes tributários previstos na lei (art. 238.º, n.º 4, da CRP).
Por outro lado, é inequívoco que aquelas competências para liquidar e cobrar derramas, consubstanciam o que na terminologia tributária se denomina como administrar aquele imposto e que a entidade pública que as exerce é considerada «administração tributária» para efeitos de relações jurídico-tributárias.
Na verdade, o art. 1.º, n.ºs 2 e 3, da LGT, estabelecem que «para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas» e que «integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais».
Destas normas, designadamente da referência às «demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos» que o exercício destas competências basta para qualificar a entidade que as exerce como constituindo «administração tributária» para efeito do tributo liquidado e cobrado.
Por isso, para efeito de derrama, é apenas a Autoridade Tributária e Aduaneira, como antes era a Direcção-Geral de Impostos, a entidade que tem competência para liquidar e cobrar e, por isso, se considera como «administração tributária», já que não existe qualquer norma legal que atribua tais competências aos municípios.
Daqui decorre, desde logo, a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD relativamente a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de derramas, pois os arts. 1.º, alínea a), e 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, estabelecem a vinculação da Direcção-Geral de Impostos «à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro».
Na verdade, não há qualquer suporte nesta Portaria para defender que a Autoridade Tributária e Aduaneira, sucessora da Direcção-Geral de Impostos também para este efeito (em face do disposto no art. 12.º do DL n.º 118/2011), sendo administradora das derramas, por ter competência para as liquidar e cobrar, não esteja vinculada à jurisdição deste Tribunal Arbitral.
Improcede, assim, a questão prévia da incompetência deste Tribunal Arbitral.
5. Questão prévia da ilegitimidade passiva
Como se viu, a Autoridade Tributária e Aduaneira é «administração tributária», para efeitos de relações jurídicas geradas com a liquidação e cobrança de derramas, à face do conceito fornecido pelos n.ºs 2 e 3 do art. 1.º da LGT.
A legitimidade activa no procedimento tributário é atribuída à «administração tributária», como decorre do art. 9.º, n.º 1, do CPPT, pelo que, no caso das derramas, é a Autoridade Tributária e Aduaneira (anteriormente a Direcção-Geral de Impostos) quem tem competência para intervir nos procedimentos respectivos, inclusivamente para apreciar reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como a administração tributária fez, e bem, no caso em apreço.
Não interessa assim, para apurar a legitimidade procedimental em matéria de derramas municipais, saber quem é o credor tributário, mas sim determinar a quem são atribuídas as competências para liquidação e cobrança do tributo.
Aqui também, está-se perante uma solução de sensatez evidente, em face da sintonia entre a matéria tributável de IRC e da derrama, pois é manifesto que há economia de meios em unificar a prática dos actos de liquidação e cobrança. Por isso, para além de ser a solução que tem apoio expresso nos textos legais, é também, inequivocamente, a interpretação que se tem de adoptar, por força do nº 3 do art. 9.º do Código Civil.
Mas, se é assim para o procedimento tributário também o é, necessariamente, para o processo judicial tributário, pois o n.º 4 do art. 9.º do CPPT atribui competência para os processos judiciais às entidades referidas nos números anteriores, inclusivamente à «administração tributária» referida no n.º 1. Em regra, a legitimidade da administração tributária no processo judicial tributário será passiva, em face da configuração dos litígios, mas poderá também ser activa, designadamente nos casos de arresto e arrolamento (arts. 136.º e 140.º do CPPT).
Também aqui, não se encontra qualquer norma legal, designadamente relativa ao processo de impugnação judicial, a que o processo arbitral é alternativa (preâmbulo do RJAT e art. 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) que permita intervenção do credor tributário, como tal (quando não for simultaneamente «administração tributária», por ser quem liquida e cobra o tributo).
Por outro lado, sendo aquele art. 9.º, n.º 4, uma norma especial sobre a legitimidade no processo judicial tributário, fica afastada a regra do art. 26.º do CPC., invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
O regime do referido art. 9.º, n.º 4, com referência ao n.º 1, do CPPT é aplicável subsidiariamente ao processo arbitral previsto no RJAT, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do seu art. 29.º, já que não há qualquer norma deste diploma que defina a legitimidade passiva.
O art. 7.º, n.º 1 do DL n.º 433/99, de 26 de Outubro, que estabelece que «as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia», reporta-se aos tributos cuja liquidação e cobrança é feita pelas autarquias locais, pelo que não afasta o entendimento acima referido.
Por outro lado, quanto à representação de autarquias locais nos tribunais tributários, que se prevê no art. 54.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em que se estabelece que «quando estejam em causa receitas fiscais lançadas e liquidadas pelas autarquias locais, a Fazenda Pública é representada por licenciado em Direito ou por advogado designado para o efeito pela respectiva autarquia» (n.º 3 na redacção da Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, que constitui o n.º 2 na redacção anterior), também não afecta o entendimento aqui adoptado, antes o confirma, pois esta representação à margem da Fazenda Pública da Direcção-Geral de Impostos (hoje Autoridade Tributária e Aduaneira) apenas ocorre quando os tributos são liquidados pelas autarquias locais, o que tem ínsito que a representação nos outros casos em que estejam em causa receitas autárquicas, designadamente aqueles em que a liquidação seja efectuada pela Direcção-Geral de Impostos ou Autoridade Tributária e Aduaneira, é assegurada exclusivamente pelos representantes destas entidades.
Quanto às eventuais consequências da decisão para o credor tributário, não relevam para aferir da legitimidade, à face do art. 9.º do CPPT e 1.º, n.º 3, da LGT. De qualquer modo, não tem suporte legal o entendimento manifestado pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que, no caso de procedência do pedido de pronúncia arbitral, será sobre os municípios e não sobre ela própria que recairá eventual responsabilidade pela reposição da situação que existira se não fossem praticados os actos impugnados, à face dos arts. 43.º e 100.º da LGT, pois como decorre do teor expresso desta última norma, tais deveres recaem sobre a «administração tributária», isto é, sobre quem cometeu a ilegalidade (no caso, a serem ilegais as instruções genéricas divulgadas através do ofício circulado n.º 20.132 e criou um sistema informático para recepção de declarações modelo 22 que não permitia apurar as derramas de forma diferente) e não sobre quem eventualmente tenha beneficiado dela.
A definição dos direitos e deveres recíprocos da Autoridade Tributária e Aduaneira e os municípios decorrentes da procedência de uma pretensão anulatória de um acto de autoliquidação de receitas municipais é algo que está fora do âmbito do contencioso de anulação, adoptado no processo de impugnação judicial e no meio alternativo que é o processo arbitral, cujo objecto se reduz à apreciação da legalidade do acto impugnado e eventual definição de eventuais direitos do sujeito passivo em relação à entidade que o praticou, a nível de juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida.
São as relações entre a Autoridade Tributária e Aduaneira, que recebeu a declaração modelo 22 efectuada da forma que ela própria impôs, e a Requerente do pedido de pronúncia arbitral que são objecto do presente processo e não as relações que, hipoteticamente, se venham (ou não) a estabelecer entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os municípios beneficiários de derramas no caso de procedência da do pedido.
Por isso, não é necessária a intervenção dos municípios no presente processo arbitral «para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal» (como é requisito do litisconsórcio necessário, quando não está especialmente previsto na lei, nos termos do art. 28.º, n.º 2, do CPC), pois está em causa apenas apreciar a legalidade do acto praticado pela Requerente em sintonia com a imposição da Administração Tributária e definir o eventual direito de esta pagar à Requerente juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios são uma forma de concretizar o direito dos contribuintes a serem indemnizados por actos ilegais da Administração Pública, constitucionalmente reconhecido pelo art. 22.º da Constituição da República Portuguesa.
Como é óbvio, é sobre o lesante, sobre quem praticou o acto ou actos ilegais, que recai o dever de indemnizar e não sobre quem tenha beneficiado da ilegalidade.
Tendo sido a administração tributária estadual quem emitiu as referidas instruções genéricas sobre a forma de liquidação de derramas nos casos de grupos de sociedades e tendo sido também ela quem criou e disponibilizou aos contribuintes a aplicação informática necessária para apresentação da declaração modelo 22, se for ilegal a forma de liquidação imposta pelo ofício circulado referido e pela aplicação informática, será sobre aquela e não sobre quaisquer municípios que poderá recair o dever de pagamento de juros indemnizatórios.
Por isso, há interesse da Autoridade Tributária e Aduaneira em contrariar a pretensão da Requerente.
Por outro lado, não há necessidade de intervenção de qualquer município para que «a «decisão a obter produza o seu efeito útil normal», isto é, para que se aprecie se deve ou não ser anulada a autoliquidação, com fundamento em ilegalidade imputável às orientações genéricas da Administração Tributária estadual e ao sistema informático que disponibiliza para a apresentação das declarações modelo 22, e o pagamento de juros indemnizatórios pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que são as questões colocadas no presente processo,
Quanto à falta de indicação expressa no pedido de pronúncia arbitral da Autoridade Tributária e Aduaneira como entidade demandada, trata-se de uma deficiência que não implica a procedência da excepção da ilegitimidade quando aquela entidade, que é quem tem legitimidade, interveio efectivamente no processo. Na verdade, como decorre do n.º 3 do art. 288.º do CPC, subsidiariamente aplicável, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, «as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada» e a intervenção da entidade com legitimidade passiva consubstancia a sanação dessa irregularidade.
Finalmente, refira-se que, não podendo resultar do presente processo arbitral a possibilidade a definição dos direitos dos municípios em relação à Requerente, não se coloca a questão de a não intervenção daqueles no presente processo violar do seu direito à tutela jurisdicional.
Por isso, improcede também a questão prévia da ilegitimidade passiva.
6. Questão prévia da intervenção provocada
Tendo o processo arbitral sido criado como um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, como e referiu, ser-lhe-ão aplicáveis, preferencialmente as normas que regulam este meio processual, atenta «a natureza dos casos omissos» que o corpo do n.º 1 do art. 29.º do RJAT erige em critério preferencial de determinação da legislação subsidiária a aplicar.
No processo de impugnação judicial não é admissível a intervenção provocada, pois no art. 127.º, n.º 1, do CPPT, arrolam-se como incidentes admissíveis os de assistência, habilitação e falsidade.
Decerto que esta norma se reportará aos incidentes típicos, pois há sempre a possibilidade de existirem incidentes atípicos, mas esta indicação de incidentes típicos desacompanhada de regulamentação específica aponta no sentido de serem apenas esses os indicados, pelo estará afastada a intervenção de terceiros, fora dos casos especialmente previstos no incidente de assistência e habilitação.
Por outro lado, no sistema de contencioso objectivista, em que se faz radicar a legitimidade passiva em quem exerceu os poderes tributários no acto impugnado, não é admitida a intervenção de outras entidades públicas.
No que concerne a intervenção acessória provocada, ao abrigo do disposto no art. 330.º do CPC, em que se prevê que «o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal», não se está claramente perante uma situação enquadrável nesta norma, pois não se vislumbra nem a Autoridade Tributária e Aduaneira explica a que título poderá ter um direito de indemnização em relação a municípios que não praticaram qualquer acto lesivo dos seus interesses.
Por isso, não pode ser atendida a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de intervenção provocada de municípios.
7. Questão da ilegalidade do acto de autoliquidação
A questão que é objecto principal deste processo é a de saber se a tributação de derramas municipais, no caso de sociedades sujeitas ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, previsto nos arts. 63.º a 65.º do CIRC, na redacção vigente em 2011, se faz com base em lucro tributável global do grupo ou no lucro tributável individual de cada uma das sociedades que o formam, inclusivamente a sociedade dominante.
Nos termos do art. 64.º do CIRC, na referida redacção, «relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo» e «o montante obtido nos termos do número anterior é corrigido da parte dos lucros distribuídos entre as sociedades do grupo que se encontre incluída nas bases tributáveis individuais».
O art. 14.º da Lei das Finanças Locais, estabelece que «os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território».
Em face do referido regime de determinação do lucro tributável, nos casos de tributação segundo o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, o único lucro sujeito a IRC é o lucro tributável global do grupo.
Por isso, referindo-se naquele n.º 1 do art. 14.º que a derrama pode ser lançada «sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas» justificava-se a interpretação no sentido de a derrama ter como base de incidência o lucro tributável global do grupo e não o de cada uma das sociedades que o integram, pois aquele lucro tributável global do grupo é o único «lucro tributável sujeito a IRC». Os lucros individuais de cada uma das sociedades que integram o grupo não estão sujeitos a IRC, servindo apenas para efeitos de determinação do lucro tributável consolidado do grupo, que é o único fica sujeito a IRC.
Como se refere na alínea g) da matéria de facto fixada, a Administração Tributária adoptou entendimento contrário, no Ofício Circulado n.º 20 132, de 14-4-2008.
Mas, foi naquele sentido de a derrama incidir sobre o lucro tributável global do grupo de sociedades que se pronunciou uniformemente e por unanimidade o Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 2-2-2011, proferido no processo n.º 909/10, e de 22-6-2011, proferido no processo n.º 309/11, em que se entendeu que
I – De acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
II – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades.
No entanto, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, veio a consagrar expressamente o entendimento adoptado pela Administração Tributária no referido Ofício Circular, através da alteração do n.º 8 do art. 14.º da Lei das Finanças Locais, que passou a estabelecer que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC».
Porém, já depois de serem introduzidas as referidas alterações pela Lei n.º 64-B/2011, o Supremo Tribunal Administrativo manteve tal entendimento, para os casos a que se aplica a redacção inicial daquele art. 14.º, afirmando, também uniformemente e por unanimidade, que a nova redacção daquele n.º 8 do art. 14.º da Lei das Finanças Locais não tem natureza interpretativa (acórdãos de 2-5-2012, proferido no processo n.º 234/12, e de 5-7-2012, processo n.º 265/12).
E, efectivamente, sendo consabido que é frequente a atribuição expressa de natureza interpretativa a alterações legislativas introduzidas por leis do Orçamento do Estado, a omissão de expressa atribuição de tal natureza a determinada norma é um excelente indício de que não se pretendeu atribui-lha.
A Lei n.º 64-B/2011, que é a Lei do Orçamento do Estado para 2012, não é excepção àquela regra de atribuição expressa de natureza interpretativa, fazendo-o em relação a várias normas, nos arts. 141.º, n.º 2, 168.º e 212.º. Inclusivamente, este art. 212.º é uma norma expressamente declarada como interpretativa de uma norma da Lei das Finanças Locais [a alínea c) do n.º 1 do seu art. 19.º] pelo que se impõe a conclusão de que houve uma intenção legislativa deliberada de não atribuir também tal natureza às alterações introduzidas no art. 14.º da mesma Lei.
Conclui-se assim, que a autoliquidação enferma de ilegalidade, para erro sobre os pressupostos de direito, ao ter utilizado os lucros tributáveis das empresas que constituem o grupo, como base de cálculo das derramas.
Não se vislumbra, nem que Autoridade Tributária e Aduaneira explica como é que esta interpretação pode ser incompaginável com os arts. 81.º, 103.º e 238.º da Constituição da República Portuguesa.
Designadamente, sendo a derrama calculada com base no lucro tributável do grupo de sociedades, globalmente considerado, não é prejudicada a aplicação das regras dos n.ºs 1 a 3 do art. 14.º da Lei das Finanças Locais, que serão aplicáveis considerando o grupo como o único sujeito passivo da derrama.
Por outro lado, tendo a Requerente calculado a derrama devida pelo grupo com base na taxa máxima de 1,5%, prevista no n.º 1 daquele art. 14.º, há a certeza de que não poderia ser devida derrama superior.
Assim, sendo de € 5.782.965,39 o lucro tributável do grupo de sociedades [alínea c) da matéria de facto fixada], a derrama que deveria ter sido autoliquidada, à taxa de 1,5%, seria de € 86.744,48.
Tendo a Requerente autoliquidado derrama no valor de € 536.286,50 [alínea c) da matéria de facto fixada], há um excesso de € 449.542,02.
Tal ilegalidade da autoliquidação justifica a sua anulação (art. 135.º do CPA).
8. Devolução da quantia de € 449.542.02
A Requerente pretende que se determine o reembolso da quantia de € 449.542,02.
Pela declaração modelo 22 que cuja cópia Constituição do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, consta-se que a Requerente, ao efectuar a autoliquidação relativa ao exercício de 2011, tinha quantia a recuperar e não a pagar [alínea c) da matéria de facto fixada].
Por isso, tendo sido paga em excesso a quantia de € 449.542,02, a Requerente tem direito a ser reembolsada, como decorre do dever de «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado» que lhe é imposto pelo art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, em sintonia com o preceituado no art. 100.º da Lei Geral Tributária.
9. Juros indemnizatórios
A Requerente pede ainda que seja determinado o pagamento de juros indemnizatórios, relativamente à quantia de € 449.542,02, que deve ser-lhe reembolsada.
O art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e que «considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».
No caso em apreço, foi a Requerente quem efectuou a autoliquidação, mas aplicou o entendimento indicado em orientação genérica da Direcção-Geral de Impostos, pelo que se está perante uma situação enquadrável no n.º 2 do art. 43.º da LGT, em que se considera haver erro imputável aos serviços.
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa ou taxas legais que vigorarem entre as data em que apresentou declaração modelo 22 (28-5-2012, como se constata pelo documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral) e a data for efectuado o eventual reembolso, nos termos dos arts. 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:
– julgar procedente o pedido de anulação parcial da autoliquidação de IRC e derrama efectuada pela Requerente relativamente ao exercício de 2011, com fundamento em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, traduzido em violação do art. 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, no que concerne à determinação da matéria tributável da derrama do grupo de sociedades;
– julgar procedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 449.542,02 e pagamento de juros indemnizatórios calculados com base nessa quantia, à taxa legal, desde 28-5-2012 até à data em que for efectuado integral reembolso daquela quantia, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar tal reembolso e pagamento.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 449.542,02.
Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.038,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 26-11-2012
Os Árbitros
Dr. Jorge Lopes de Sousa
Dra. Filipa Barros
Prof. Doutor Carlos Ramos Pereira