Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 185/2016-T
Data da decisão: 2016-12-12  IUC  
Valor do pedido: € 14.132,94
Tema: IUC – Incidência objetiva; Transformação de veículos; Facto gerador
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

1. A empresa A…, Limitada, doravante Requerente, pessoa coletiva n.º…, com sede na…, …-… …, apresentou, em 24 de março de 2016, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 15.º e seguintes, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», e artigos 99.º e seguintes, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

Na referida pronúncia arbitral foi pedido que fosse declarada procedente, por provada, a reclamação e anulada a liquidação adicional de Imposto sobre Veículos (ISV), respeitante a sete veículos oportunamente admitidos, no valor total de € 13 672,50 €. 

2. Nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro singular em 25 de maio de 2016, tendo o mesmo comunicado a aceitação dessa incumbência.

3. Em 25 de maio de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, não tendo as mesmas manifestado a intenção de recusar a designação do árbitro.

Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de junho de 2016.

4. Nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada, enquanto parte requerida, para no prazo de 30 dias apresentar resposta e, caso entendesse, solicitar a produção de prova adicional, devendo no mesmo prazo ser remetida cópia do processo administrativo, tendo juntado resposta em 17 de agosto de 2016, com o respetivo processo administrativo.

Na subsequente tramitação, foi o Instituto da Mobilidade e dos Transportes I.P., (IMT) notificado do despacho arbitral de 19 de setembro de 2016, para efeitos de juntar aos autos os processos de homologação técnica que correram termos naquele instituto para efeitos de atribuição de matrícula aos veículos, a que se sucedeu uma insistência, tendo sido obtida resposta, em 17 de novembro de 2016, através da Delegação Distrital de Viação de… .

Em 28 de novembro de 2016, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, nela tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas, e as Partes produzido alegações orais finais. A data limite fixada para a prolação da decisão arbitral foi fixada em 13 de dezembro de 2016.

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

5. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar, salvo a resultante da matéria de facto dada como provada.  

 

III – DO PEDIDO ARBITRAL E DA RESPETIVA RESPOSTA

6. A Requerente, na petição inicial, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, alegou o seguinte:

a) A identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente torna possível a cumulação de pedidos, em conformidade com o artigo 3.º do RJAT;

b) Através da Delegação Aduaneira da … (DA…), entre 2 de março e 6 de abril de 2015, procedeu à apresentação dos formulários de Declaração Aduaneira de Veículos (DAV) para a admissão de sete veículos, usados, provenientes de França, que discrimina;

c) Em 11 de janeiro de 2016, a referida delegação enviou-lhe notificações para o pagamento, em 10 dias, de determinadas importâncias, a título de tributação adicional de ISV, respeitantes a esse conjunto de sete veículos, apurados em processo de revisão do ato tributário, com o fundamento de que os veículos, aquando da admissão, tinham sido declarados com uma incorreta classificação fiscal;

d) O cálculo destes montantes teve em conta o ISV já pago no âmbito das DAV, considerando a classificação fiscal com que foram declarados, de veículos ligeiros de passageiros, com as reduções inerentes aos anos de uso dos veículos no momento em que foram declarados ou os valores apurados por via da utilização do método de avaliação, previsto no artigo 11.º, n.º 3 do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, consoante os casos, sendo o diferencial - agora liquidado em ISV-, o resultante da classificação fiscal para veículos ligeiros de mercadorias na aceção do artigo 7.º, n.º 2, alínea a) do referido código;

e) Em sede de audiência prévia, solicitou que lhe fosse fornecida a fundamentação factual e jurídica de tal decisão, uma vez que no seu entendimento o ISV se encontrava corretamente liquidado, tendo a delegação aduaneira respondido entender que as mesmas se encontravam devidamente fundamentadas, o que alega constituir um vício de forma insuscetível de ser sanado;

f) Todos os veículos entraram em território nacional acompanhados dos respetivos certificados de conformidade com a classificação de ligeiro de passageiros com 5 lugares, situação confirmada aquando da inspeção dos veículos, bem como aquando da homologação por parte do IMT, tendo sido devidamente registados na Conservatória do Registo Automóvel com 5 lugares, pelo que há uma errada qualificação do facto tributário por parte da Requerida.

Conclui, pedindo que a impugnação (por lapso, referiu reclamação) seja considerada procedente por provada e, em consequência, seja decretada a anulação das liquidações adicionais de ISV, com as consequências legais.

 

7. Por seu turno, a Requerida, em resposta à petição inicial, veio alegar o seguinte:

a) Em primeiro lugar, como questão prévia suscitou a questão do valor da causa, o qual foi indicado como sendo 13 672,50 €, correspondente ao somatório dos ISV adicionais que estão a ser exigidos, mas que em seu parecer deverão ser 14 132, 94 €, integrando o ISV adicional e os respetivos juros compensatórios, sendo este montante a utilidade económica do pedido;

b) Sobre o pedido, e mais concretamente sobre os factos, refere que em todas as DAV a Requerente mencionou nas características dos veículos que os mesmos tinham cinco lugares e se tratavam de veículos da Categoria 01 e Tipo 001, códigos estes que se referem a automóveis ligeiros de passageiros. Foram igualmente apresentados os certificados de conformidade que mencionam que os veículos tinham a lotação de cinco lugares;

c) A integrar os processos foram também apresentados os certificados de matrícula, «Certificat d´Immatriculation», em que na respetiva lotação se refere que são veículos que têm 2 lugares e que se tratam de DERIV/VP (derivado de ligeiro de passageiros);

d) No verso dos Certificados de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula encontra-se um quadro respeitante à identificação dos veículos, que se reporta expressamente aos elementos constantes do «Certificado de matrícula» e que é composto pelos campos que correspondem aos do certificado de matrícula automóvel, tendo sido inscrito no campo J serem veículos ligeiros de passageiros e terem uma lotação de 5 lugares;

e) Foi ainda apresentado o Formulário Modelo 9 do IMT (pedido de Certificado de Matrícula), assinado e autenticado pelo mesmo Centro de Inspeção Técnica de Veículos B…– Inspeções de Veículos Automóveis, SA (B…);

f) Para todos os veículos foi solicitado a aplicação do método de avaliação;

g) «A posteriori» foi detetado que os veículos haviam sido declarados como ligeiros de passageiros de 5 lugares e o ISV tinha sido liquidado em conformidade com essa classificação fiscal, quando os certificados de matrícula franceses referiam que se tratava de veículos ligeiros de passageiros com a lotação de apenas dois lugares;

h) Em matéria de direito, a competência para a realização das inspeções pertence ao IMT que pode recorrer a entidades gestoras de centros de inspeção, o que sucedeu no presente caso, sendo o Certificado de Inspeção Técnica para Matrícula emitido no formulário Modelo 112 do IMT, em cujo verso se encontra um quadro intitulado «Certificado de matrícula» do qual constam campos que são exatamente os que compõem o certificado de matrícula automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178-A/2005, de 28 de outubro, que transpôs a Diretiva n.º 1999/37/CE do Conselho de 29 de abril, com a redação dada pela diretiva n.º 2003/127/CE da Comissão, de 23 de dezembro;

i) Há uma desconformidade entre os dados que foram inscritos pelo inspetor do centro de inspeções e o conteúdo do certificado de matrícula emitido em França, ou seja os dados inscritos pelo inspetor não correspondem aos elementos que efetivamente constavam do certificado de matrícula francês, pelo que impugna o valor probatório do Certificado de Inspeção com fundamento na respetiva falsidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 446.º do Código do Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, arguindo-se a sua falsidade, cuja abertura e tramitação requereu;

j) Como fundamento da falsidade dos documentos NÃO está em causa o facto de os veículos terem ou não uma lotação de 2 ou 5 lugares no momento em que foram inspecionados mas, sim, quantos lugares de lotação constavam do certificado de matrícula, pois este é o facto que foi objeto da perceção do inspetor do B…, e que é por ele atestado com os dados que inscreve no quadro do certificado de inspeção relativo ao «certificado de matrícula»;

l) Além do mais, sem conceder, a homologação e classificação dos veículos pelo IMT não é vinculativa para efeitos fiscais, como é reconhecido em diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, que identifica;

m) O Certificado de Conformidade tem sempre na sua base as caraterísticas do veículo conforme a homologação CE, que não é vinculativa para efeitos de tributação, podendo qualquer veículo, em concreto, sofrer transformações posteriores, muitas vezes antes da sua introdução no consumo, não podendo, obviamente, esse Certificado de Conformidade comprovar as caraterísticas que determinado veículo efetivamente tem após a sua saída da esfera do respetivo fabricante, designadamente no que respeita a caraterísticas facilmente alteráveis através de operações de transformação, como a existência e número de lugares dos passageiros;

n) Tal conclusão não é invalidada pelo facto de, no n.º 1 do artigo 4.º do CISV ser feita referência, em matéria de elementos que compõem a base tributável do ISV, ao certificado de conformidade, dado que os únicos elementos que aí se referem são a cilindrada, as emissões de CO2 e os níveis de emissões de partículas, não sendo feita qualquer referência à lotação dos veículos ou a outros elementos que permitam classificá-los como veículos de passageiros ou de mercadorias;

o) Atento o teor das normas constantes dos artigos 4.º e 5.º do CISV, para efeitos de determinação da base tributável e do facto gerador, o legislador quando se refere aos elementos constantes do certificado de conformidade, fá-lo no pressuposto de que a natureza e o tipo de veículos se encontrem, prévia e devidamente classificados/identificados de acordo com o certificado de matrícula estrangeiro ou equivalente, de origem;

p) A relevância do certificado de conformidade prende-se fundamentalmente, para efeitos de tributação, com a medição do nível de dióxido de carbono ou do nível de emissões de partículas e com a cilindrada; 

q) Não obstante a Requerente ter declarado o veículo para introdução no consumo como ligeiro de passageiros de 5 lugares, a verdade é que o certificado de matrícula emitido em França o identificava como derivado de ligeiro de passageiros de 2 lugares, sendo tal documento autêntico, não sendo necessário qualquer procedimento de reconhecimento em Portugal dado que nos termos do artigo 4.º da diretiva 1999/37/CE «…o certificado de matrícula emitido por um Estado Membro deve ser reconhecido pelos demais Estados Membros quer para identificação do veículo em circulação internacional quer para nova matrícula noutro Estado-Membro.».

A Requerida termina, solicitando que devem ser mantidos os atos de liquidação que ora foram impugnados e o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por não provado, devendo ser absolvida do respetivo pedido.

8. Em alegações finais orais, a Requerente e a Requerida mantiveram as suas posições iniciais expressas na petição inicial e na respetiva resposta.

 

IV – DOS FACTOS E DA SUA FUNDAMENTAÇÃO

9. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:

a) A Requerente procedeu à admissão na DA… de um conjunto de sete veículos automóveis, os quais foram declarados como veículos ligeiros de passageiros, tendo sido solvidos os respetivos montantes em termos de ISV, e obtido a subsequente matrícula nacional;

b) A Requerida, meses mais tarde, procedeu a uma revisão dos atos tributários, por ter entendido que, face à documentação apresentada a instruir os pedidos de admissão dos veículos, os veículos, para efeitos fiscais, tinham sido incorretamente classificados, tendo determinado, por intermédio de despacho da chefe de delegação da …, de 3 de novembro de 2015, a cobrança dos montantes considerados em dívida.

c) Os montantes exigidos e liquidados adicionalmente correspondem à diferença entre os montantes pagos aquando da introdução no consumo, enquanto veículos admitidos na classificação fiscal de ligeiros de passageiros, e os montantes que deveriam ter sido liquidados e pagos pela tributação da admissão dos veículos, enquanto classificados como veículos de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, acrescidos dos respetivos juros compensatórios;

d) Os veículos nas circunstâncias descritas nas alíneas anteriores, são os seguintes: 

1) - Veículo da marca…, modelo…, com o n.º de chassis VF…, com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-… -…, através da DAV n.º 2015/…, de 02 de março de 2015, tendo pago 1206,73 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/…, de 07.01.2016, para pagamento de 2002,07 € em sede de ISV e 68,45 € de juros compensatórios.

2) Veículo da marca «…», modelo…, com o n.º de chassis VF…, com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 9 de março de 2015, tendo pago 976,37 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/…, de 07.01.2016, para pagamento de 2577,99 € em sede de ISV e 85,89 de juros compensatórios.

3) Veículo da marca «…», modelo «…», com o n.º de chassis VF…, com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 09 de março de 2015, tendo pago 1174,08 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/…, de 07.01.2016, para pagamento de 1601,88 € em sede de ISV e 53,54 € de juros compensatórios.

4) Veículo da marca «…», modelo «…», com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 9 de março de 2015, tendo pago 911,74 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/… para pagamento de 2163,16 €, em sede de ISV e 72,07 € de juros compensatórios.

5) Veículo da marca «…», modelo «…», com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 06 de abril de 2015, tendo pago 1086,21 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/… para pagamento de 2122,59 € em sede de ISV e 72,34 € de juros compensatórios.

6) Veículo da marca «…», modelo «…», com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 12 de março de 2015, tendo pago 1127,31 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/… para pagamento de 1306,99 € em sede de ISV e 43,26, € de juros compensatórios.

7) Veículo da marca «…», modelo «…», com a anterior matrícula francesa … … …, a que veio a ser atribuída a matrícula portuguesa …-…-…, através da DAV n.º 2015/…, de 02 de março de 2015, tendo pago 1177,08 € de ISV.

Foi objeto da liquidação adicional n.º 2016/… para pagamento de 1897,82 € em sede de ISV e 64,89 € de juros compensatórios.

e) Todos os processos de admissão foram instruídos com a documentação legalmente exigida, tendo sido apresentadas, designadamente, faturas comerciais, certificados de conformidade correspondentes à classificação de veículos ligeiros de passageiros M1, com uma lotação de 5 lugares, incluindo o do condutor, e certificados de matrícula emitidos pelas autoridades francesas, além de certificados de aprovação em inspeção técnica para matrícula emitidos pelo B…, aprovando os veículos para efeitos de matrícula; 

f) Nos certificados de matrícula emitidos pelas autoridades francesas, em termos de características, os veículos são descritos como derivados de ligeiros de passageiros (DERIVLP), com uma lotação de 2 lugares, e nos certificados de aprovação em inspeção técnica para matrícula emitidos pelo B…, os veículos, em termos de características, são descritos como ligeiro de passageiros, com uma lotação de 5 lugares sentados; 

g) Nos referidos certificados emitidos pelo B…, foi feita menção das leituras feitas à quilometragem constante dos conta-quilómetros dos veículos que adiante se indicam, que se confrontam com as constantes das respetivas faturas de venda emitidas em França:

 

- Matrícula …, inspecionado com 76 143 quilómetros e tinha na fatura 150 810;

- Matrícula …, inspecionado com 128 141 quilómetros e tinha na fatura 132 807;

- Matrícula …, inspecionado com 72 442 quilómetros e tinha na fatura 147 247;

- Matrícula …, inspecionado com 78 952 quilómetros e tinha na fatura 155 656;

- Matrícula …, inspecionado com 109 783 quilómetros e tinha na fatura 109 447;

- Matrícula …, inspecionado com 67 362 quilómetros e tinha na fatura 137 532;

- Matrícula …, inspecionado com 75 149 quilómetros e tinha na fatura 128 393.

 

h) Para quatro dos veículos, a Requerente solicitou que a tributação fosse efetuada com recurso ao método de avaliação a que se refere o artigo 11.º n.º 3 do CISV, tendo os veículos, após pagamento prévio da taxa de avaliação, sido submetidos a exame da documentação tendo em vista o cálculo do montante do ISV a pagar;

i) Para efeitos da aplicação do citado método de avaliação, a Requerente apresentou aos serviços tributários cotações de venda dos veículos em Portugal constantes de revista da especialidade, que se confrontam com os valores constantes das respetivas faturas de venda, apresentadas a instruir os processos: 

- Matrícula …, valor de fatura de 2400 € e de cotação de 9422 €;

- Matrícula …, valor de fatura de 5468,33 € e de cotação de 9066 €;

- Matrícula …, valor de fatura de 3647,17 € e de cotação de 9752,00 €;

- Matrícula …, valor de fatura de 1445,83 € e de cotação de 11 226,00 €.

 

j) Para os restantes veículos, com as matrículas …, … e …, foram apresentados valores de fatura de 3081,17 €, 2986,83 € e 4496,17 €, respetivamente, tendo a Requerente aceite a liquidação provisória, efetuada unicamente com base na redução do ISV por anos de uso, a que se refere o artigo 11.º, n.º 1 do CISV;

l) Os veículos foram objeto de matrícula nacional na categoria de veículos ligeiros de passageiros, com uma lotação de 5 lugares, e foram tributados e pagos pela Requerente, em sede de Imposto Único de Circulação, do ano de 2015, em conformidade com a referida categoria;

m) De acordo com um ofício datado de 2015.01.26, enviado pelo competente serviço do IMT à Requerida, qualquer alteração de caraterísticas de um veículo usado, importado, relativamente àquelas que constam do respetivo documento de identificação, só é admitida após atribuição da respetiva matrícula nacional, tratando-se neste caso de uma alteração de características de um veículo com matrícula nacional, pelo que o IMT não autoriza a transformação de veículos em momento anterior à sua regularização fiscal em território nacional.

 

10. Não há factos dados como não provados com relevância para a tomada de decisão.

 

11. Os factos foram dados como provados tendo em consideração os documentos trazidos ao processo pela Requerente, consubstanciados na petição inicial e nos anexos que a acompanhavam, assim como também na resposta e no processo administrativo enviado pela Requerida, e na prova testemunhal produzida na reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO

 

12. Em função do que se deixa exposto, entende o Tribunal Arbitral que deve ser encontrada uma resposta para as seguintes questões de direito controvertidas:

a) Valor da causa para efeitos do processo arbitral;

b) Relevância da documentação legalmente fixada na admissão de veículos usados de outros Estados Membros (EM) da União Europeia (UE), para efeitos do estabelecimento da incidência objetiva e da aplicação das diversas tabelas de taxas, a que se referem os artigos 2.º e 7.º, 8.º e 9.º do CISV e do respetivo facto gerador. 

c) Legitimidade para a Requerida arguir de falsidade os Certificados de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula emitidos pelo B… .

 

a) Valor da causa

13. A Requerida coloca em causa o valor da causa atribuído pela Requerente, o qual foi indicado como 13 672,50 € quando deveria ter sido 14 132,94 €.

Nos termos do artigo 97.º- A, n.º 1 alínea a) do CPPT, em matéria de valor da causa, os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, quando seja impugnada a liquidação, são o da importância cuja anulação se pretende.

Ora, constata-se que a Requerente limitou-se a somar os valores das liquidações impugnadas em sede de ISV sem ter em conta que, paralelamente, a Requerida, em razão de se tratar de uma cobrança «a posterior», liquidou igualmente juros compensatórios.

As liquidações efetuadas pela Requerida, muito embora reportando códigos de receita diversos, agregam a dívida em sede de ISV e de juros compensatórios.

Os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente são liquidados, conforme decorre do artigo 35.º, n.º 1 e 8 da LGT.

Assim sendo, aos 13 672,50 € da dívida de ISV haverá que acrescentar 460,44 € a título de juros compensatórios, perfazendo 14 132,94 €, valor que o Tribunal Arbitral considera como valor da causa.

 

b) Relevância da documentação legalmente fixada na admissão de veículos usados de outros EM da UE, para efeitos do estabelecimento da incidência objetiva e da aplicação das diversas tabelas de taxas e da fixação do respetivo facto gerador

 

14. Para apurar o sentido e o alcance dos artigos 2.º e 7.º, 8.º e 9.º do CISV importa ter em conta o disposto no artigo 9.º do Código Civil (CC) que, para efeitos da interpretação da lei, preceitua que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Mais impõe que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo na fixação do sentido e alcance da lei presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

O recurso a este artigo 9.º do CC é, uma exigência específica do próprio artigo 11.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

 

15. A admissão de veículos usados por particulares, ou mesmo por operadores registados ou reconhecidos, encontra-se regulada no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 do CISV, e exige a apresentação aos serviços aduaneiros de uma DAV, instruída com os seguintes documentos:

- Certificado de matrícula estrangeiro ou de documento equivalente;

- Fatura comercial ou declaração de venda no caso de aquisição a um particular;

- Certificado de conformidade;

- Documento de transporte e respetivo recibo de pagamento sempre que o veículo não ingresse no território nacional pelos seus próprios meios;

- Documento comprovativo da medição efetiva do nível de emissão de dióxido de carbono por centro técnico legalmente autorizado, sempre que tal elemento não conste do respetivo certificado de conformidade.

 

16. No contexto da DAV todos estes elementos tem uma função, que é permitir que o funcionário aduaneiro proceda à conferência da citada Declaração, confirmando a exatidão dos elementos nela inscritos pelo respetivo «importador» do veículo. Assim:

a) o certificado de matrícula estrangeiro ou um documento equivalente, permite  identificar o anterior proprietário do veículo e verificar a legitimidade da empresa ou do particular na emissão de fatura comercial ou de declaração de venda, saber a matrícula e a sua natureza, bem como a respetiva data de emissão no país de proveniência, no sentido de viabilizar, previamente à admissão, consultas às bases de dados europeias de veículos roubados e permitir o cálculo do ISV a partir da sua antiguidade, e conhecer as principais características do veículo e a regularidade do seu ciclo de vida através das inspeções periódicas;

b) a fatura comercial permite identificar a transação intracomunitária subjacente e os fluxos financeiros gerados ou, no caso de aquisição a um particular, a declaração de venda combinada com o certificado de matrícula permite certificar a legitimidade de quem vende o veículo;

c) o certificado de conformidade, como resulta do Anexo IX da Diretiva n.º 2007/46/CE do Parlamento e do Conselho, na versão aprovada pelo Regulamento (CE) n.º 385/2009 da Comissão, é uma declaração emitida pelo fabricante do veículo ao comprador, cuja finalidade é garantir que o veículo cumpre a legislação em vigor na UE à data em que foi produzido, servindo igualmente para as autoridades competentes dos EM poderem matricular os veículos sem terem de exigir aos interessados a apresentação de documentação técnica complementar. Tem de incluir o número de identificação do veículo e as suas caraterísticas técnicas exatas, as quais são a fonte de informação privilegiada para as autoridades dos EM procederem à emissão do primeiro certificado de matrícula para os veículos novos, satisfazendo o disposto na diretiva n.º 1999/37/CE do Conselho, de 29 de abril de 1999, em matéria de certificados de matrícula. 

O certificado de conformidade é composto por duas partes, o «rosto», Lado 1 que consiste numa declaração de conformidade do fabricante, e o «verso» Lado 2 que é uma descrição técnica das principais características do veículo.

No Lado 2, para os veículos da categoria M1 (veículos ligeiros de passageiros completos e completados) há uma exigência de identificação das caraterísticas gerais de construção no que toca à carroçaria, às dimensões principais, às massas («pesos»), ao dispositivo de propulsão e ao desempenho ambiental.

É neste contexto que neles se mencionam dados fundamentais para a generalidade da tributação que, no caso português, passa pela referência ao peso bruto, à cilindrada, às emissões de CO2 e às emissões de partículas.

No que respeita especificamente à carroçaria, exige-se, além do código da carroçaria, o número de lugares sentados (incluindo o do condutor).

d) o documento de transporte e respetivo recibo de pagamento sempre que o veículo não ingresse no território nacional pelos seus próprios meios, tem por principal função comprovar a data de entrada dos veículos em território nacional e dificultar permanências irregulares suscetíveis de aumentar o tempo de anos de uso do veículo no momento em é apresentada a DAV, com o consequente desagravamento fiscal.

e) o documento comprovativo da medição efetiva do nível de emissão de dióxido de carbono por centro técnico legalmente autorizado sempre que tal elemento não conste do respetivo certificado de conformidade, em consonância com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º da Lei n.º 22-A/2007, visa permitir o calculo do ISV a pagar, relativamente à componente CO2, em casos mais específicos, de veículos com maior antiguidade.  

 

17. O artigo 4.º do CISV releva a importância do certificado de conformidade na determinação da base tributável, nos seguintes termos:

 

«1 - O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:

a)      Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável; (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro).

b)      Quanto aos automóveis ligeiros de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela B, a cilindrada e o nível de emissões de partículas, quando aplicável; (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro).

c)      Quanto aos veículos fabricados antes de 1970, aos motociclos, triciclos, quadriciclos e autocaravanas, a cilindrada. (Aditamento da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro).

 

2 - Quando os veículos sujeitos a tributação em função do nível de emissão de dióxido de carbono não integrem este elemento no certificado de conformidade, as emissões a considerar como base tributável são as que resultem de medição efetiva a realizar por centro técnico legalmente autorizado.

3 - … .

4 - … »..

 

18. No domínio da legislação anterior, o Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro, a instrução dos processos de admissão de veículos usados regia-se pelo disposto no artigo 17.º, n.º 4, segundo o qual, para além da apresentação de uma declaração de veículo ligeiro (DVL), era exigida a fatura, o cartão de contribuinte, o livrete e título de registo de propriedade e a receção comunitária ou nacional, caso já existisse.

A receção comunitária era feita através do certificado de conformidade, documento emitido pelo fabricante do veículo, o qual possuía um número de homologação construído de forma uniformizada, designadamente uma letra para indicar se era uma homologação europeia, um número correspondente ao país que emitir a homologação, o número da diretiva que suporta a homologação, acrescido de mais seis dígitos, quatro para o número da homologação e mais dois para a sua extensão, tudo separado com uns asteriscos.

Por razões informáticas relacionadas com a emissão dos então livretes, todas as homologações europeias originavam uma homologação nacional, a qual era constituída por onze números, reveladores do ano, do código de serviço emissor, do número sequencial e de controlo informático, respeitando os três últimos algarismos a extensões de homologações nacionais.

A ligação da homologação à DVL fazia-se apenas para os serviços aduaneiros confirmarem a cilindrada e os pesos brutos que eram declarados, uma vez que eram as únicas medidas de referência para efeitos de tributação, fosse para calcular o imposto, fosse para permitir a sua classificação fiscal, enquanto categorias de veículos a tributar.   

 

19. Com a publicação do CISV e também do CIUC, passou a ser exigida mais informação de natureza técnica, designadamente as de caráter ambiental, quer no que respeita às emissões de CO2 em ciclo combinado de ensaios, quer no que respeita às emissões de partículas.

Por conseguinte, os dados constantes dos certificados de conformidade emitidos pelos fabricantes passaram a ser imperativos e a ter expressa consagração legal, em termos de bases tributáveis, a fim de, em função das tabelas A, B e C, dos artigos 7.º e 10.º do CISV, 

a Requerida proceder às respetivas liquidações dos impostos. 

Esta regra não exclui, todavia, que a Requerida, em circunstâncias muito específicas, não se possa socorrer de elementos diferentes dos constantes do certificado de conformidade, pois nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CISV é facto gerador do imposto a alteração do motor de que resulte um aumento da cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas.

 

20. Relativamente aos outros elementos de natureza técnica necessários para a Requerida proceder às liquidações do ISV, não há uma base legal explícita para que se possa recolher essa informação, todavia, tem de ser nos certificados de conformidade que se vai encontrar igualmente a maioria dessa informação necessária para a tributação, como é o caso do combustível utilizado na propulsão, do peso bruto, do n.º de lugares sentados e da existência da tração às quatro rodas.

Por isso, quando é despoletado o número de homologação nacional, que se baseia no certificado de conformidade, em termos do sistema informático todos estes campos da DAV são automaticamente preenchidos, pois correspondem a elementos de informação atestados por quem tem autoridade para os poder efetuar, ou seja o respetivo fabricante.

 

21. Muito embora o artigo 6.º da diretiva n.º 92/53/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, estabeleça que os EM podem para fins de tributação ou de matrícula dos veículos solicitar que elementos não mencionados no Anexo IX da Diretiva n.º 2007/46/CE sejam acrescentados ao certificado desde que tais elementos sejam explicitamente mencionados no dossier de receção ou possam a partir dele ser determinados através de cálculos simples, ou possam ser completados de modo a dar maior relevância aos dados necessários e suficientes para efeitos de tributação e matrícula dos veículos por parte das autoridades nacionais competentes, este tipo de previsão tem unicamente a ver com a admissão dos veículos novos. Se o sistema de tributação de um determinado país contempla determinados elementos de natureza técnica que não se encontram refletidos nos certificados de conformidade habitualmente emitidos, o fabricante pode ser alertado para que os certificados de conformidade dos veículos que fabrique com destino a esse país, comportem tal elemento informativo.

 

22. Todavia, a tributação em sede de ISV não tem por fundamento unicamente os dados constantes dos certificados de conformidade. Nalguns casos, a liquidação do imposto implica perceções diretas por parte dos serviços da autoridade tributária, que terá de diligenciar pela realização de medições próprias de certas dimensões interiores nos veículos, análise de catálogos técnicos dos automóveis, exame da documentação que é apresentada a instruir as admissões dos veículos e solicitação de outros elementos comprovativos do declarado.

Estão neste caso os automóveis ligeiros de mercadorias, de caixa fechada, de lotação até 3 lugares, cujas taxas de ISV variam consoante a altura interior da caixa de carga seja superior ou inferior a 120 cm, conforme o artigo 7.º, n.º 2 do CISV, e os automóveis ligeiros de utilização mista que, cumulativamente, apresentem peso bruto superior a 2300 Kg, comprimento mínimo da caixa de carga de 145 cm, altura interior mínima da caixa de carga de 130 cm, medida a partir do respetivo estrado, que deve ser contínuo, antepara inamovível, paralela à última fiada de bancos, que separe completamente o espaço destinado ao condutor e passageiros do destinado às mercadorias, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável, conforme o artigo 9.º, n.º1, a) do CISV.

O mesmo sucede com os veículos automóveis que sejam suscetíveis de adaptação de tração às quatro rodas.

Muito embora a terminologia francesa «DERIV VP» que consta nos certificados de matrícula franceses, não conste do atual léxico legislativo português, até à publicação do CISV havia uma definição própria na legislação fiscal, de veículos automóveis ligeiros de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros, conforme o artigo 2.º do DL 40/93 de 18 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, que eram conhecidos no mercado pelos derivados ou «vans».

 

23. A emissão do primeiro certificado de matrícula reporta uma realidade técnica de base, assente no certificado de conformidade que, no entanto, é suscetível de modificações, mediante um processo de controlo por parte das autoridades competentes em matéria de controlo documental rodoviário.

No caso dos autos, a análise dos certificados de matrícula emitidos pelas autoridades francesas revela que todos os veículos, muito embora tenham sido concebidos e produzidos pelo fabricante em plataformas e segundo as prescrições dos veículos ligeiros de passageiros e como tal aprovados, ou seja, segundo o Anexo II da diretiva n.º 92/53/CEE do Conselho, são veículos da categoria M1, ao serem matriculados pela primeira vez em França foram sujeitos previamente a uma operação de transformação, normalmente com a eliminação do banco traseiro e a fixação de uma antepara imediatamente atrás dos encostos dos bancos dianteiros, que levou a que tenham sido objeto de redução do número de lugares homologados, de cinco para dois lugares.

Com esta operação de natureza técnica, os referidos veículos sofreram um aumento do espaço destinado à bagageira, tendo ficado aptos, para além de continuarem a assegurar o transporte do condutor e de um eventual ajudante, para o transporte de mercadorias de pequena dimensão, o que, em termos fiscais, leva a que tais veículos sejam classificados como veículos derivados de ligeiros de passageiros.

Este tipo de operações justifica-se no sentido de habilitar o mercado automóvel a oferecer uma gama de veículos chamados utilitários, bastante procurados em termos do referido transporte de mercadorias de pequenas dimensões, mas também pelo sector de prestação de serviços de assistência e de apoio localizado, uma vez que alia a mobilidade oferecida na prestação dos serviços com a satisfação das necessidades próprias de transporte pessoal.

Estas alterações foram feitas constar no certificado de matrícula emitido pelas autoridades francesas onde os veículos passaram a ter dois lugares e a ter uma menção de veículos derivados de ligeiros de passageiros e a ser utilizados com as novas capacidades funcionais. 

 

24. No momento da venda dos veículos de França para Portugal, os certificados de matrícula e as faturas são explícitas quanto às caraterísticas que os veículos possuíam, ou seja eram veículos que tinham sido objeto de uma transformação em termos funcionais e que eram vendidos no estado em que se encontravam.

Todavia, no caso dos veículos dos autos, todos eles se apresentaram à inspeção em território nacional, com vista à atribuição de matrícula nacional, com caraterísticas diferentes daquelas que se encontravam mencionadas nos certificados de matrícula de que eram detentores, designadamente no que respeita ao número de lugares, que passou de 2 para 5, ou seja, ocorreu uma transformação que lhes alterou determinadas categorias funcionais.

Aparentemente, entre a venda dos veículos em França e a sua apresentação no B…, ocorreu a reposição de uma situação conforme com a que consta do certificado de conformidade.

Trata-se de uma operação que pode induzir risco para a segurança rodoviária, dado que muito embora se trate apenas de colocar os assentos desaparecidos, aparafusar ou soldar a estrutura e colocar cintos de segurança, é uma operação que tem de respeitar aspetos de segurança e, logo, dever ser levada a cabo por um profissional qualificado, o qual deve emitir um certificado. 

 

25. Para o ato de inspeção é necessário que os interessados, para além do próprio veículo, apresentem o documento único do automóvel ou o certificado de matrícula, sendo dispensadas as faturas de aquisição ou a vigência de seguros.  

O B…, agindo em representação do IMT, emitiu os certificados de aprovação em inspeção técnica para matrícula

Com efeito, os serviços da B… inspecionaram os veículos e, para além do classificarem dentro da categoria e do tipo de ligeiro de passageiros, registaram que os mesmos tinham determinada quilometragem.

O que foi requerido pelo importador ao B… foi uma certificação de aprovação em inspeção técnica para matrícula nacional e não uma alteração das características.

Nesse aspeto a certificação de matrícula refere que o veículo foi aprovado e os dados destinados à emissão do certificado de matrícula são os que constam no verso, ou seja, os correspondentes ao preenchimento do respetivo certificado de matrícula. 

 

26. No âmbito do IMT, as transformações que impliquem alteração das características regulamentares dos veículos, nomeadamente no que se refere aos seus elementos de identificação ou classificação, que alterem sistemas de componentes ou acessórios objeto de homologação ou possam constituir risco para a segurança rodoviária, só podem ser efetuadas mediante autorização prévia desse mesmo instituto.

Em termos técnicos, transformação é toda a alteração da estrutura, carroçaria, motor, sistemas ou componentes, de um veículo matriculado de modelo aprovado

 

- Da autonomia da classificação fiscal dos veículos face à classificação rodoviária

27. Com exceção dos motociclos, triciclos e quadriciclos, que são definidos nos mesmos termos do Código da Estrada (CE), relativamente aos demais veículos, e embora existam algumas semelhanças na delimitação das respetivas categorias de automóveis, não existe coincidência entre a classificação fiscal dos veículos e a classificação técnica rodoviária, tal como constante do CE, uma vez que os primeiros continuam a privilegiar categorias com aspetos funcionais diferenciados.

Trata-se de uma objetiva realidade jurídica que a jurisprudência tem reconhecido, e que a Requerida faz eco na sua resposta. Os acórdãos que menciona do Tribunal Administrativo do Sul, nos processos n.ºs 1133/06, de 28.03.2007, 1309/06, de 17.04.07, e 7395/14 de 05.03.2015 são elucidativos da dicotomia técnica e fiscal. 

Segundo o artigo 106.º do CE, os automóveis ligeiros são definidos como os veículos com peso bruto igual ou inferior a 3500 Kg, com lotação não superior a 9 lugares. Em função da sua utilização são considerados apenas dois tipos, o de passageiros que se destina ao transporte de pessoas e os de mercadorias que se destina ao transporte de carga.

Já a classificação fiscal dos veículos é bastante mais complexa, na medida em que tenta encontrar nas caraterísticas técnicas fundamentos para tributar de forma diferente os veículos, à luz de critérios económicos e ambientais.

Assim, conforme o artigo n.º 2.º do CISV, em matéria de incidência objetiva, consideram-se como automóveis ligeiros de passageiros os que tendo peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, se destinem ao transporte de pessoas

Os automóveis ligeiros de utilização mista, são aqueles que tendo peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, se destinem ao transporte, alternado ou simultâneo, de pessoas e carga;

Finalmente os automóveis ligeiros de mercadorias, são os veículos que: ou possuem caixa aberta, ou se apresentam sem caixa ou possuam caixa fechada que não apresente cabine integrada na carroçaria, com peso bruto de 3500 kg, sem tração às quatro rodas;

 

28. A complexidade revela-se essencialmente nas taxas a que cada veículo acaba por ser sujeito, dado que as mesmas têm a ver com as caraterísticas técnicas específicas de cada veículo dentro de cada categoria.

O ISV é um imposto interno, em que as autoridades portuguesas têm autonomia para delinear a incidência objetiva e subjetiva, as bases tributáveis, as taxas, as formas de cobrança, etc. não podendo, no entanto, por em causa os princípios decorrentes do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), em matéria de fiscalidade.

Para um imposto com as caraterísticas do ISV entende-se que pode e deve ser feito um uso instrumental dos dados constantes do certificado de conformidade e do certificado de matrícula, mas subordinado a um controlo técnico aduaneiro, que assegure a exatidão do facto gerador na admissão dos veículos tributáveis.      

 

29. Face aos documentos que foram apresentados à DAFF para efeitos de regularização fiscal dos veículos constata-se que a mesma dispôs de informação e condições suficientes para proceder à liquidação correta do ISV devido.

Com efeito, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do CISV, constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, …», sendo a «Admissão» definida como «a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado Membro da União Europeia em território nacional.», em consonância com o disposto no n.º 3, alínea a) do mesmo artigo.  Este imposto, no entanto, só se torna exigível no momento da apresentação da DAV, conforme artigo 6.º 1, alínea b) do mesmo CISV.

 

30. Face à discrepância que existia entre a informação constante da fatura e do certificado de matrícula em matéria de número de lugares e o declarado na DAV, apoiado no certificado de inspeção emitido pelo B… impunha-se que a Requerida averiguasse as razões de tal discrepância, designadamente, chamando, inclusive, o próprio veículo à verificação física no recinto aduaneiro e apurando, onde e quando o veículo tinha alterado o seu número de lugares constante do certificado de matrícula, dada a importância do momento da entrada em território nacional do veículo. 

 

31. Sucede que o Requerente, em quatro das sete admissões em apreciação, não se tendo conformado com a liquidação provisória do ISV que lhe foi aplicada pela aplicação das reduções em função dos anos de uso constantes da Tabela D, do artigo 11.º n.º 1 do CISV, requereu, para efeitos do cálculo do imposto, que o veículo fosse objeto da aplicação da fórmula prevista no n.º 3 do mesmo artigo 11.º, a qual se encontra regulamentada por portaria.

A referida Portaria n.º 44/2001, de 26 de janeiro, atualizada pela 297/2013, de 4 de outubro, coloca à disposição da Requerida a opção de, e para o referido fim, optar por uma de duas modalidades:

- no primeiro caso, procede à avaliação do veículo com base exclusivamente na análise de informação constante de documentos referentes a publicações especializadas do setor, pagando o requerente a importância de 200 euros a seu favor, a título de taxa.

- no segundo caso, a avaliação é feita com base na análise de informação constante de documentos referentes a publicações especializadas do setor mas também e simultaneamente com recurso à verificação física do veículo, dando lugar ao pagamento da quantia de 300 euros, igualmente a favor da Requerida.

No âmbito da aplicação da regulamentação em causa teve a faculdade expressa de ter podido exigir a apresentação dos veículos para efeitos de verificação física no recinto aduaneiro, de modo a que os referidos veículos, quando fossem introduzidos no consumo e fossem matriculados tivessem sido corretamente tributados. Aliás, os requerimentos são efetuados em modelos em que o próprio importador solicita que lhe seja notificado o dia, hora e local em que o veículo deve ser apresentado a fim de ser objeto de avaliação.

As dúvidas sobre o momento em que foi realizada a referida transformação de montagem do banco traseiro, com a consequente alteração do número de lugares sentados, de dois para cinco, designadamente apurando se a mesma ocorreu antes ou depois de ter ocorrido o facto gerador do imposto, deveriam ter sido esclarecidas, mediante a exigência das respetivas provas, como a fatura da respetiva prestação de serviço no país onde a mesma tivesse sido realizada, ou pelo próprio termo de responsabilidade ou certificação de garantia.

Face a uma eventual falta de colaboração a se refere o artigo 59.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT) e o artigo 48.º n.º 2 do CPPT, a Requerida, no limite, poderia ter bloqueado o procedimento de regularização fiscal até que lhe fossem apresentados documentos que comprovassem que o facto gerador tinha ocorrido fora do território nacional, antes da admissão, e ter recorrido mesmo a uma inspeção tal como previsto no artigo 63.º, n.º 1 alínea b) da mesma LGT, uma vez que lhe cabe realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem estar subordinada à iniciativa do autor do pedido, conforme preceitua o artigo 58.º da LGT. 

 

32. Ora o que sucedeu é que a Requerida selecionou a opção menos exigente, baseada numa análise meramente documental e dispensou a apresentação dos veículos.  

Não pode deixar de se sublinhar a forma perfeitamente acrítica como os processos de introdução no consumo dos veículos em causa foram aceites e tramitados pela Requerida, que permitiu a sua matriculação a partir de um controlo meramente formal. 

Não se trata apenas da questão de ter passado despercebida a divergência no n.º de lugares e a classificação fiscal constante dos certificados de matrícula franceses relativamente ao que foi declarado na DAV e atestado no certificado de inspeção emitido pelo B… .

A documentação entregue pelo importador, ora Requerente, era reveladora de importantes incongruências que se impunha desde logo averiguar. Com efeito, em seis das admissões em causa, havia uma manifesta divergência entre o n.º de quilómetros mencionados nas faturas de venda do vendedor francês e o número de quilómetros inscritos nas DAV e igualmente feitos constar do respetivo certificado de inspeção.

As quilometragens indicadas nas faturas de venda são compatíveis, tendo em conta os anos de utilização de cada veículo, com utilizações intensivas nas atividades de giro comercial, caraterísticas do tipo de uso dado a estes veículos. 

Todavia, ao não serem inscritas nas DAV, mas antes outras de mais reduzida quilometragem, pelo menos em quatro dos casos, para efeitos do cálculo do ISV através do método de avaliação previsto no artigo 11.º n.º 3 do CISV, influíram decisivamente no valor do veículo e no respetivo cálculo do imposto pela Requerida, por sinal em sentido desfavorável à Requerente, dado que, por tal motivo, foi obtido um valor correspondente a um veículo medianamente utilizado nos seus anos de uso, em vez de um valor correspondente a um veículo intensamente utilizado e mais próximo do seu fim de vida útil. 

Outra questão que é de relevar é que, tendo o Requerente optado pelo método de avaliação relativamente aos tais quatro veículos, e apresentado documentos com os valores de venda em Portugal dos veículos ligeiros de passageiros em questão, reconhecidos por uma entidade conceituada em matéria de fornecimento de cotações de veículos, a Requerida não tenha estranhado os reduzidos valores de venda dos veículos em França quando comparados com as referidas cotações em Portugal, não porque aqueles valores de venda fossem inexatos do ponto de vista comercial, mas porque correspondiam a veículos que tinham estado afetos a empresas de aluguer de veículos sem condutor, os quais por terem sido normalmente sujeitos a um intenso desgaste, tiveram uma maior desvalorização comercial compatível com os anos de uso e com as quilometragens efetuadas.

Num dos casos essa diferença é abissal pois o veículo foi adquirido em França por 1445,83 € e o Requerente apresentou um comprovativo de cotação de preço de venda em Portugal avalizado por uma empresa especializada na matéria de 11 226,00 €, pelo que era caso para dizer que quando a esmola é grande o pobre deve desconfiar.

As oscilações de cotação que é normal existirem em termos do mercado automóvel de cada país, nunca poderiam justificar alterações tão significativas como as que se verificaram. 

A verdade é que, pela deficiente apreciação dos elementos postos à disposição da Requerida pelo importador, ora Requerente, tal não se verificou, o que terá sido suscetível de ter conduzido a uma incorreta cobrança do imposto.

 

 

33. O Tribunal Arbitral considera que a liquidação adicional a que a Requerida recorreu para corrigir um erro dos respetivos serviços, conforme decorre do processo de revisão previsto pelo artigo78.º da LGT, se encontra insuficientemente fundamentada. Uma vez que a confirmação do n.º de lugares declarados na DAV, através de verificações físicas aos veículos, não foi efetuada por ocasião do desembaraço aduaneiro do veículo, sendo tal informação contrária à existente nos certificados de matrícula, impunha-se que os processos de cobrança «a posteriori» não se fundamentassem apenas na mera constatação documental não detetada na altura, mas tivessem averiguado o momento da entrada dos veículos em território nacional, que pode ser conhecido em termos aproximados, a partir do documento de transporte e do respetivo recibo de pagamento, mas sobretudo tivessem averiguado as circunstâncias em termos de tempo e de lugar onde ocorreu a respetiva transformação, sendo a mesma relevante por confronto com o facto gerador.

Com efeito, a menos que o legislador fiscal derrogue o facto gerador para veículos que sofram transformações, no sentido de só serem aceites os elementos técnicos constantes do certificado estrangeiro de que são portadores, estabelecendo uma verdadeira presunção legal, um pouco à semelhança do que se estabelece no artigo 22.º, n.º 2 do CISV, para os veículos com matrículas provisórias, não se vislumbra que, no caso concreto, uma verificação física do veículo não pudesse deixar de ter sido exigida. 

Assim sendo, por insuficiência de prova, o Tribunal Arbitral não dá por provado que o facto gerador do imposto adicional tenha ocorrido em território nacional. 

 

c)                  Legitimidade para a arguição de falsidade de Certificado de Aprovação em Inspeção Técnica para Matrícula emitido por um centro de inspeção automóvel. 

 

34. A Requerida veio arguir a falsidade do conteúdo do certificado de inspeção, por em seu entender, os elementos de identificação do veículo constantes do certificado de matrícula não corresponderem à verdade dos factos, isto é não corresponderem aos elementos que efetivamente constavam do certificado de matrícula francês, pelo que impugna o valor probatório daquele documento com fundamento na respetiva falsidade.

O artigo 371.º do Código Civil (CC) diz que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade não se verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na realidade o não foi. – 372, n.º 2 do CC.

Embora para um enquadramento específico, em termos de prova, o artigo 390.º do CC estabelece que a prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal, sendo o seu resultado livremente apreciado pelo tribunal.

 

35. O Tribunal Arbitral não considera que os certificados emitidos pelo B… estejam inquinados pela falsidade e como tal devam ser sujeitos aos procedimentos previstos no artigo 446.º do CPC.

Os certificados de inspeção foram emitidos por pessoas especialmente habilitadas com um propósito estritamente rodoviário, que não foi posto em causa, conforme se pode constatar pelo exame dos processos de atribuição de matrícula dos veículos, pela autoridade que o poderia fazer, que era o IMT. 

Nesta matéria, a Comunicação interpretativa da CE relativa aos procedimentos de matrícula de veículos a motor, prevê (no máximo) três etapas para obtenção de uma matrícula de um veículo a motor no EM de destino, e estatui a intervenção das autoridades rodoviárias, ou das entidades em que tais procedimentos sejam delegados, que clarifica nos seguintes termos:

- a homologação das características técnicas do veículo a motor, que na maioria dos casos, corresponde à homologação CE.

- controlo técnico dos veículos usados, cujo objetivo é verificar, com o intuito de proteger a saúde e a vida das pessoas, se um dado veículo a motor se encontra realmente em bom estado de conservação à data da matrícula

- a matrícula do veículo a motor, ou seja, a autorização administrativa para a entrada do veículo na circulação rodoviária, o que implica a sua identificação e a emissão de um número de matrícula

 

36. Especificamente sobre o controlo técnico dos veículos usados, esclarece que o seu objetivo é verificar se um dado veículo a motor se encontra realmente em bom estado de manutenção à data da matrícula. Não obstante, o facto de um veículo a motor ter sido utilizado na via pública, desde o último controlo técnico pode justificar um controlo técnico aquando da matrícula noutro EM.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os EM podem exigir que veículos a motor matriculados no mesmo ou noutro Estado membro sejam sujeitos a controlo técnico antes de serem matriculados, desde que esta inspeção seja obrigatória para qualquer transferência de propriedade de qualquer veículo a motor semelhante ou para qualquer mudança de titular do certificado de matrícula, independentemente de o veículo a motor ter sido matriculado no mesmo ou noutro EM.

Os controlos técnicos devem, pelo menos, cumprir as mesmas condições processuais que a homologação das características técnicas do veículo a motor, designadamente, ser fundamentados em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais, a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário.

Ora o que se constata é que a preocupação dos inspetores na inspeção a que procederam aos veículos não poderia ir além de verificar se um dado veículo a motor se encontra realmente em bom estado de conservação à data da matrícula, tendo em vista a proteção da saúde e da vida das pessoas, e isso foi verificado e atestado pelos intervenientes no ato.

 

37. A menos que o legislador o tivesse estabelecido expressamente, entende-se que não decorre que o preenchimento do respetivo certificado de aprovação em inspeção técnica para matrícula, tenha de ser necessariamente preenchido com os elementos constantes do certificado de matrícula precedente, dado que a inspeção consubstanciou-se em todos os exames, ensaios e verificações e observações correspondentes a uma inspeção periódica, a uma observação visual relacionada com a identificação do veículo e do seu exterior, de forma detalhada.

O ato deixaria de ser um ato inspetivo para se transformar numa mera verificação de conformidade da informação constante do certificado de matrícula francês com o veículo, quando o propósito não parece ter sido esse.

Donde o Tribunal Arbitral nada ter a apontar à legalidade dos documentos que foram emitidos pelo referido centro de inspeção e como tal não acolher a pretensão da requerida de arguir a respetiva falsidade.

A emissão do referido documento não tem propósitos fiscais e não cabe à Requerida extrair consequências onde a entidade competente que superintende no funcionamento dos referidos centros de inspeção e na emissão dos referidos documentos as não tirou.

O próprio artigo 20.º n.º 2, do CISV, em matéria de documentos que devem instruir os pedidos de regularização fiscal de veículos, é omisso quanto à apresentação do referido documento. 

No contexto do desembaraço aduaneiro dos veículos usados, logo que ocorre o pagamento do imposto, por via da ligação informática existente entre a Requerida e o IMT, nesse mesmo dia é atribuída a respetiva matrícula nacional. O referido documento de inspeção é importante, apenas na estrita medida, em que, obtida a matrícula, o veículo fica em condições, mesmo sem certificado de matrícula emitido, de poder começar a ser utilizado e a circular legalmente pelo prazo de 60 dias contados desde essa atribuição, conforme decorre do artigo 22.º n.º 4 do CISV, ficando, desde logo, acautelado que a respetiva circulação rodoviária em território nacional é feita em segurança.

A Requerida carece, assim, de legitimidade para requerer a falsidade da emissão dos referidos certificados de aprovação em inspeção técnica para matrícula, dado que a informação nele constante não releva para o prosseguimento das suas atribuições. A lei faculta-lhe os meios instrumentais próprios, designadamente o certificado de conformidade, o certificado de matrícula e a fatura, bem como a própria ação de inspeção, para que proceda à liquidação dos impostos que forem devidos de forma correta, sem que seja necessário fazer uso da informação adicional produzida nos centros de inspeção, a qual visa essencialmente assegurar a segurança rodoviária.

 

38. Naturalmente, que existe uma questão para ser resolvida no âmbito do IMT, mas que só indiretamente tem interesse fiscal e contende com os presentes autos.

A posição do IMT é de que qualquer alteração de caraterísticas de um veículo usado importado relativamente àquelas que constam do respetivo documento de identificação só é admitida após atribuição da respetiva matrícula nacional, tratando-se neste caso de uma alteração de características de um veículo com matrícula nacional, pelo que o IMT não autoriza a transformação de veículos em momento anterior à sua regularização fiscal em território nacional.

Todavia, no caso concreto, constata-se que a B…, em representação do próprio IMT procedeu a uma certificação de aprovação em inspeção técnica para matrícula e certificou que os veículos possuíam as características indicadas e que se encontravam em condições de circular em segurança. Assinalou também que na inspeção os veículos apresentavam um concreto número de quilómetros no respetivo conta-quilómetros, não tendo, no entanto, condições para se aperceber ou suspeitar que a quilometragem que reportou para os certificados, se encontrava presumidamente manipulada, uma vez que não teve acesso às faturas, cuja junção não é obrigatória.

Omitiu, no entanto, um dado relevante, dado que deveria ter procedido a uma anotação sobre a existência de alteração de características em relação ao que constava no certificado de matrícula francês, conforme resulta do artigo 5.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 144/2012, de 11 de julho, em matéria de procedimentos de inspeção. 

 

39. Por seu lado, pela análise dos processos de homologação enviados a este Tribunal Arbitral pela Delegação Distrital de Viação de …, é possível constatar a existência, dos certificados de aprovação das inspeções técnicas para matrícula emitidos pelo B…, mas também cópia das próprias faturas emitidas pelos vendedores franceses, que foram igualmente apresentadas a instruir os processos de regularização fiscal.

Mau grado a existência de evidentes anomalias, tanto nas faturas de venda em matéria de indicação do número de lugares e das quilometragens dos veículos como nos certificados de matrícula franceses, face à informação constante dos certificados emitidos pelo B…, aparentemente, a conferência dos processos naquela delegação nada detetou e, por isso, não houve qualquer iniciativa para as corrigir, mediante a correção da classificação dos veículos, pelo menos naquela fase, tendo por suporte o registo da homologação nacional correspondente à categoria de ligeiros de mercadorias.

 

40. Dado que os veículos foram admitidos por uma empresa que se dedica à sua revenda, o IMT, ao dispor desta informação, assim como dos próprios certificados de matrícula franceses, e, ao não a ter tido em conta, permitiu que tivessem entrado no circuito comercial veículos cujas caraterísticas são enganosas para o consumidor final, isto é, os adquirente dos veículos, compraram veículos sem suspeitar que a sua quilometragem tinha sido adulterada e que em razão de terem sido utilizados como veículos de mercadorias derivados de ligeiros de passageiros tinham tido um desgaste muito superior ao da utilização de um vulgar veículo de passageiros.

Ora a questão da quilometragem dos veículos, é uma questão muito sensível na confiança que os automobilistas e as pessoas em geral devem depositar nas instituições encarregadas de zelar pela segurança rodoviária. Em termos práticos, entraram em circulação veículos com quilometragens presumidamente viciadas, revelando quilómetros percorridos muito inferiores àqueles que de facto os veículos possuíam.

Tudo indica, como refere a Requerente na sua petição, que os veículos foram devidamente registados na conservatória como ligeiros de passageiros de 5 lugares, e encontram-se classificados como ligeiros de passageiros.

 

VI - CUSTAS PROCESSUAIS

41. O disposto nos artigos 22.º, n.º 4 do RJAT, e 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, (RCPAT) preceituam que na decisão arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas diretamente resultantes do processo arbitral.

 

VII - DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral Singular decide o seguinte:

1)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos atos de liquidação adicionais de ISV identificados em 9 d), determinados pelo despacho de 3 de novembro de 2015.

2)      Indeferir a impugnação da força probatória de documento autêntico, consubstanciado no certificado de inspeção para atribuição de matrícula, por falta de legitimidade da Requerida.

3)      Condenar a Requerida no pagamento das custas arbitrais.  

 

 Nos termos do disposto no artigo 97.º A, do CPPT, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em € 14 132,94 € (catorze mil cento e trinta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), importância correspondente à soma das impugnações cuja anulação foi requerida.

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, as custas são fixadas no valor de € 918 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de dezembro de 2016.

O Árbitro Singular

 

António Manuel Melo Gonçalves