Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), João Ricardo Catarino e Olívio Mota Amador, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 26 de Julho de 2013, a sociedade A..., SGPS, S.A., sociedade inscrita sob o NIPC… com sede… (doravante apenas designada por “Requerente”), formulou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”).
2. A Requerente apresentou os pedidos seguintes:
a) Declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) emitido em 05/08/2009, sob o n.º ..., a partir da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2008, apresentada pela Requerente em 29/05/2009, à qual foi atribuído o código de identificação... e em cujos termos se apurou um montante global de tributações autónomas a pagar de € 534.798,75;
b) Reconhecimento do direito da Requerente à indeminização prevista nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, ex vi artigo 13.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 25 de Janeiro, caso venha a ser julgada indevida qualquer quantia que a Requerente possa ter apresentado ou ter de vir a apresentar com vista à suspensão de processo de execução fiscal instaurado em virtude da divida cuja legalidade se contesta;
c) Sem prescindir, uma vez que o regime da tributação autónoma em apreço não se coaduna minimamente com o direito da União Europeia e porque o direito da União Europeia impõe a qualquer tribunal nacional que, caso decida em última instância e não se baste com a interpretação uniforme e consolidada dos normativos e princípios que resultam da jurisprudência anterior do TJUE, efectue um reenvio a titulo prejudicial, em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TFUE, visando a interpretação autêntica dos princípios e normas positivas do Direito da União Europeia, por forma a julgar da conformidade com estes das normas nacionais, requer-se que seja formulada a seguinte questão prejudicial, ao abrigo do artigo 267.º do TFUE: O n.º 2 do artigo 1.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado), bem como os restantes princípios gerais de direito da União Europeia aplicáveis, deverão ser interpretados no sentido de que é incompatível com aquela disposição, ou com os referidos princípios gerais de direito, um regime de Tributação autónoma, tal como se encontra actualmente configurado na legislação fiscal portuguesa – mormente no artigo 88.º do CIRC – na medida em que se sobrepõe ao regime de IVA harmonizado e visa tributar a mesma realidade tributária (a despesa)?
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, em 29 de Julho de 2013, e foi notificado imediatamente à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por “AT” ou a “Requerida”).
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo o Dr. José Pedro Carvalho (árbitro presidente), o Dr. Olívio Mota Amador e o Professor Doutor João Catarino (árbitros vogais), tendo todos aceitado nos termos legalmente previstos.
5. As partes foram notificadas, em 11 de Setembro de 2013, da designação dos árbitros, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 26 de Setembro de 2013.
7. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou, em 29 de Outubro de 2013, a sua Resposta e procedeu, na mesma data, à junção aos presentes autos do Processo Administrativa Tributário (de ora em diante designado por PAT).
8. Por despacho do Árbitro Presidente, de 4 de Novembro de 2013, foi designado o dia 20 de Dezembro de 2013, pelas 14h30m, para a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual teria lugar a produção de alegações orais.
9. Em 20 de Novembro de 2013 as Juristas designadas pela Requerida para o presente processo vieram “manifestar a sua indisponibilidade para comparecer“ na data designada através do despacho de 4 de Novembro de 2013, para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e requereram a respectiva marcação para data anterior (16 a 19 de Dezembro) ou posterior (a partir de 4 de Janeiro). Por despacho do Árbitro Presidente, de 24 de Novembro de 2013, foi indeferido o requerido adiamento da diligência (cfr., despacho arbitral de 24-11-2013 junto aos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
10. A Requerida, em 26 de Novembro de 2013 reiterou o pedido de reagendamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT. O Árbitro Presidente por despacho, de 2 de Dezembro de 2013, indeferiu o requerimento apresentado pela Requerida e determinou a remessa ao Ex.mº Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, para os efeitos tidos por convenientes, de cópia do presente despacho, do requerimento sobre o qual incide, do despacho de 24 Novembro passado e do requerimento sobre o qual este último incide (cfr., despacho arbitral de 02-12-2013 junto aos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
11. No dia 20 de Dezembro de 2013 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT (cfr., acta da reunião do tribunal arbitral colectivo constante dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzida).
11.1. O Tribunal começou por apreciar o incidente relativo ao valor da causa, suscitado pela Requerida no ponto 31.º da resposta, tendo o Senhor Árbitro Presidente ditado para a acta, que face ao pedido formulado se encontra correctamente indicado o valor da causa, pois corresponde ao valor da liquidação cuja declaração de ilegalidade, sem restrições, é pedida nos autos.
11.2. As partes foram ouvidas não invocaram qualquer excepção susceptível de ser apreciada e decidida antes de se conhecer o pedido.
11.3. As partes não apresentaram correcções às peças processuais.
11.4. Os representantes da Requerente e da Requerida produziram as correspondentes alegações orais.
11.5. Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do RJAT foi designada data para a prolação da decisão arbitral.
12. A AT, em 7 de Janeiro de 2014, apresentou um requerimento a comunicar que foi proferida no processo arbitral n.º 188/2013-T a decisão, que junta por versar questão em tudo idêntica à dos autos. O Árbitro Presidente, por despacho, de 13 de Janeiro de 2013, decidiu rejeitar a junção aos autos do requerimento apresentado pela A.T. (cfr., despacho arbitral de 07-01-2014 junto aos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido).
13. Por despacho datado de 30 de janeiro de 2014, e atenta a complexidade da matéria em questão nos autos, foi prorrogado por mais 30 dias o prazo para a prolação da decisão arbitral.
14. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º n.º 1 do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A A..., SGPS, SA, é uma sociedade gestora de participações sociais enquadrada no regime geral do IRC;
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A data dos factos, aquela sociedade era a sociedade dominante de um conjunto de sociedades comerciais enquadradas no RETGS – Regime especial de tributação de grupos de sociedades;
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Em 29.5.2009 a Requerente entregou a declaração anual de rendimentos mod. 22 de IRC relativa ao exercício de 2008, de acordo com a qual apurou um montante global de tributações autónomas a pagar por si no valor de €534.798,75, que pagou;
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Dessa declaração resultou o apuramento de um valor global de tributação autónomas devidas pala A... no montante de €534.798,75.
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Naquela mesma declaração, os montantes apurados e suportados pela Requerente correspondentes às tributações autónomas não foram deduzidos ao lucro tributável para efeitos do cálculo do montante de IRC devido sobre aquele
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Em 5.8.2009 foi emitida a liquidação de IRC sob o n.º ..., tomando por base a declaração mod. 22 de IRC apresentada pela impugnante em 29.5.2009, com o código de identificação n.º....
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Em 27.12.2012, a Requerente deduziu Pedido de Revisão da Matéria Tributável relativo ao IRC do exercício de 2008, ao abrigo do artigo 78.º/4 da LGT, solicitando a devolução do montante de €534.798,75 correspondente ao total das tributações autónomas de IRC autoliquidadas;
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Esse Pedido de Revisão da Matéria Tributável foi apreciado pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa da AT que através da informação prestada no proc. ...informou no sentido de que:
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“se encontra já ultrapassado o prazo de 2 anos após a apresentação da declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT para a reclamação graciosa da autoliquidação de IRC, visto que que a declaração de rendimentos foi apresentada em 29.05.2009, e o pedido de revisão oficiosa foi entregue em 27.12.2012.”;
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“O pedido foi apresentado dentro dos prazos de 4 anos após a liquidação previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT e de três anos após o do ato tributário previsto no n.º 4 do art.º 78.º da LGT, embora apenas seja alegada injustiça grave ou notória (n.º 4), com base na ilegalidade/inconstitucionalidade da tributação autónoma de IRC”;
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Por despacho de 25.2.2013 foi decidido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, por delegação, a sua remessa à Direção de Serviços de IRC para efeitos de apreciação do Pedido de Revisão da Matéria Tributável.
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Passados 120 dias sobre a apresentação do pedido supra-referido em 6, não havia ainda sido proferida qualquer decisão.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos e a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
B. DO DIREITO
Como questão prévia ao conhecimento do mérito do pedido formulado pela Requerente, questiona a AT a verificação dos pressupostos do artigo 78.º/4 da LGT, ao abrigo do qual foi apresentado o pedido de revisão da matéria tributável, formulado pela Requerente e cujo indeferimento tácito constitui o objeto imediato dos presentes autos.
Relativamente a esta questão, dispõe a norma em causa que:
“O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”.
Conforme resulta da norma transcrita, é pressuposto da admissibilidade da revisão da matéria tributável nos termos ali consagrados, a ocorrência de “injustiça grave ou notória”.
A este propósito escreveram-se no Acórdão proferido no processo 188/2013T do CAAD[1] as seguintes considerações que, na presente decisão, se acompanham:
“24. O artigo 78º da LGT, porém, estipula outros prazos para o pedido de revisão do acto tributário. Nomeadamente, o n.º 3 do preceito citado estabelece um prazo de três anos que será aplicado por autorização excepcional do dirigente máximo do serviço tributário, e apenas quando a revisão tenha por fundamento uma “injustiça grave ou notória”. A Requerente apresentou o pedido de revisão do acto tributário com base neste preceito. E procedeu assim, segundo se explica no próprio pedido de revisão do acto tributário, para aproveitar o prazo de três anos que o citado preceito proporciona, pois de outro modo já não o poderia fazer.
25. Sendo apresentado ao abrigo do n.º 4 do artigo 78º da LGT, o pedido de revisão tem necessariamente como fundamento uma “injustiça grave ou notória” do acto.
26. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, tendo-se formado indeferimento tácito daquele pedido (...) (após o decurso de quatro meses, nos termos do artigo 57º, nrs.1 e 5 da LGT);
27. Tendo sido anteriormente suscitada, já mais do que uma vez, a questão da competência dos tribunais arbitrais para sindicarem os actos de indeferimento, tácito ou expresso, de pedidos de revisão oficiosa, a já constante jurisprudência arbitral tributária tem afirmado essa competência (vejam 50/2012-T, 65/2012-T e 65/2012-T - “a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade”.
28. Contudo, para que o Tribunal possa pronunciar-se, imediatamente, sobre a legalidade do indeferimento de um pedido de revisão do acto tributário, é necessário que a Requerente, em primeiro lugar, traga esse acto ao conhecimento do Tribunal e que, em segundo lugar, o pedido dirigido ao Tribunal vise expressamente a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento desse meio de defesa administrativo. Ora, tal condição não se verifica no caso dos autos, já que a Requerente pede ao Tribunal Arbitral que se pronuncie, directamente, sobre a legalidade da liquidação e em nenhum ponto do seu pedido refere, sequer, a existência de um pedido de revisão do acto tributário. (...)
29. Ora, tendo sido ultrapassado o prazo para uma impugnação directa da liquidação ou da autoliquidação, o que coloca a possibilidade de o Tribunal Arbitral apreciar a legalidade da mesma na dependência da interposição e decisão desfavorável de um meio de defesa gracioso; não fazendo a Requerente, no seu pedido, a mínima referência a este meio de defesa gracioso; e sendo o âmbito dos poderes de cognição do Tribunal limitados pelo pedido, haverá que concluir, no caso vertente, que o Tribunal não poderá sindicar a legalidade do acto de liquidação como corolário da ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário.
30. Mas se admitirmos, como hipótese de interpretação do direito, que a omissão de qualquer referência, no pedido da Requerente, à existência de um indeferimento de um pedido de revisão do acto tributário substanciaria uma mera deficiência de formulação do pedido, suprível pelo Tribunal, uma segunda dificuldade se coloca: É que a Requerente tão-pouco invoca ou procura demonstrar os fundamentos que poderiam estear uma eventual ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário;
31. Isto porque, na data em que a Requerente apresenta o pedido de revisão do acto de liquidação, tal já só é possível, em termos de tempestividade, ao abrigo do n.º 4 do artigo 78º da LGT, como aliás foi feito. Sendo o pedido de revisão apresentado ao abrigo do referido preceito, só pode ter como fundamento uma “injustiça grave ou notória” do acto revidendo, cabendo ao requerente demonstrar que existe no caso uma tal “injustiça grave ou notória”.
32. Deste modo, se o autor do pedido de revisão do acto tributário, que se socorre para tal do n.º 4 do artigo 78º da LGT, não logra demonstrar a existência de uma injustiça grave ou notória, não poderá́, pelo simples facto de ter interposto tal pedido, ver automaticamente aberta a via contenciosa para impugnar o acto primário, que de outra maneira já estaria vedada por intempestividade. Neste sentido, poderão citar-se os acórdãos do STA de 06- 07-2005, proc. n.º 0560/05, e de 22-06-2005, proc. n.º 0322/05, nos quais se afirma que “a revisão do acto tributário, ainda que impulsionada pelo contribuinte, dentro do prazo de revisão, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, conduz à abertura da via contenciosa. No mesmo sentido poderá ainda ser citado o acórdão do TCAS, de 25-11- 2009, proc. n.º 2842/09, o qual sentencia que “não obstante a revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, com fundamento em erro imputável aos serviços, tenha a natureza de meio administrativo, e não contencioso, (...), ele abre o acesso à via contenciosa, pois a decisão que recair sobre o pedido de revisão é directamente impugnável”.
33. Ou seja, quando, esgotado o prazo de impugnação de um acto tributário, o sujeito passivo lance mão de um meio de acção gracioso, a decisão que recai sobre esse meio de acção é directamente impugnável. Mas o acto tributário primário não volta a ser directamente impugnável por força do simples facto de ser ter utilizado um meio de acção gracioso.
34. No caso vertente, a questão torna-se ainda mais relevante pelos especiais fundamentos necessários para atacar o acto tributário primário ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT, que não é a ilegalidade do acto, mas sim uma injustiça grave ou notória que resulte do mesmo.
35. O prazo estabelecido no n.º 4 do artigo 78º da LGT é, como o próprio preceito indica, um prazo excepcional, que só pode ser usado nos casos em que se verifiquem os seus estritos pressupostos, porque se entende que esse prazo especialmente alargado (aplicável numa situação em que não está em causa um erro da administração, pois neste caso o prazo será́ mais longo) contende com o valor jurídico da estabilidade do acto tributário e do princípio da segurança jurídica. Só quando exista uma injustiça grave ou notória, o que é diferente de uma ilegalidade, se admite a possibilidade de revisão de um acto tributário no prazo de três anos.
36. Ora, no pedido que é dirigido ao Tribunal nos presentes autos, a Requerente não só não pede ao Tribunal que se pronuncie sobre a ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão do acto tributário, omitindo mesmo toda e qualquer referência a este procedimento, como não pede ao tribunal que se pronuncie sobre qualquer alegada injustiça grave ou notória do acto em causa.
− “Injustiça grave ou notória” não é uma qualquer desconformidade com o direito (aliás, não é sequer necessário verificar-se ilegalidade, no sentido estrito de ofensa a uma norma ou princípio legal determinado, para que haja injustiça grave ou notória). A lei (n.º 5 do art.º 78º da LGT) define “ injustiça grave ou notória” como aquela de que resultou uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade.” Sobre o mesmo preceito, Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, Lisboa, 2001, pág. 346, afirma que ele "visa resolver apenas os casos mais escandalosos e gritantes de injustiça fiscal, não devendo constituir um meio sistemático de o contribuinte obter a revisão dos actos tributários para além dos prazos normais de reclamação ou impugnação, o que comprometeria a eficácia e racionalidade do actual sistema de garantias dos contribuintes". Já Rui Duarte Morais, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 208, vai mais longe, afirmando que esta “possibilidade acontece, apenas, quando esteja em causa um erro na quantificação da matéria colectável.” Certo é que a situação de injustiça prevista no n.º 4 do art.º 78º terá sempre um carácter excepcional, ou seja, “grave ou notório” (ver neste sentido o acórdão do STA de 21.01.2009, proc. n.º 771/08).
37. Ora, no seu pedido, a Requerente alega que o regime de tributação autónoma é contrário aos princípios da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real, é inconciliável com o regime de tributação do consumo estabelecido no direito da União Europeia e, por essa razão, incompatível com o mesmo direito e é contrário ao princípio da coerência do sistema fiscal. Em nenhuma parte, a Requerente esboça sequer a intenção de demonstrar que o acto de liquidação em crise se encontra ferido de “injustiça grave ou notória”. A Requerente não suscita, portanto, a questão da “injustiça grave ou notória” do acto de liquidação.
38. Não suscitando a Requerente a questão da “injustiça grave ou notória” do acto de liquidação, também ao tribunal não cabe pronunciar-se sobre ela.”
Ou seja, e em suma, para que fosse possível o conhecimento do pedido efectuado pela Requerente, seria necessário que fosse devidamente alegado e demonstrado a ocorrência, em concreto, de uma injustiça grave e notório.
Não se dando tal caso, não poderá, portanto, ser, pela via do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, admitido e conhecido o pedido da Requerente.
***
Não decorre do que se vem de expor, todavia, que existindo outro fundamento que viabilize a apresentação em juízo da pretensão da Requerente, não deva o Tribunal oficiosamente reconhecê-lo, e conhecer do mérito da causa.
Em concreto, e na situação sub iudice, poder-se-á equacionar o enquadramento da pretensão do requerente na norma do n.º 1 do artigo 78.º, já acima referido, que dispõe que:
“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”.
A primeira questão que, a este respeito, se poderá colocar, será a de saber se, estando em causa uma autoliquidação, e face ao regime do artigo 131.º do CPPT, será admissível a formulação de pedido de revisão de acto tributário, para lá do prazo de dois anos fixado nesta referida norma do CPPT.
Nesta matéria, haverá, desde logo, que considerar o disposto no n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que diz que:
“Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.”.
Da ratio legis do preceito em causa, decorrerá (para além do mais) a admissibilidade da apresentação de pedido de revisão oficiosa, nos casos de autoliquidação, para além dos dois anos previstos no art.º 131.º do CPPT.
Com efeito, fosse outro o entendimento, e careceria por completo de qualquer efeito útil o disposto na norma em causa, o que seria, desde logo, totalmente contrário ao princípio hermenêutico do legislador razoável.
De facto, o espírito do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, será, precisamente, o de permitir que a revisão a que alude o número que o precede seja possível, mesmo no caso de autoliquidações. Não fora a ficção desse número 2, e não seria, aí sim, possível a revisão regulada no n.º 1, no caso das autoliquidações, porquanto, sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez e não à administração tributária, que não a fez.
Ora, terá sido por isso mesmo que, consciente de tal circunstância, o legislador introduziu a prescrição normativa do n.º 2 em causa, porquanto não viu – como não se vê – motivo para que, no caso das autoliquidações, sejam concedidos menos meios de tutela dos direitos e interesses dos contribuintes. Por outro lado, não deixará de ter sido em conta o facto de, em tais casos, os contribuintes atuarem em substituição da Administração Tributária, assumindo um encargo que, originariamente, caberia a esta.
Por fim, notar-se-á ainda que a finalidade prosseguida pela norma do n.º 2 do artigo 78.º poderia ter sido igualmente prosseguida por outra forma que não a adoptada, que passa pela tal “ficção”. Para tal, bastaria que, por exemplo, se dispusesse que, no caso de autoliquidação seria admissível a revisão nos termos do n.º 1, mesmo que o erro não fosse imputável à Administração Tributária.
Deste modo, entende-se que a revisão do acto tributário é possível em relação a todos os actos de autoliquidação, uma vez que se ficciona, para efeitos do n.º 1 daquele art.º 78.º, que o erro é sempre imputável aos serviços e, com este fundamento, a revisão é admitida dentro do prazo legal de quatro anos após a liquidação.
Neste sentido poderá ser visto, por exemplo, o Ac. do STA de 14-12-2011, proferido no processo 0366/11[2], em cujo sumário se pode ler que:
“Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o acto de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à administração tributária a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.”
No mesmo sentido, da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa do ato tributário em caso de autoliquidação, para lá do prazo do artigo 131.º do CPPT, pode ver-se o Ac. do STA de 29-05-2013, proferido no processo 0140/13, em cujo sumário se lê, para além do mais, que:
“De acordo com o disposto no artº 78º, nº 2 da LGT considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação, pelo que, não obstante o disposto no artº 131º do CPPT, o contribuinte pode suscitar a apreciação oficiosa de ilegalidade cometida em auto liquidação.”
*
Uma outra questão que será lícito colocar na presente sede, será a de saber se, tendo sido apresentado o pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º, poderá o mesmo ser enquadrado no n.º 1 do mesmo artigo.
Ressalvado o respeito devido a melhor opinião, entende-se que a resposta à questão formulada deverá ser afirmativa.
Com efeito, dispõe o artigo 52.º do CPPT que:
“Se, em caso de erro na forma de procedimento, puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada.”.
Citando o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no seu “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, 6ª Edição, II volume, pág. 413, em termos aplicáveis, senão por maioria, pelo menos por identidade de razão, ao presente caso: “... se o contribuinte apresentar um pedido de revisão em momento em que estava em tempo de apresentar reclamação graciosa, nos termos do art.º 131.º do CPPT, o requerimento em que formular esse pedido deverá ser convolado em reclamação, por ser o meio procedimental adequado para o efeito e existir o dever legal de a administração tributária corrigir deficiências ou irregularidades processuais (art.º 19.º do CPPT), inclusivamente efectuar convolação para a forma procedimental mais adequada (art.º 52.º do CPPT), havendo mesmo uma manifesta preferência legal pela utilização do que for mais adequado para a apreciação das pretensões dos interessados, como se depreende do preceituado nos arts. 145.º, n.º 3, e 147.º, n.º 2, do CPPT e, em geral, do art.º 2.º, n.º 2, do CPC. Na verdade, careceria manifestamente de razoabilidade e seria incompaginável com os princípios constitucionais da necessidade e do respeito pelos direitos dos cidadão (arts. 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 1, da CRP) entender que a administração tributária podia indeferir um pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de reclamação graciosa previsto no art.º 131.º do CPPT, com o fundamento de esta não ter sido apresentada previamente, quando as questões suscitadas em sede de revisão oficiosa podem também ser objecto de apreciação naquela reclamação. Da mesma forma, por força dos mesmos princípios, se o contribuinte apresentasse uma reclamação graciosa quando já estivesse transcorrido o respectivo prazo, ela deveria ser convolada em pedido de revisão oficiosa, se os fundamentos invocados fossem fundamento de revisão.”.
Deste modo, dúvidas não haverá que confrontada com um pedido efectuado ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, sem que, contudo sejam preenchidos os respectivos pressupostos legais, mas em que se detetem como presentes os pressupostos do n.º 1 daquele mesmo artigo, o que será o caso, deverá ser determinada a convolação do procedimento requerido, mas inadmissível, num outro procedimento legalmente admissível, que permita aproveitar as peças apresentadas pelo contribuinte.
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Deste modo, e concluindo-se que, face ao pedido apresentado pela Requerente ao abrigo do disposto no artigo 78.º/4 da LGT, inadmissível por não verificação dos requisitos legalmente exigidos por aquela norma, a AT deveria ter convolado o procedimento correspondente em procedimento de revisão do ato tributário, nos termos do n.º 1 da mesma norma, cumpre apurar se os pedidos formulados por aquela eram susceptíveis de ser atendidos em tal sede.
É que, conforme hoje se crê pacificamente reconhecido, no quadro do n.º 1 do artigo 78.º da LGT não serão atendíveis todo e qualquer tipo de ilegalidades.
Assim, tem sido jurisprudencialmente reconhecido de uma forma constante que o “erro imputável aos serviços”, referido na norma em causa, abrange erros sobre os pressupostos de facto e de direito do acto sob revisão, não se incluindo, contudo, ali os vícios formais ou procedimentais.
Para além destas situações, poderá ser ainda perguntar-se se as questões de constitucionalidade são susceptíveis de ser conhecidas em sede de pedido de revisão do acto tributário.
Na apreciação da questão formulada, não poderá deixar de se ter em conta a especificidade do meio gracioso em que nos situamos.
É que, o meio procedimental em questão – revisão oficiosa de atos tributários - conforme é pacificamente reconhecido, é um meio de autocontrole da Administração Tributária que permite que, dentro dos prazos ali referidos, aquela corrija um erro seu, de facto ou de direito.
Por meio de um trabalho hermenêutico paulatinamente desenvolvido, tendo em conta o dever de objectividade e legalidade que obriga a Administração em geral, e a Tributária em especial, e com apoio em alguns segmentos normativos do nosso ordenamento jurídico-tributário, chegou-se ao entendimento, hoje incontestado, de que o exercício do poder-dever da Administração Tributária rever atos ilegais pode ser desencadeado pelo contribuinte, e que a subsequente decisão (ou violação do dever de decidir) da Administração Tributária, são contenciosamente sindicáveis.
Contudo, entendeu-se igualmente que a abertura da via contenciosa desta forma operada, não é total nem incondicional, mas está limitada aos próprios condicionalismos legalmente impostos ao poder de revisão de atos tributários pela Administração. Assim, e por exemplo, tendo em conta a utilização da expressão “erro imputável aos serviços”, tem-se entendido, conforme se apontou já, que a Administração Tributária pode proceder à revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, nos casos de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, mas já não vícios formais ou procedimentais.
Consequentemente, na fase contenciosa subsequente a um pedido de revisão oficiosa, apenas se poderá conhecer dos erros sobre os pressupostos de facto e de direito do ato tributário sob revisão, mas já não vícios formais ou procedimentais. Ou seja, não sendo admissível o conhecimento pela Administração Tributária, na sequência de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º/1 da LGT, de vícios formais ou procedimentais, não é, igualmente, legítimo ao Tribunal conhecer de tais vícios.
Assim sendo, como é, deve entender-se que em tal sede, o Tribunal estará a sindicar não a legalidade tout court do ato tributário sob revisão, mas unicamente a legalidade que à Administração Tributária incumbia o dever de apreciar e cumprir.
Em síntese, e conforme se escreveu no Acórdão proferido no processo 188/2013T do CAAD, já atrás citado:
“quando, esgotado o prazo de impugnação de um acto tributário, o sujeito passivo lance mão de um meio de acção gracioso, a decisão que recai sobre esse meio de acção é directamente impugnável. Mas o acto tributário primário não volta a ser directamente impugnável por força do simples facto de ser ter utilizado um meio de acção gracioso.”.
Ou seja, a ilegalidade que se venha a reconhecer no acto primário (objecto mediato da impugnação) terá forçosamente de ser uma ilegalidade refletível no acto secundário (objecto imediato da impugnação). Em sede contenciosa, o Tribunal estará a verificar se, face ao pedido de revisão oficiosa do contribuinte, a Administração Tributária tinha, ou não o dever de rever o ato.
Ora, no caso das questões de constitucionalidade esse dever não existirá. Com efeito, estando vedado o acesso direto da Administração à Constituição, por força da vinculação daquela à Lei[3], estará, obviamente, vedado a esta a revisão de atos tributários com base em inconstitucionalidade. Daí que, ao recusar a revisão de tais atos com esse fundamento, não estará a Administração Tributária a violar qualquer dever que lhe assista, mas, antes, a cumprir o seu dever de obediência à legalidade.
Não se pode perder de vista, aqui, que o pedido de revisão oficiosa de um ato tributário, nos termos do artigo 78.º/1 da LGT, não corresponde a um direito do contribuinte, mas antes constitui um mero impulso para que se desencadeie um procedimento que a Administração pode/deve desencadear oficiosamente.
Deste modo, e se não pode a Administração Tributária rever oficiosamente um ato tributário com fundamento em inconstitucionalidade, obviamente que, pelo menos na ausência de norma legal que inequivocamente o licencie, não poderá igualmente fazê-lo a pedido do contribuinte. De facto, não se compreenderia que os poderes de revisão oficiosa dos atos da Administração Tributária, variasse conforme existisse, ou não, prévio pedido do contribuinte nesse sentido.
Conclui-se assim, que para além dos supra-referidos vícios procedimentais e de forma, também as questões de constitucionalidade se devem considerar excluídas do âmbito da revisão oficiosa dos atos tributários, e, consequentemente, da fase contenciosa que, eventualmente, lhes suceda.
Não contende o que se vem de dizer com o dever de desaplicar normas inconstitucionais, imposto aos Tribunais pelo artigo 204.º da CRP. Com efeito, trata-se aqui da apreciação de um pressuposto processual, sem cuja verificação não se pode conhecer do mérito. De facto, não sendo, como se entende, o acto tributável revisível oficiosamente com fundamento em inconstitucionalidade, por tal não integrar um “erro imputável aos serviços”, o respectivo pedido de revisão com tal fundamento deveria ser rejeitado, tal como se fosse, por exemplo, apresentado fora de prazo, ou com fundamento em vício de forma.
Assim, não se estando a conhecer do mérito da questão, não se está a aplicar qualquer norma inconstitucional.
Desta forma, e pelos fundamentos indicados, dever-se-ão ter por excluídas do objecto do presente processo, as questões de constitucionalidade suscitadas pelas Requerentes.
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Face a tudo o que vem de se expor, conclui-se que será susceptível de ser conhecida na presente sede, qualquer ilegalidade derivada de erro de direito ou de facto, devidamente alegado pela Requerente, que não se reconduza a questões de constitucionalidade, formais ou procedimentais.
Compulsado o requerimento inicial, verifica-se que pretensão de anulação de todos os montantes liquidados a título de tributações autónomas, se fundamenta em questões de Constitucionalidade, por violação direta da Lei Fundamental, do direito comunitário que a integra.
Excluídas tais questões, pelos fundamentos acima expostos, queda-se apenas o alegado pela Requerente nos artigos 166.º a 168.º do seu requerimento inicial, onde pugna pela “consideração dos valores pagos a título de tributação autónoma como gasto dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo de IRC que as suporta.”, nos termos dos artigos 17º, 23.º n.º 1, e 45.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.
Esta questão, diga-se desde já, não contende minimamente com princípios ou regras comunitários, pelo que carecerá de qualquer fundamento legal o seu reenvio em conformidade com o disposto no artigo 267.º do TJUE, visando a interpretação autêntica dos princípios e normas positivas do Direito da União Europeia, por forma a julgar da conformidade com estes das normas nacionais.
Aliás, devidamente interpretado o requerimento inicial, concluir-se-á que nem sequer tal é pedido pela Requerente, relativamente à questão a que se vem de restringir o objecto dos presentes autos. Efetivamente, o que fica por apreciar não é a legalidade ou ilegalidade da liquidação das tributações autónomas suportadas pela Requerente, ou do respectivo regime, já que se tal se fundava, exclusivamente, em razões de constitucionalidade, mas unicamente a questão de saber se as quantias liquidadas e pagas naquele âmbito, constituem ou não um gasto dedutível ao lucro tributável em sede de IRC.
Daí que, desde logo, seja de indeferir o pedido de reenvio prejudicial formulado pela Requerente.
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Aqui chegados, torna-se possível, então, abordar a questão de fundo susceptível de ser conhecida por este Tribunal Arbitral, que é de formulação muito simples:
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Devem as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC ser consideradas um encargo dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável submetido àquele imposto?
A este respeito, alega, em suma, a Requerente que “as tributações autónomas, aqui em apreço, tributam despesa e não rendimento, são impostos indirectos e não directos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, aplicando-se ainda que se obtenham prejuízos.”
Aponta e desenvolve também a Requerente, a ideia, recentemente consagrada a nível jurisprudencial, segundo a qual “os factos sujeitos a tributação autónoma são distintos dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu;”
Culminando o seu raciocínio, sustenta a Requerente “a consideração dos valores pagos a título de tributação autónoma como gasto dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo de IRC que as suporta”, sob pena do comprometimento da “integridade e o cumprimento pleno dos já citados princípios da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva - impondo a tributação a final em sede de IRC, em valor superior ao devido.”.
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O nó górdio da matéria em questão nos autos, reside no artigo 45.º/1/a) do CIRC, que diz que:
“Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;”.
Essencialmente, trata-se de apurar in casu se as quantias suportadas pela Requerente com as tributações autónomas, liquidadas e pagas nos termos do CIRC, são excluídas da determinação do lucro tributável, taxado nos termos do mesmo Código.
Quando se fala em tributações autónomas, como é o caso, é conveniente desde logo ter presente que está em causa um conjunto de situações díspares, que, conceitualmente, se podem reconduzir a um de três tipos, a saber:
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Tributação autónoma de determinados rendimentos (ex.: n.ºs 3, 5 e 6 do CIRS);
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Tributação autónoma de determinados encargos dedutíveis (ex. n.ºs 3 e 4 do artigo 88.º do CIRC);
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Tributação autónoma de despesas não dedutíveis (ex.: artigos 1 e 2 do artigo 88.º do CIRC).
Em causa nos autos está o segundo dos elencados tipos de tributação autónoma, mas para a compreensão da matéria e correspondente decisão será conveniente ter sempre presente uma visão abrangente da matéria.
Antes de prosseguir, convém ainda pôr de lado um par de assunções tomadas como certas pela Requerente, ao afirmar que “Estamos perante normas com carácter e natureza excepcionais, que visam corrigir as orientações de consumo das empresas mediante o sancionamento de comportamentos com efeitos ao nível do IRC”.
Ressalvado o respeito devido, e tendo por referência, a título de exemplo, a definição de imposto indireto apresentada SÉRGIO VASQUES[4], segundo o qual “(...)são impostos directos aqueles que incidem sobre o rendimento e sobre o património e impostos indirectos aqueles que incidem sobre o consumo.”, entende-se que a tributação autónoma não se apresentará como um imposto indireto.
Efetivamente, na situação em análise estarão sempre em causa despesas dedutíveis, em que, como tal, se terá de assumir como verificado o critério geral do artigo 23.º/1 do CIRC, ou seja, da indispensabilidade das mesmas “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Deste modo, apoditicamente, as despesas em causa não serão “consumo”, mas “produção”, razão pela qual, de resto, o IVA que sobre a correspondente operação incida será deduzido ou reembolsado ao seu autor, e não suportado por este, como aconteceria caso estivesse em causa um acto de consumo.
Adianta, também, a Requerente a ideia de que as tributações autónomas terão uma natureza sancionatória relativamente aos autores das despesas que as desencadeiam.
Ressalvado, também aqui, o respeito devido, entende-se que a conclusão retirada pela Requerente extrapola os pressupostos dos quais parte. É que, se as tributações autónomas penalizam, efectivamente, os respectivos sujeitos passivos, fazem-no, grosso modo, no mesmo sentido que qualquer tributo, enquanto encargo patrimonial, penaliza quem o suporta, e, especificamente, no mesmo sentido em que os impostos com componente parafiscal penalizam quem por eles é tributado.
Posto isto, cumprirá, então, apreciar a questão da natureza das tributações autónomas que nos ocupam.
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Entende a Requerente, em suma e como se disse já, que as tributações autónomas relativas a despesas com encargos dedutíveis em sede de IRC incidem sobre despesa, e não sobre rendimento.
Reconhecendo-se a matéria em causa como inequivocamente complexa, resultado de uma sucessão de alterações legislativas num contexto de degradação económica, entende-se que não só as coisas não serão, necessariamente, como pugna a Requerente, como, até, aquele não será o enquadramento mais adequado aos dados legais.
O entendimento sustentado pela Requerente assenta, essencialmente, na jurisprudência formada ao longo dos últimos anos, relativamente à constitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que fez retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, e que culminou com a respetiva declaração de inconstitucionalidade.
Esta jurisprudência, contudo, não se debruçou diretamente sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas em questão, mas incidiu especificamente sobre a questão da determinação da natureza do respectivo facto impositivo-tributário, ou seja, visou apurar qual o concreto facto do qual resultava o nascimento da obrigação jurídico-tributária de suportar o imposto, tendo concluído que tal facto era a realização de determinadas despesas relativas a encargos identificados na lei – facto de natureza instantânea – e que, como tal, a aplicação impositiva a factos anteriores à entrada em vigor da lei seria contrária à Constituição.
Deste modo, a jurisprudência invocada, não abrange a questão da "natureza" das tributações autónomas em IRC, mas unicamente da determinação da natureza do facto tributário (instantâneo ou continuado), que lhes subjaz.
Não quer, naturalmente, o que vem de se dizer significar que da jurisprudência em questão não se possam retirar subsídios sobre o entendimento que esteve de alguma forma subjacente à corrente jurisprudencial em causa, na matéria que ora nos ocupa. Não se deve é deixar de ter em vista que, como se disse, não foi essa a questão que constituiu, diretamente, alvo de ponderação dos tribunais, e que qualquer pretensão que se tenha no referido campo deverá obter sustentação no próprio texto argumentativo das decisões, tendo em conta o respectivo contexto, e não no imediato segmento decisório-conclusivo.
Ora, vistas as coisas desta forma, concluir-se-á, senão no sentido contrário ao veiculado pelas Requerentes, pelo menos no sentido de que não se deverá considerar como, necessariamente, subjacente à jurisprudência em questão, o entendimento sustentado por aquelas.
Com efeito, e desde logo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19-12-2012[5], parece aderir à posição do Prof. Saldanha Sanches na matéria, ali citada, segundo a qual:
"Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.";
Ainda no mesmo Acórdão pode ler-se também que "Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa" (sublinhado nosso), demonstrando assim ter subjacente a ideia de que não obstante o facto gerador do imposto ser a realização da despesa, a tributação ainda ocorre no âmbito do IRC!
Continuando, refere o Acórdão em questão que:
“Por esta razão, Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.”
Também no segundo voto de vencido do mesmo Acórdão se escreveu que:
"Não estamos aqui, em rigor, perante um imposto de obrigação única mas perante factos tributários que incidindo sobre as despesas dedutíveis estão indissociavelmente ligados ao apuramento e liquidação do IRC" (sublinhado nosso).
De resto, já no Ac. 18-2011 do TC, se podia ler, no voto de vencido percursor da inversão jurisprudencial subsequentemente operada, que:
"Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula" (sublinhado nosso).
Ou seja, e independentemente do que se considere ser o entendimento subjacente relativamente à natureza das tributações autónomas de despesas dedutíveis em IRC, conclui-se que na própria linha jurisprudencial em que a Requerente sustenta a sua pretensão, nunca esteve em causa que a quantia arrecadada por via daquelas tributações autónomas o era a título de IRC, de onde se conclui que daquela jurisprudência não decorre, então, como pretende a Requerente, que os encargos suportados por aquelas devam ser considerados custos dedutíveis para efeitos do referido imposto.
*
É certo que, ainda no Acórdão 617/2012 do TC, se refere que:
“Na verdade, embora a tributação de determinados encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respetivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, tal tributação é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC.”
Contudo, e salvo melhor opinião, não estará aqui o TC a tomar posição quanto à natureza jurídica das tributações autónomas ora em causa, entendendo-as como um imposto distinto do IRC.
É que, desde logo, o TC, pensa-se que deliberadamente, não utiliza a expressão “imposto”, ao exprimir a distinção que opera, falando antes em “imposição fiscal” e “tributação”.
Por outro lado, contextualmente entendida, tendo em conta não só as passagens já atrás evidenciadas, em especial a citação de Sérgio Vasques, como o quadro e a finalidade com que é feita a distinção em causa, dever-se-á entender que a afirmação ora comentada se reporta à forma de imposição da obrigação fiscal de pagar as quantias tributadas em sede de tributação autónoma, como sendo materialmente distintas.
Isto não obstará, assim, a que se entenda que, embora aceitando-se como materialmente distinta, no sentido estatuído pelo TC, quanto à forma de imposição fiscal (sendo uma através de um facto instantâneo e outra através de um facto continuado), a tributação quer em sede das tributações autónomas que ora nos ocupam, quer em sede de IRC tout court, ocorram no âmbito e a título de IRC, do mesmo modo que, por exemplo, as tributações autónomas em sede de IRS (e as próprias taxas liberatórias que, salvo melhor opinião, integrarão elas próprias uma espécie de tributação autónoma), apesar de poderem ter por base factos instantâneos, são liquidadas e pagas a título de IRS.
Entende-se, assim, em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a causa[6] da obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.
Neste sentido, dever-se-á atentar, para além de tudo o mais, que o regime legal das tributações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.
De fato as tributações autónomas ora em análise, pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a um qualquer novo imposto. É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo será cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objecto final da tributação, a realidade que se pretende gravar com o imposto. Se assim fosse, seriam, obviamente taxadas, todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles[7].
Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à actividade económica por eles levada a cabo.
Este aspecto torna-se ainda mais evidente, se se atentar num outro dado fundamental: a circunstância de as tributações autónomas que ora nos ocupam apenas incidirem sobre despesas dedutíveis!
Esta circunstância, crê-se, é elucidativa da imbricação existente entre aquelas e o IRC (no caso), e justificativa não só da sua inclusão no CIRC, mas, igualmente, da sua integração, de pleno direito, como parte do regime jurídico do IRC[8].
De fato, não só apenas as despesas realizadas por sujeitos passivos de IRC é que estão sujeitas à imposição de tributação autónoma em tal quadro, como tais despesas apenas o estarão se aqueles sujeitos as elegerem como despesas dedutíveis no apuramento da matéria tributável de tal imposto.
O quadro deste modo traçado é, considera-se, substancialmente distinto do que seria um imposto que incidisse sobre determinadas despesas, objectivamente consideradas, afigurando-se que a qualidade e a opção do sujeito passivo têm aqui uma relevância, senão maior, pelo menos idêntica à despesa que despoleta a imposição tributária.
De resto, sempre se poderá dizer que se o sujeito passivo de IRC optar por não deduzir ao lucro tributável para efeitos daquele imposto os encargos correspondentes às despesas sujeitas a tributação autónoma, não terá de suportar esta, o que será demonstrativo do que acima se apontou, ou seja, de que a causa das tributações autónomas radica, ainda e em última análise, no regime do IRC.
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Não obsta, ao que vem de se dizer, o disposto no artigo 1.º do CIRC, que refere que o imposto em causa “incide sobre os rendimentos obtidos (...)no período de tributação”.
Com efeito, e desde logo, a norma em causa é uma norma programática ou ordenatória, proclamando um sentido ou intencionalidade geral (normal) do tributo em causa, mas não tendo subjacente qualquer intenção estritamente tipificadora ou delimitadora da operacionabilidade do mesmo.
Por outro lado, tal norma preexiste à emergência do atual regime das tributações autónomas em IRC, não se devendo, portanto, retirar qualquer conclusão decisiva da manutenção do seu teor face àquele fenómeno, a não ser, eventualmente, a falta de ponderação pelo legislador da globalidade do sistema, quando procede a alterações pontuais daquele.
Em todo caso, afigura-se que não será sequer caso de, em concreto, ratificar tal conclusão, na medida em que, na perspetiva do legislador, as tributações autónomas integrarão, efetiva e inequivocamente o regime do IRC, sendo devidas a título deste imposto, como resulta do artigo 12º do CIRC, já vigente à data dos factos, que refere que:
“As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.” (sublinhado nosso).
Ou seja, na perspectiva do sistema, as tributações autónomas integram o regime do, e são devidas a título de, IRC, razão pela qual na norma que se vem de transcrever o legislador ressalvou expressamente a sua aplicação. Daí que, paralelamente, se fosse intenção do legislador excluir as tributações autónomas do âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, o teria dito expressamente.
Por outro lado, e reforçando o que se vem de expor, o artigo 3.º da recente Lei 2/2014 de 16 de janeiro, veio aditar o artigo 23.º-A do CIRC, que sucede ao anterior artigo 45.º e ao qual, pelo que vem de se dizer, deve ser conferido, na matéria que nos ocupa, caráter interpretativo, veio dispor que:
“1 — Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros;” (sublinhado nosso).
Ou seja, e em suma, o legislador entendia, e continua a entender, que as tributações autónomas integram o IRC, senão enquanto imposto stricto sensu, pelo menos em termos de fazerem parte do mesmo regime fiscal unitário.
Deve-se, ainda, ter em conta, que a norma do artigo 45.º do CIRC situa-se num contexto de ampla discricionariedade legislativa. Ou seja, na definição do que sejam encargos dedutíveis ou não dedutíveis para efeitos fiscais, o legislador fiscal goza de uma ampla liberdade concretizadora. Daí que, não se possa dizer que esteja vedado ao legislador, pela “natureza” das tributações autónomas, excluí-la dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais.
Entende-se, deste modo, que será legítimo ao legislador incluir ou excluir as tributações autónomas que nos ocupam daquela categoria dos encargos dedutíveis para efeitos fiscais, independentemente da “natureza” que a doutrina ou a jurisprudência lhes surpreenda. A questão, devidamente situada, será então a de determinar qual a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido no seu todo. E sob este prisma, a conjugação do teor do artigo 12.º do CIRC com o artigo 45.º/1/a) do mesmo, não deixará grandes dúvidas, quanto ao entendimento legislativo de que as tributações autónomas, se não constituem IRC stricto sensu, integrarão seguramente o regime daquele imposto, e serão devidas a esse título.
Acresce ainda que nenhum óbice de princípio existe a que o legislador isole determinados tipo de rendimentos e os grave taxas específicas, ou diferenciadas, como ocorre, por exemplo, nos casos previstos no n.º 4 do atual CIRC.
De igual modo, nenhum óbice de princípio existe a que o imposto em questão seja devido, liquidado e pago, não em função de um período (mais ou menos longo) de tributação, mas por força da ocorrência de factos instantâneos, como ocorre já, por exemplo, nos casos de retenção na fonte com caráter definitivo (cfr. artigo 94.º/3 do CIRC).
De resto, nem o resultado, aparentemente tão contraintuitivo e impressionante, de poder ser devido o pagamento de imposto por via das tributações autónomas que ora nos ocupam, mesmo em caso de inexistência de um rendimento (positivo) no final do período de tributação, não é avis rara no regime do IRC.
Assim, e em alguns dos já apontados casos de retenção na fonte a título definitivo, pode ocorrer o caso de o titular dos rendimentos sujeitos àquela retenção tenha tido despesas que excedam os rendimentos.
Também no caso da operacionalidade de algumas das cláusulas anti-abuso específicas (artigos 63.º a 67.º do CIRC), por força da consideração de custos, pode ocorrer que os sujeitos passivos sejam tributados por um lucro tributável ficto, na medida em que possa estar em causa a desconsideração de custos, efectivamente suportados, mas desconsiderados por abusivos. Poder-se-á dar o caso, assim, de um sujeito passivo ter de pagar IRC, não obstante ter tido, na realidade, prejuízos.
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Tudo aquilo que se tem vindo a dizer, evidencia que a evolução do regime legal do IRC transmutou-o, transformando-o numa realidade complexa e multifacetada, aos mais diversos níveis, que se reflete, na matéria que nos ocupa nestes autos, na tal “natureza dual” de que falava a Prof. Saldanha Sanches na passagem citada no Acórdão 617/2012 do TC.
O reconhecimento desta dualidade de natureza, não prejudica contudo, como se entende estar subjacente quer à citação em causa quer à jurisprudência que a cita, que se considere que o sistema, apesar de dual, seja o mesmo. Dito de outro modo, apenas faz sentido falar-se de um sistema dual, se o sistema em questão for, ainda, o mesmo. Caso contrário falar-se-ia não de um sistema de natureza dual, mas de dois sistemas distintos, o que, por tudo o que se vem dizendo, não será o que ocorre. E, in casu, o sistema será o regime do IRC, que operando ora pela receita, ora pela despesa, visa e prossegue as finalidades próprias daquele imposto, incluindo, evidentemente, a arrecadação de receita.
A este respeito, entende-se que no contexto atual, não se poderá ratificar a afirmação da Requerente, segundo a qual as tributações autónomas seriam “um verdadeiro imposto de arrecadação de receita”, desproporcional e desligado da capacidade contributiva. Efectivamente, num quadro em que as taxas de IRS atingem valores significativamente para lá dos 50%, para níveis de rendimento ainda de classe média, as tributações autónomas não integrarão, seguramente, o “olho do furacão” de tal problemática.
Não obstante, o referido modus operandi pela via da despesa, típico das tributações autónomas em análise, será ainda assim, materialmente conexionável com o rendimento que, em última análise legitima o IRC.
Efetivamente, e como atrás se evidenciou, as referidas tributações apenas intervêm porquanto o sujeito passivo opta por as deduzir ao seu lucro tributável em IRC. Esta circunstância explica-se materialmente pela existência de lucros actuais que o sujeito passivo pretende ver diminuídos, ou por uma expectativa de lucros futuros, que serão igualmente diminuídos por força da contabilização do encargo correspondente à despesa sujeita a tributação autónoma. Desta forma, num ou noutro caso, estar-se-á sempre em última análise a ter em vista um rendimento, presente ou futuro, que o legislador tolera tributar menos, em troca de uma tributação imediata, aquando da realização da despesa, visando então, nesta perspetiva, as tributações autónomas a que nos referimos, ainda que mediatamente, o rendimento do sujeito passivo. Será, pode dizer-se, uma forma de, indiretamente e através da despesa, tributar, ainda, o rendimento.
É por ser isto assim que é conferida ao sujeito passivo a opção de contabilizar como encargo dedutível o montante da despesa, suportando a respetiva tributação autónoma, ou não a deduzir, sendo tributado pelo rendimento daí decorrente, nos termos “normais”.
As tributações autónomas ora em questão, integrarão assim, e sobre este ponto de vista, o elenco de normas anti-abuso específicas, sendo patente a similitude, por exemplo, com a norma do atual artigo 65.º/1 do CIRC, que dispõe que:
“Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”.
Ou seja, nos casos a que se reportam as tributações autónomas suportadas pelas Requerentes nos autos, o legislador podia ter optado por um regime semelhante ao estatuído na norma transcrita. Em vez disso, optou-se por não ir tão longe, ficando um patamar aquém, e permitindo a dedutibilidade das despesas com os encargos em causa, contra o pagamento imediato de uma parte do lucro tributável que, presente ou futuramente, irá ser afetado pela pelo encargo deduzido.
No entanto, será inegável a similitude dos regimes, bem como das preocupações e finalidades que lhes estão subjacentes.
Reconhece-se aqui, evidentemente, aquelas caraterísticas que já há já alguns anos a doutrina vem apontando às tributações autónomas em causa, como sejam:
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a tributação autónoma só faz sentido porque os custos/gastos relevam como componentes negativas do lucro tributável do IRC. É isso que motiva os sujeitos passivos do IRC a relevar um valor tão elevado quanto possível desses gastos para diminuir a matéria tributável do IRC, a coleta e, consequentemente, o imposto a pagar;
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se trata de tratar desfavoravelmente esses gastos que, pela sua natureza, são facilmente desviados do consumo privado para o empresarial;
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pretende-se desincentivar esse tipo de gastos em sujeitos passivos que apresentam resultados negativos mas que, independentemente disso, continuam a evidenciar estruturas de consumo pouco ou nada compagináveis com a saúde financeira das suas empresas;
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trata-se, em tese mais geral, de modelar o sistema fiscal de modo que este revele um certo equilíbrio tendo em vista uma melhor repartição da carga tributária efetiva entre contribuintes e tipos de rendimento;
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se trata materializar o reconhecimento de que não é fácil determinar a medida exata da componente de alguns desses gastos que corresponde a consumo privado, e que, por isso, sendo conhecida a prática geral de abuso na sua relevação.
Melhor ou pior, as tributações autónomas ora em causa deverão ser assim entendidas como uma forma de obstar a determinadas atuações abusivas, que o “normal” funcionamento do sistema de tributação era incapaz de impedir, sendo que outras, incluindo formas mais gravosas para o contribuinte, eram possíveis.
Este caráter antiabuso das tributações autónomas, será não só coerente com a sua natureza “anti-sistémica” (como acontece com todas as normas do género), como com uma natureza presuntiva, apontada quer pelo Prof. Saldanha Sanches quer pela jurisprudência que o cita.
Neste prisma, as tributações autónomas em análise, terão então materialmente subjacente uma presunção de empresarialidade “parcial” das despesas sobre que incidem, em função da supra-apontada circunstância de tais despesas se situarem numa linha cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial, produtiva, daquilo que é despesa privada, de consumo, sendo que, notoriamente, em muitos casos, a despesa terá mesmo na realidade uma dupla natureza (parte empresarial, parte particular).
Confrontado com esta dificuldade, o legislador, em lugar de simplesmente afastar a sua dedutibilidade, ou inverter o ónus da prova da empresarialidade das despesas em questão (impondo, por exemplo, a demonstração de que “não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.”, como faz no artigo 65.º/1 do CIRC), optou por consagrar o regime actualmente vigente, que, não obstante, tem precisamente o mesmo fundamento, a mesma finalidade, e o mesmo tipo de resultado, que outras formas utilizadas noutras situações típicas do regime (no caso) do IRC.
Esta presunção de “empresarialidade parcial”, deverá, em coerência, considerar-se como abrangida pela possibilidade de elisão decorrente do art.º 73.º da LGT, quer pelo contribuinte, quer pela Administração Tributária.
O que se afigura, de resto, conforme a uma proporcional e adequada distribuição do ónus probatório, na medida em que incidindo as tributações autónomas em causa sobre despesas de empresarialidade à partida não evidente, será o contribuinte quem estará melhor posicionado para demonstrar que tal requisito se verifica em concreto.
Por seu lado, a própria Administração Tributária, caso o entenda e considere que o caso justifica o inerente dispêndio de meios, poderá sempre demonstrar que, relativamente às despesas em questão, e ainda que sobre elas tenha incidido tributação autónoma, não se verifica o requisito geral do artigo 23.º/1 do CIRC, designadamente a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora[9].
Assim, e em suma, as tributações autónomas cujo encargo pretendem as Requerentes ver subtraídas ao seu lucro tributável, poderão ser encaradas como uma espécie de norma antiabuso consensual, em que o legislador propõe ao contribuinte uma de três alternativas, a saber:
a) não deduzir a despesa;
b) deduzir mas pagar a tributação autónoma, dispensando-se, quer a si quer à Administração Tributária de discutir a questão da empresarialidade da despesa;
c) provar a empresarialidade integral da despesa, e deduzi-la integralmente, não suportando a tributação autónoma.
De resto, o reconhecimento desta natureza presuntiva, será, para além de tudo o mais, uma salvaguarda da sua constitucionalidade, na medida em que estará garantida a possibilidade da respectiva dedução integral pelo contribuinte, ou a sua não dedução, consoante o lado para o qual a presunção que lhes está subjacente seja, em cada caso, infirmada.
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Face a tudo o que se vem de expor, considerando-se que as tributações autónomas que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC integram o regime, e são devidas a título, deste imposto, e, como tal estão abrangidas pela disposição da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, não constituirão as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, devendo, em consequência, improceder a presente acção arbitral.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Não tomar conhecimento das suscitadas questões de constitucionalidade;
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Recusar o reenvio prejudicial para o TJUE;
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Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência manter os acto s tributários impugnados;
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Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €8.262.00, tendo-se em conta o já pago.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €534.798,75, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €8.262.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se
Lisboa
3 de Março de 2014
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(João Ricardo Catarino)
O Árbitro Vogal
(Olívio Mota Amador)
[1] Disponível em www.caad.org.pt.
[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência indicada sem menção especial.
[3] Cfr. a este propósito, o Acórdão do TC n.º 440/94 de 7 de Junho de 1994, in BMJ n.º 438, p. 90, citado pela ATA na sua resposta (ponto 43).
[4] Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, página 189, “(...)são impostos directos aqueles que incidem sobre o rendimento e sobre o património e impostos indirectos aqueles que incidem sobre o consumo.”.
[5] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120617.html.
[6] A este propósito, cfr. Soares Martinez, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, 1993, pp. 191 e ss.
[7] Este aspeto é particularmente evidente em sede de IRS, onde as tributações autónomas previstas no artigo 73.º do respetivo Código, apenas se aplicam aos “sujeitos passivos que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, no âmbito do exercício de atividades empresariais e profissionais”. E mesmo de entre estes, “Excluem-se (...) os sujeitos passivos a quem seja aplicado o regime simplificado de determinação do lucro tributável previsto nos artigos 28.º e 31.º.” (n.º 8 do artigo 73.º).
[8] Dificilmente se compreenderia que no CIVA, ou no CIS, ou mesmo num diploma autónomo, se consagrasse que determinadas despesas apenas estariam sujeitas a imposto, se dedutíveis em sede de IRC...
[9] Em tal caso, de resto, dever-se-á entender que o montante liquidado a título de tributação autónoma deverá ser anulado, e qualquer montante pago restituído/compensado, assim se afirmando, também aqui, a patente imbricação das tributações autónomas com o regime do IRC, que integram.