DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
A - Geral
1.1. A…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua…, n.º…–…, …-… Lisboa, na qualidade de único herdeiro de B…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Av. de … …, …, …-… Lisboa, C…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Av. …, n.º…–…, …-…Lisboa e D…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua…, n.º … –… Dto, …-… Lisboa, cabeça de casal da herança de E…, contribuinte fiscal n.º … (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram, no dia 08.06.2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que são comproprietários, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por despacho de 07.07.2016, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. F… e Dra. G… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 21.09.2016.
1.5. No dia 23.09.2016 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.
1.6. No dia 21.10.2016 a Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo, requerendo a dispensa da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT.
B – Posição dos Requerentes
1.7. Os Requerentes são comproprietários do prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo … (de ora em diante, o “Prédio”).
1.8. O Prédio tem 39 andares e divisões susceptíveis de utilização independente, nem todos afectos a habitação.
1.9. Os Requerentes foram notificados das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) cujos documentos de cobrança foram juntos ao pedido de pronúncia arbitral como doc. n.º 1, cujos teores se têm por reproduzidos, as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com datas limite de pagamento reportadas ao dia 20.12.2012, respeitantes à prestação do IS incidente sobre os andares e divisões susceptíveis de utilização independente consideradas pela Requerida como afectas a habitação.
1.10. Os Requerentes procederam ao pagamento do tributo que lhes era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, como se comprova pelas notas de cobrança que integram o doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, pelo que igualmente pedem lhes seja reconhecido o direito a perceberem juros indemnizatórios, calculados desde a data em que esses tributos foram pagos até ao reembolso efectivo dos montantes indevidamente exigidos.
1.11. Os Requerentes, no dia 25.11.2015, deram entrada de um pedido de revisão oficiosa contra as liquidações ora contestadas, ao qual não foi dada qualquer resposta.
1.12. Nenhuma das partes ou andares com afectação habitacional tem um valor patrimonial tributário (de ora em diante “VPT”) igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
1.13. Sustentam os Requerentes que se impunha a autonomização dos andares ou fracções susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, não resultando da lei a correspondência do VPT de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, sendo consequentemente objecto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) separada.
1.14. No entender dos Requerentes, o Prédio é materialmente idêntico a um prédio em regime de propriedade horizontal, não havendo justificação legal para um tratamento diferenciado, que, a haver, estará ferido de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade fiscal.
1.15. Pretendendo a lei tributar imóveis de elevado valor (de luxo), não se compreende as razões que levam a Requerida a aplicar a verba 28.1 da TGIS a fracções avaliadas em muito menos do que € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
C – Posição da Requerida
1.16. A Requerida entende ser extemporâneo o pedido de constituição do tribunal arbitral, uma vez que a liquidação impugnada foi liquidada a 07.11.2012, não sendo o pedido de revisão oficiosa da liquidação o meio adequado para obter a sua revisão nem podendo ele ter a virtualidade de abrir um novo e último prazo de pedido de constituição do tribunal arbitral.
1.17. A Requerida expressa o entendimento de que a interpretação que fazem os Requerentes da verba 28.1. da TGIS não tem correspondência com a respectiva letra, resultando as notas de cobrança da aplicação directa da lei, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.
1.18. Defende a Requerida que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio, pelo que, naqueles, o valor patrimonial tributário que serve de base ao cálculo do IMI (e do IS) é o “valor global do prédio”.
D – Conclusão do Relatório
1.19. Por despacho de 11.2.2017, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previa pudesse ter lugar até ao dia 13.03.2017, e deu prazo para que as Partes, querendo, apresentassem as suas alegações.
1.20. No dia 24.02.2017 os Requerentes apresentaram as suas alegações, reforçando o já expedido no pedido de pronúncia arbitral e refutando a excepção invocada pela Requerida quanto à extemporaneidade do pedido de constituição do tribunal arbitral.
1.21. Também no mesmo dia apresentou a Requerida as suas alegações, que mantêm na íntegra o teor da sua Resposta.
1.22. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.23. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.24. A coligação de autores é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 3.º do RJAT.
1.25. A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.
1.26. O processo não padece de qualquer nulidade. Foi suscitada a excepção da intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral pelo que deve o tribunal apreciar primeiramente essa questão, já que o resultado desse juízo pode obstar à apreciação do mérito da causa.
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A excepção de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral
Alega a Requerida que o pedido de revisão oficiosa da liquidação não é o meio adequado para obter a revisão das liquidações, nos termos e prazo em que foi formulado, não podendo constituir um meio com a potencialidade de abrir um novo prazo de apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, por não estarem verificados os pressupostos de aplicabilidade do art.º 78.º da Lei Geral Tributária (de ora em diante “LGT”).
Entende a Requerida que o pedido de revisão oficiosa em análise apenas poderá ter sido apresentado com fundamento no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, não estando reunidos os pressupostos da sua aplicação.
O n.º 1 do art.º 78.º da LGT dispõe o seguinte:
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
Ora, sendo as liquidações de 07.11.2012 e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado no dia 25.11.2015, forçoso é reconhecer que só podemos estar perante uma revisão a ser efectuada pela administração tributária, o que implica a demonstração da existência de erro imputável aos serviços.
“É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento”.[1]
Tudo está em saber, então, o que deve entender-se por “erro imputável aos serviços”, expressão a que alude o n.º 1 do art.º 78.º da LGT. Ora, o “erro” imputável aos serviços não se cinge ao mero lapso ou ao erro material ou de facto. Antes compreende o erro de direito cometido pelos ditos serviços, como aliás se pode concluir do disposto no n.º 3 do artigo 78.º da LGT[2].
É justamente um erro de direito o vício que os Requerentes entendem ferir a validade das liquidações postas em crise, erro que teriam os serviços o dever de reparar aquando da análise do pedido de revisão oportunamente apresentado.
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a invocada excepção de intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral. Passar-se-á, portanto, à apreciação do mérito da causa.
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Matéria de facto
3.1. Factos provados
3.1.1. Os Requerentes são os únicos proprietários do prédio urbano em regime de propriedade total ou vertical, inscrito na matriz da freguesia de … sob o artigo…;
3.1.2. O Prédio tem 39 andares e divisões susceptíveis de utilização independente, dos quais 35 afectos a habitação;
3.1.3. A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS ao Prédio, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões com afectação habitacional, excepcionando, pois, os andares sem essa afectação habitacional;
3.1.4. O VPT de cada um dos 35 andares e divisões susceptíveis de utilização independente afectos a habitação varia entre € 70.727,68 e € 124.029,25, perfazendo, no total, € 3.297.030,94;
3.1.5. Os Requerentes foram notificados das liquidações de IS a que se referem os documentos de cobrança juntos ao pedido de pronúncia arbitral como doc. n.º 1, em função da sua quota-parte;
3.1.6. Os documentos de cobrança juntos ao pedido de pronúncia arbitral como doc. n.º 1 tinham como data limite de pagamento o dia 20.12.2012;
3.1.7. Os Requerentes procederam ao pagamento do tributo que lhes era exigido pelas liquidações ora postas em crise, dentro do prazo;
3.1.8. Os Requerentes, no dia 25.11.2015, deram entrada de um pedido de revisão oficiosa contra as liquidações ora contestadas, ao qual não foi dada qualquer resposta.
3.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados
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Matéria de direito
4.1. Questões a decidir
Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas:
a) A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro; e
b) A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, os Requerentes, no âmbito do presente processo arbitral poderão obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação de impostos ilegalmente exigidos.
4.2. A verba 28.1 da TGIS
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que contava, à data dos factos, com a seguinte redacção:
«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»
Com a epígrafe “disposições transitórias”, o art.º 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e com relevo para o que cumpre decidir, estabeleceu o seguinte:
1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:
a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;
b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;
d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;
e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.
Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.
4.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS
Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício, como fez a Requerida relativamente ao Prédio.
a) A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis
Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).
Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.
Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.
b) A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes
Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.
Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
A Requerida, num exercício que se compreende, lobrigou o absurdo que resultaria da aplicação da taxa de imposto ao VPT de um prédio, se este fosse calculado na base do somatório de todas as partes independentes que o compõem. Expurgou, então, no caso em análise, as partes que matricialmente estavam afectas a outros fins que não habitacionais, logrando alcançar, para efeitos da verba 28.1 um VPT diferente daquele que resulta da aplicação dos critérios de determinação da matéria colectável para efeitos de tributação em sede de IMI.
Dizer-se que se entende o exercício levado a cabo pela Requerida não significa, porém, concluir pelo seu acerto, porquanto parece indevida a desconsideração da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, impondo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.
Atentos a letra e o espírito da lei, não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT superior ao da bitola legal.
c) A ratio legis da verba 28.1 da TGIS
O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração normativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.
Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[3]:
“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”
Ora, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas”. “Casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, registe-se.
Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.
d) Conclusão
Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.
4.4. Dos juros indemnizatórios
A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.
Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da LGT e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, tendo os Requerentes pago, dentro do prazo que lhes havia sido concedido, a totalidade do tributo que pelas liquidações reclamadas lhes era exigido, têm eles direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento da cada um até ao seu integral reembolso.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso aos Requerentes dos montantes por eles pagos, relativamente às liquidações ora anuladas;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do respectivo pagamento dos tributos ora declarados indevidos, até ao seu integral reembolso.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º- A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 16.122,68 (dezasseis mil cento e vinte e dois euros e sessenta e oito cêntimos).
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Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2017
O Árbitro
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(Nuno Pombo)
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, obedecendo à ortografia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-05-2016 (processo nº 407/15)
[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2011 (processo nº 01009/10)
[3] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.