Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 358/2016-T
Data da decisão: 2017-01-16  Selo  
Valor do pedido: € 15.582,50
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Incompetência do tribunal arbitral
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, S.A., contribuinte n.º…, com sede na Avenida…, n.º…, …, Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 30/06/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação das «liquidações de Imposto do Selo» do ano de 2015.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 31/08/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 16/09/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 16/09/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.Em 19/10/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual invocou, nomeadamente, a excepção de incompetência do tribunal arbitral, a inimpugnabilidade dos actos e ainda se defendeu por impugnação sustentando, subsidiariamente, a legalidade dos actos praticados.

 

1.6.O tribunal, perante as excepções dilatórias invocadas, em 22/11/2016 convidou a Requerente a pronunciar-se quanto às mesmas.

 

1.7.A Requerente em 13/12/2016 veio aos autos defender que: «Em Abril de 2015 a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 1.ª prestação do imposto do selo de 2015, o que não deixa de consubstanciar um acto tributário» e «Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de actos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos».

 

 

1.8.O tribunal em 20/12/2016 entendeu que: a inquirição das testemunhas arroladas redundaria em acto inútil, as excepções dilatórias podiam ser conhecidas com a decisão arbitral e dispensou a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, bem como determinou que as partes, querendo, apresentassem alegações finais escritas e agendou o dia 16/01/2017 para a prolação da decisão final.

 

1.9.As partes não apresentaram alegações finais escritas.

 

 

 

2.      POSIÇÃO DAS PARTES

 

A Requerente sustenta, em resumo, que as liquidações de «…€ 825,88 referente ao primeiro andar (n.º 2016…); € 825,88 referente ao segundo andar (n.º 2016…); € 850,64 referente ao terceiro andar (n.º 2016…); € 850,64 referente ao quarto andar (n.º 2016…); € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2016…); € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2016…) e € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2016…)» são ilegais, porquanto o factor determinante para a incidência é a utilização normal do prédio e não tendo feito o legislador qualquer distinção entre prédios em propriedade vertical e prédios sujeitos ao regime da propriedade horizontal, no caso concreto, só pode revelar a verdade material subjacente ao prédio e à respectiva utilização. Isto é, a «…sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões».

Razão pela qual, termina solicitando a anulação dos «…actos tributários».

Por seu turno, a Requerida defende que a Requerente não impugna actos tributários, mas o pagamento de uma prestação (1.ª) destes, constantes em documentos que são as notas de cobrança, matéria que não se encontra prevista na norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários – art. 2.º do RJAT – sendo o tribunal incompetente para a apreciação do pedido.

Sustenta ainda que a Requerente impugna documentos de cobrança que são inimpugnáveis de per si e, como tal, a excepção dilatória deve igualmente ser declarada.

Subsidiariamente pugna pela improcedência total do pedido, visto que a Requerente pretende que exista analogia entre o regime da propriedade vertical e o da propriedade horizontal, quando não existe qualquer lacuna. Por isso, defende que, não se pode aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), que as partes susceptíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das fracções autónomas do regime da propriedade horizontal. Na verdade, na sua opinião, encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes susceptíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a tal materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do art. 12.º, n.º 3 do CIMI.

Em suma, no seu juízo, o facto determinante para a aplicação da verba 28.1 da TGIS é o VPT total do prédio e não o de cada uma das unidades (andares ou divisões).

Deste modo o tribunal deve conhecer:

a)      Se as excepções dilatórias invocadas devem proceder;

b)      Se as liquidações são ilegais por padecerem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

3.1. Factos que se consideram provados

3.1.1. A Requerente em 31 de Dezembro de 2015 era titular do direito de propriedade do edifício a que corresponde a inscrição matricial n.º…, urbano, freguesia de…, concelho de Lisboa, inscrito, nomeadamente, com sete andares susceptíveis de utilização independente, da seguinte forma:

a) 1.º andar com um VPT de € 247 760,00;

b) 2.º andar com um VPT de € 247 760,00;

c) 3.º andar com um VPT de € 255 190,00;

d) 4.º andar com um VPT de € 255 190,00;

e) 5.º andar com um VPT de € 257 670,00;

f) 6.º andar com um VPT de € 257 670,00;

g) 7.º andar com um VPT de € 37 010,00.

3.1.2. As liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015 foram as seguintes:

a) 1.º andar – € 2 477,60;

b) 2.º andar – € 2 477,60;

c) 3.º andar – € 2 551,90;

d) 4.º andar – € 2 551,90;

e) 5.º andar – € 2 576,70;

f) 6.º andar – € 2 576,70;

g) 7.º andar – € 370,10.

3.1.3. A soma do montante das liquidações identificadas em 3.1.2 é de € 15 582,50.

3.1.4. A Requerente solicitou a anulação das seguintes liquidações «…€ 825,88 referente ao primeiro andar (n.º 2016…); € 825,88 referente ao segundo andar (n.º 2016…); € 850,64 referente ao terceiro andar (n.º 2016…); € 850,64 referente ao quarto andar (n.º 2016…); € 858,90 referente ao quinto andar (n.º 2016…); € 858,90 referente ao sexto andar (n.º 2016…) e € 185,05 referente ao sétimo andar (n.º 2016…)».

 

3.2. Factos que não se consideram provados

Não existem factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

3.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos aos autos e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

4. QUESTÃO PRÉVIA

A Requerida, na sua resposta, defende-se invocando a excepção de incompetência do tribunal arbitral e a inimpugnabilidade dos actos, visto que, no seu juízo, constituem as primeiras prestações respeitantes a um valor unitário de imposto.

Sucede que, o tribunal deve oficiosamente conhecer as excepções dilatórias previstas no art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos artigos 577.º, al. a) e 578.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do art. 29.º, n.º 1, al. a) e e) do RJAT.

Assim, constitui um imperativo conhecer, desde logo, a competência do tribunal para apreciar a pretensão da Requerente.

A este respeito e em anotação ao art. 16.º do CPPT sustenta a doutrina que: «As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso e o seu conhecimento precede o de qualquer outra questão (…). Assim, as incompetências em razão da matéria e em razão da hierarquia, em processos judiciais, devem ser conhecidas oficiosamente, precedendo o conhecimento de quaisquer outras questões e podem ser arguidas pelos interessados…»[1].

Consequentemente, é necessário mobilizar o enquadramento normativo pertinente, isto é, o RJAT. Mais concretamente, o art. 2.º, n.º 1 do RJAT dispõe que: «A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;».

Mais, o art. 97.º, n.º 1 do CPPT estatui que: «O processo judicial tributário compreende: a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;».

A primeira conclusão a retirar consiste no facto da pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poder ser objecto de impugnação judicial ou, em alternativa, de pedido de pronúncia arbitral.

Contudo, será que podem ser objecto do pedido de pronúncia arbitral as notas de cobrança da 1.ª prestação relativas às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015?

Para responder a tal questão, importa, desde logo, recortar o conceito de liquidação para aferir a competência do tribunal.

 Em concretização de tal conceito ensinava VÍTOR FAVEIRO[2]: «…trata-se de um acto administrativo, de aplicação de norma de incidência e da respectiva taxa de quotidade, à matéria colectável prévia ou supostamente determinada; da expressão aritmética do valor pecuniário da obrigação tributária correspondente, e sua imputação à pessoa do contribuinte; e da declaração, substantiva e formal, de tal operação e sua notificação ao contribuinte, com efeitos definitivos e executórios de efectiva obrigação do contribuinte e direito subjectivo de crédito do Estado». Nesta linha, acrescenta BRAZ TEIXEIRA: «É necessário não confundir as prestações periódicas, que, embora realizando-se por actos sucessivos, em momentos diversos, têm origem numa mesma obrigação e constituem as várias parcelas de uma mesma prestação que se cindiu, com as prestações que devem efectuar-se periodicamente, não devido a uma divisão da prestação global, mas sim ao nascimento, também periódico, de novas obrigações, pela permanência dos pressupostos de facto da tributação».[3]

Ora, tais definições partilham de um denominador comum, isto é, que existirá uma única liquidação por cada facto tributário, através da qual se apurará o valor da colecta. Consequentemente, se assim o é, cada liquidação pode ser objecto de uma única impugnação.

No âmbito do Código do Imposto do Selo (CIS) é possível vislumbrar o que supra se afirmou no art. 23.º, n.º 7 ao estatuir-se que: «Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI». O art. 113.º, n.º 1 do CIMI dispõe que: «O imposto é liquidado anualmente…» e o n.º 2 acrescenta que: «A liquidação referida no número anterior é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte».

Deste modo, o facto de a liquidação poder ser paga em prestações, não significa que, por via de regra, tenham sido praticadas várias liquidações. Em bom rigor, a liquidação é una e, se assim o é, apenas pode alicerçar um único pedido de impugnação[4].

Revertendo tal interpretação para o caso sub judice importa, desde logo, apurar qual foi o objecto de impugnação. Em tal âmbito, a Requerente esclareceu na resposta ao convite do tribunal para se pronunciar quanto às excepções invocadas que: «Em Abril de 2015 a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 1.ª prestação do imposto do selo de 2015, o que não deixa de consubstanciar um acto tributário » e «Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1ª, 2ª e 3ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de actos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos; …», pelo que, tal vontade permite sustentar que pretende a anulação das primeiras prestações das notas de cobrança.

Ora, resulta claro que a Requerente subsume a 1.ª prestação de imposto a uma liquidação.

Mas, sempre se podia colocar a questão do convite à correcção do pedido de pronúncia pela Requerente. Cremos que tal não sucede, porquanto, se é possível ao tribunal aceitar a correcção relativamente ao valor do processo, o mesmo não pode acontecer em relação aos próprios actos objecto do pedido e esses, no caso sub judice, referem-se às primeiras prestações de Imposto do Selo do ano de 2015. Nesta linha, afirma a jurisprudência no âmbito da decisão arbitral proferida no processo n.º 741/2014-T e em que assumiu as funções de árbitro-presidente o conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: «…as correcções das peças processuais a que alude a alínea c) do n.º 1 do art. 18.º têm de ser entendidas como respeitando à sua falta de adequação para apreciação da legalidade do acto que é objecto do pedido de pronúncia arbitral e não de qualquer outro, não se estendendo essa possibilidade à substituição do acto que é objecto do pedido. Decerto que serão abrangidos pela possibilidade de correcção de deficiências na identificação do acto que o Sujeito Passivo impugnou, como erro na indicação do seu número ou sua data ou valor da liquidação, pois serão casos em que a correcção não envolve substituição do acto que é objecto do processo, apenas visando tornar clara a expressão da vontade de o Sujeito Passivo o impugnar. Mas, diferente de correcções desse tipo serão os casos em que está perfeitamente identificado o acto que foi objecto do pedido de pronúncia arbitral e não houve qualquer erro na expressão da vontade do Sujeito Passivo».

 Razão pela qual, se a vontade da Requerente consistiu na impugnação da 1.ª prestação das liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015, como resulta das peças processuais, tornou-se inviável qualquer alteração.

Consequentemente, os actos subjacentes ao pedido de pronúncia arbitral não constituem «actos de liquidação de tributos» descritos no art. 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT, pelo que, o tribunal é materialmente incompetente, excepção dilatória que se declara, nos termos do previsto no art. 16.º, n.º 1 do CPPT, o que determina a absolvição da instância da Requerida, cfr. art. 99.º, n.º 1 e art. 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por via do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

Assim, o reconhecimento da incompetência deste tribunal inviabiliza a apreciação do mérito da causa.

 

5. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide reconhecer-se a incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, absolver a Requerida da instância, com todas as consequências legais.

 

6. VALOR DO PROCESSO

A Requerente, apesar de ter concretizado as liquidações pela nota de cobrança da 1.ª prestação de Imposto do Selo do ano de 2015 e com fonte na verba 28.1 da TGIS, a verdade é que a utilidade económica do pedido determina-se pelo valor da liquidação, como estabelece o art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT. Consequentemente, se pela soma das liquidações se alcança o valor € 15 582,50, como se apurou, tem de ser esse o montante a considerar para determinação do valor do processo.

Ora, contra tal posição ainda se podia argumentar que esse valor não corresponde àquele que a Requerente delimitou como objecto do processo. Sucede que o tribunal deve atender a todos os elementos constantes nos autos, cfr. art. 308.º do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. Assim, se consta no processo que o montante das liquidações de Imposto do Selo é de € 15 582,50 é esse o valor que o tribunal deve atender para concretizar a utilidade económica do pedido.

Por tal somatório de razões, fixa-se o valor do processo em € 15 582,50, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

7. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pela Requerente, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2017

 

O árbitro,

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 

 

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, Vislis Editores, 2003, pág. 141.

[2] O estatuto do contribuinte. A pessoa do contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra Editora, 2002, pág. 683.

[3] Princípios de Direito Fiscal, volume I, 3.ª edição, Almedina, 1993, pág. 244, nota de rodapé 3.

[4] V. neste sentido a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 346/2015-T, no qual assumiu a função de árbitro a Mestre MARIANA VARGAS e a respeitante ao processo n.º 736/2014-T, na qual assumiu a função de árbitro o Mestre MARCOLINO PISÃO PEDREIRO.