Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 452/2016-T
Data da decisão: 2017-03-20  Selo  
Valor do pedido: € 39.949,30
Tema: IS - Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro); Lote de terreno para construção.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 28-07-2016, A… (“A…), património autónomo com o número de identificação fiscal …, doravante designado “Requerente”,  representado pela sua Sociedade B…, S.A., com sede na Rua…, n.º…, …, …-… Lisboa, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  do ato de liquidação de imposto de selo, no valor de 39.949,30 €, praticado em 5.04.2016, referente ao ano de 2015,  ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo  anexa à Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, que aprova ao Código do Imposto do Selo,  sobre o terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia, sob o artigo … .

 

O Requerente, alegando que pagou a primeira e segunda prestação do imposto liquidado peticiona, ainda, a restituição dos respetivos montantes, acrescidos de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos, à taxa legal.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo, no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 19-10-2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pelo Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.       O Requerente considera que a norma de incidência tributária prevista na verba 28.1 da TGIS é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação das empresas com incidência fundamentalmente sobre o seu rendimento real, previstos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa uma vez que, a seleção da afetação habitacional como elemento despoletador da concreta tributação dos prédios urbanos e terrenos para construção é arbitrária e discriminatória.

b.      Sendo certo que a detenção de património imobiliário é inquestionavelmente reveladora de capacidade contributiva, tal capacidade não é especialmente revelada em função do tipo de afetação do imóvel ao ponto de justificar a sua individualização para efeitos contributivos, pelo que não existe uma evidência de uma especial capacidade contributiva na consideração de uns tipos de imóveis e não de outros.

c.       Imóveis com idênticos valores patrimoniais tributários revelam idênticas capacidades contributivas, independentemente do uso que esses imóveis tenham não havendo nenhuma razão que objetivamente justifique a exclusão dos demais tipos de prédios urbanos.

d.      Do mesmo modo que o legislador excluiu os prédios urbanos e terrenos para construção vocacionados para o exercício de atividades económicas porque, atento o pressuposto económico selecionado, a detenção deste tipo de imóveis, em si não é tida como reveladora de níveis de riqueza elevados, antes estando associada ao desenvolvimento das atividades económicas intrínsecas aos fins a que se destinam, pelos mesmos motivos se impunha que excluísse os prédios urbanos e terrenos para construção detidos no âmbito do exercício da atividade de investimento na área de edificação habitacional, porque a detenção pelo Requerente de prédios urbanos ou terrenos para construção habitacionais não preenche aquele pressuposto económico.

e.       Inexiste especial capacidade contributiva ou maior nível de riqueza do Requerente revelada pela detenção daquele tipo de imóveis porquanto a detenção de imóveis se insere exclusivamente no âmbito da realização de planos de pensões, tendo sempre em conta o tipo de responsabilidades financiadas de modo a garantir a segurança, o rendimento, a qualidade e a liquidez dos respetivos investimentos, assegurando uma diversificação e dispersão prudente dessas aplicações, sempre no melhor interesse dos participantes e beneficiários sendo o respetivo imposto de selo liquidado individualmente em relação a cada uma das frações, partes ou divisões suscetíveis de utilização independente que apresentem afetação habitacional.

f.        Existe manifesta desigualdade e desproporcionalidade na tributação de terrenos para construção com afetação habitacional porquanto, neste caso, é considerado, para efeitos de tributação, o valor patrimonial tributário (doravante “VPT”) total do terreno e não o VPT atribuível a cada fração, parte ou divisão suscetível de utilização independente, cuja construção autorizada ou projetada seja para habitação.

g.      Até que o terreno para construção seja construído, e passe a integrar um prédio (em propriedade total ou vertical) o sujeito passivo é tributado pela totalidade do VPT do terreno, mas, por sua vez, após a conclusão da respetiva edificação, caso nenhuma das frações, partes ou divisões suscetíveis de utilização independente tenha um VPT superior a € 1.000.000,00, o mesmo sujeito passivo não será onerado com qualquer incidência de IS.

h.      Ora, quando a construção autorizada ou projetada englobe apenas frações, partes ou divisões suscetíveis de utilização independente com valor individual inferior a € 1.000.000,00 não se pode considerar in casu verificado o pressuposto económico que justifica a sua tributação porquanto as mesmas, após a respetiva construção, não seriam sujeitas ao referido imposto.

i.        E conforme se poderá comprovar pela documentação constante do processo de licenciamento camarário relativo ao terreno para construção aqui em causa, nenhum dos imóveis, frações autónomas ou espaços suscetíveis de utilização independente cuja construção nele se encontra aprovada terá VPT individual superior a €1.000.000,00, atentas as respetivas características relevantes para o apuramento desse valor.

j.        Por tudo o exposto, deverá ser recusada a aplicação da norma de incidência prevista na verba 28.1 da TGIS atenta a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, e da tributação das empresas com incidência fundamentalmente sobre o seu rendimento real, previstos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.ºs 1 e 2 da CRP.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão do Requerente, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

POR EXCEPÇÃO

 

Incompetência material do tribunal arbitral

Impropriedade do meio

 

 

a.       Pese embora o pedido a final formulado pelo Requerente conclua pela “declaração da ilegalidade da liquidação de IS sub judice”, importa realçar que o Requerente pretende a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos.

 

b.      A causa de pedir do seu pedido de pronúncia arbitral é na sua totalidade fundada na inconstitucionalidade em abstrato da aludida norma, e não em qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos.

 

c.       Deste modo, para que o pedido feito pelo Requerente procedesse seria necessário que fosse considerada ilegal ou inconstitucional a norma constante na verba 28.1 da TGIS.

 

d.      Donde se conclui que a pretensão aduzida pela Requerente colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação por parte da ora Impugnada acerca da ilegalidade ou inconstitucionalidade que vem invocada implicaria a violação clara e objetiva dos preceitos legais e a violação da própria Constituição.

 

e.       O mesmo sucede em relação à decisão da presente ação arbitral por parte do Tribunal Arbitral porque o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais (arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional).

 

f.        Não tendo o Tribunal Arbitral competência para a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas (matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional - alínea a) do artigo 281.º da CRP), nem, na situação sub iudice, para proceder à declaração de ilegalidade ou de inconstitucionalidade da verba 28.1 da THIS, pois tal está-lhe vedado (excluído da sua jurisdição) cfr. artigo 2.º do RJAT, em articulação com o n.º 2 da Portaria de Vinculação ao CAAD e 4.º, n.º 2, al. a), do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

g.      Assim, será de concluir pela impossibilidade do presente tribunal arbitral decidir o presente litígio, quer se considere estarmos perante a exceção de incompetência material do tribunal arbitral ou perante exceção dilatória de impropriedade do meio.

 

h.      Daqui, decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas do artigo 278.º do CPC, artigo 2.º do RJAT, 2.º da Portaria de vinculação ao CAAD e 4.º, n.º 2, al. a), do ETAF ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

Por impugnação,

 

i.        O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no art. 13º da CRP e por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no art. 266º, nº.2, do diploma fundamental.

 

j.        Porém, no que respeita ao n.º 3 do art.º 104.º da CRP, previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património.

 

k.      As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam, corretamente, que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

 

l.        Na presente contenda não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional.

 

m.    Ou seja, este Tribunal deverá, na ótica de proibição do arbítrio que brota do principio da igualdade, «tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável o inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível», verificando se, no caso em apreço, se estabeleceram «distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional» (in Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 528/2012, de 7 de Novembro) o que, como é por demais evidente, axiomático até, não sucedeu, ou seja, a verba 28 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa.

 

n.      Senão veja-se: a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 ou seja, incide sobre o valor do imóvel.

 

o.      A diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços, ou até a um prédio rústico, resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

 

p.      No que concerne à opção legislativa de não incluir na incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios urbanos destinados a outros fins que não os habitacionais, rectius, sem afetação habitacional (bem como, aliás, de não abranger os prédios rústicos) principia-se por assinalar que está aqui em jogo uma diferenciação com fundamento material amplamente reconhecido pelo legislador.

 

q.      Estamos, portanto, perante um legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador dos ditames constitucionais, que impõe a limitação de incidência da tributação em causa aos prédios habitacionais de luxo ou com afetação habitacional, com exclusão e em detrimento dos prédios com afetações estritamente económicas.

 

r.        E é inquestionável que não constitui solução absolutamente desrazoável que, no contexto conjuntural particular de uma grave crise económica e financeira, de desequilíbrio orçamental e de degradação das finanças públicas, se faça incidir um esforço tributário adicional sobre os proprietários de prédios habitacionais de luxo, sem abranger igualmente os proprietários de prédios com afetações não habitacionais, que se encontram destinados ao desenvolvimento de atividades económicas.

 

s.       Assim, entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP.

 

 

5. Por despacho de 23.01.2017, foi julgada improcedente a exceção suscitada pela Requerida.

 Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Determinou-se, ainda, a realização de alegações escritas pelo prazo de 7 dias sucessivos para Requerente e Requerida.

As partes apresentaram alegações nas quais, no essencial, mantiveram as posições já manifestadas na petição inicial e na resposta.

 

6. Cumpre solucionar as seguintes questões:

  1. Se a liquidação enferma de vício de violação de lei e, em consequência, deve ser anulada.
  2. Se, em caso de procedência da pretensão anulatória, deve ser a Requerida condenada a restituir ao Requerente os montantes alegadamente pagos com juros indemnizatórios à taxa legal.

 

II. Saneamento

 

7. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

III – A matéria de facto relevante

 

8.  Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente consta da matriz predial como proprietário do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial U-… (Ex-…) da Freguesia …– União das Freguesias de … e … (Ex-… –…), Concelho de Vila Nova de Gaia e Distrito do Porto, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número de registo … .

b.      O Requerente foi notificado da liquidação de imposto de selo, efetuada em 5.04.2016, referente ao ano de 2015, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo  anexa à Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, que aprova ao Código do Imposto do Selo  sobre o identificado imóvel, no valor de 39.949,30 €

c.       O Requerente pagou os montantes correspondentes à primeira prestação em 29.04.2016 e à segunda prestação em 29.07.2016, do Imposto em causa, no valor de 13.316,44 € e 13.316,43 €, respetivamente.

  1. Resulta de decisão de deferimento de pedido de licenciamento  de operação de loteamento emitida pelo Município de Vila Nova de Gaia, notificada ao Requerente em 27.12.2013, que no terreno para construção em causa está prevista a construção de três edifícios com rés-do-chão, 1º, 2º, 3º, 4º e 5º andares, cada qual, destinados a habitação multifamiliar, com dois pisos de cave por edifício destinadas a estacionamento automóvel, arrumos e áreas técnicas, estando prevista a capacidade máxima de sessenta lugares por edifício.
  2. Nos edifícios a construir as tipologias previstas das frações são a tipologia 1 com a área prevista de 70 metros quadrados, tipologia 2 com a área prevista de 100 metros quadrados e tipologia 3 com áreas que oscilam entre os 122 e os 150 quadrados.

 

Com interesse para a decisão da causa, relativamente a factos alegados pelas partes, inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação pelas partes, especificamente, a notificação da liquidação e os comprovativos  dos pagamentos, caderneta predial  e notificação da decisão de deferimento de pedido de licenciamento  de operação de loteamento, emitida pelo Município de Vila Nova de Gaia, sendo de salientar não resultar dos  articulados apresentados desacordo relativamente à matéria de facto.

 

-IV- O Direito aplicável

 

10.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2014) que fica sujeita a imposto de selo a:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio  habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

(…)

 

A  redação originária da norma em causa, nesta  parte, era a seguinte:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

(…)

 

11. Segundo a nova redação da norma em causa, fica, também, sujeito a tributação o “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI”.

 

O novo segmento da norma, na sua  aparente simplicidade,  levanta interrogações várias, designadamente à luz da reconhecida intenção legislativa vertida na verba 28.1 da TGIS de tributar “imóveis de luxo”.

Com efeito, é pacifico na jurisprudência nacional que, na redação originária, a ratio legis da verba 28 da TGIS era a tributação de imóveis de luxo edificados que estivessem afetos  a  habitação.

Com a alteração de redação estabelecida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, estabeleceu-se, ainda, a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e tenham um valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros à semelhança do que sucede no caso dos edifício habitacionais.

 

Entendemos, à luz do elemento teleológico, que o legislador ao fazer incidir a tributação da verba 28.1 em lotes de terreno para construção está a antecipar a tributação do “luxo”, que constitui o pressuposto da tributação, na medida em que, embora não ocorrendo, ainda, a possibilidade do imóvel de elevado valor patrimonial ser objeto de utilização habitacional, o mero facto de se ser proprietário dum terreno destinado à edificação dum imóvel com tais características e, também ele, desde logo, detentor de valor patrimonial tributário de elevado valor, faz supor a capacidade contributiva acrescida,  pressuposto e  critério desta tributação.

 

Mas esta capacidade contributiva acrescida, este “luxo”, só se verifica caso a construção autorizada ou prevista o seja para habitação de “luxo”, ou seja, para unidade habitacionais com valor superior a um milhão de euros.

A “ratio legis” do preceito não é, de modo algum, a tributação de lotes de terreno destinados a habitações de valor médio ou de habitação social, aparentemente decorrente do elemento literal da norma, pois um lote de terreno para construção destinado a construção de habitações  de valor médio ou inferior pode atingir um valor superior a um milhão de euros, o  que poder depender, designadamente,  do números de fogos a edificar.

Impõe-se, pois, uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de se considerar que estão sujeito a tributação os lotes de terreno para construção mas, apenas e tão só, no caso  da construção autorizada ou prevista ser para habitações de elevado valor ou seja, para unidades habitacionais  de valor superior a um milhão de euros (“cessante ratione legis cessat eius dispositivo”). [1]

Acresce que a interpretação da norma que aqui se perfilha, para além de se encontrar em  perfeita sintonia com o elemento teleológico  e de ter  na letra da lei um mínimo de correspondência verbal,   é a que melhor de coaduna com a unidade do sistema jurídico e, designadamente, com o princípio da interpretação conforme à constituição. Na verdade, caso se entendesse que a tributação dos lotes de terreno prevista na verba 28.1 da TGIS  não se circunscreve a lotes destinados à edificação de habitações de elevado valor, tal implicaria, a possibilidade da  tributação incidir  sobre terrenos destinados a habitações de valor médio ou, até, de habitação social, o que, além de violar  claramente os princípios  da igualdade e da  capacidade contributiva, afrontaria, ainda, manifestamente, o art. 65º da Constituição da República Portuguesa.[2]  [3]

 

12.No caso dos autos, da  matéria de facto provada não emerge a verificação do pressuposto legal, na interpretação acolhida, bem pelo contrário, na medida em que resulta decisão de deferimento de pedido de licenciamento de operação de loteamento, emitida pelo Município de Vila Nova de Gaia, notificado ao Requerente em 27.12.2013, que no terreno para construção em causa está prevista a construção de três edifícios com rés-do-chão, 1º, 2º, 3º, 4º e 5º andares, cada qual, destinados a habitação multifamiliar oscilando  as áreas previstas  das frações entre 70 metros quadrados (tipologia 1) e os  150 quadrados (algumas frações da tipologia T3), pelo se estará perante unidades habitacionais de valor médio, sendo notório, tendo em conta tais áreas e localização, que  não serão frações  habitacionais  de luxo, suscetíveis de atingir o valor patrimonial tributário de um milhão de euros.

 

Nesta medida, e sem necessidade de mais considerações, entende-se que o imóvel em causa, de que o Requerente é proprietário inscrito na matriz, não se subsume na norma constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que não pode a liquidação sub judice deixar de ser anulada, ainda que, com fundamentos jurídicos não coincidentes com os alegados pelo Requerente, sendo certo que  o Tribunal não está  vinculado às alegações das partes no que respeita a matéria de direito, nos termos do art. 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável  ex vi do art. 29º, nº 1, al. e) do RJAT.

 

13. Veio, ainda, o Requerente, pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os  respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[4]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira  do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem à liquidação, ora anulada, imputável ao Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pelo Requerente relativamente à liquidação anulada, com juros indemnizatórios, à   taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral:

a)         Decretar a anulação da liquidação objeto do presente processo.

b)         Condenar a Requerida a   restituir ao Requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito.

 

 

 

Valor da ação:  € 39.949,30 (cinquenta e nove mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e quarenta cêntimos). nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de 1 224.00 € (mil duzentos e vinte e quatro euros)  nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 20.03.2017

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] Nos termos do art. 11º, nº 1, da Lei Geral Tributária “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

[2] Neste sentido as decisões arbitrais de 5.02.2016, proferida no processo 482/2015-T e de 9.03.2017, proferida no processo 395/2016-T, em que foi árbitro o signatário da presente decisão arbitral. (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/)

[3] Na decisão arbitral de 17-03-2016,  proferida no processo 507/2015-T, considerou-se que “que a norma da verba 28.1 da TGIS, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP, por se aplicar a terrenos para construção de valor patrimonial tributário de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer fracção susceptível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.

As mesmas razões para distinguir valerão relativamente aos terrenos para construção destinados a edificação de habitações autónomas de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, pois a titularidade de direitos sobre terrenos com esta finalidade revela, só por si, uma situação de riqueza, a nível dos «padrões mais elevados da sociedade portuguesa»: isto é, se o terreno, só por si, tem valor igual ou superior a € 1.000.000,00 e se destina construção de habitações individuais de valor também igual ou superior a este está-se perante situações em que a mera titularidade de direitos sobre o terreno revela riqueza correspondente «aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa». (https://caad.org.pt/tributario/decisoes/)[destaque nosso].

[4] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).