Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 408/2016-T
Data da decisão: 2017-01-30  IRC  
Valor do pedido: € 1.080.771,20
Tema: IRC – Amortizações; Aerogeradores
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            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira e Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-10-2016, acordam no seguinte:

           

           

1. Relatório

 

            A…, S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva…, com sede na Av…, Lote…, …–…, …-… Lisboa, veio, nos termos dos artigos 2.º e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante "RJAT") apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, tendo em vista a apreciação da legalidade do indeferimento tácito que se formou no seguimento da ausência de resposta à reclamação graciosa apresentada, em 23-02-2016, junto do Serviço de Finanças de Lisboa…, (objecto imediato) e bem assim como das liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 - objecto mediato.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA em 17-08-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 29-09-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 17-10-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta, em defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 13-12-2016, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e acordado que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades e não há obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

·         A Requerente tem como objecto social a «exploração de energias alternativas, prestação de serviços, venda de equipamento de produção de energias alternativas» e encontra-se colectada na actividade de «Produção de electricidade de origem eólica, geotérmica, solar e não especificada (CAE…), encontrando-se enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação;

·         A Requerente dedica-se à exploração de um conjunto de aerogeradores, localizados no concelho de …, denominado Parque eólico do …;

·         A Requerente foi objecto da acção inspectiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI2014…, de 04-06-2014, de âmbito geral, incidente sobre o exercício de 2012;

·         Posteriormente, a Requerente foi objecto de procedimentos inspectivo a coberto das ordens de serviço OI2015… e OI2015…, ambas de 16-09-2015, de âmbito geral, incidente sobre os exercícios de 2011 e 2013;

·          No Relatório da Inspecção Tributária relativo às inspecções referentes aos exercícios de 2011 e 2013, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

3.2-CORRECÇÕES EFECTUADAS

Na sequência da análise aos mapas de reintegrações e amortizações do sujeito passivo verificou-se que as torres eólicas, assim como as outras despesas com elas conexas, estão a ser amortizadas a taxa de 6,67% (vida útil de 15 anos).

Pela leitura aos contratos de arrendamento, celebrados com os proprietários dos terrenos onde estão implantadas as torres eólicas, podemos verificar que, dum modo geral, estes foram celebrados por um período de 25 anos.

As regras gerais das depreciações e amortizações estão definidas no código do IRC (CIRC) nos seus artigos 29º a 34º, no entanto o CIRC remete para diploma regulamentar o desenvolvimento deste regime.

Para os bens em causa, nestes procedimentos inspetivos, é aplicável o DR 2/90, aos bens cujo início da utilização foi no exercício de 2009, e o DR 25/2009, aos bens cuja utilização foi iniciada no ano de 2010. Em ambos os casos, as tabelas anexas a estes Decretos Regulamentares são omissas no que se refere a estes bens.

Ora para colmatar esta lacuna legislativa, o n.º 3 do artigo 5.° do DR 2/90 dispõe que "relativamente aos elementos não mencionados no número anterior” para os quais não se encontrem fixadas taxas de reintegração e amortização nas tabelas referidas no n.º 1, serão aceites as que pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada". Do mesmo modo, o n.º 3 do artigo 5.° do DR 25/2009 dispõem que "relativamente aos elementos para os quais não só encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.".

Em suma, quanto aos elementos para os quais não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou de amortização nas citadas tabelas, serão aceites as que pela Autoridade Tributária e Aduaneira sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada, de acordo com o n.º 3 do artigo 31.º do CIRC, conjugado com o n.º 3 do artigo 5.º do DR 2/90 e do DR 25/09.

De modo a poder aquilatar-se da razoabilidade do período de utilidade esperada para os equipamentos constituintes dos "parques eólicos", foram efetuados diversos contactos de forma informal, pelos Serviços, a diversos fornecedores destes equipamentos como a B… (C…), D…, E… e F…, de modo a poder chegar-se à conclusão dum período de vida útil que seja considerado razoável.

Na sequência desses contactos, foi verificado pelos Serviços que os fornecedores assumem que, com os avanços tecnológicos introduzidos e com o crescente aumento de fiabilidade, os equipamentos estão concebidos para que em situações de funcionamento e manutenção Standard tenham uma vida útil expectável) superior a vinte anos. A partir desta idade é provável que os custos de manutenção sejam mais elevados, pela necessidade de substituição de componentes mais dispendiosos, e que o projeto de exploração se torne, ao longo dos anos, economicamente menos atrativo/Iucrativo (anexo 1 -exemplo)

Também foi analisado o estudo técnico, efetuado pelo Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), sobre o "período de vida útil esperada de equipamentos de conversão de energia eólica". Este trabalho teve como principal objetivo determinar o período de vida útil estimada para uma turbina eólica, no âmbito duma prestação de serviços acordada entre o LNEG e a Associação Portuguesa de Produtores de Energias Renováveis (APREN). Esta determinação do período de vida útil estimado para uma turbina eólica teve como enquadramento identificar a taxa de amortização a aplicar nos projetos de parques eólicos, dado nos Decretos Regulamentares 2/90 e 25/09 a taxa para estes bens ser omissa nas suas Tabelas anexas (anexo 2).

O LNEG desenvolveu o seu estudo numa metodologia baseada em dois aspetos fundamentais: a identificação da redução da produção energética ao longo do tempo através da determinação da tendência do fator capacidade e o decréscimo da rentabilidade económica dum parque eólico. Esta abordagem permitiu-lhes definir um intervalo temporal para a vida útil da turbina.

Como conclusão do seu estudo, o LNEG estima que o período de vida útil duma turbina eólica se situa entre 20 a 25 anos. O LNEG considera que após este período se torna necessário efetuar substituição de componentes, devido à sua degradação, começando assim o decréscimo da rentabilidade dos projetos, devido ao aumento dos custos da manutenção e a uma consequente diminuição dos resultados económicos que, ao longo da linha do tempo, tornarão o projeto inviável. O LNEG concluiu também que este seu estudo atinge resultados concordantes com os referidos pelos fabricantes de turbinas eólicas, ou seja, uma vida útil esperada na ordem dos 20 anos.

Temos assim, em súmula do que foi acima apontado, que a vida útil estimada dos parques eólicos é determinada em função dum conjunto de fatores físicos/materiais e económicos. Os fatores físicos, ou materiais, prendem-se com a capacidade/durabilidade dos equipamentos que, em resultado do que foi apontado pelos fabricantes, e pelo próprio LNEG, podemos concluir que estes poderão funcionar normalmente para além dos 20 anos de idade, podendo 'implicar, no entanto, reparações (maiores ou menores) decorrentes do desgaste dos seus componentes. Os fatores económicos prendem-se com a rentabilidade ótima financeira do projeto que, em resultado da idade dos equipamentos, supõe-se que irá diminuir face ao expectável aumento dos gastos de manutenção e reparação dos equipamentos e à sua possível diminuição de capacidade, face à evolução da tecnologia, que poderá implicar perdas produtivas.

Estas informações e conclusões são corroboradas pelos próprios projetos apresentados pelas diversas entidades que exploram os parques eólicos. Relativamente ao caso em apreço, o sujeito passivo apresentou, para o seu Parque Eólico do …, um projeto para 20 anos. Esta informação pode ser constatada na página 24 do Estudo de Impacto Ambiental, relativo a este parque eólico, e cuja vida útil está em apreciação. Este estudo foi elaborado pela empresa "G…” (anexo 3).

Em consulta a outros estudos elaborados para outros parques eólicos, constata-se que os projetos apresentados são igualmente para 20 anos.

Sobre este assunto foi ainda instada a pronunciar-se a Direção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC).

No seu parecer a DSIRC vem referir que:

• " (...) As taxas de depreciação para os parques eólicos não se encontravam previstas nas Tabelas Anexas ao Dec. Reg. N.º 25/2009, de 14 de Setembro, até à entrada em vigor da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro. As taxas das Tabelas eram as mesmas do revogado Dec. Reg. N.º 2/90, de 12 de janeiro, e naquela altura (1990), ainda não se produzia energia elétrica para comercialização com base nesta nova tecnologia.

Assim a Autoridade Tributária aceitou as que considerou razoáveis, com base no n.º 3 do art. 5.°do Dec. Reg. N.º25/2009.";

• "Aos sujeitos passivos detentores de parques eólicos que solicitaram autorização à AT — Autoridade Tributária e Aduaneira para aplicação de uma taxa de depreciação anual de 5%, com base numa vida útil estimada de 20 anos, foi-lhes autorizado por despacho superior (...)

• "Esta Direção de Serviços solicitou aos requerentes que enviassem estudos técnicos que lhes permitiram concluir que a vida útil estimada dos "Parques Eólicos", era de 20 anos.

Foi-nos enviado entre outros, o parecer do qual se transcreve o seguinte excerto: "... A tecnologia eólica conheceu um avanço notável em menos de duas décadas. Assim passou-se de uma situação de perfeita incipiência tecnológica para a existência de turbinas de 6 MW com rolares de 120 m de diâmetro que conseguem apresentar níveis de fiabilidade mecânica acima de 95%. (...) Ora toda a indústria refere como tempo de vida útil de projeto o valor de 120 000 horas de funcionamento, o que com fatores de carga standard significa aproximadamente 20 anos. Para confirmação deste valor basta consultar na WEB algumas instituições de referência desta indústria, independentes e autónomas dos fabricantes... "

 • "Face ao exposto, relativamente às depreciações dos parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que se tenham iniciado antes de 1 de janeiro de-2015, ao abrigo do n.º 3 do art. 5.° do Dec. Reg. N.º25/2009 de 14 de Setembro".

 

Deste modo, resulta de todo o exposto que é posição unânime das várias entidades consultadas (fornecedores de equipamentos, estudo do LNEG e AT) e das várias empresas exploradoras de parques eólicos, de que os projetos de parques eólicos têm uma vida útil esperada de 20 anos, prazo a partir do qual se calcula que a sua rentabilidade diminua e que o projeto comece a perder o interesse económico, pese embora seja admitido que as turbinas eólicas, elemento essencial e de maior valor dos parques eólicos, tenham uma vida útil de pleno funcionamento (com a manutenção apropriada) para lá da vida útil económica ótima do projeto. Acresce o facto de que se calcula que a rentabilidade esperada máxima ocorra durante os 20 primeiros anos de exploração, mas nada obsta a que os parques eólicos não continuem a transformar a energia eólica em elétrica de forma economicamente sustentável e rentável durante muitos mais anos.

Assim, e de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.° do CIRC e do n.º 3 do artigo 5.° dos citados Decretos Regulamentares (2/90 e 25/09), conjugado com o que acima foi exposto, consideramos, para efeitos de reintegrações e amortizações, que o período de vida útil aceitável para os parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo) é de 20 anos, o que corresponderá uma taxa de V. reintegração/amortização de 5%.

Desta forma, e de acordo com o disposto no artigo 34.° do CIRC, o sujeito passivo praticou amortizações excessivas, pelo que terá que se proceder à sua correção.

3.2.1 -Ano de 2011

A correção efetuada ao exercício de 2011, nos termos do artigo 34.° do CIRC, é de 1.118.675,62€, conforme se discrimina no quadro seguinte:

3.2.2-Ano de 2013

A correção efetuada ao exercício de 2013, nos termos do artigo 34.° do CIRC, é de 1.121.052,22€, conforme se discrimina no quadro seguinte:

3.3 - APURAMENTO DO LUCRO TIBUTÁVEL

3.3.1 -Ano de 2011

Em resultado das correções efetuadas no montante de 1.118.675,62€, explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 5.088.662,80€ para um lucro corrigido de 6.207.338,42€.

3.3.1 -Ano de 2013

Em resultado das correções efetuadas no montante de 1.121.052,22€, explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 6.092.138,29€ para um lucro corrigido de 7.213.190,51€.

 

·         O Relatório da Inspecção Tributária relativo à inspecção referente ao exercício de 2012, cujo teor se dá como reproduzido, é semelhante ao referente aos exercícios de 2011 e 2013, sendo efectuado correcção nos seguintes termos:

A correção efetuada, nos termos do artigo 34.° do CIRC, é de 1.120.902,756, conforme se discrimina no quadro seguinte:

3.3 - APURAMENTO DO LUCRO TIBUTÁVEL

Em resultado das correções efetuadas no montante de 1.120.902,75€, explanadas e fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 5.123.894,716 para um lucro corrigido de 6.244.797,46€.

·         Na sequência das inspecções foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios:

Relativamente ao ano de 2011, com data limite de pagamento de 18-01-2016:

– liquidação de IRC n.º 2015…, de 04-12-2015, no montante de € 324.415,93 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no montante de € 45.258,24 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– demonstração de acerto de contas n.º 2015… (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

Relativamente ao ano de 2012, com data limite de pagamento de 23-11-2015:

– liquidação de IRC n.º 2015…, de 21-09-2015, no montante de € 360.707,10 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no montante de € 30.040,80 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– demonstração de acerto de contas n.º 2015… (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

 

 

Relativamente ao ano de 2013, com data limite de pagamento de 08-02-2016:

– liquidação de IRC n.º 2015…, de 04-12-2015, no montante de € 350.389,93 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no montante de € 19.678,53 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

– demonstração de acerto de contas n.º 2015… (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

·         Em 23-02-2016, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2011, 2012 e 2013;

·          Até 23-06-2016, a reclamação graciosa não foi decidida;

·         O parque eólico do … iniciou o funcionamento em 2009 e está sujeito a condições climatéricas adversas, provocadas pela proximidade do mar e ar denso, com ventos marítimos intensos, com turbulência e não contínuos, o que acentua o desgaste dos equipamentos, originando uma necessidade de proceder a reparações e substituições de peças (designadamente, rolamentos de geradores e caixas multiplicadoras) em períodos de tempo progressivamente mais reduzidos;

·         Pouco mais de dois anos depois da entrada em funcionamento, foi já necessário fazer reparações substanciais;

·         Nos anos de 2013, 2014 e 2015, o número de avarias tem vindo a aumentar;

·          Os fabricantes de equipamentos não dão garantia de funcionamento dos equipamentos durante 20 anos, embora haja algumas peças que podem atingir essa duração, eventualmente com reparações;

·         Os contratos de manutenção que a empresa fornecedora dos aerogeradores aceitou tinham um período máximo de 12 anos;

·         Não há dados históricos que permitam concluir que os aerogeradores tenham um período de vida útil de 20 anos, pois não há nenhum parque eólico com essa duração;

·         Só com muitas reparações será possível assegurar o funcionamento dos aerogeradores durante 20 anos;

·         Os aerogeradores fabricados a partir de 2008, como é o caso dos da Requerente, tenderão a durar menos que os inicialmente fabricados, pois os primeiros estavam sobredimensionados;

·         No estudo destinado a financiamento que foi efectuado antes do início do funcionamento do parque eólico da Requerente, foi prevista uma duração de 15 anos para os aerogeradores;

·         A Requerente prestou garantias bancárias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança das quantias liquidadas (documentos n.ºs 11, 12, 13, 14, 15, e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

·         Em 15-07-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que foram juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

Os factos referidos nas alíneas K) e L) basearam-se nos depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente, que aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão do período de vida útil esperado dos aerogeradores nos anos de 2011, 2012 e 2013

 

A Requerente considerou que os aerogeradores têm um período de vida útil de 15 anos, depreciando-os à taxa de 6,67%.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, não estando prevista nas tabelas anexas ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, a Requerente devia aplicar, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, as amortizações e depreciações consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, «às depreciações dos parques eólicos (ativos fixos tangíveis como um todo), afigura-se-nos que a taxa máxima de depreciação a aceitar para efeitos fiscais será de 5%, nos períodos de tributação que se tenham iniciado antes de 1 de janeiro de-2015, ao abrigo do n.º 3 do art. 5.° do Dec. Reg. N.º25/2009 de 14 de Setembro"».

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se é inadequada a taxa de depreciação que, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, devia ser utilizada para os aerogeradores que integram o Parque Eólico da Requerente, referidos no Relatório da Inspecção Tributária.

Relativamente aos exercícios de 2011 a 2013, a que se reportam as liquidações impugnadas, é aplicável, a redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que no seu artigo 31.º do CIRC estabelece, no que aqui interessa o seguinte:

 

Artigo 31.º

Quotas de depreciação ou amortização

 

1 – No método das quotas constantes, a quota anual de depreciação ou amortização que pode ser aceite como gasto do período de tributação determina-se aplicando as taxas de depreciação ou amortização definidas no decreto regulamentar que estabelece o respectivo regime aos seguintes valores:

a) Custo de aquisição ou de produção;

b) Valor resultante de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;

c) Valor de mercado, à data de abertura da escrita, para os bens objecto de avaliação para esse efeito, quando não seja conhecido o custo de aquisição ou de produção.

2 – Relativamente aos elementos para que não se encontrem fixadas taxas de depreciação ou amortização, são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada.

(destacado do Tribunal)

 

Na mesma linha, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, estabelece no seu artigo 5.º, n.º 3, na redacção original, que «relativamente aos elementos para os quais não se encontrem fixadas, nas tabelas referidas no n.º 1, taxas de depreciação ou amortização são aceites as que pela Direcção-Geral dos Impostos sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de utilidade esperada».

 Não estando prevista no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, na redacção anterior à Lei n.º 82-D/2014 de 31 de Dezembro, a taxa de depreciação para aerogeradores, a Requerente tinha de aplicar uma taxa que seja de considerar razoável, tendo em conta o período de utilidade esperado para os aerogeradores.

Da prova produzida resultou com segurança que não havia qualquer razão, em 2011, 2012 e 2013, no específico caso dos aerogeradores em causa, situados em local em que sofrem um desgaste acentuado, devido a condições climatéricas especialmente agressivas, para que fosse esperado um período de vida útil para os aerogeradores superior aos 15 anos que a Requerente teve em consideração para efectuar as depreciações, pois essas condições implicam mais rápida deterioração do que é normal e consequentemente uma menor expectativa de vida útil em comparação com a média.

Por isso, a informação obtida pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de ser de esperar uma vida útil de 20 anos não pode ser considerada decisiva, designadamente quando resultou da prova testemunhal que a rápida deterioração foi efectivamente confirmada por haver aerogeradores da Requerente que apresentaram grandes problemas de funcionamento antes de se completarem 5 ou 6 anos de utilização e, portanto, muito antes de atingir metade da vida útil estimada pela Requerente.

Por outro lado, o facto de a Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, ter vindo expressamente incluir os «equipamentos de energia eólica» na lista de taxas da Tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, e indicar a taxa de 8%, que corresponde a 12,5 anos de vida útil, dissipa quaisquer dúvidas sobre a razoabilidade do período de vida útil de 15 anos considerado pela Requerente.

Aquela fórmula «equipamentos de energia eólica» abrange no seu teor literal quaisquer equipamentos adequados à produção e não há qualquer razão para efectuar uma interpretação restritiva.

Na verdade, só se justifica uma interpretação restritiva quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer» ( [1] ) e, no caso em apreço, não se afigura que a previsão de um período de duração de 12,5 anos para aerogeradores seja inadequado, antes a prova produzida confirma a sua adequação. Por outro lado, sendo facto notório, perceptível por todo o país, que a quase totalidade de produção de electricidade proveniente de energia eólica é feita com instalações de natureza industrial do tipo das da Requerente, não é de aventar que o legislador se tivesse «esquecido» desta realidade e tenha introduzido a alteração legislativa tendo em vista apenas instalações de microgeração, para as quais normalmente será irrelevante o regime de amortização, por serem detidas por sujeitos de IRS que não estão sujeitos a regime de contabilidade organizada, em vez de a estabelecer para as instalações de natureza industrial, que são as únicas que têm relevância apreciável para efeitos fiscais.

Assim, sendo esta nova taxa aplicável a equipamentos do tipo dos da Requerente e não havendo qualquer razão para crer que a qualidade dos aerogeradores se tenha degradado acentuada e generalizadamente entre 2011 e 2014 para que a sua vida útil previsível tenha baixado de 20 para 12,5 anos, não pode deixar de entender-se que já naquela primeira data não seria de considerar irrazoável não esperar mais de 12,5 anos de vida útil.

Com efeito, embora esta alteração só tenha efeito normativo para o futuro, o que está em causa no presente processo é saber se era razoável, em 2011, 2012 e 2013, esperar menos de 20 anos de vida útil para os aerogeradores, designadamente 15 anos, e é manifesto que o facto de o legislador de 2014 ter entendido que o período de vida útil adequado a considerar para os aerogeradores é de 12,5 anos revela que, na perspectiva legislativa, já em 2011, 2012 e 2013 era perfeitamente razoável que não se esperasse um período de vida superior.

Esta evidência é confirmada pelo Anteprojecto da Reforma da Fiscalidade Verde ([2]), datado de 30-06-2014, em que se refere, nas páginas 112-113:

 

Tendo em conta a importância económica e ambiental que o sector das energias renováveis assume em Portugal, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009 deve contemplar taxas de amortização específicas para os equipamentos utilizados na sua exploração, fomentando, assim, a renovação dos mesmos e o investimento adicional em energias limpas. As taxas a utilizar devem seguir uma razoabilidade técnica e de eficiência económica. Por outro lado, tendo em conta a dimensão ibérica do mercado eléctrico, critérios de competitividade no âmbito do mercado ibérico e de ajustamento às condições económicas padronizadas em investimentos neste tipo de equipamentos sugerem que se alinhe o ordenamento português com o espanhol. Tendo em conta estes dois aspectos, parece razoável a adoção de um prazo máximo de vida útil de 25 anos, a que corresponderá, nos termos da bitola fiscal consagrada pelo legislador, um prazo mínimo de vida útil de 12,5 anos.

 

No caso em apreço, a Requerente até utilizou uma taxa de depreciação correspondente a um período de via útil superior a 12,5 anos, pelo não há fundamento para que a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerasse razoável o período de vida útil esperada adoptado pela Requerente e, designadamente tivesse considerado adequado o período de 20 anos, que se afigura manifestamente desajustado da realidade, particularmente em situações em que os aerogeradores estão sujeitos a um desgaste superior ao normal, como sucedeu no caso em apreço.

Pelo exposto, tem de se concluir que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 2015, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2. Questão da sindicabilidade da determinação do período de vida útil dos aerogeradores

 

No que concerne às considerações que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz sobre a impropriamente chamada «discricionariedade técnica», como área de aplicação de critérios de natureza técnica pela Administração pretensamente insindicáveis pelos Tribunais, trata-se de um conceito que se tornou obsoleto com revisão constitucional de 1989, ao passar a estabelecer no artigo 268.º, n.º 4, da CRP a lesividade do acto como critério para aferir da impugnação contenciosa e consequente sindicabilidade pelos tribunais. ( [3] )

E, há muito que o Supremo Tribunal Administrativo, na esteira de alguma doutrina e com o posterior apoio do Tribunal Constitucional, se apercebeu do alcance dessa alteração legislativa, como pode ver-se pelo acórdão de 16-06-1999, proferido no processo n.º 020839 ( [4] ), em que se escreveu:

Desde há muito que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem uniformemente admitindo o controle judicial de questões de carácter técnico, nos casos em que se detecta erro grosseiro ou manifesto.

Mas, a sindicabilidade dos actos praticados pela Administração que envolvem conhecimentos técnicos avultados, que habitualmente se denominam como praticados no domínio da discricionariedade técni­ca, deverá ir para além disso.

Na verdade, por força do preceituado no n.º 4 do art. 268.°da CRP (n.º 3 na redacção de 1982), não pode deixar de admitir-se recurso contencioso dos actos da administração que afectem a esfera jurídica dos particulares.

Com efeito, este direito ao recurso refere-se a «quaisquer actos» e, por isso, qualquer restrição de tal direito que resulte da lei ordinária será materialmente inconstitucional.

Assim, as únicas restrições a tal direito que se poderão compaginar com tal princípio constitucional serão as que possam resultar da pró­pria natureza dos actos administrativos, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar.

A tal sindicabilidade não poderá constituir obstáculo o carácter téc­nico das questões a resolver, já que, precisamente para permitir a reso­lução de questões de carácter técnico no âmbito do contencioso admi­nistrativo, é que a LPTA, no seu artigo 14.°, prevê generalizadamente a possibilidade de intervenção de técnicos.

Esta norma, assim, constitui uma prova evidente da existência de uma intenção legislativa de assegurar a apreciação jurisdicional de matérias de carácter predominantemente técnico.

Por outro lado, a restrição da sindicabilidade dos actos administra­tivos em que haja aplicação de critérios técnicos aos casos de erro manifesto implica uma subversão prática do princípio legalidade, constitucionalmente imposto à Administração (n.º 2 do artigo 266.°da Constituição) que passaria a traduzir-se, na prática, no dever de não praticar ilegalidades manifestas e correlativo direito de praticar ilegalidades não manifestas, consequência esta que não é compatível com tal norma constitucional.

Como defendia, já em 1980, ESTEVES DE OLIVEIRA, em Direito Administrativo, volume I, página 249:

"O facto de o tribunal administrativo não ser perito em matérias técnicas, de ter mais dificuldades do que a Administração na busca do conteúdo de um conceito técnico, de muitas vezes não ter a certeza se o juízo científico do perito por si consultado é ou não mais correcto que o juízo de perícia do órgão administrativo, são, tudo, circunstâncias que se ligam à dificuldade da prova judicial e que nada têm que ver com a liberdade da Administração ".

"O que nós sustentamos é que o particular há-de ser admitido - salvo os casos que adiante se referirão – a fazer em tribunal a prova de que o conceito técnico foi mal aplicado pelo órgão administrativo: se, dessa prova resultar, inequivocamente, que a Administração errou ao interpretar o conceito técnico, ou ao subsumir nele os factos da vida real, então o tribunal não pode recolher-se na sua pretensa incapacidade para recusar a anulação do acto administrativo, e isto porque não existe aí qualquer discricionariedade, como a própria jurisprudência o reconhece".

Em sentido essencialmente coincidente se pronuncia ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, em A discricionariedade administrativa, páginas 308-309:

"Fazendo parte da categoria mais ampla de «discricionariedade imprópria», a doutrina, e a jurisprudência de alguns países, entre os quais de Portugal mas também de Espanha e da Itália, continua a falar em «discricionariedade técnica» para referir aquele tipo de decisões administrativas que contém um elevado grau de conhecimentos técnicos e que, por isso, só quem as toma seria juiz delas.

Os juízes administrativos, por terem outra preparação e função, devem «respeitar» este tipo de decisões não as controlando ou, melhor, controlando apenas os «erros manifestos» de que elas eventualmente padeçam. Da impossibilidade técnica e falta de preparação dos juízes resultaria para a Administração uma «liberdade limitada» de manobra, isto é, toda a decisão altamente técnica da Administração seria livre desde que não fosse viciada de «erro manifesto».

Claro que esta doutrina não tem fundamento cientifico em muitos aspectos. Por um lado, não se pode definir com clareza o que são «decisões altamente técnicas». Onde começa e acaba o carácter «altamente técnico» de uma decisão nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios, por se tratar de uma resposta que contém necessariamente um alto grau de subjectividade daquele que se pronuncia Por outro lado, se o juiz não conhece todos os ramos da ciência para poder controlar decisões «altamente técnicas» - como não tem o dever de conhecer - ele sempre poderá ouvir peritos, como, aliás, está previsto na lei, não só para o direito civil como também para o direito administrativo. Trata-se de um direito e dever que aquele que julga tem, se de esclarecer sobre os factos sobre que decide. O juiz não sabe se uma determinada substância é tóxica ou não, mas pode ouvir químicos ou médicos que o esclareçam a esse respeito. Da dificuldade inegável de controlo destas decisões administrativas não deve retirar-se - só explicável por razões de comodidade do juiz, mas pondo em causa a certeza e a segurança do direito - uma liberdade para a Administração decidir conforme quiser. A discricionariedade técnica perde, assim, o seu fundamento pois, no Estado de Direito, a liberdade da Administração só pode resultar da vontade do Legislador expressa na lei e não da «dificuldade de controlo jurisdicional. Em terceiro lugar, ao limitar-se o controlo jurisdicional ao controlo do «erro manifesto» está-se a tolerar o «erro não manifesto». O que é o erro manifesto e onde acaba e começa o carácter «manifesto» de um erro nunca foi nem pode ser respondido em termos satisfatórios. Tanto é erro o «erro manifesto» como o «erro não manifesto». Ambos são ilegais e têm de ser controlados pelos tribunais administrativos. Aquilo que o Legislador não concedeu, isto é, a tolerância do «erro manifesto», não pode ser concedido pelos tribunais. A todas estas imperfeições de ordem científica da «doutrina da discricionariedade técnica» vêm juntar-se a incerteza e insegurança jurídicas que ela traz consigo, com amplos reflexos no enfraquecimento do direito de defesa dos particulares garantidos constitucionalmente".

Assim, tem-se por seguro que os Tribunais não podem recusar ao interessado a possibilidade de obter um controle efectivo da aplicação de critérios técnicos pela administração. ( [5] )

 

Este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo foi confirmado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 269/2000, de 03-05-2000, proferido no processo n.º 598/99, publicado no DR, 2.ª série, de 15-7-2000, em que se escreve, pela pena de um dos seus mais brilhantes administrativistas:

Garantido o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, é com a abrangência deste conceito, tendo como parâmetro o bloco de legalidade a que a Administração deve observância por força do princípio constitucional da legalidade e o limite a que ela está sujeita na prossecução do interesse público (artigo 266.º da CRP) – o respeito pelos direitos dos cidadãos – que os tribunais administrativos vão "ampliando" os seus poderes de cognição.

A Constituição, as leis e os regulamentos, os contratos firmados, os actos administrativos consolidados, tudo são parâmetros de aferição da legalidade dos actos da Administração.

A vinculação da Administração é revelada em domínios onde tradicionalmente apenas se reconhecia a discricionariedade administrativa, cuja sindicabilidade se limitava, a coberto do artigo 19.º da LOSTA, à verificação do vício de desvio de poder.

É em particular nesta área que, por imperativo constitucional, a fiscalização contenciosa dos actos administrativos se aprofunda.

Não basta que a Administração, no uso de poderes discricionários, prossiga o interesse público que justifica a atribuição desses poderes; para além de existirem, sempre, áreas de vinculação quando a Administração age no exercício de tais poderes (v.g. quanto aos pressupostos de facto em que assenta) é a própria estatuição do acto que se confronta com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (artigo 266.º n.º 2 da CRP) a que a Administração se encontra igualmente vinculada.

Mas se é assim no domínio da discricionariedade volitiva, também o é – se não por maioria de razão – no domínio da chamada "discricionariedade técnica" (usando esta expressão à margem de qualquer juízo sobre a propriedade da terminologia), onde, diversamente do que acontece no primeiro caso, não há, na definição da situação jurídica concreta em apreço, um leque de opções legalmente indiferentes.

Retornando ao tratamento constitucional da matéria, assinala-se, por fim, que a última revisão coloca um marco importante na apontada linha evolutiva, com o claro sentido de assegurar plenamente os direitos e garantias dos administrados.

O princípio fundamental, plasmado pela primeira vez na Constituição enquanto reportado aos direitos e garantias dos cidadãos face à Administração, é o da "tutela jurisdicional efectiva" dos direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º n.º 4).

Consagrado este princípio, em termos genéricos, no artigo 20.º n.º 1 da CRP, não se dispensou o legislador constituinte de o repetir quando garantiu a defesa dos direitos ou interesses do cidadão, enquanto administrado.

Não cuidou, porém, de fixar os meios de que os cidadãos dispõem para fazer valer em juízo os seus direitos ou interesses – esta é tarefa da competência do legislador infra-constitucional que há-de criar os instrumentos necessários e suficientes para os cidadãos defenderem esses direitos ou interesses em termos tais que nenhum deles quede sem defesa jurisdicional adequada.

 Limitou-se a Constituição a apontar, a título exemplificativo (mas desde logo vinculativos), alguns desses meios.

E é, entre eles, como mais uma indicação da sua perda de importância relativa no âmbito da justiça administrativa, que surge o recurso contencioso ("impugnação") "de quaisquer actos administrativos".

Mantendo-se expressamente essa garantia – já não agora em preceito autónomo – deixa, contudo, de se apontar o "fundamento em ilegalidade" que, como vimos, desde a revisão de 71 da Constituição de 33 e com as sucessivas revisões da Constituição de 76, permanecia no nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Sem embargo de se admitir que esta eliminação possa abrir caminho a teses que, mesmo não indo ao ponto de sustentar que a ilegalidade deixou de ser fundamento exclusivo de impugnação de actos administrativos, a justifiquem pelo propósito de evidenciar a razão de ser e fim último da garantia – a defesa contra a ofensa ou lesão de direitos ou interesses dos administrados – afigura-se que a ilegalidade, tal como vinha sendo entendida, não deixou de ser o fundamento único do recurso contencioso.

Neste contexto jurídico-constitucional se inscrevem alguns acórdãos deste Tribunal que julgam inconstitucionais, por violação da garantia do recurso contencioso, normas que restringem os fundamentos do recurso.

Foi assim no caso do Acórdão n.º 429/89 (in ATC 13.º vol. II, págs. 1237 e segs.) que julgou inconstitucional a norma do § 4.º do artigo 97.º do DL nº 42641, de 12/11/59, que restringe ao quantitativo da multa a possibilidade de impugnação contenciosa de decisão sancionatória do Ministério das Finanças em processo instaurado por infracção aos diplomas reguladores do comércio bancário e cambial, e onde se escreveu:

 

"É óbvio que, constitucionalmente, o recurso não pode deixar de abranger todos os aspectos juridicamente relevantes para apreciar da ilegalidade do acto administrativo em causa (...)"

 

 É também o caso do Acórdão n.º 233/94 (in ATC volume 27.º, pág. 595) que julgou inconstitucional, por violação do mesmo direito fundamental, a norma do artigo 114.º § 2 do Código da Contribuição Industrial que fora interpretada na decisão recorrida como excluindo a sindicabilidade do acto administrativo com determinados fundamentos e onde se escreveu:

"(...) aos tribunais compete não somente a verificação dos pressupostos de aplicação da norma, mas também a correcção da interpretação da norma e a observância do princípio da proporcionalidade nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da norma mas também na correcção da adequação do meio ao resultado, ou seja, do "iter" lógico seguido pela Administração na valoração da situação concreta e da correcção interna dos raciocínios logico-discursivos que presidiram à sua aplicação ao caso."

 

 É ainda o caso do Acórdão n.º 728/98 (in DR II Série, n.º 69, de 23/3/99, pags, 4232 que julgou inconstitucional, por violação do artigo 268.º n.º 4 da CRP, a norma do artigo 88.º do CPCI.

É, por último, o caso do Acórdão n.º 8/99 (inédito) que julgou inconstitucional, ainda com o mesmo fundamento, a norma do artigo 20.º da LOSTA que, nos recursos das decisões proferidas em processos disciplinares em que sejam arguidos agentes administrativos, impede o tribunal de conhecer da gravidade da pena aplicada ou da existência material das faltas, salvo em determinados condicionalismos expressos na mesma norma.

Trata-se, afinal, de uma linha jurisprudencial que radica no entendimento de que "o artigo 269.º n.º 2 [redacção da altura] da Constituição pode e deve ser interpretado como estabelecendo uma garantia completa de recurso, quer dizer, uma garantia que assegura aos particulares a possibilidade de impugnarem judicialmente todos os actos singulares e concretos da Administração Pública que produzam efeitos externos e sejam susceptíveis, portanto, de lesar os seus direitos. Assim, quaisquer normas legais que excluam esta possibilidade de impugnação relativamente a certos actos ou a certas categorias de actos administrativos ou que restrinjam os possíveis fundamentos de tal impugnação apenas a alguns dos vícios susceptíveis de gerar a antijuridicidade desses actos, têm de ser havidas como inconstitucionais (...)" (J.M. Cardoso da Costa, "A tutela dos direitos fundamentais in "Documentação e Direito Comparado" n.º 5, pág. 209).

 

 De qualquer modo, mesmo que se entendesse ainda hoje, em dissonância com a Constituição, que as questões de carácter técnico só pudessem ser apreciadas pelos Tribunais nos casos de erro manifesto, teria de se concluir pela ilegalidade do acto impugnado.

Na verdade, sendo hoje seguro, em face do próprio juízo legislativo plasmado no artigo 23.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro (diploma especificamente vocacionado para regular matérias atinentes às energias renováveis e, decerto, precedido de estudos adequados sobre a matéria regulada) que, em situações de normalidade, é adequado o período de vida útil esperado de 12,5 anos para aerogeradores do tipo dos da Requerente, é manifesto que o período de 20 anos (60% superior àquele) não podia ser considerado adequado já em 2011, 2012 e 2013 relativamente a aerogeradores sujeitos a utilização especialmente intensa, como se demonstrou suceder no caso em apreço.

 Isto é, a determinação daquele período de 20 anos subjacente ao acto impugnado relativamente aos específicos aerogeradores em causa enferma de erro manifesto, que, mesmo à face do ultrapassado conceito de «discricionariedade técnica», seria sindicável pelos Tribunais.

 

3.3. Ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa

 

Sendo ilegais os actos de liquidação, é também ilegal o indeferimento tácito da reclamação graciosa em que foi questionada a sua legalidade.

 

3.4. Ilegalidade das liquidações de juros compensatórios

 

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IRC, com o qual são conjuntamente liquidadas (artigo 35.º, n.º 8, da LGT).

Assim, a ilegalidade das liquidações de IRC implica a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios, que enfermam dos mesmos vícios.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

Provou-se que a Requerente prestou garantias bancárias para suspender execuções fiscais instauradas para cobrança das quantias liquidadas.

A Requerente formula pedido de indemnização por prestação dessas garantias.

O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pelas garantias prestadas.

            Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis neste sentido nos termos do artigo 2.º, alínea d), da LGT].

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegais as liquidações de IRC n.ºs 2015…, 2015… e 2015…, bem como as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2015…, 2015… e 2015… e ao indeferimento tácito da reclamação graciosa;

b)      Anular as liquidações referidas.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 1.080.771,20.

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 14.994,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-01-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Eduardo Paz Ferreira)

 

 (Ana Maria Rodrigues)

 



[1]              BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

[2]              Disponível em

http://www.portugal.gov.pt/media/1541780/Anteprojecto%20Reforma%20Fiscalidade%20Verde%20Final.pdf

[3]              Diferente da chamada «discricionariedade técnica» é a «justiça administrativa» em que não está em causa a aplicação de critérios técnicos, mas uma margem de livre apreciação ínsita nos poderes conferidos à Administração em certas matérias, como é o caso, por exemplo, da graduação de penas disciplinares ou graduação de candidatos e a um concurso com base em apreciações de natureza qualitativa.

[4]              Disponível em https://dre.pt/application/file/3997343.

[5] Essencialmente no mesmo sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 29-11-2000, processo 25580, em que se sumariou: «O direito ao recurso contencioso de quaisquer actos administrativos lesivos, assegurado no n.º 4 do art. 268.º da Constituição, só pode ser restringido relativamente a actos que, por sua natureza, não permitam controlo jurisdicional, designadamente aqueles em que esteja em causa a gestão de interesses públicos conflituantes que caiba à administração ponderar, o que não é o caso dos actos do Governo em matéria de reconhecimento das isenções referidas, que tem pressupostos integralmente fixados na lei».