Decisão Arbitral [1]
Requerente – A…, S.A.
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 5 de Janeiro de 2017, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A., Pessoa Colectiva nº…, com sede na …, …, em …(doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 21 de Setembro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente pretende que “(…) seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico (…) que foi interposto do indeferimento da reclamação do acto de liquidação de Imposto do Selo de 2013 (…) no valor de 27.302,70€, e do próprio acto de liquidação, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (…) com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno para construção inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e … (…) sob o artigo matricial … (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 21 de Outubro de 2016 e notificado automaticamente à Requerida na mesma data.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 21 de Dezembro de 2016, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de Janeiro de 2017, tendo sido proferido despacho arbitral, em 6 de Janeiro de 2017, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso assim o entendesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
1.8. Em 2 de Fevereiro de 2017, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por impugnação e concluído que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.
1.9. Na Resposta apresentada, a Requerida referiu também que “(…) não se verifica qualquer interesse e utilidade para a realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” porquanto entende que “(…) os factos sobre os quais deve recair a decisão não são discutíveis”, manifestando ainda que “(…) não pretende, caso esse entendimento seja confirmado, produzir quaisquer alegações, já que a sua produção não é susceptível de influenciar a decisão da causa”.
1.10. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos o respectivo processo administrativo.
1.11. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 3 de Fevereiro de 2017, tendo em consideração o pedido de dispensa da realização da reunião arbitral (a que alude o artigo 18º do RJAT) e de dispensa de apresentação de alegações, apresentados pela Requerida na sua Resposta (vide ponto anterior), e com o objectivo de garantir o princípio do contraditório e de igualdade das partes (de acordo com o disposto no artigo 16º, alíneas a) e b) do RJAT), foi notificada a Requerente para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre os citados pedidos de dispensa da realização da referida reunião e da apresentação de alegações.
1.12. A Requerente apresentou requerimento, em 6 de Fevereiro de 2017, no sentido de concordar com a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como com a dispensa da apresentação de alegações.
1.13. Assim, por despacho arbitral, datado de 6 de Fevereiro de 2017, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:
1.13.1. Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.13.2. Prescindir da apresentação de alegações;
1.13.3. Designar o dia 10 de Março de 2017 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.14. A Requerente foi ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”.
2. CAUSA DE PEDIR
2.1. Com o pedido apresentado, a Requerente “(…) pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico (…) que foi interposto do indeferimento da reclamação do acto de liquidação de Imposto do Selo de 2013 (…), no valor de 27.302,70€, e do próprio acto de liquidação (…) e que sejam os mesmos consequentemente anulados, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT”.
2.2. Começa a Requerente por esclarecer que a liquidação de imposto em crise respeita a “(…) prédio urbano, correspondente a um terreno para construção denominado … do alvará de loteamento nº …/… correspondente ao [actual] artigo … da União das Freguesias de … e … (…)” do qual é “(…) proprietária e legítima possuidora (…)”.
2.3. Refere ainda que “o valor patrimonial atribuído ao prédio (…) foi de 2.730.270€ (...)”, sendo que o extinto “artigo… (…) constitui a parte não edificada do identificado … do alvará de loteamento nº …/…” que se destina “(…) a Centro Hípico e respectivo equipamento, quer na sua globalidade quer relativamente a cada um dos seus artigos matriciais”.
2.4. Não obstante, segunda a Requerente, “a Administração Tributária, baseada no indicado valor patrimonial do antigo artigo 8470, superior a 1.000.000€, procedeu à liquidação de imposto de selo, no valor de 27.302,70€, relativo ao ano de 2013, fixando o mês de Abril de 2014 para pagamento da prestação de 9.100,90€”.
2.5. Contudo, entende a Requerente que “(…) tal liquidação é ilegal, por inexistência de fundamento normativo” porquanto, “(…) o antigo artigo…, actual …, não tem afectação habitacional, como bem resulta do alvará de loteamento nº …/…, sendo, no limite, terreno para construção destinado/afecto a serviços”.
2.6. Nestes termos, reitera a Requerente que “não existe cobertura legal para a liquidação do imposto de selo tendo por base o valor patrimonial atribuído ao (…) actual…” dado que “o identificado lote … é destinado a Centro Hípico, conforme resulta do alvará de loteamento nº …/…, emitido pelo Município de…, que lhe deu origem (…)”.
2.7. Na verdade, entende a Requerente que o referido lote “(…) por não ser nem estar afecto a fins habitacionais por força das licenças válidas e em vigor ao abrigo das quais foi dada origem ao prédio em causa (…)” está “(…) fora do âmbito normativo do nº 28.1 da Tabela Geral do CIS” e “sempre estaria (…) fora do âmbito de aplicação daquele normativo na medida em que, não se encontrando edificado, não cai no âmbito do conceito de prédio para efeitos de Imposto de Selo, por aplicação do conceito de prédio previsto no CIMI”.
2.8. Assim, para a Requerente, face ao normativo à data em vigor, “enquanto se mantiver como terreno para construção não pode ser considerado prédio para os efeitos previstos no nº 28.1 da Tabela Geral do CIS” tendo em consideração que “(…) como terreno para construção não existe qualquer edificação susceptível de ser destinada a qualquer fim, habitacional ou outro”.
2.9. Não obstante, refere ainda a Requerente que “(…) com a entrada em vigor (…) da Lei nº 83-C/2013 de 31DEZ (…) a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, passou a ter a (…) redação (…)” de “prédio habitacional ou (…) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (…)”, “o que, manifestamente, impõe a conclusão de que, em virtude da entrada em vigor (…) da Lei do Orçamento de Estado para 2014, e da alteração à verba 28.1 supra, só no relativo ao ano de 2014, cuja liquidação ocorrerá em 2015, poderá eventualmente passar a ser efectuada a liquidação de imposto (…)”.[2][3]
2.10. Por outro lado, entende também a Requerente que não “(...) colhe a tese da Autoridade Tributária, designadamente para efeitos de indeferimento das reclamações e recursos hierárquicos das liquidações de imposto de selo (…), de que, tendo sido atribuído pela Autoridade Tributária, quando da reavaliação do prédio, a afectação habitacional e não tendo havido reclamação é essa a finalidade que vale para efeitos de tributação”, porquanto entende que “tal tese é não só desprovida de qualquer fundamento lógico como desprovida de fundamento jurídico”, porquanto não entende a Requerente “onde se baseou [a Requerida] para atribuir a afectação habitacional” ao prédio (terreno) acima identificado.
2.11. Nestes termos, entende a Requerente que está demonstrada “(…) documentalmente, a não afectação jurídica-urbanística do lote de terreno a habitação, por força do disposto no Alvará de Loteamento nº …/… (…)”, pelo que “inexistia qualquer razão para que a Requerida não revogasse de imediato, a liquidação de imposto de selo objecto da reclamação e do recurso hierárquico”, “desde logo porque o próprio CIMI remete, na qualificação dos prédios, para o fim que as licenças existentes ou possíveis definem, pelo que não pode ser qualificado para habitação, e objecto de tributação nesse contexto, um prédio que jurídico-urbanisticamente, e fiscalmente, não pode ter essa afectação, esse fim”.[4]
2.12. Esclarece ainda a Requerente que, a 8 de Maio de 2014, “(…) deduziu a respectiva RECLAMAÇÃO GRACIOSA (…), requerendo a revogação imediata do acto de liquidação do imposto do selo” e, “para garantia de todos os montantes exigidos em sede de imposto do selo referentes ao ano de 2013 (…) constituiu hipoteca (…), tendo sido requerido à AT que fosse decretada a suspensão do processo executivo” (maiúsculas da Requerente).
2.13. Em termos cronológicos, refere ainda a Requerente que, a 28 de Agosto de 2014, “(…) viu-se obrigada a interpor recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação (…), uma vez que, não obstante os argumentos e prova efectuados pela Requerente, entendeu, errada e ilegalmente, a Administração Tributária ser de indeferir a Reclamação da Requerente (…)”, sendo que por despacho de 31 de Maio de 2016, “(…) a Requerida, ilegalmente, indeferiu o Recurso Hierárquico interposto do acto de indeferimento da Reclamação”.
2.14. Deste modo, vem a Requerente, com o pedido de pronúncia arbitral, peticionar que “seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento do recurso hierárquico (…) e do próprio acto de liquidação, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (…) com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno para construção (…)” identificado nos autos.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, porquanto entende que “o que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”.
3.2. Defende a Requerida que “consultando a certidão do teor do prédio urbano e a caderneta predial que está na base da presente liquidação, verifica-se que os terrenos para construção estão afectos à habitação, a que acresce o facto de ter sido atribuído alvará de loteamento n.º …/…” e, acrescenta que “os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo”.
3.3. Segundo a Requerida, “o facto de, na norma de incidência (…) se ter positivado o prédio com afectação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afectação (…), que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos”.
3.4. Assim, entende a Requerida que “a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (…) alterou o artigo 1º do Código do Imposto de Selo (…)”, tendo aditado “(…) à Tabela Geral deste imposto, a verba 28”, “passando o imposto de selo a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário que conste da respectiva matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a €1.000.000,00”.
3.5. Nestes termos, segundo a Requerida, “não existindo em sede de IS definição do que se entende por prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”, concluindo a Requerida que “(…) na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção”, pelo que entende a Requerida ser claro “(…) para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção (…) a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação”.[5]
3.6. Ora, segundo a Requerida, “nas cadernetas prediais dos imóveis, o tipo de prédio é terreno para construção”, pelo que entende que “não podemos duvidar de que estamos face a terreno para construção, mais concretamente, perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas (…)”, sendo que “fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão (…) classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional”.
3.7. E, reitera a Requerida que, não obstante ser “(…) patente a afetação habitacional do edifício”, “note-se que o legislador não refere prédio destinado a habitação, tendo optado pela noção afectação habitacional, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI”.
3.8. Com efeito, segundo a Requerida, “a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, o qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e de construção”, sendo que “o artigo 77º do RJUE contém especificações obrigatórias, desde logo para os alvarás de operação de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção”.
3.9. Assim, “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção”, sendo que “outra não foi a intenção do legislador, se atendermos a que na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, senão a de considerar em respeito pelo princípio da equidade social na austeridade que no conceito prédios urbanos se integram os terrenos para construção com afectação habitacional”.
3.10. E, prossegue a Requerida referindo que “a prová-lo está a Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro (em vigor a partir de 30 de Outubro de 2012), que veio alterar o art. 1.º do CIS e aditar à TGIS, a verba 28, passando a abranger na sua incidência a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, fosse igual ou superior a 1.000.000€”, “ou seja, o legislador limitou-se a definir, sem margem para dúvidas, o elemento lógico subjacente à exposição de motivos que serviu de base à Proposta de Lei n.º 96/XII (…)”.
3.11. Ora, segundo a Requerida, “acresce que fundadas razões também com assento constitucional, justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva”.[6]
3.12. Nestes termos, “a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado”, sendo que “na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes”, pelo que, segundo a Requerida, se encontra “(…) legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”.
3.13. Assim, entende a Requerida que “(…) os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo, assim ser mantidos” e, em consequência, deve “ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral (…) absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.
4. SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[7]
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
4.4. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.5. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.
4.6. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
5. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
5.1. Consideram-se como provados os seguintes factos:
5.1.1. A Requerente é proprietária do terreno para construção denominado “…” do “Alvará de Loteamento nº …/…”, emitido em 8 de Novembro de 1988, pela Câmara Municipal de …, terreno esse correspondente ao actual artigo … da União das Freguesias de … e … (extinto artigo … da Freguesia de…), conforme cópias de documentos anexados ao processo pela Requerente, incluídos no Anexo III.
5.1.2. O valor patrimonial tributário do imóvel era, a 31 de Dezembro de 2013, de EUR 2.730.270,00, conforme cópias de documentos anexados ao processo pela Requerente, incluídos no Anexo III.
5.1.3. O referido “…” trata-se de um terreno com uma área de 202.868 m2 e destina-se a Centro Hípico, conforme cópia do “Alvará de Loteamento nº …/…”, anexado aos autos pela Requerente (incluído no Anexo III).
5.1.4. A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo nº 2013…, datada de 18 de Março de 2014, relativa ao ano de 2013, no montante total de EUR 27.302,70, referente ao terreno para construção identificado no ponto anterior, cuja nota de cobrança para pagamento da primeira prestação (nº 2014 …) ascendia a EUR 9.100,90 e tinha como data limite para esse pagamento “Abril/2014”, conforme cópia da respectiva nota de cobrança, anexada aos autos pela Requerente (incluída no Anexo III).
5.1.5. A Requerente apresentou, em 9 de Maio de 2014, reclamação graciosa (nº …2014…) relativa à liquidação de Imposto do Selo identificada no ponto anterior, conforme respectiva cópia, anexada aos autos pela Requerente (incluída no Anexo III).
5.1.6. A Requerente foi notificada, em 29 de Maio de 2014, do Ofício nº…, datado de 23 de Maio de 2014, relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior e para, querendo, exercer o seu direito de audição, por escrito, no prazo de 15 dias, conforme processo administrativo anexado aos autos pela Requerida.
5.1.7. A Requerente apresentou, em 25 de Julho de 2014, o direito de audição relativo ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada por referência ao Imposto do Selo do ano de 2013 respeitante ao terreno para construção identificado, conforme processo administrativo anexado aos autos pela Requerida.
5.1.8. A Requerente foi notificada do Ofício nº…, de 11 de Agosto de 2014 relativo ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, conforme processo administrativo anexado aos autos pela Requerida.
5.1.9. A Requerente apresentou, em 28 de Agosto de 2014, recurso hierárquico (nº …2014…) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, conforme respectiva cópia, anexada aos autos pela Requerente (incluída no Anexo II).
5.1.10. A Requerente foi notificada, em 23 de Junho de 2016, do Ofício nº…, datado de 17 de Junho de 2016, relativo à decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa supra identificada, conforme respectiva cópia, anexada aos autos pela Requerente (incluída no Anexo I).
5.1.11. A Requerente foi notificada das notas de cobrança relativas à segunda (nº 2014…) e terceira prestação (nº 2014…) da liquidação de Imposto do Selo identificada no ponto 5.1.4., supra, cujos montantes para pagamento ascendiam a EUR 9.100,90 cada, e tinham como data limite para pagamento, respectivamente, “Julho/2014” e “Novembro/2014”, conforme cópia das respectivas notas de cobrança, anexadas aos autos pela Requerente (Anexo III-A).
5.1.12. A Requerente, para garantia do Imposto do Selo liquidado no ano de 2013, constituiu hipoteca sobre prédio de que à titular (facto alegado no ponto 49 do pedido e não contestado pela Requerida).
5.2. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Dos factos não provados
5.3. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. FUNDAMENTOS DE DIREITO
6.1. Nos autos, o aspecto essencial a decidir é o de saber qual o âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro) e, para tal, será importante dar resposta às seguintes questões:
6.1.1. À data a que se reporta a liquidação de imposto em crise, os terrenos para construção subsumiam-se (ou não) na espécie “prédio com afectação habitacional”?
6.1.2. Nessa medida, na interpretação daquela norma, à data a que se reporta a referida liquidação, deveriam ou não ser incluídos os terrenos para construção com VPT igual ou superior a EUR 1.000.000?
de modo a determinar se a liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2013, objecto do pedido de pronúncia arbitral, bem como a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquela liquidação, enferma ou não de ilegalidade, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justificaria a sua anulação.
6.2. Para suportar o pedido apresentado, a Requerente alega que não obstante o prédio em causa (“…”) se destinar a “(…) Centro Hípico e respectivo equipamento (…)”, a Requerida “(…) baseada no (…) valor patrimonial do (…) artigo (…), superior a 1.000.000 €, procedeu à liquidação de Imposto do Selo (…), relativo ao ano de 2013 (…)”, sendo que “(…) tal liquidação é ilegal, por inexistência de fundamento normativo” (sublinhado nosso).
6.3. Neste âmbito, reitera a Requerente, “(…) o (…) actual…, não tem afectação habitacional (…), sendo, no limite, terreno para construção destinado/afecto a serviços”, “pelo que não existe cobertura legal para a liquidação do imposto do selo tendo por base o valor patrimonial atribuído (…)”, referindo ainda que “(…) tal prédio em particular (…) constitui a parte não edificado do…”, tratando-se “(…) da parte do lote destinado à construção mas ainda não edificado” (sublinhado nosso).
6.4. Acrescenta ainda a Requerente que para “(…) além de o prédio, por não ser nem estar afecto a fins habitacionais por força das licenças válidas em vigor ao abrigo das quais foi dada origem ao prédio em causa (…)” estar “(…) fora do âmbito normativo do nº 28.1. da Tabela Geral do CIS”, “sempre estaria igualmente fora do âmbito de aplicação daquele normativo na medida em que, não se encontrando edificado, não cai no âmbito do conceito de prédio para efeitos de Imposto do Selo (…)” (sublinhado nosso).
6.5. Por outro lado, defende também a Requerente que, com a entrada em vigor da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, a nova redação da verba 28.1. “impõe a conclusão de que (…) só no relativo ao ano de 2014, cuja liquidação ocorrerá em 2015, poderá eventualmente passar a ser efectuada a liquidação de imposto nestes casos”, pelo que conclui que não “colhe a tese da Autoridade Tributária (…) de que, tendo sido atribuído (…), quando da reavaliação do prédio, a afectação habitacional e não tendo havido reclamação é essa a finalidade que vale para efeitos de tributação” (sublinhado nosso).
6.6. A Requerida sustente posição contrária à da Requerente, defendendo que “o que está (…) em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”.
6.7. Neste âmbito, reitera a Requerida que “não podemos duvidar de que estamos face a terreno para construção, mais concretamente, perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas (…)”.
6.8. Assim, conclui a Requerida que “(…) os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo (…) ser mantidos”, defendendo ainda que deve “ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral (…) absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido” (sublinhado nosso).
6.9. De modo a dar resposta às questões acima enunciadas no ponto 6.1., impõe-se aqui analisar, em termos gerais as normas jurídicas aplicáveis e, em concreto, determinar qual a interpretação correcta face ao disposto na Lei e na Constituição (dado que se trata de aferir de um pressuposto de incidência de imposto, cuidadosamente protegido pelo princípio da legalidade fiscal, resultante do disposto no artigo 103º, nº 2 da CRP), tendo como objectivo último avaliar se a liquidação de Imposto do Selo em crise “(…) é ilegal, por inexistência de fundamento normativo” e, em consequência, se foi também ilegal a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquela liquidação.
Do âmbito de incidência da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 55-A/2012 de 29 de Outubro)
6.10. A Lei nº 55-A/2012 efectuou várias alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28, com a seguinte redacção (negrito nosso):
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a
EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%.
28.2 – (…)".
6.11. Não obstante o texto da Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se observarmos o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código, respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o Código do IMI”(sublinhado nosso).
6.12. Ora, da leitura do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), facilmente nos apercebemos que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete, naturalmente, para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.
6.13. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).
6.14. Adicionalmente, de acordo com o disposto nos nº 2 e 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.
6.15. Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)”.
6.16. Neste âmbito, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção” [nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos" (sublinhado nosso).
6.17. Como se vê pelas normas do Código do IMI acima transcritas, não é possível extrair o que o legislador pretendeu dizer quando refere no texto da lei “prédio com afectação habitacional”, porquanto não é utilizado esse conceito na classificação dos prédios, também não se encontrando este conceito, com esta terminologia, em qualquer outro diploma.
6.18. Por outro lado, dado que a Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem qualquer preâmbulo, daí resulta que não é possível retirar da mesma a intenção do legislador.
6.19. Assim, na falta de correspondência terminológica exacta do conceito de “prédio com afectação habitacional” com qualquer outro conceito utilizado noutros diplomas, podem aventar-se várias hipóteses interpretativas, devendo ser o texto da lei o ponto de partida da interpretação daquela expressão, pois é com base nele que terá que se reconstituir o pensamento legislativo, conforme decorre do disposto no nº 1 do artigo 9º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 11º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT).
Da interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”
6.20. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, não podendo “ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (sublinhado nosso).
6.21. Nestes termos, poder-se-á afirmar que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT) [8].
6.22. Assim, o conceito mais próximo do teor literal da expressão “prédio com afectação habitacional” é manifestamente o de “prédios habitacionais”, referido no artigo 6º, nº 1 do Código do IMI (e definido no nº 2 do mesmo artigo), abrangendo os edifícios ou construções licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal os fins habitacionais.
6.23. “Ou seja, para efeitos do Código do IMI, tanto são habitacionais os imóveis licenciados para habitação, mesmo que não estejam a ter essa utilização como, no caso de falta de licença, que tenham como destino normal esse fim” (sublinhado nosso).[9]
6.24. Por isso, a adoptar-se a interpretação de que “prédio com afectação habitacional” significa “prédio habitacional”, a liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida é, de facto, ilegal, por não existir, no referido terreno, qualquer edifício ou construção.
6.25. Na verdade, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba nº 28.1. da TGIS com a que se extrai do disposto no nº 2 do artigo 6º do Código do IMI, aponta no sentido de o legislador não ter pretendido utilizar o mesmo conceito.
6.26. Por outro lado, na actividade interpretativa é também necessário ter em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[10]
6.27. Assim, por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28.1. da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[11], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.
6.28. Com efeito, nesta âmbito, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a
EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria (e passou) a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.
6.29. Na verdade, no preâmbulo do projecto de Lei que introduziu as alterações em matérias da verba 28 da TGIS foram apresentados como motivos:
6.29.1. “A prossecução do interesse público, em face da situação económica-
-financeira do País, exige um reforço da consolidação orçamental que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental” (sublinhado nosso).
6.29.2. “Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento (…) estando o Governo fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho” (sublinhado nosso).
6.29.3. “Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa” (sublinhado nosso).
6.29.4. “É criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a um milhão de Euros” (sublinhado nosso).
6.30. Assim, resulta desta motivação do legislador que a tributação em causa visa “uma efectiva repartição dos sacrifícios”, fazendo incidir essa tributação sobre a propriedade (por contraposição aos rendimentos do trabalho, já atingidos por outras medidas).[12]
6.31. Por ser demasiado ampla esta enunciação dos motivos subjacentes à adopção das medidas adoptadas, poucos contributos vieram trazer para a interpretação do conceito de “prédio urbano com afetação habitacional”.
6.32. E entendemos ser isso mesmo que também se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[13], que esteve na origem da proposta de alterações, não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[14]
6.33. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (chamando a contribuir de uma forma mais agravada os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação), ao fazer incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” (sublinhado nosso).
6.34. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não fará qualquer sentido se aplicada a um “terreno para construção”.
6.35. Nestes termos, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal (naquele incluídos).
6.36. Por outro lado, tendo em consideração o acima já analisado, refira-se ainda que o conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador, nem no texto da Lei nº 55-A/2012 (que o introduziu), nem no Código do IMI, para o qual o nº 2 do artigo 67º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei) remete a título subsidiário.
6.37. Na verdade, trata-se de um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão (facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação) teve uma vida bastante curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014[15] (em 1 de Janeiro de 2014), a qual deu nova redacção àquela verba nº 28.1. da TGIS e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6º do Código do IMI. [16]
6.38. Esta alteração, “a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, apenas torna inequívoco, para o futuro, que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1. da TGIS (desde que o respectivo VPT seja de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas”, como é o caso da liquidação de Imposto do Selo que está em causa nos presentes autos (sublinhado nosso) [17].
6.39. Ora, quanto à liquidação objecto do pedido de pronúncia arbitral, não resulta, nem da letra, nem do espírito da lei, que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como decorre hoje do texto da verba 28. da TGIS, (após redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014[18]).
6.40. Neste âmbito, da letra da lei não resulta nada de inequívoco pois ela própria, ao utilizar um conceito que não definiu (e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário) prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria de incidência tributária (matéria em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações primordiais do legislador).
6.41. E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos[19] da proposta de Lei que está na origem da Lei nº 55-A/2012 nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas”, no passado, pelo legislador fiscal que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer.
6.42. Assim, pode aferir-se que a realidade que se pretendeu tributar foi afinal, em linguagem corrente (e não obstante a imprecisão terminológica da lei com a expressão “os prédio (urbanos) habitacionais”), a das “casas”, e não quaisquer outras realidades (conforme acima já referido no ponto 6.28.).
6.43. Acrescente-se que, a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI como relativa a “edifícios” ou “construções”, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista.
6.44. Deste modo, atendendo a que um terreno para construção (qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida) não satisfaz, só por si, qualquer condição para, como tal, ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional” (sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito), não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado nesse terreno.
6.45. Nestes termos, pode concluir-se que, resultando do artigo 6º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios urbanos com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba n.º 28.1. da TGIS, na sua redacção originária (que lhe foi conferida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro) (sublinhado nosso) [20].
6.46. Em resumo, sendo negativas as respostas a dar às questões acima enunciadas nos pontos 6.1.1.e 6.1.2., pode conclui-se que sobre os “terrenos para construção” não podia incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28.1. da TGIS (na redacção prevista pela Lei nº 55-A/2012) porquanto os terrenos para construção não se subsumiam na espécie “prédio com afectação habitacional”, sendo, portanto, ilegal:
6.46.1. O acto de liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, bem como,
6.46.2. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquela liquidação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2013.[21]
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.47. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
6.48. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.49. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.50. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral pelas custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
7. DECISÃO
7.1. Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:
7.1.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, condenando-se a Requerida na anulação da liquidação de Imposto do Selo identificada, porquanto se entende que esta é ilegal, mandando-se também anular a decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto relativamente à liquidação agora mandada anular, com as consequências daí decorrentes;
7.1.2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como o acima exposto no Capítulo 4 desta decisão, fixa-se o valor do processo em EUR 27.302,70.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.530,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 10 de Março de 2017
O Árbitro,
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Neste sentido, enumera a Requerente diversas Decisões Arbitrais (nº 42/2013-T, de 18 de Outubro de 2013, nº 48/2013-T, de 9 de Outubro de 2013, nº 49/2013-T, de 18 de Setembro de 2013, nº 50/2013-T, de 29 de Outubro de 2013, nº 53/2013-T, de 2 de Outubro de 2013, nº 75/2013–T, de 1 de Novembro de 2013, nº 132/2013-T, de 16 de Dezembro de 2013, nº 144/2013-T, de 12 de Dezembro de 2013 e nº 158/2013-T, de 10 de Fevereiro de 2014).
[3] Neste âmbito, menciona ainda a Requerente o Acórdão nº 281/2014 do Tribunal Constitucional de 25 de Março de 2014.
[4] Nesta matéria, cita a Requerente a Decisão Arbitral nº 116/2016-T, de 14 de Julho de 2016, “porque os argumentos ali expendidos na fundamentação da referida Decisão Arbitral, são essencialmente coincidentes com a posição que a Requerente tem sobre a matéria (…)”.
[5] Neste âmbito, cita a Requerida o Acórdão nº 04950/11, de 14/12/2012, do TCAS, no qual se refere que “o regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está consagrado no art. 45.º do CIMI. O modelo de avaliação é igual à dos edifícios construídos, embora partindo-se do edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto, é que o valor do terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com um determinado valor. Será essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel em causa passa a ser considerado como terreno para construção. Por essa razão, quanto maior for o valor do prédio a construir, maior é o valor do terreno para construção que lhe está subjacente (cfr. art.º 6.º, n.º 3, do CIMI)”.
[6] Neste âmbito, refere a Requerida que “o próprio princípio constitucional da igualdade consignado no artigo 13º da CRP obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedido a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”.
[7] Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância do acto de indeferimento do recurso hierárquico (notificado à Requerente, em 23 de Junho de 2016, conforme documentos por aquela anexados ao processo e documentos constantes do processo administrativo, anexados pela Requerida), interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto do Selo em crise, como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo objecto do pedido, a decisão do recurso hierárquico que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 102º, do CPPT, nos termos do qual é aplicável o prazo de três meses, a contar da respectiva notificação, para a interposição da impugnação judicial.
Por outro lado, tendo também em consideração o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT [que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão (….) do recurso hierárquico”], bem como a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (21 de Setembro de 2016), o pedido é tempestivo.
[8] Neste sentido, vide Acórdão TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho.
[9] Vide Decisão Arbitral nº 48/2013-T, de 9 de Outubro.
[10] Cfr. Acórdão TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro, Acórdão TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro e Acórdão TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.
[11] De acordo com este artigo, a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
[12] Argumentação que contribuiu para que fosse entendido, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 586/2016 (de 25 de Novembro) como salvaguardados os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (suscitados a propósito da alegada inconstitucionalidade da verba 28º da TGIS, na redação introduzida pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro e alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, tendo o referido Acórdão decidido pela constitucionalidade da norma).
[13] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
[14] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (nomeadamente, no Processo nº 48/2013-T, de 9 de Outubro).
[15] Introduzido pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
[16] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.
[17] Vide neste sentido Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril e Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril.
[18] Neste âmbito, refira-se que tendo em consideração o disposto no artigo 103º, nº 3, da CRP (proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal), não é possível admitir a aplicação da nova redacção da verba 28.1. da TGIS (em vigor desde 1 de Janeiro de 2014) a uma liquidação de Imposto do Selo que diga respeito ao ano de 2013, pois estaríamos perante a aplicação de uma lei nova a um facto tributário anterior (dado que este facto ocorreu a 31 de Dezembro de 2013 sendo, por isso, anterior à entrada em vigor da nova redacção da lei).
Ainda nesta matéria, e em apoio à interpretação da norma constitucional, torna-se também importante mencionar o disposto no artigo 12º, nº1 da LGT, nos termos do qual “as normas tributárias aplicam-se a factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.
Em matéria judicial, o Tribunal Constitucional (TC), na sua jurisprudência em matéria fiscal, designadamente, no Acórdão nº 128/2009, de 12 de Março considerou que decorre do artigo 103º, nº 3, CRP que “qualquer norma fiscal (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão retroactividade usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico”, ou seja, “proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável”.
[19] Na apresentação e discussão na Assembleia da República da proposta de Lei nº 96/XII – 2ª (que deu origem à Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais terá referido expressamente que “o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor (…) sendo a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013 e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de Euros” [Vide Diário da Assembleia da República (DAR I Série nº 9/XII, de 11 de Outubro, pag. 32)].
[20] Vide Acórdão STA 048/14, de 9 de Abril, Acórdão STA 0272/14, de 23 de Abril, Acórdão STA 0505/14, de 29 de Outubro e Acórdão STA 0740/14, de 10 de Setembro.
[21] Na medida em que manteve, na ordem jurídica, a liquidação de Imposto do Selo agora declarada ilegal.