Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
1 A…, SA NIPC[1]…, com sede na Rua …– …-… …, área do … Serviço de Finanças de ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IMT[4], identificados na petição, respeitantes à aquisição de diversas frações do artigo … da extinta freguesia de…, atual artigo … da freguesia de … e …, área do Serviço de Finanças do concelho de … conforme escrituras celebradas a 23/03/07 perante a Notária B…, com cartório na … nº…– … andar, sala … da cidade do Porto, aquisições que, ao tempo, gozaram da isenção de IMT, ao abrigo do nº 1 e 3 do artigo 7º do CIMT[5], tendo as isenções concedidas caducado nos termos do nº 5 do artigo 11º do mesmo Código e originado as liquidações de IMT agora postas em crise.
2 Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[6] e automaticamente notificado à AT em 21/07/2016.
3 Nos termos e para efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicado às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 29/09/2016, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.
4 O tribunal foi constituído em 24/10/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 Com o seu pedido, visa a requerente, a apreciação da questão da prescrição da dívida decorrente das liquidações operadas e ainda a anulabilidade das mesmas, em virtude de preterição do direito de audição prévia da requerente antes da realização das liquidações.
6 Suporta o seu ponto de vista, em síntese, que os factos tributários, subjacentes às liquidações, se situam na data da celebração das escrituras de compra e venda dos imóveis (23/03/07) e quando foi notificada em Maio de 2016, já o imposto tinha prescrito, uma vez que o prazo de 8 anos previsto no artigo 48º da LGT[7] já estava ultrapassado.
7 Refere que a jurisprudência atual considera que o prazo de prescrição tem o seu início na data da celebração da escritura de aquisição e não da data do incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos, uma vez que, enquanto nas obrigações civis o prazo da prescrição não corre enquanto o direito não puder ser exercido, já nas obrigações tributárias decorrentes de impostos, a prescrição começa a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, isto para os impostos periódicos, ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, como é o caso em apreço.
8 Quanto à preterição da formalidade de audição prévia da requerente, considera estar-se perante um vício de procedimento cuja omissão conduz à anulabilidade das liquidações.
9 Termos em que se deverá declarar procedente o pedido de pronúncia, declarando-se a prescrição da dívida que resultou das liquidações de IMT, que os atos tributários padecem de vício de violação de lei por preterição de formalidade essenciais e a consequente anulação das liquidações com todos os efeitos inerentes.
10 Por sua vez a AT, também síntese, alega, em primeira linha, a incompetência material do tribunal, sustentando o seu ponto de vista, no facto da prescrição não ser fundamento de impugnação judicial, ocorrer após uma ato tributário supostamente válido, respeitando ao não exercício posterior do direito de cobrança que se extingue em caso de não uso pelo seu titular, sendo reconhecido pelo Chefe de Finanças ou oficiosamente pelo tribunal tributário.
11 Considera que a competência dos tribunais arbitrais não é tão abrangente quanto a dos tribunais tributários, nem compreende a totalidade das pretensões dedutíveis pelos contribuintes juntos dos tribunais tributários, estando, nesse caso a prescrição que fica na reserva destes tribunais.
12 Quanto à preterição do direito de audição prévia, entende a AT que no caso em apreço não há lugar a tal procedimento de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 60º da LGT, pelo que improcede o incumprimento do dever do direito de audição suscitado pela requerente.
13 Relativamente à prescrição, o que está aqui em causa é saber se o prazo de prescrição deve ser contado desde a data em que ocorreu o facto tributário, ou desde a data em que ocorreu a caducidade da isenção e reconhece que existe jurisprudência divergente do STA[8], seguindo, no entanto, a doutrina vazada no Acórdão proferido no Processo 0174/2011 de 8 de Junho, concluindo que deverá ser julgada procedente a exceção invocada pela AT ou, caso assim não se entenda, deverá o pedido de pronúncia ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se a requerida do pedido com as inerentes consequências legais.
II - SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Na sua resposta a AT invocou a incompetência material do tribunal, que marcou, por despacho de 30/11/2016 a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, que por indisponibilidade do CAAD, foi remarcada para 05/01/2017, pelas 10,30 horas.
Na referida reunião a requerente pronunciou-se pela improcedência da exceção invocada pela AT, mantendo esta, o seu ponto de vista quanto à mesma.
As partes prescindiram de produzir alegações orais ou escritas, tendo o tribunal considerado reunidas as condições para proferir decisão.
Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:
a) Apreciar a exceção de incompetência material do tribunal suscitada pela AT.
b) Em caso de improcedência da mesma, declarar se a dívida que resultou dos atos de liquidação de IMT, está ou não prescrita.
c) Se os atos tributários impugnados sofrem ou não de vício de violação de lei por preterição de formalidade essencial.
2- Matéria de Facto
a) A requerente adquiriu por escrituras públicas de 23/03/2017 as frações constantes do pedido de pronúncia e que originaram os atos de liquidação de IMT aqui postos em crise.
b) As referidas aquisições beneficiaram de isenção de IMT, reconhecida pelo notário ao abrigo do artigo 7º do CIMT.
c) A AT, por notificações datadas de 04 de Maio de 2016 (duas) e de 05 de Maio de 2016 (quatro), comunicou à requerente os atos tributários de liquidação de IMT que originaram a dívida aqui posto em crise.
d) As referidas notificações foram feitas através de carta regista com AR[9] e foram entregues à requerente em 06/05/2016 (uma) e em 09/05/2016 (cinco).
e) Os factos descritos estão provados por documentos juntos aos autos e consideramos serem os relevantes para a apreciação do mérito da causa.
3 – Matéria de Direito
3.1 – Da incompetência material do tribunal, exceção suscita pela AT
A infração das regras de competência, em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que em primeira linha procederemos à sua apreciação.
Sustenta a requerida que a prescrição é uma causa de inexigibilidade e não de invalidade da dívida, não sendo fundamento de impugnação judicial, mas de oposição à execução, onde será oficiosamente conhecida pelo tribunal quando o chefe de finanças não o tenha feito. Considera que a prescrição ocorre após o ato tributário supostamente válido e respeita ao não exercício posterior do direito à cobrança da dívida, direito que se extinguirá pelo não uso do seu titular. Tendo em conta que a competência dos tribunais arbitrais não é tão abrangente quanto a dos tribunais tributários, nem compreende todas as pretensões que os contribuintes neles podem deduzir. As questões relacionadas com o processo de execução fiscal, como por exemplo a prescrição que é causa de oposição estão afastadas da competência dos tribunais arbitrais.
Na reunião do artigo 18º do RJAT, a requerente convidada a pronunciar-se sobre a exceção invocada, declarou que a mesma não se verifica e que o pedido deverá ser declarado improcedente.
Vistas as posições das partes sobre a matéria, o tribunal, tendo em conta as disposições contidas na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT e o artigo 2º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, entende que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação de pretensão atinente à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, no caso em apreço o IMT, cuja administração pertence à requerida.
Verifica-se que, no seu pedido, a requerente invoca a ilegalidade da dívida, ainda que a fundamente com prescrição, não constituindo esta o objeto do pedido, mas antes a ilegalidade das liquidações sendo, os vícios apontados, parte integral das mesmas, considerando-se, nesta perspetiva, o tribunal materialmente competente, nos termos legais, já referidos, improcedendo, deste modo, a exceção suscitada.
3.2 – Da prescrição da dívida
Do ponto de vista da requerente, contrariamente ao que sucede nas obrigações civis, nas quais o prazo de prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido, conforme nº 1 do artigo 306º do CC[10], nas obrigações tributárias a prescrição começa a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu nos impostos de obrigação única como é o caso do IMT.
A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de caducidade e prescrição, estão sujeitos ao princípio da legalidade, al. a) do nº 2 do artigo 8º da LGT e as leis tributárias fixaram que a contagem do início do prazo de prescrição se inicia na data da ocorrência do facto tributário, salvo se lei especial dispuser diferente, o que no caso em apreço não acontece.
Ora as aquisições das frações, em 23/03/2007, beneficiaram da isenção de pagamento de IMT nos termos do artigo 7º do CIMT, data em que ocorreu o facto tributário e é a partir dessa data que se inicia a contagem do prazo de prescrição, independentemente data em que ocorra a caducidade da isenção. Não prevendo a lei suspensão do prazo de prescrição, contrariamente ao que sucede com o prazo de caducidade, al. c do nº2 do artigo 46º da LGT, a prescrição da dívida aqui posta em crise ocorreu em 23/03/2015, enumerando diversos Acórdãos do STA que vão no sentido pretendido, ou seja a declaração da prescrição.
Na sua resposta a AT considera que a questão é saber se o prazo de prescrição se deverá começar a contar a partir da ocorrência do facto tributário ou a partir da data em que ocorreu a caducidade da isenção de IMT reconhecida nas respetivas escrituras de aquisição (22/03/2007), refere as divergências de jurisprudência do STA e acolhe a doutrina consignada no Acórdão do STA de 08/06/2011 - Pº 0174/2011, no qual se decidiu que o prazo de prescrição só poderá começar a correr quando o direito puder ser exercido, conforme artigo 306º do CC. Resulta do nº 1 do artigo 36º da LGT que a formação do ato tributário é simultânea da constituição da obrigação tributária e que no caso de benefícios fiscais sujeitos a condição resolutiva, a obrigação tributária apenas se constitui no termo do prazo do cumprimento dessa mesma condição, no caso concreto só após a verificação das condições referidas no nº 5 do artigo 11º do CIMT, concluindo a conformidade legal dos atos de liquidação de IMT a qui postos em crise, que deverão ser mantidos na ordem jurídica, declarando-se improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral.
Enumeradas sumariamente as posições das partes cumpre ao tribunal decidir se o prazo de prescrição começa a decorrer a partir do facto tributário que corresponde à data das escrituras de aquisição onerosa dos imóveis ou a partir da data da ocorrência da caducidade da isenção do IMT de que gozaram as aquisições. No direito civil o instituto da prescrição visa penalizar a inércia do credor em obter o cumprimento da obrigação por parte do devedor e o prazo só começa a correr a partir do momento em que o direito possa ser exercido, nº 1 do artigo 306º do CC. Mas estamos em presença de uma relação jurídico-tributária em que há indisponibilidade do crédito, fundando-se aqui o instituto da prescrição, essencialmente em puras considerações de certeza e segurança jurídica, com refere o STA no seu acórdão 0287/15 – 2ª secção de 27/01/2016 que acompanhamos de perto e, estando o instituto da prescrição, regulado no artigo 48º da LGT, a aplicação da lei civil, nesta matéria, está afastada.
Ora o citado artigo 48º da LGT, no seu nº 1, estabelece: “As dívidas tributárias prescrevem, salvo disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu…”
Sendo, o IMT, um imposto de prestação única, o prazo de caducidade começou a decorrer na data da celebração das escrituras de aquisição onerosa dos imóveis, altura em que ocorreu o facto tributário, ou seja, a partir de 23/03/2007, verificando- se a prescrição em 23/03/2015, dado não ter ocorrido nenhuma das situações previstas no artigo 49º da LGT que conduzissem à suspensão ou interrupção do seu prazo.
Nesta perspetiva e tendo os atos de liquidação do IMT em causa sido notificados ao requerente em Maio de 2016 sofrem os mesmos de ilegalidade, uma vez que a sua notificação, ocorreu para além do prazo de 8 anos previsto no artigo 48º, nº 1 da LGT, altura em que o direito do credor tributário de exigir o pagamento da dívida já estava extinto por prescrição.
3.3 – Preterição de formalidade essencial
Alegou também a requerente a falta de audição prévia na formação da decisão a que a AT estava obrigada por força do artigo 60º da LGT, porém, tendo em conta a posição tomada no item anterior, o tribunal considera desnecessária a apreciação desta matéria.
IV DECISÃO
Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:
a) Declarar improcedente a exceção de incompetência material do tribunal, suscitada pela AT.
b) Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral e a prescrição da dívida que resultou das liquidações de IMT aqui postas em crise, que deverão ser anuladas com todas as consequências legais.
c) Fixar o valor do processo € 21 565,77 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[11], artigo 97º-A do CPPT[12], e artigo 3º, nº2, do RCPAT[13].
d) Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 1 224,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerida AT.
Notifique
Lisboa, 27 de Janeiro de 2017
Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º,nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
O árbitro
Arlindo José Francisco
[1] Acrónimo de Número de identificação fiscal de Pessoa Coletiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[4] Acrónimo de Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis
[5] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões onerosas de Imóveis
[6] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[7] Acrónimo de Lei Geral Tributária
[8] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo
[9] Acrónimo de Aviso de Receção
[10] Acrónimo de Código Civil
[11] Acrónimo de Código de Processo Civil
[12] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário
[13] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária