Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 424/2016-T
Data da decisão: 2017-03-02  Selo  
Valor do pedido: € 10.115,30
Tema: IS – Partes de prédio suscetíveis de utilização independente ; Verba nº 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – Relatório               

 

1. No dia No dia 22-07-2016, as contribuintes A…, NIF … residente na rua …, nº…, …, Lisboa e B…, NIF…, residente na rua…, nº…, …, Lisboa, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação dos  atos de liquidação de imposto do selo respeitantes ao ano de  2015 (verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo), no valor total de 10.115,30 €, efetuadas pela Requerida referentes ao prédio urbano inscrito na artigo U -…, da freguesia de…, concelho de Lisboa, situado nesta cidade, no …, nºs … a… .

As requerentes alegando que pagaram já os valores da primeira prestação referentes às liquidações impugnadas, peticionaram ainda a restituição destas quantias que consideram indevidamente pagas bem como doutras que viessem a pagar relativamente às liquidações em causa   e ainda juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data da execução da decisão arbitral.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 18-10-2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. As Requerentes são comproprietárias em partes iguais de um prédio urbano inscrito na artigo U -…, da freguesia de…, concelho de Lisboa, situado nesta cidade, no…, nºs … a… .
  2. O mencionado imóvel foi avaliado considerando os respetivos andares  ou divisões independentes  tendo sido atribuído a cada uma de tais partes um valor patrimonial tributário autónomo, nos seguintes termos:

-Loja 97- com o valor patrimonial tributário de 190 880,00€;

-Loja 98 – com o valor patrimonial tributário de 239 880,00€;

-1º andar independente – com o valor patrimonial de 357 670,00€;

-2º andar independente – com o valor patrimonial de 357 670,00€

-Sótão independente – com valor patrimonial de 296 190,00€

 

  1. As Requerentes foram notificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) das liquidações de Imposto de Selo, previsto na verba 28 da tabela geral deste imposto,  que incidiram sobre alguns andares ou divisões independentes daquele prédio urbano, referentes ao  ano de 2015.

 

  1. As liquidações de imposto de Selo ora impugnadas incidiram apenas sobre as frações afetas a habitação
  2. Tratando-se de prédios urbanos não constituídos em regime de propriedade horizontal, compostos por diversos andares ou divisões com utilização independente e afetação habitacional, a sujeição ao Imposto do Selo contido na Verba 28.1 da TGIS é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (“VPT”) atribuído a cada um dos seus andares ou divisões e não pelo VPT resultante da soma dos mesmos, de acordo com as normas do CIMI e com uma interpretação teleológica da norma;
  3. Todavia, a Requerida tratou cada uma frações como unidades económicas independentes segundo as regras previstas no Código do IMI (“CIMI”), por remissão da Verba 28.1 da TGIS;
  4. No entendimento das Requerentes, estes atos tributários de liquidação de IS (verba 28.1 da TGSI), são ilegais por erro nos respetivos pressupostos de facto e de direito, porquanto nenhum dos andares ou divisões independentes deste prédio das Requerentes que a AT tributou em sede de IS, Verba 28.1 TGIS, tem um VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) se individualmente considerados.
  5. As liquidações do IS violam ainda o princípio da igualdade tributária, pois, caso o prédio em questão fosse constituído em regime de propriedade horizontal não haveria lugar à tributação de IS, dado que o VPT atribuído a cada uma das suas frações destinadas a habitação não ultrapassa €1.000.000,00.
  6. As Requerentes efetuaram já o pagamento da primeira prestação do Imposto de Selo referente às liquidações objeto do presente processo e que no seu entendimento é ilegal pelos vícios apontados.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

a.       O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio.

b.      Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios.

c.       Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será o VPT total do prédio.

  1. Para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI.
  2. O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária, conforme adiante se refere.
  3. A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.
  4. Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente.

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis e ainda nos princípios da celeridade, da simplificação e informalidade processuais.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a)Se  são ilegais e, em consequência devem ser anuladas, as liquidações objeto do presente processo.

b) Se deve ser a Requerida condenada a   restituir à requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal.

 

II – Matéria de facto relevante

 

8.Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1. As Requerentes são comproprietárias em partes iguais de um imóvel urbano situado no …, nºs … a…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U -…, da freguesia de …, Lisboa.

 

2. O mencionado imóvel foi avaliado considerando os respetivos andares ou divisões independentes tendo sido atribuído a cada uma de tais partes um valor patrimonial tributário autónomo, nos seguintes termos:

Loja 97- com o valor patrimonial tributário de 190 880,00€;

Loja 98 – com o valor patrimonial tributário de 239 880,00€;

1º andar independente destinado a habitação – com o valor patrimonial de 357 670,00€;

2º andar independente destinado a habitação – com o valor patrimonial de 357 670,00€

Sótão independente destinado a habitação – com valor patrimonial de 296 190,00€

 

3. A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou as liquidações de Imposto de Selo  previsto na verba 28 da tabela geral de imposto de selo que incidiram sobre alguns andares ou divisões independentes daquele prédio urbano referentes ao  ano de 2015.

 

4. Cada liquidação efetuada pela Requerida respeita a um andar ou divisão independente, nos seguintes termos:

1º andar independente – com o valor patrimonial tributário de 357 670,00€: Liquidação no valor de 1788,55 €, a cada uma das requerentes.

2º andar independente – com o valor patrimonial tributário de 357 670,00€: Liquidação no valor de 1788,55 €, a cada uma das requerentes.

Sótão independente – com valor patrimonial tributário de 296 190,00€: Liquidação no valor de 1480,95 € a cada uma das requerentes.

 

5. As Requerentes pagaram o valor da primeira prestação das liquidações no montante de 596,13, € 596,13€ e  493,65 € cada qual.

 

Relativamente a factos alegados pelo Requerente, com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10.Estabelece a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo que fica sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

“Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto do Código do IMI: 1%.

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%”.

 

11. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece, ainda, o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim, que o artigo 12º, nº 3, do CIMI, é  aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

12. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal. Na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

Efetivamente, no regime dos  arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos artigos 43º, nº2 do código.

 

13. A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência, deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não se harmoniza com a sua própria tese de que, nestes casos, a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e não cada uma das suas partes autónomas.

 

14. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram, maioritariamente, no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédios urbanos”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4 do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente, parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio habitacional”, no que respeita a prédios com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, só poderá ter tido em mente cada uma destas partes independentes e não o prédio na sua globalidade.

 

15.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado em diversas decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

 

16. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

17. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

18. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os  respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira  do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de  ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago (primeira prestação referente às liquidação objeto do processo), por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

19. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem às liquidações ora anuladas, imputável à Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

 

20. Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente às liquidações anuladas, com juros indemnizatórios, à  taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

-IV- Decisão

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente  procedente o pedido de pronuncia arbitral:

a)         Decretar  a anulação das liquidações objeto do presente processo.

b)         Condenar a Requerida a   restituir à requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito.

 

Valor da ação: € 10.115,30 (dez mil cento e quinze euros e trinta cêntimos) nos termos do disposto no art.º 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 2.03.2017

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola  e ao  Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592 e  na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Entre outras, as proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, 177/2014-T, 396/2024-T, 461/2015-T e 474/2015-T, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9.09.2015, , proferido no proc.    047/15, em cujo sumário se pode ler:

I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária,  in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).