Requerente: A…
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua …, nº…, …, em Lisboa, (doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade dos atos de tributação do imposto de selo (IS), emitidos em aplicação do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) referente ao ano de 2015, no montante global de €15.750,98, pretendendo a sua anulação. Os atos impugnados são referentes ao edifício inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da Freguesia de …, ….
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 22-07-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 25-07-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 30-09-2016, a ora signatária como árbitro para constituição do Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 18-10-2016. Em 26-10-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
3. Em 24-11-2016 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Analisado o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a Resposta junta aos autos pela AT, resulta que as questões a decidir são exclusivamente de direito, pelo que em 22-12-2016 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, fixando prazo para alegações escritas e fixada data provável para a prolação da sentença até 17-02-2017.
Foram as partes convidadas a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato word e a Requerente notificada para, até 10 dias antes da data fixada para proferir a decisão arbitral, efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.
4. Requerente e Requerida juntaram as suas alegações, respetivamente, em 18-01-2017 e 2-02-2017.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
5. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade das liquidações de IS, determinadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015. A Requerente vem arguir a ilegalidade, e a consequente anulação, dos atos de liquidação em sede de Imposto do Selo (doravante "IS") ao abrigo da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante "TGIS"), relativos ao ano de 2015 e ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, ..., formalizados na liquidação nº 2015…, e nas notas de cobrança n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, correspondentes às três prestações liquidadas, no valor total de €15.750,98. Pede ainda juros indemnizatórios pelas quantias entretanto pagas relativas às notas de cobrança.
Alega a Requerente que as liquidações de IS foram emitidas por erro, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, dado que, sendo a Requerente pessoa coletiva de utilidade pública e está isenta do pagamento do imposto por força do disposto no artigo 6º, alínea c) do CIS. Esta norma de isenção consubstancia uma norma de incidência negativa, abrangida pelo princípio da legalidade fiscal, pelo que em obediência ao disposto no nº3 do artigo 103º da CRP, esta isenção não pode ser afastada por mero ato administrativo.
A Requerente desenvolve a sua argumentação em torno do estatuto de utilidade pública que lhe é reconhecido, para concluir pelo afastamento da tributação em imposto de selo, por força do disposto no nº7 do art. 6º do DIS e do art. 44º, nº1, al. e) do EBF, sendo que o prédio é utilizado para a realização direta e imediata dos seus fins estatutários.
Por ultimo, uma vez que do seu ponto de vista as liquidações são ilegais por erro de facto e de direito imputável à AT, e a Requerente pagou o valor do imposto cobrado em três prestações, peticiona o direito a juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
6. A Requerida AT, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual veio pugnar pela legalidade dos atos de liquidação e pela improcedência do pedido arbitral, conforme resposta que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Em síntese, sustenta a AT que a Requerente é “prima facie” uma cooperativa e que, enquanto tal, está sujeita a um estatuto fiscal próprio, consagrado pela Lei 85/98, de 16 de Dezembro que vigorou até ser revogado pelo artigo 147º da Lei nº 84-B/2011, de 30 de Dezembro (LOE para 2012), cujo artigo 145º veio aditar ao EBF o artigo 66º - A do EBF que consagra todos os benefícios que a s cooperativas podem usufruir, constituindo um capítulo autónomo (XI) deste Estatuto. De resto, se dúvidas houvesse, alega a AT, o referido artigo 66º-A, quanto à verba 28.1, introduziu um nº 14, no qual prevê que “As Cooperativas de habitação e construção estão isentas de imposto do selo previsto na verba 28.1 da tabela Geral do Imposto do Selo (aditado pela Lei 7-A/2016 de 30 de março).
Alega, por fim, a AT que a Requerente não pode beneficiar da invocada isenção de imposto ao abrigo do disposto no art. 44º do EBF, que isenta do imposto as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e as de mera utilidade pública, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados diretamente à realização dos seus fins, por ser uma cooperativa e não uma pessoa coletiva de utilidade pública.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
7. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
8. O processo não padece de vícios que o invalidem.
9. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.
III – Matéria de facto
A) Factos Provados
10. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a. A Requerente é uma Cooperativa de natureza cultural, cujo objeto consiste em proporcionar aos seus cooperantes, um conjunto de bens e serviços de cultura, desporto e lazer, sem fins lucrativos;
b. A Requerente é, desde 15-01-1993, uma Pessoa Coletiva de Utilidade Pública;
c. A Requerente tem a sua situação tributária totalmente regularizada;
d. A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, ..., constituído em regime de propriedade total ou "vertical";
e. O valor patrimonial tributário foi determinado nos termos do art.7º, nº2, alínea b), do CIMI somando o valor patrimonial dos andares com afetação habitacional, o que perfaz o valor total de €1.575.098,37;
f. O prédio em causa encontra-se afeto à realização dos fins cooperativos prosseguidos pela Requerente;
g. Sobre este valor foi aplicado IS de acordo com a verba 28.1 da TGIS, à taxa de 1%, daí resultando a liquidação de €15.750,98;
h. A Requerente pagou a totalidade do imposto liquidado, cobrado em 3 prestações já integralmente pagas;
i. Sobre as idênticas liquidações referentes a anos anteriores a Requerente apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico, encontrando-se os respetivos processos a aguardar a decisão, ainda, em sede administrativa.
B) FACTOS NÃO PROVADOS
11. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C) FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
12. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
13. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer do mérito, apreciando a ou as questões de direito relevantes para a decisão final.
Atendendo à configuração do caso, tal como vem alegado pela Requerente e contraditado pela Requerida, vertido nas posições que sintetizamos supra, afigura-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos prende-se com a apreciação da natureza jurídica da pessoa coletiva em presença e da relevância fiscal, em sede de Imposto do Selo, do seu estatuto de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública.
A este propósito, a posição da AT traduz um entendimento segundo o qual o estatuto de cooperativa afasta ou retira o efeito jurídico derivado do reconhecimento do estatuto de utilidade publica à Requerente. Dito de outro modo, por ser uma cooperativa teria um Estatuto Fiscal próprio que afastaria o reconhecimento do benefício decorrente do seu estatuto de utilidade pública.
Diversamente, o primeiro e principal argumento em defesa da ilegalidade das liquidações impugnadas, alega a Requerente que por ser uma pessoa coletiva de utilidade pública, beneficia da aplicação do disposto no artigo 6.º/c) do CIS.
Esta é a primeira e determinante questão de direito a dirimir, prévia a qualquer outra.
14. Dispõe o artigo 6º, alínea c) do CIS que:
“São isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo: (...)
c) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública;”.
Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a Requerente é, desde 15-01-1993, uma Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, qualidade essa que lhe foi reconhecida por despacho do Primeiro Ministro, de 30-12-1992, conforme publicação no DR 15-01-1993. Assim, e sem necessidade de maior fundamentação, conclui-se que se verifica a condição de aplicação do disposto na norma referida. Não subsiste dúvida sobre a natureza jurídica da Requerente enquanto pessoa coletiva do tipo cooperativo, ao que acresce beneficiar do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi reconhecido legalmente. Ora, a conclusão lógica que se impõe, face à constatação da sua natureza de pessoa coletiva de utilidade pública, é a de que se encontra abrangida pelo disposto no artigo 6.º, c) do CIS.
Aliás, a este propósito a AT, na informação vinculativa junta aos autos como documento nº 9, verteu uma doutrina diversa da que veio defender no caso dos presentes autos, apesar da questão essencial em apreciação ser a mesma. Pelo que, a própria requerida terá alterado a sua posição doutrinária sobre a questão e verteu, no caso dos presentes autos, um entendimento totalmente diverso e equívoco nos seus pressupostos. Segundo o entendimento aqui defendido pela AT, por se tratar de uma Cooperativa a Requerente estaria afastada da aplicação do benefício contido no supra «mencionado artigo 6º, c) do CIS. Posição que não se afigura conforme à lei.
Ora, este tribunal arbitral não pode acolher este entendimento por ser contrário à lei, como se demonstrará.
15. A este propósito já se pronunciaram os nossos Tribunais superiores, no sentido de considerarem que uma pessoa coletiva de direito privado, de base associativa, que goza do estatuto de utilidade pública, é para todos os efeitos legais uma Pessoa Coletiva de mera utilidade pública, com todas as prerrogativas que daí possam decorrer da lei. [1]
16. Nesta conformidade, o argumento da AT, sustentando que a Requerente se apresenta, em termos fiscais, como uma Cooperativa, e não como uma Pessoa Coletiva de Utilidade Pública. Não se percebe a coerência do argumento e não se vislumbra qual o fundamento legal que permita tal conclusão.
A norma do artigo 6.º, c) do CIS, abrange todas as pessoas coletivas (cooperativas ou IPSS ou outro tipo legal), a quem seja reconhecido o estatuto de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública, sem exceção, não existindo no ordenamento jurídico-fiscal, qualquer disposição donde se extraia o contrário.
Como bem se decidiu no processo arbitral nº 426/2016-T, no qual foi Requerente a mesma Cooperativa COFIC, CRL : “o argumento, segundo o qual à Requerente se aplica o regime próprio que consta do art. 66º - A, do EBF, o qual encerraria todos os benefícios de que as cooperativas podem usufruir, também não encontramos qualquer sustentação legal Com efeito, tal norma aplica-se à generalidade das cooperativas, sendo o referido art.º 6.º, c) do CIS, uma norma especial que se aplicará às cooperativas que, para além de o serem, possuam a qualidade de pessoas coletivas de utilidade pública.
A tal situação, não obsta a razão de ser da introdução da verba 28.1 da TGIS, do mesmo modo que não obsta à aplicação das restantes isenções decorrentes da lei, incluindo as previstas no artigo 6.º do CIS. (…)
Com efeito, a norma em causa, o artigo 6.º, c) do CIS, não se restringe a pessoas colectivas públicas, mas reporta-se, antes, a todas as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa ou de mera utilidade pública, independentemente de serem pessoas colectivas públicas ou privadas. Como se refere no Ac. do TCA-Sul de 19-06-2014, proferido no processo 11167/14: “As pessoas colectivas de utilidade pública são pessoas colectivas de direito privado que logram obter da Administração a declaração de utilidade pública em razão dos fins de interesse geral ou local que prosseguem.” (vd. Acórdão Arbitral junto aos autos pela Requerente em 02-02-2017)
17. Por último, importa atender à natureza subjetiva da isenção consagrada no artigo 6º, al. c) do CIS, ou seja, é o próprio do sujeito que goza do benefício, sem qualquer outra condição. A tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, tal qual se encontram previstos e descritos, abstratamente, na lei de imposto. As isenções pessoais ou subjetivas “funcionam como condições negativas relativamente à atribuição de personalidade tributária passiva específica. E, assim, a personalidade tributária passiva não poderá ser atribuída a certa entidade, se ela beneficiar de isenção.” [2]
18. Por último, também não colhe a alegação da AT a propósito do disposto no n.º 14, aditado ao artigo 66.º-A do CIS pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março. Este normativo, refere-se às cooperativas de construção e habitação, sem qualquer referência ou distinção entre as que possuam estatuto de utilidade pública e as demais, não sendo por isso regra especial em relação à norma do artigo 6.º, c) do CIS. Também neste ponto se adere à jurisprudência arbitral vertida no Acórdão prolatado no processo nº 426/2016-T.
19. Posto isto, a AT ao desconsiderar o estatuto da Requerente como pessoa coletiva de mera utilidade publica e ao não reconhecer o benefício da isenção de IS consagrado no art. 6º, c) do CIS incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, e consequente violação de lei o que impõe a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações impugnadas. Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente.
V - Juros indemnizatórios
20. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da ATA no pagamento de juros indemnizatórios.
Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
21. De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
22. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores pagos acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artºs. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).
23. No caso, o erro que afeta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou o ato de liquidação por sua iniciativa, sem o devido suporte legal. Tem, pois, a Requerente direito a ser reembolsada da quantia que pagou, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VI. Decisão
Em face de tudo quanto antecede, decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
a) Anular o ato de liquidação em sede de Imposto do Selo ao abrigo da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, relativo ao ano de 2015 e ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, ..., formalizado na liquidação nº 2015/…, no valor total de €15.750,98, e nas notas de cobrança nºs 2016/…, 2016/… e 2016/…;
b) Determinar o reembolso do imposto indevidamente pago pela Requerente, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento do imposto até o reembolso integral da quantia paga;
c) Condenar a parte vencida no pagamento das custas arbitrais.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €15.750,98, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 17 de fevereiro de 2017
O Tribunal Arbitral,
___________________________
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Neste sentido, vd. Ac. do TCA-Sul de 11-12-2012, proferido no processo 05814/121, no qual se decidiu que: “O recorrente deve considerar-se uma pessoa colectiva de direito privado, de base associativa (cfr.artº.157, do C.Civil), sem fins lucrativos, que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11 (cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública.”
[2] Neste sentido, cfr. Ac. STA de 13-10-2010, proferido no processo 0431/10.