Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 402/2016-T
Data da decisão: 2017-02-24  Selo  
Valor do pedido: € 53.340,14
Tema: IS - Propriedade total; Verba 28.1 TGIS
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Decisão Arbitral

 

I.       RELATÓRIO

 

1.                  A…, S.A., pessoa coletiva nº…, com sede no …, nº…, …-… Lisboa (doravante designada por “Requerente”), veio nos termos dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária, 99.º, al. a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e alterado pela Lei n.º 66B/2012, de 31 de Dezembro, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto de Selo, verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015, respeitantes aos prédios urbanos descritos na matriz predial Urbana sob os artigos … e … da União de Freguesias de  … e … .

 

2.    É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “Requerida”)

 

3.    O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-08-2016.

 

4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

5.    Em 19-09-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6.    Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 04-10-2016.

 

7.    No Requerimento Arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

a)      A Requente entende que, para um prédio em propriedade vertical, e para efeito de aplicação da norma constante da verba 28.1 da TGIS, não deve ser tido em conta o somatório dos Valores Patrimoniais Tributários (VPT) de cada andar e divisão;

b)      Na perspetiva da Requerente, é contrário à lei o entendimento da Requerida, segundo o qual o critério para a determinação da incidência da verba 28 da TGIS é o VPT global dos andares e divisões;

c)      Assim, só haveria lugar a incidência da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a 1.000.000,00€, o que não sucede no caso vertente;

d)     Nestes termos, a Requerente pede a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do imposto de selo em crise, e a consequente anulação, com todas as consequências legais, por os mesmos violarem o normativo constante da verba n.º 28.1 da TGIS;

e)      Pede ainda a Requerente a condenação da Requerida ao reembolso das quantias pagas pela Requerente a título de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano de 2015, acrescidas dos juros moratórios e indemnizatórios.

 

 

8.                  A Requerida apresentou resposta, na qual apresentou defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

a)      À data a Requerente detinha a propriedade plena dos prédios urbanos em análise, avaliados nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descritos como «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente», tendo cada um deles valor patrimonial tributário (VPT) superior a € 1.000.000,00;

b)      Com referência ao ano de 2015, em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, e afetação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobrança com vista ao pagamento das liquidações em causa;

c)      Dispõe o artigo 44º, n.º 5 do Código do Imposto do Selo (CIS), aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que, havendo lugar a liquidação, o imposto a que se refere a verba 28 da TGIS é pago, nos prazos, termos e condições definidos no artigo 120º do CIMI, isto significa que (quando o valor for superior a € 500,00) é pago em três prestações, nos meses de abril, julho e novembro, conforme alínea c) do n.º 1 do citado artigo;

d)     O está em causa no processo sub judice são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

e)      O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio;

f)       Decorre da análise do preceito normativo que um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios;

g)      O artigo 12º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais;

h)      Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”;

i)        Em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário e da coleta imputada a cada município da localização dos prédios;

j)        Em consonância, estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos quaisquer juros moratórios ou indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal;

k)      Termos em que deve ser julgado improcedente o pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

 

9.                  Por despacho de 14-11-2016, atendendo a que não foram invocadas exceções e a que apenas há controvérsia sobre matéria de direito, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais. Foi definido o dia 04-03-2017 como data limite para prolação da decisão arbitral.

 

10.              Tendo a Requerente manifestado expressamente a sua oposição à dispensa da produção de alegações finais, decidiu o Tribunal, através de Despacho de 16-11-2016, que processo prosseguisse com alegações escritas, a apresentar pelas Partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT

 

11.              A Requerente apresentou alegações finais, nas quais invocou diversa jurisprudência do CAAD e citou extensamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09 de setembro de 2015, proferido no âmbito do processo 047/15, reiterando e reforçando os argumentos contidos no Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

12.              A Requerida apresentou alegações finais, nas quais manteve, integralmente, o teor da sua Resposta.

***

 

 II.     SANEADOR

 

13.              O presente pedido de constituição de tribunal arbitral é deduzido com cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributários identificados supra.

 

14.              Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, é admissível a cumulação de pedidos quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

15.              No caso sub judice encontram-se verificados os pressupostos legais exigidos para a cumulação de pedidos.

 

16.              Com efeito, controverte-se nos presentes autos a legalidade das liquidações de IS, referentes a 2015, sobre a propriedade de dois prédios urbanos em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, e que foram emitidas ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

 

17.              Considerando, assim, que as liquidações de IS em apreço se reportam ao mesmo período de tributação e se suportam numa mesma base factual e de direito, estão pois verificados os pressupostos da cumulação de pedidos estabelecidos no aludido artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.

 

18.              Não foram invocadas exceções.

 

19.              As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

20.              Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

 

21.               Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A Requerente é proprietária dos prédios urbanos descritos na matriz predial Urbana sob os artigos … e … da União de Freguesias de … e …;

b)      O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, constituído em regime de propriedade total, situa-se na …, …, em …, é composto por doze andares, os quais constituem divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente, conforme discriminado na tabela seguinte:

1º Dto. A

67.798,53€

4º Dto. A

67.798,53€

7º Dto. A

67.798,53€

10º Dto. A

67.798,53€

1º Dto. B

67.798,53€

4º Dto. B

67.798,53€

7º Dto. B

67.798,53€

10º Esq. A

82.629,12€

1º Esq. A

82.629,12€

4º Esq. A

82.629,12€

7º Esq. A

82.629,12€

10º Esq. B

82.629,12€

1º Esq. B

82.629,12€

4º Esq. B

82.629,12€

7º Esq. B

82.629,12€

11º Dto. B

67.798,53€

2º Dto. A

67.798,53€

5º Dto. A

67.798,53€

8º Dto. A

67.798,53€

11º Dto. A

67.798,53€

2º Dto. B

67.798,53€

5º Dto. B

67.798,53€

8º Dto. B

67.798,53€

11º Esq. A

82.629,12€

2º Esq. A

82.629,12€

5º Esq. A

82.629,12€

8º Esq. A

82.629,12€

11º Esq. B

82.629,12€

2º Esq. B

82.629,12€

5º Esq. B

82.629,12€

8º Esq. B

82.629,12€

12º Dto. B

67.798,53€

3º Dto. A

67.798,53€

6º Dto. A

67.798,53€

9º Dto. A

67.798,53€

12º Dto. A

67.798,53€

3º Dto. B

67.798,53€

6º Dto. B

67.798,53€

9º Dto. B

67.798,53€

12º Esq. A

82.629,12€

3º Esq. A

82.629,12€

6º Esq. A

82.629,12€

9º Esq. A

82.629,12€

12º Esq. B

82.629,12€

3º Esq. B

82.629,12€

6º Esq. B

82.629,12€

10º Dto. B

67.798,53€

 

 

c)      O prédio descrito supra, em propriedade vertical, compreende um total de 12 pisos, com divisões de utilização independente, encontrando-se afetas a habitação do 1º ao 12º andar, identificadas pelo lado direito A e B, e lado esquerdo A e B, e o seu VPT total perfaz o valor de 3.584.779,98€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000,00€;

d)     Sobre cada uma das identificadas divisões destinadas a habitação, a Autoridade Tributária liquidou imposto de selo, com referência ao ano de 2015, nos termos da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, na redação dada pelo artigo 4.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1%;

e)      Os atos de liquidação referidos determinaram um valor de imposto a pagar no montante de 35.276,34 €, o qual corresponde à soma das coletas de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, relativamente ao ano de 2015, referentes a cada uma das unidades habitacionais descritas;

f)       O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, constituído em regime de propriedade total, situa-se na …, nº…, em … e é composto por onze andares constituídos por divisões com as letras A a D, com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado separadamente, conforme discriminado na tabela seguinte:

R/c

33.880,00€

3º B

49.140,00€

5º D

49.140,00€

8º B

49.140,00€

1º A

39.480,00€

3º C

39.480,00€

6º A

39.480,00€

8º C

39.480,00€

1º B

49.140,00€

3º D

49.140,00€

6º B

49.140,00€

8º D

49.140,00€

1º C

39.480,00€

4º A

39.480,00€

6º C

39.480,00€

9º A

39.480,00€

1º D

49.140,00€

4º B

49.140,00€

6º D

49.140,00€

9º B

49.140,00€

2º A

39.480,00€

4º C

39.480,00€

7º A

39.480,00€

9º C

39.480,00€

2º B

49.140,00€

4º D

49.140,00€

7º B

49.140,00€

9º D

49.140,00€

2º C

39.480,00€

5º A

39.480,00€

7º C

39.480,00€

10º A

39.480,00€

2º D

49.140,00€

5º B

49.140,00€

7º D

49.140,00€

10º B

49.140,00€

3º A

39.480,00€

5º C

39.480,00€

8º A

39.480,00€

10º C

39.580,00€

 

 

 

 

 

10º D

49.140,00€

 

g)      O prédio, em propriedade vertical, compreende um total de 11 pisos, com divisões de utilização independente, encontrando-se afetas a habitação entre o r/c e o 10º andar, letras A a D, e o seu VPT total perfaz o valor de 1.889.100,00€, sendo que nenhuma das partes ou andares com afetação habitacional tem um valor patrimonial tributário superior a 1.000.000,00€;

h)      Sobre cada uma das identificadas divisões destinadas a habitação, a Autoridade Tributária liquidou imposto de selo, com referência ao ano de 2015, nos termos da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de Setembro, na redação dada pelo artigo 4.º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, à taxa de 1%;

i)        Os atos de liquidação referidos determinaram um valor de imposto a pagar no montante de 18.063,80 €, o qual corresponde à soma das coletas de imposto de selo, verba 28.1 da TGIS, relativamente ao ano de 2015, referentes a cada uma das unidades habitacionais descritas;

j)        Em 22-04-2016, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário da primeira prestação do imposto liquidado relativamente a cada um dos andares ou divisões com utilização independente descritas supra, referentes aos dois prédios urbanos também descritos supra.

 

§2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes.

 

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito.

Cumpre ao Tribunal apreciar a legalidade dos atos de liquidação de imposto do selo em crise.

A questão central a decidir pelo Tribunal é a que se prende com saber se o valor patrimonial tributário (VPT) a considerar para efeito de aplicação da Verba 28 da TGIS, estando em causa prédio não constituído em regime de propriedade horizontal, é o VPT atribuído a cada andar ou divisão com utilização independente e com afetação habitacional, ou se é o VPT global, correspondente ao somatório dos VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente e com afetação habitacional.

 

§2. Aplicação do direito ao caso sub judice

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

Esta alteração não tem, contudo, implicações no caso vertente.

O Código do Imposto do Selo (CIS) e a respetiva Tabela Geral, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, não esclarece qual o sentido da expressão “prédio com afetação habitacional”.

O artigo 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, prevê que «[à]s matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI».

O legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, adota o seguinte conceito de prédio:

«Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial».

Conforme observam SILVÉRIO MATEUS e CURVELO DE FREITAS, “o n.º 1 deste artigo [do artigo 2.º] prevê a existência de três requisitos necessários para que se possa estar perante o conceito de prédio, a saber, a estrutura física, a patrimonialidade e o valor económico” (Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 101, anotação n.º 1.1).

Deste modo, não ficam excluídas do conceito de prédio, relevante para efeitos de CIMI e de CIS, os andares ou divisões de utilização independente de imóvel inscrito na caderneta predial urbana em propriedade total.

O n.º 4 do artigo 2.º do CIMI prevê ainda que «para efeitos deste imposto [IMI], cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio». Neste preceito o legislador esclarece, de forma inequívoca, que as frações autónomas de imóveis inscritos em propriedade horizontal são consideradas prédios, para efeitos de IMI. Mas tal não legitima o intérprete a fazer uma interpretação a contrario, no sentido de excluir do conceito de prédio as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total.

Parece, na verdade, que a ratio, do n.º 2 do artigo 4.º é precisamente a de incluir no conceito de prédio as unidades (frações, andares ou divisões) de utilização independente.

Este sentido parece ser confirmado pelo disposto no n.º 3 do artigo 12.º do CIMI, que prevê que «[c]ada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.»

Daqui resulta que as unidades de utilização independente de imóveis inscritos em propriedade total são objeto de avaliação com base nos critérios previstos no artigo 38.º do CIMI, relevante para efeitos de aplicação da Verba 28 da TGIS, conforme resulta da parte final do preceito contido na verba 28.1 da TGIS, que determina que o valor tributável corresponde ao «valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI».

A Autoridade Tributária e Aduaneira considera como VPT relevante para efeito de aplicação da verba 28.1 da TGIS o VPT global dos imóveis inscritos em propriedade total, em manifesta contradição com a prática de uma pluralidade de atos de liquidação, relativos aos vários andares suscetíveis de utilização independente.

Do elemento literal da interpretação, em conjugação com os elementos sistemático e teleológico, resulta que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos da aplicação da verba 28.1 do CIS é o correspondente a cada uma das unidades suscetíveis de utilização independente.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Administrativo entende que «[n]ão tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência. Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI. Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de selo.» (cf. Acórdão de 04-05-2016, proferido no processo n.º 0166/16).

Este é também o sentido mais conforme com a Constituição da República Portuguesa, designadamente com o princípio da igualdade tributária.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, ao aplicar de modo diferenciado a verba 28.1 da TGIS consoante a unidade habitacional esteja inserida em imóvel inscrito em propriedade horizontal ou em propriedade total está a fazer prevalecer um critério formal de diferenciação, em detrimento da igualdade material exigida pela Lei Fundamental.

Do ponto de vista da capacidade contributiva, enquanto critério operativo do princípio da igualdade, que postula uma igualdade material, é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal – a capacidade contributiva evidenciada é a mesma, devendo a aplicação da verba 28.1 da TGIS ser feita nos mesmos termos.

Assim, relativamente a imóveis inscritos em propriedade total, apenas está sujeito a Imposto do Selo, por aplicação da verba 28.1 da TGIS, o andar ou divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional cujo VPT seja igual ou superior € 1.000.000,00.

Atendendo a que, no presente processo, nenhum dos andares relativamente aos quais foi liquidado Imposto do Selo por aplicação da Verba 28.1 da TGIS tem um VPT igual ou superior € 1.000.000,00, conclui-se pela ilegalidade dos respetivos atos de liquidação e decide-se a respetiva anulação.

Da ilegalidade dos atos de liquidação em crise, e da consequente anulação dos mesmos, resulta o direito da Requerente a ser reembolsada dos montantes de imposto indevidamente pagos.

A Requerente pede ainda o pagamento de juros indemnizatórios. Quanto a estes, o n.º 1 do art. 43.º da Lei Geral Tributária prevê o seguinte: «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Considera-se que «[o] erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, 4.ª ed., Lisboa, 2012, p. 342).

A lei determina, ainda, no artigo 100.º da Lei Geral Tributária, que: «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei

Conforme é afirmado no Acórdão do STA de 11/02/2009, recurso n.º 1003/08, «[t]endo o legislador adoptado a indemnização sobre a forma de juros indemnizatórios, na sequência de decisão anulatória de acto de liquidação, presumindo o prejuízo patrimonial derivado da privação da quantia paga na sequência de um acto de liquidação ilegal, a interpretação do art. 100.º da LGT conforme à Constituição é a de que nele se reconhece o direito a juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a privação da quantia ilegalmente liquidada e não apenas a contar do termo do prazo de execução da decisão anulatória.»

No presente processo estamos perante uma pluralidade de liquidações de Imposto do Selo fundadas em erro imputável aos serviços, donde resultaram pagamentos indevidos de prestações tributárias pela Requerente, pelo que se reconhece a esta o direito a juros indemnizatórios sobre os montantes de imposto indevidamente pagos.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), «[o]s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos».

A Requerente pede ainda o pagamento dos juros de mora.

Estes, diferentemente dos juros indemnizatórios, só são devidos em caso de mora na restituição do imposto indevidamente pago, decidida em sentença. Eles visam compensar o contribuinte pela privação da disponibilidade do montante indevidamente pago no que se refere ao período compreendido entre a data do termo do prazo de execução espontânea da sentença transitada em julgado e a emissão da nota de crédito, nos termos do previsto nos artigos 43.º, n.º 5 e 102.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Assim, a Requerente terá direito ao pagamento de juros de mora em caso de mora da requerida na execução da presente sentença arbitral no que se refere ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

IV. DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal decide:

i)         Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular as liquidações de Imposto do Selo em crise, com todas as consequências legais;

ii)      Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa--se ao processo o valor de € 53.340,14.

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de fevereiro de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

   Paulo Nogueira da Costa