Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 397/2016-T
Data da decisão: 2017-02-20  Selo  
Valor do pedido: € 47.834,40
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - propriedade vertical; juros indemnizatórios
Versão em PDF


 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.         Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A…, S.A., sociedade anónima com sede no…, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva … (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 14.07.2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, a declaração de ilegalidade de actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2015, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédios de que é proprietária, como adiante melhor se verá e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro o signatário, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 24.08.2016, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B… e Dra. C… para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 04.10.2016.

 

1.5.            No mesmo dia 04.10.2016 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo que pudesse existir e, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 31.10.2016 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.7.            A Requerente é proprietária dos prédios urbanos em regime de propriedade vertical a que se referem as cadernetas prediais juntas ao pedido de pronúncia arbitral como documentos 1 a 3, cujo teor se tem por reproduzido e sitos em Lisboa: i) Avenida …, … a …; ii) Rua …, n.º … a …; e Rua …, … a ... (de ora em diante, os “Prédios”).

 

1.8.            Cada um dos Prédios tem vários andares e divisões susceptíveis de utilização independente, nem todos afectos a habitação.

 

1.9.            Nenhum do andares e divisões susceptíveis de utilização independente afectos a habitação de qualquer dos Prédios tem um valor patrimonial tributário (de ora em dianta “VPT”) igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

1.10.        A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) a que se referem os documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral com os n.ºs 4 a 53, cujos teores se têm por reproduzidos, relativos a cada um dos Prédios, as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, cujas datas limite de pagamento se reportam ao final do mês de Abril de 2016, respeitantes à primeira prestação do IS incidente sobre os andares e divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação.

 

1.11.        A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação do tributo que lhe era exigido pelas liquidações a que acima se fez referência, pelo que igualmente pede lhe seja reconhecido o direito a perceber juros indemnizatórios.

 

1.12.        Sustenta a Requerente que se impunha a autonomização dos andares ou fracções susceptíveis de utilização independente para efeitos de liquidação de IS, não resultando da lei a correspondência do VPT de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente. 

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

1.13.        A Requerida expressa o entendimento de que a interpretação que faz a Requerente da verba 28.1. da TGIS não tem correspondência com a respectiva letra, resultando as liquidações impugnadas da aplicação directa da norma legal em causa, assentando em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.

 

1.14.        Defende a Requerida que nos prédios em regime de propriedade total não existem fracções autónomas a que a lei fiscal possa atribuir a qualificação de prédio.

 

1.15.        A sujeição ao IS da verba 28.1. da TGIS resulta apenas da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), o que se verifica relativamente a cada um dos Prédios.

 

1.16.        A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados a que correspondem regimes jurídico-civilísticos diferentes, respeito a lei fiscal essa mesma diferença.

 

 

D – Saneamento e Conclusão do Relatório

 

 

1.17.        Por despacho de 09.01.2017, o tribunal arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante, “RJAT”), uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previa pudesse ter lugar até ao dia 27.02.2017.

 

1.18.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.19.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.20.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito, sendo igualmente de aceitar, em tese, o pedido de indemnização formulado porquanto o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade das liquidações postas em crise.

 

1.21.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas Partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.       Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Dão-se por provados os seguintes factos:

 

2.1.1.      A Requerente é proprietária dos prédios urbanos em regime de propriedade vertical referidos em 1.7. (docs. n.ºs 1 a 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.      Cada um dos Prédios tem um VPT total superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – (docs. n.ºs 1 a 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.3.      Nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente afectos a habitação tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) (docs. n.ºs 1 a 3, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.4.      A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada um dos Prédios, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões com afectação habitacional, excepcionando, pois, os andares ou divisões sem essa afectação habitacional, fixando, relativamente a cada um dos Prédios um “Valor Patrimonial do Prédio – total sujeito a imposto superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) – (docs. n.ºs 4 a 53, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.5.      A Requerente foi notificada das liquidações de IS a que se referem os docs. n.ºs 4 a 53 juntos aos autos com o pedido de pronúncia arbitral, relativos à primeira prestação do imposto que lhe era exigido (docs. n.ºs 4 a 53, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.1.6.      No dia 22.04.2016, a Requerente procedeu ao pagamento de € 47.834,40 (quarenta e sete mil oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta cêntimos) respeitante à primeira prestação do tributo que lhe era exigido, e cujo prazo de pagamento terminava no final do mês de Abril de 2016 (docs. n.ºs 4 a 54, juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

3.       Matéria de direito

 

3.1. Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

a)      A de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro; e

b)      A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações contestadas, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação do imposto por esta ilegalmente exigido.

 

3.2.      A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que, depois da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, conta hoje com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças- 7,5 %.»

 

 

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se hoje a “prédio habitacional” e, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, referia-se a “prédio com afectação habitacional”.

 

Ora, nenhum destes conceitos surge definido em qualquer disposição do CIS, importando, pois, interpretar a dita verba da TGIS à luz do que dispõe o CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

O n.º 1 do art.º 6.º do CIS divide os prédios urbanos em: i) habitacionais; ii) comerciais, industriais ou para serviços; iii) terrenos para construção e, por fim, iv) outros.  Já o n.º 2 esclarece que habitacionais são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino esse fim.

 

Importa, portanto, apreciar se um edifício em propriedade vertical se pode ter como “prédio habitacional” para efeitos do disposto na verba 28.1. da TGIS. 

 

3.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio habitacional”, forçoso é dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício e dados como estando afectos a habitação, como fez a Requerida relativamente aos Prédios (excepcionando as partes afectas a fim diverso, que não habitacional).

 

a)      A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 3 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda como impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.

 

b)     A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes

 

Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.

 

Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios habitacionais e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

Não se vê razão, nesta sede, para a desconsideração funcional, instrumental, da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente de um prédio, nem se pode concluir que, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, se impõe uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.

 

Pensamos que esta constatação resulta do necessário esforço interpretativo da verba 28.1 da TGIS. Manda o n.º 1 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária que na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam se observem as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

 

Ora, o n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil refere expressamente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei. Deve o intérprete, partindo da fonte, procurar surpreender a norma, ou seja, a manifestação de um pretendido dever ser. Já se vê que a expressão literal releva, porém, pode bem o intérprete sentir a necessidade de colher outros elementos hermenêuticos para identificar a norma. Por isso, o legislador abre a porta à possibilidade de se reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Esta abertura legal não autoriza uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal mas visa, claro está, libertar o intérprete-aplicador de uma leitura manifestamente desajustada e, por isso, injusta, até porque, como esclarece o n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil, o “intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”.   

 

Salvo melhor opinião, atento o espírito da lei (que a nosso ver não é contrariado pela sua letra) não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal.

 

Sabemos que o regime dos prédios em propriedade horizontal não é o mesmo dos que se acham em propriedade vertical. Contudo, do que se cuida não é de constatar essa diferença, que é evidente em termos de direitos reais. O que importa aqui, parece-nos, é determinar se nessa diferença pode assentar um diverso tratamento fiscal, ou seja, apurar se a essa dissemelhança se deve atribuir uma disparidade tributária que corresponda a um interesse defensável e atendível. Se não vislumbrarmos um critério admissível que permita identificar a razão de ser da diferença de regime tributário entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical só a poderemos explicar na base da arbitrariedade do legislador o que, à luz das regras por que se deve pautar a interpretação normativa, nos parece de rejeitar liminarmente.       

 

c)      A ratio legis da verba 28.1 da TGIS

 

O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção originária do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa. Nem parece que a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro procurou contrariar este entendimento.  

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS, mesmo depois da alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” dos Prédios a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, valor igual ou superior a 1 milhão de euros.

 

d)                 Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente dos Prédios, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

3.4. Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, tendo a Requerente pago, total ou parcialmente, o tributo que pelas liquidações reclamadas lhe era exigido, tem ela direito a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até ao seu integral reembolso. 

 

 

4.       Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso à Requerente de todos os montantes por ela pagos, relativamente às liquidações ora anuladas;

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do respectivo pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

5.       Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º- A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 47.834,40 (quarenta e sete mil oitocentos e trinta e quatro euros e quarenta cêntimos).

 

 

6.       Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2017

 

 

O Árbitro

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, obedecendo à ortografia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.