Acórdão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Sérgio Pereira e Vera Figueiredo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25/5/2016, acordam o seguinte:
I. Relatório
1. A sociedade A…, S.A. (doravante designada por “Requerente” ou “A…”), com o n.º de identificação fiscal…, com sede na Rua …, n.º…, … andar, …-… Porto, apresentou, no dia 14 de março de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral para declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional n.º 2015… e n.º 2015…, referentes aos exercícios de 2011 e 2012, respetivamente, relativos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), acrescido de juros compensatórios (relativos aos mesmos períodos), no valor total de € 291.512,16 (€ 199.412,46 e € 92.099,70), bem como para levantamento da garantia bancária prestada e pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
2. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 10 de maio de 2016.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído no dia 25 de maio de 2016.
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional mencionados supra e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, e, ainda, o levantamento da garantia bancária oportunamente apresentada pela Requerente, bem como o pagamento de uma indemnização pela prestação de garantia indevida.
5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e consequentemente a absolvição da Requerida de todos os pedidos, mantendo-se os atos de liquidação em análise, bem como os respetivos juros compensatórios, por não violarem qualquer preceito legal.
6. Por despacho de dia 30 de junho de 2016, o Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, notificou a Requerente para proceder à concretização de artigos referentes a aspetos de facto do pedido de pronúncia arbitral, relativamente aos quais pretende produzir prova testemunhal.
7. Por Despacho de 14 de julho de 2016, o Tribunal Arbitral Coletivo designou o dia 12 de setembro de 2016, pelas 14h30 horas, para efeitos de realização da audiência de julgamento, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT. Mais indicou que, na referida reunião se procederia à inquirição de testemunhas, seguida de alegações orais, caso fossem necessárias, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, do RJAT.
8. No dia 12 de setembro de 2016, pelas 14 horas e 30 minutos, teve lugar, na sede do CAAD, Avenida Duque de Loulé n.º 72-A, Lisboa, a audiência prevista no artigo 18.º do RJAT, para efeito de produção da prova testemunhal.
9. Foram inquiridas duas testemunhas, arroladas pela Requerente, a saber: B… e C… (Revisor Oficial de Contas e Contabilista Certificado da sociedade, respetivamente). A Requerente prescindiu da terceira testemunha por si arrolada e requereu a junção aos autos de dois documentos, que ficaram anexos à Ata, na sequência da aceitação, pelo Tribunal, da sua junção, tendo sido concedidos 10 dias, ao representante da Requerida, para se pronunciar sobre os mesmos.
10. O Tribunal Arbitral concedeu também um prazo de 15 dias sucessivo para a Requerente e Requerida apresentarem por escrito as suas alegações finais, iniciando-se o prazo da Requerida, para o efeito, da notificação das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para tanto.
11. O Tribunal designou o dia 25 de novembro de 2016 para efeito da prolação da decisão arbitral, prazo que veio a prorrogar, por despacho de 23 de novembro, de 2016, para o dia 24 de janeiro de 2017.
12. As partes apresentaram alegações escritas reiterando, no essencial, as posições por si anteriormente sustentadas.
13. Finda a fase da audiência final, a Requerente apresentou requerimento, invocando factos supervenientes, com base nos quais formulou pedido adicional de condenação da Requerida no reembolso de imposto entretanto pago pela primeira (em conformidade com o regime previsto no D.L. n.º 67/2016, de 3 de Novembro), no montante de €254.681, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor. Proporcionado o exercício do contraditório, a Requerida nada veio dizer. O Tribunal proferiu despacho, em 14 de janeiro de 2017, pronunciando-se no sentido da admissibilidade do pedido em causa, a decidir com os demais na apreciação do mérito.
II. Pretensões das partes
14. A fundamentar o pedido invoca a Requerente erro sobre os pressupostos de facto, o qual conduziu à incorreta aplicação do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, e consequentemente à errada tributação de meros suprimentos de acionistas a título de pagamento de lucros ou do respetivo adiantamento.
-
Começou a Requerente por reforçar aquele que tem sido desde o início do procedimento de inspeção, o seu entendimento, segundo o qual “os movimentos contabilísticos que a AT colocou em causa correspondem, tão-somente, ao reembolso de dívida (v.g., suprimentos) ao acionista Senhor D…”.
-
Segundo a Requerente, o lançamento a débito realizado nas suas contas, a 31 de dezembro de 2010, no valor de € 3.620.000, decorre de uma ata da Assembleia Geral da mesma, realizada a 13 de abril do mesmo ano, na qual foi deliberada a conversão de suprimentos detidos por um dos acionistas da Requerente, em prestações acessórias.
-
Não obstante, no entendimento da Requerente, tal ata encontrava-se inquinada de erros terminológicos, a título de exemplo, “como resulta evidente do exposto, a ata enferma de erro, decorrendo das mais básicas regras de interpretação que onde se lê «acionista única» se deva ler «acionista maioritária»”.
-
Todavia, nas suas palavras, pese embora os erros terminológicos da Ata de Assembleia Geral em análise, não podem subsistir dúvidas acerca da acionista cujos suprimentos foram transformados em prestações acessórias: a sociedade E… SGPS (e não o Sr. D…).
-
Até porque, segundo a Requerente, “jamais o senhor D… poderia, em 2010, ter convertido suprimentos, no valor de € 3.620.000, em prestações acessórias de capital já que, à data da deliberação, aquele acionista tinha constituído suprimentos a favor da Requerente que ascendiam apenas a € 47.500 (…)
-
Paralelamente, à data da conversão dos suprimentos em Prestações Acessórias, era a E… que detinha suprimentos, na Requerente, em valor superior a € 3.620.000 que permitiam realizar esta conversão em prestações (…).
-
Também neste sentido, sempre se refira que a E… corrigiu o movimento associado à ata sobredita através de uma «re-titularização» de terceiro, nos termos da qual se procedeu à redução dos suprimentos por via da transformação de € 3.620.000 em prestações acessórias, conforme decorre do documento que já se juntou como Doc. N.º 12.
-
Assim, este movimento deixou de constar na esfera do acionista Senhor D…, e o saldo da conta corrente daquele passou a ser, no final de 2010, e em conformidade com a realidade, de €47.500.
-
Tendo sido reposto o lançamento / contabilização da ata na qual as prestações acessórias deveriam ter sido realizadas pela E…”.
-
Em paralelo, a Requerente relembra também que o Sr. D… lhe cedeu um crédito de que aquele era titular sobre a F…, no valor de € 1.400.555,98, no dia 12 de janeiro, ficando o mesmo credor da Requerente no montante total de € 1.448.055,98. No âmbito do contrato relativo a essa cessão de créditos, “ficou determinado que «a contrapartida da presente cessão de créditos é satisfeita pela A… [aqui Requerente] ao Primeiro Contraente [Senhor D…] através da extinção de créditos que a A… é titular sobre o Primeiro Contraente, de montante equivalente ao crédito cedido»”.
-
Todavia, uma vez mais, defende a Requerente que a supracitada cláusula encontrava-se inquinada de erro, já que “o Senhor D… não era devedor à Requerente de um montante equivalente ao crédito que detinha sobre a F… e que foi cedido, pelo que nunca poderia a compensação propugnada no contrato proceder.
-
Assim (…) o contrato celebrado foi objeto de um aditamento entre as partes [em outubro, não fazendo, ao contrário de todos os outros documentos, referência ao ano em que o mesmo foi celebrado] (…), mediante o qual foi alterado o teor da Cláusula Terceira supra referenciada, tendo na mesma ficado expresso que em contrapartida da cessão em referência seria efetuado o pagamento do respetivo valor nominal.
-
Na verdade, as partes concordaram em reduzir o contrato celebrado à sua parte válida, ao abrigo do artigo 232.º do Código Civil, substituindo a Cláusula Terceira inquinada pela que se seguidamente se transcreve: «Cláusula Terceira – os créditos em causa neste contrato serão cedidos pelo preço igual ao respetivo valor nominal»”.
-
A Requerente salienta que o aditamento anteriormente citado produziu efeitos, retroativamente, a 12 de janeiro de 2011. Todavia, o referido contrato foi, uma vez mais por lapso, somente registado contabilisticamente no ano de 2012.
-
A mesma defende que, “independentemente da respetiva relevação contabilística (…), a verdade é que, pelo contrato em causa, a Requerente adquiriu, em 12 de janeiro de 2011 e pelo respetivo valor nominal, o crédito de que era titular o Senhor D… sobre a F…, no valor de € 1.400.555,98. Como tal (…) o Senhor D… ficou, a partir de 12 de janeiro de 2011, credor da Requerente por suprimentos de igual valor, a que acresciam suprimentos de € 47.500,00 anteriormente referidos. Torna-se, pois evidente, que as transferências realizadas pela Requerente para o Senhor D… em 2011 e 2012 correspondiam à devolução de suprimentos resultantes do contrato de cessão de créditos que nos temos vindo a referir.(…)Razão pela qual, e como é evidente, não pode incidir IRS sobre as mesmas.Com efeito, se a conta do acionista apresenta uma situação de dívida da Requerente para com o primeiro, as transferências feitas por esta correspondem tão-só e apenas a um reembolso de dívida a que não poderá ser aplicada a presunção constante do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS”.
-
Ainda segundo outra perspetiva, a Requerente considerou que resulta da conjugação do princípio da tipicidade fiscal tutelado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio da capacidade contributiva, consagrado no artigo 4.º da LGT que “o ato tributário deve ter sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual deve, por sua vez, encontrar-se prevista na lei fiscal como uma situação geradora do direito ao imposto”.
-
Ora, se nenhum rendimento foi disponibilizado ao Senhor D…, sendo certo que todas as prestações por si recebidas o foram, tão só e apenas, a título de reembolso da dívida que a Requerente tinha perante o seu acionista, o Senhor D… nunca poderá ser tributado em sede de IRS”.
-
A Requerente concede ainda, por mera cautela de patrocínio, a possibilidade dos reembolsos anteriormente referidos revestirem, a final, a natureza de mútuos por parte da Requerente ao seu acionista.
-
Ora, ainda que assim fosse, a Requerente considera que os mesmos (mútuos) “teriam sido reembolsados por via do Contrato de Assunção de Dívida celebrado em 28 de maio de 2013 (…)”, sendo irrelevante o facto de o mútuo não ter respeitado a forma legalmente prevista.
-
Ora, do ponto de vista da Requerente, “a vingar a tese da AT quanto ao facto de o Senhor D… ser devedor à Requerente, então os montantes que esta lhe disponibilizou foram-no a título de mútuos, não podendo ser presumida a distribuição ou o adiantamento de lucros, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, tanto mais que, a vingar o cenário da AT, a dívida teria sido ressarcida em 2013.
-
A Requerente termina peticionando a anulação dos atos de liquidação anteriormente indicados e, bem assim, que lhe seja devida indemnização, nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
15. A AT apresentou resposta, invocando, entre o mais, que:
-
A questão nuclear do presente processo arbitral se prende com saber se os lançamentos a débito efetuados na conta (…) do acionista da Requerente – Sr. D…– se presumem feitos a título de pagamento ou adiantamento de lucros, o que a verificar-se determina que deveriam ser sujeitos a retenção na fonte de IRS.
-
Isto porque “um lançamento a débito na conta do referido acionista, efetuado em 31.12.2010, no montante de € 3.620.000,00, suportado na deliberação da Assembleia Geral exarada na Ata N.º 93, originou um saldo devedor de € 3.572.500,00 e, em simultâneo, tornou-o titular de prestações acessórias à Requerente. A Requerente alega que a referida ata está inquinada por erros terminológicos, concretizados na referência a acionista única em vez de acionista maioritária, donde resulta que os suprimentos objeto de conversão só poderiam ser os titulados pela acionista Sociedade E…, SGPS e não pelo acionista D… que apenas era titular de suprimentos, no montante de € 47.500,00. Mais se acrescenta que a sociedade E… SGPS, S.A. era titular, nessa data, de suprimentos em montante superior a € 3.620.000,00, pelo que a deliberação exarada em ata a que acima se alude nunca produziu efeitos em relação ao acionista Senhor D… . No entanto, ainda que se verifique (…) que o crédito do Senhor D… sobre a Requerente era apenas de € 47.500,00, à data de 10.12.2010, na realidade, o movimento contabilístico efetuado em 31.12.2010, concretizador da deliberação aprovada em Assembleia Geral de 13 de Abril de 2010, lançou a débito o montante de € 3.620.000,00, por contrapartida da conta … – Prestações Acessórias Sr. D…, com o descritivo Acta N.º 93 – …., não foi objeto de qualquer estorno ou retificação à posteriori, mantendo-se os seus efeitos nas demonstrações financeiras durante os anos subsequentes, mormente em 2011 e em 2012. Não foram, assim, extraídas consequências no plano contabilístico e patrimonial, quer da Requerente, quer dos seus acionistas, do alegado erro cometido na Acta n.º 93, porquanto, o Senhor D… continuou a figurar como titular de Prestações Acessórias efetuadas à Requerente, no montante de € 3.620.000,00, sem que os correspondentes fundos tivessem dado entrada nesta sociedade, mantendo uma posição devedora perante esta sociedade”.
-
Para a Requerida, apesar de ser referido na petição inicial da Requerente que houve uma correção no “«movimento associado à ata sobredita através de uma «re-titularização» de terceiro, nos termos da qual se procedeu à redução dos suprimentos por via da transformação de € 3.620.000,00 em prestações acessórias (…) e assim neste momento deixou de constar na esfera do acionista Senhor D… e o saldo da conta corrente daquele passou a ser, no final de 2010, e em conformidade com a realidade, de € 47.500, a verdade é que os movimentos da conta … – Sr. D… na Sociedade A…, S.A. (Requerente), entre 01.01.2011 e 31.12.2012, não espelham qualquer estorno em ordem a repor a alegada realidade dos factos»”.
-
Acresce ainda que “não é apresentado qualquer extrato sobre os movimentos da conta da acionista E… SGPS (Portugal), S.A., para efeitos de confirmar a alegada redução dos suprimentos por via da transformação de € 3.620.000,00 em prestações acessórias. O relatório da IT revela ainda que, apesar do saldo devedor da conta do acionista e, portanto, indicador da inexistência de suprimentos, foram efetuados outros movimentos, «ao longo dos anos de 2011 e 2012, transferências bancárias de contas da empresa para as contas particulares do acionista, bem como pagamento de despesas por sua conta, movimentos estes que são sempre contabilizados como reembolso de suprimentos…». Aliás no âmbito dos esclarecimentos prestados pela Requerente foi afirmado (…) que «… não foram elaborados contratos de suprimentos em virtude de não ter sido fixado o prazo de reembolso dos mesmos…»”.
-
Em face do exposto, a Requerida considera que D… passou, com a conversão daqueles suprimentos em prestações acessórias, a ter uma posição de devedor perante a Requerente, sendo, na sua opinião, esse o racional que suporta “o lançamento a crédito, em 12.03.2012, na conta … do montante de € 1.400.555,96, com o descritivo Contrato de Cessão de Créditos, que teve como resultado a diminuição da dívida daquele acionista”.
-
A Requerida desconhece “a razão pela qual a Cessão de Créditos apenas foi contabilizada em 2012”. Ademais, também considera que as alterações que decorreram do aditamento realizado ao contrato de cessão dos referidos créditos não vêm alterar a essência dessa operação. “Pois bem, com o devido respeito, a nova redação da Cláusula Terceira não alterou a essência da operação de cessão de créditos, que se consubstanciou na transferência para a Requerente de um crédito sobre a F… de que o Senhor D… era titular, apenas, veio clarificar que o preço da cessão era igual ao valor nominal”.
-
Reforça também que “o lançamento efetuado na conta …, com data de 12.03.2012, não foi objeto de estorno, pelo que subsistiram os seus efeitos”. A este respeito, a Requerida tirou quatro ilações, a saber: “Em 31.12.2010, o acionista passou a assumir uma posição devedora, ao tornar-se titular de prestações acessórias que apenas foram satisfeitas parcialmente (€47.500,00) mediante conversão dos suprimentos, mantendo-se em dívida o restante; A operação de cessão de créditos contabilizada em 2012, contribuiu para a redução do saldo da dívida; O acionista não efetuou suprimentos à Requerente nos exercícios sob análise; As retificações dos alegados erros praticados na Acta n.º 93, no Contrato de Cessão de Créditos e, mais tarde, no Contrato de Assunção de dívida, a final, não tiveram o adequado reflexo contabilístico”.
-
Assim, e fazendo alusão ao artigo 75.º da LGT, a Requerida considerou que a Requerente falhou em proceder às alterações nos elementos contabilísticos relevantes, por forma a espelhar as alterações já mencionadas, nomeadamente nas demonstrações financeiras relativas aos exercícios de 2011 e 2012.
-
Conclui a Requerida que aos alegados erros suscitados pela Requerente “não foi atribuída suficiente relevância que justificasse a retificação dos elementos refletidos na contabilidade”. Em face do exposto, a Requerida considera “que como a Requerente insiste que se tratou de reembolsos de suprimentos, apesar de inexistirem suprimentos, por imperativo legal, os movimentos financeiros entre a sociedade e um acionista foram analisados à luz do que dispõe o n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, segundo o qual «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sobre a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros»”. Entende, portanto, a Requerida que lhe cabe a tarefa de, nos termos do artigo 74.º da LGT, “fazer prova dos pressupostos em que assenta a presunção, ou seja, da efetiva transferência de fundos para os sócios e de que a sua origem não resulta de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais (…).Assim, a Inspeção Tributária (…) concluiu (…) que aquelas transferências de fundos teriam de presumir-se como tendo sido efetuadas a título de adiantamento por conta de lucros, qualificados como rendimentos de capitais, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do mesmo Código”.
-
Ademais, a Requerida procurou rebater o exercício realizado pela Requerente de que os reembolsos de suprimentos poderiam, em tese, equivaler a mútuos efetuados pela última ao seu acionista, posteriormente reembolsados por força do contrato de assunção de dívida.
-
Com feito, na opinião da Requerida, se se tratasse de “um mútuo efetuado pela Requerente ao acionista, competirá ao mutuário – Senhor D…– proceder à correspondente liquidação, todavia, o que resulta do Contrato de Cessão de Créditos e Compensação é que a dívida foi saldada por compensação entre as duas sociedades – a Requerente e a sociedade E…”.
l. Acresce ao exposto que, no entendimento da Requerida, a Requerente não cumpriu os requisitos formais relacionados com a constituição de mútuos.
-
Portanto, a conclusão a que chega a Requerida é que “as importâncias transferidas para o acionista Senhor D… a título de reembolsos de suprimentos constituem por força da presunção estabelecida no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS adiantamentos por conta de lucros, pelo que impelia sobre a Requerente a obrigação de proceder à retenção na fonte na data em que foram pagos ou colocados à disposição do acionista, à taxa liberatória prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo Código”. Devendo, nesse sentido, “o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências”.
III. Saneamento
16. O presente Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
16.1. O Tribunal é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 artigo 2.º do RJAT para julgar o pedido de anulação dos atos de liquidação de IRS.
16.2. A Requerente cumula pedidos, relativamente às liquidações de Imposto de IRS de 2011 e de 2012. Cumulação de pedidos que se afigura legítima, nos termos do artigo 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário e do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, segundo o qual “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”. O que é manifestamente o caso.
16.3.No que concerne à tempestividade da presente petição inicial, tendo a Requerente sido notificada, no dia 14 de dezembro de 2015, do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa submetida com vista a impugnar as liquidações adicionais indicadas supra, o prazo para a submissão deste expediente, tendo em consideração o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, terminava no dia 21 de abril de 2016.
16.4.Tendo esta petição inicial sido apresentada no dia 14 de março de 2016, a mesma é tempestiva.
16.5.Não se verificam quaisquer nulidades, nem foram alegadas pelas partes exceções ou questões prévias que devam ser analisadas de imediato, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
IV. Matéria de facto
A. Factos provados
O presente Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade anónima, que faz parte de um grupo de sociedades de origem familiar, detidas maioritariamente por um acionista individual (D…), conforme organograma das participações sociais (2010-2013), junto ao processo e que se reproduz infra:
b) Tal como decorre do organograma supra, a Requerente tinha, à data, dois acionistas: a E… SGPS Portugal, S.A. (doravante “E…SGPS”), com 99,64% do capital social da sociedade, e o Sr. D…, com 0,36% do capital social da sociedade.
c) No dia 13 de abril de 2010, em deliberação social, foi estabelecido que a acionista única da Requerente converteria suprimentos que tinha sobre a última, no valor de € 3.620.000,00, em prestações acessórias de capital na mesma.
d) A 20 de dezembro de 2010, um dos acionistas – D…- tinha um crédito, a título de suprimentos, sobre a Requerente, no valor de € 47.500.
e) A 31 de dezembro de 2010, o acionista Sr. D… passou a ter uma dívida, para com a Requerente, no valor de € 3.572.500, decorrente da diferença entre os suprimentos detidos e a dívida contraída por aquele para constituir as prestações acessórias, nos termos da ata social indicada supra.
f) A 12 de janeiro de 2011, D… cedeu créditos à Requerente, no valor de
€ 1.400.555,98, que o primeiro detinha sobre a F…, S.A. (doravante “F…”).
g) No âmbito do referido contrato de cessão de créditos ficou estipulado que a contrapartida daqueles créditos seria a extinção de créditos que a Requerente detinha sobre o Sr. D…, de montante equivalente.
h) Posteriormente, tal contrato foi alterado, em outubro (não se identifica o ano), mediante modificação da cláusula terceira, com efeitos retroativos à data da celebração do contrato de cessão de créditos anteriormente indicado, onde se estabeleceu que os “créditos em causa neste contrato serão cedidos pelo preço igual ao respetivo valor nominal”.
i) O referido contrato de cessão de créditos somente foi registado, contabilisticamente, no dia 12 de março de 2012.
j) D… assinou diversos recebidos de quitação, nos quais atesta o recebimento de montantes, a título de reembolso de suprimentos, no montante total de € 875.615, ao longo dos anos de 2011 e 2012 (ver tabela infra).
k) O saldo das operações na conta corrente do acionista D… na Requerente, relevantes para o efeito da presente discussão, poderão ser ilustradas da seguinte forma:
l) No dia 28 de maio de 2013, a Requerente, D… e a E… SGPS, celebraram um contrato de assunção de dívida, no qual a última se obrigou a assumir a dívida que D… tinha para com a Requerente, no valor de
€ 3.054.887.
m) Em contrapartida, a sociedade E… SGPS passou a deter um crédito sobre D…, em valor igual ao indicado no número anterior.
n) Não obstante, no dia 23 de outubro de 2014, e já após o início da ação de inspeção anteriormente referida, as partes envolvidas no contrato de assunção de dívida anteriormente indicado, promoveram a sua revogação, substituindo-o por um Contrato de Cessão de Créditos e Compensação, o qual tinha efeitos retroativos à data da celebração do contrato substituído, e no qual se previa que afinal a dívida em crise seria entre a Requerente (devedor) e a sua acionista maioritária (credor), sendo a titularidade do respetivo crédito cedido agora pela E… SGPS ao Sr. D… (novo credor).
o) Em 2014 foi realizada uma ação de inspeção de âmbito geral, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2014… e por referência aos exercícios de 2011 e de 2012, a qual deu origem às seguintes liquidações:
§ Liquidação n.º 2015…, referente a 2011, no valor de € 172.281,00;
§ Liquidação n.º 2015…, referente a 2012, no valor de € 82.400,00.
p) A Requerente reclamou graciosamente das liquidações adicionais elencadas infra, tendo o indeferimento expresso da referida reclamação sido notificado à mesma no dia 14 de dezembro de 2015.
q) Perante o indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral no dia 14 de março de 2016.
r) Em paralelo, a Requerente apresentou uma garantia bancária para suspensão dos processos de execução fiscal n.º …2015… e n.º …2015… instaurados para cobrança coerciva das liquidações adicionais de IRS.
s) Em 6 de dezembro de 2016 a Requerente procedeu ao pagamento do imposto em causa pelo montante de €254,681 apurado nos termos do programa especial de redução do Endividamento ao Estado (PERES) - doc. junto aos autos pela Requerente.
B. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa não há factos que não se tenham provado.
C. Fundamentação do julgamento da matéria de facto
A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou de todo o exame dos documentos juntos aos autos, bem como na apreciação do teor dos articulados e do processo administrativo igualmente junto aos autos.
V. Do Direito
A questão jurídica essencial no caso em apreço reconduz-se a apurar se os fluxos financeiros realizados pela Requerente em benefício de um dos seus acionistas (D…), em 2011 e 2012, assumem ou não a natureza de lucros, designadamente se os mesmos são reembolsos de suprimentos, adiantamentos por conta de lucros ou mesmo mútuos constituídos a seu favor.
As quantias em causa correspondem às transferências e pagamentos de despesas que, no ano de 2011, totalizaram €629.054,31 e que, no ano de 2012, corresponderam a €253.982,94. Valores que, na perspetiva da Requerida, deveriam ter dado origem a retenções na fonte nos montantes de €172.281 e €82.400, respetivamente.
A centralidade da questão referida resulta da circunstância de, caso se conclua estarem em causa lucros, dever haver lugar a retenção na fonte por parte da Requerente. Nesta hipótese, e dado que não houve lugar a tal retenção, seria de considerar improcedente o pedido formulado pela Requerente, dado que a liquidação realizada assentou precisamente na omissão de retenção na fonte por parte da impugnante.
A conclusão oposta conduziria ao resultado inverso.
Com efeito, e em conformidade com o previsto no artigo 5.º do C.I.R.S.:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
e) Os juros e outras formas de remuneração devidos pelo facto de os sócios não levantarem os lucros ou remunerações colocados à sua disposição”.
Prevê-se, por outro lado, no artigo 71.º do mesmo Código, que:
“1 - Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, os seguintes rendimentos obtidos em território português: (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
(…)
c) Os rendimentos a que se referem as alíneas d), e), h), i), l) e q) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 5.º”.
Assume, também, neste processo, particular relevo, a norma constante do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, de acordo com o qual, no âmbito dos rendimentos da categoria E, vale a seguinte presunção:
“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.
Por força desta estipulação (consagradora de presunção que inverte o ónus da prova), não se aplica, ao caso em presença, a regra geral, contemplada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, nos termos da qual “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Estas as principais normas jurídicas com relevo na presente ação, cuja interpretação há-de ter lugar de acordo com o critério previsto no artigo 11.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (“LGT”), segundo o qual: “Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
Nestes termos, por força do consagrado no referido artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, presume-se, na situação em análise, que as prestações realizadas, pela Requerente, ao sócio D…, assumem a natureza de lucro, incumbindo àquela ilidir tal presunção, mediante demonstração, nesta instância, do oposto.
Importa, assim, considerar se a Requerente logrou realizar a prova da sua versão dos factos.
Corresponde esta (versão da Requerente) à defesa de que os valores acima indicados correspondem, não a adiantamentos de lucros, mas ao reembolso de suprimentos.
Defesa que a Requerente sustenta contra-argumentando alguns dos argumentos invocados pela Requerida.
Com efeito, um dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira havia sido o facto de, em 31 de Dezembro de 2010, ter sido lançado, na conta do acionista D…, um valor a débito de €3.620.000, a título de transformação de suprimentos em prestações acessórias. Tendo, nesse momento, a conta, um saldo credor de €47.500, o referido acionista ficou a dever à Requerente o montante de €3.572.500 (valor decorrente da dedução de €47.500 a €3.620.000).
Nestes termos, sendo, o acionista em causa, devedor e não credor, as transferências operadas em 2011 e em 2012 não teriam tido lugar a título de reembolso de suprimentos (como constante dos registos contabilísticos), mas de adiantamento de lucros.
Contra-argumenta a Requerente invocando que a ata da Assembleia Geral, com o n.º 93, de 13 de Abril de 2010, de que consta a conversão de suprimentos no montante de €3.620.000, detidos pela “acionista única”, em prestações acessórias de igual valor, padece de erros terminológicos.
Cumpre, assim, em primeiro lugar, observar, não se aplicar, a este documento, a presunção contida no artigo 75.º da LGT, segundo o qual:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”,
Pois que, como resulta do n.º 2 da mesma norma, tal presunção decai quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Com efeito, é a própria Requerente que refere que o teor da referida ata não corresponde à realidade, dado que, de acordo com o entendimento daquela, a expressão “acionista única” se referiria a D… e não, como, por erro teria sucedido, à E…, SGPS.
Argumenta, a Requerente que, onde se diz “acionista única”, se deve ler “acionista maioritária” sendo que esta corresponde à E… SGPS (Portugal), S.A., pelo que seria quanto a esta (e não quanto a D…) que houve conversão de suprimentos em prestações acessórias. Com o que o fundamento invocado pela Requerida careceria de razão.
Ora, se é certo, por um lado, que, na data em que ocorreu aquela conversão (31 de dezembro de 2010), o acionista D… apenas detinha € 47.500 em créditos sobre a Requerente, sob a forma de suprimentos, corresponde também à verdade que, de acordo com a informação contabilística demonstrada pela Requerida, aquela informação reflete tal conversão em benefício de D…, sendo inequívoco que, fechado aquele exercício, este tinha uma dívida para com a Requerente no valor de € 3.572.500.
A Requerente apresentou, posteriormente, documentos de contabilidade interna, que demonstram o posterior estorno dessa operação. De tais documentos consta a correção da operação de conversão dos suprimentos em prestações acessórias, sendo, tal conversão, reportada à E… SGPS e não ao acionista D… .
De referir, porém, que para além de esta ser a única prova apresentada pela Requerente por respeito ao aludido tema, estão em causa documentos contabilísticos internos, não podem valer como base suficiente para prova da versão da Requerente, uma vez que, per si, não demonstram o estorno do erro contabilístico prévio. Ademais, sendo a Requerente obrigada à certificação legal de contas (tal como o é a sua acionista maioritária), não se entende porque não foram juntas a este processo as demonstrações financeiras das mesmas, devidamente certificadas, de modo a que, em termos fidedignos, se pudesse concluir sobre a identidade do verdadeiro detentor das referidas prestações acessórias.
Também aqui importa recordar que se, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, à data dos factos, se presumiam “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, essa presunção cai, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Termos em que, considerando tudo o até agora exposto (onde se evidenciam as diversas inconsistências da documentação interna da Requerente), a argumentação invocada pela Requerente não é de molde a permitir ilidir a presunção no sentido de que os fluxos financeiros operados em 2011 e em 2012 em benefício de D… correspondem a adiantamentos por conta de lucros.
No sentido de demonstrar que o acionista D… era efetivamente credor da Requerente e que, consequentemente, as transferências de 2011 e de 2012 correspondem a reembolsos de suprimentos, a Requerente invoca um contrato de cessão de créditos celebrado em 12 de Janeiro de 2011.
Também quanto a este documento não vale a presunção prevista no artigo 75.º da LGT, n.º 1, atento o previsto no seu n.º 2.
Com efeito, é também a Requerente que assinala a existência de erro no mencionado documento. Defende, a esse propósito, que, apesar de, do contrato em causa, constar que D… cedia à Requerente o crédito (no valor de €1.400.555,98) que aquele detinha sobre a F…, S.A., assim extinguindo dívida sua, no mesmo valor, perante a Requerente, tal não corresponde à verdade, pois que D… não era, afinal, devedor da Requerente nesse montante. Erro que teria determinado uma posterior correção do referido contrato (com efeitos retroativos a 12 de Janeiro), passando a constar do mesmo que, na sequência da referida cessão de créditos, o acionista D… não veria extinta dívida, sua, perante a Requerente, antes ficando com direito a receber preço igual ao valor do crédito cedido.
Com o que, na perspetiva da Requerente, o acionista D… teria ficado, desde 12 de Janeiro de 2011, por essa razão, credor de suprimentos no valor de €1.400.555,98. Suprimentos que teriam estado na base dos movimentos (de reembolso) operados em 2011 e em 2012.
Cabe, porém, observar diversos aspetos.
Por um lado, que, apesar de o referido contrato de cessão de créditos estar datado de 12 de janeiro de 2011, o mesmo só foi contabilisticamente registado no dia 12 de março de 2012, desconhecendo-se o motivo para tal procedimento. Termos em que, uma vez mais, a contabilidade interna se revela inquinada de erros que são materiais, à luz dos deveres de fiscalização das contas que recaem, nomeadamente, sobre os Revisores Oficiais de Contas.
Tanto mais quando não está em causa um valor reduzido – antes um montante avultado - que, estranhamente, não foi validado pela entidade responsável pela revisão legal de contas.
Tudo o que, a somar-se ao acima exposto, é mais um indício da pouca fiabilidade da documentação contabilística da Requerente.
Do contrato de cessão de créditos decorre, por outro lado, claramente, que aquele serviu para satisfazer uma dívida, pré-existente, do acionista D… para com a Requerente.
Com efeito, na redação do contrato (datado de datado de 12 de janeiro de 2011) que implica a cessão de créditos no valor de € 1.400.555,98 (montante relevante para qualquer sociedade no contexto empresarial português), é expressamente reconhecido que essa dívida existe e que com aquela cessão de créditos se pretende extinguir parte da mesma.
A este respeito, atente-se na Cláusula Terceira do referido contrato de cessão de créditos, segundo a qual “a contrapartida da presente cessão de créditos é satisfeita pela A… ao Primeiro Contraente através da extinção de créditos de que a A… é titular sobre o Primeiro Contraente de montante equivalente ao crédito cedido”.
Por outro lado, ainda, é de salientar que, apesar de a Requerente invocar que aquela cláusula veio a ser alterada (passando a constar da mesma que “os créditos em causa neste contrato serão cedidos pelo preço igual ao respetivo valor nominal”), fá-lo de uma forma vaga e imprecisa, reportando-a a 1 de outubro de um ano que se desconhece.
Acresce referir que a genericamente invocada alteração não representa argumento suscetível de demonstrar que à data da cessão de créditos (seja esta feita a que título for), não havia qualquer dívida do Sr. D… para com a primeira.
Com efeito, do aditamento ao contrato que a Requerente invoca, somente se refere que os créditos são cedidos pelo seu valor nominal. Se essa informação poderá ser relevante, por exemplo, num futuro cenário de alienação dos créditos (designadamente para se saber qual é o custo fiscal dos mesmos na esfera da entidade alienante), dela não decorre a prova se descortina de que o acionista D… não tinha uma posição devedora perante a Requerente.
De referir, por outro lado, que, também aqui, a contabilidade da Requerente não vai ao encontro dos factos.
Cumpre, ainda, apreciar a valia de um outro documento, junto aos autos, correspondente a um Contrato de Assunção de Dívida, celebrado no dia 28 de maio de 2013, em que se estabelece que a dívida que o acionista D… tem para com a Requerente, no valor de € 3.054.887, é assumida pela E… SGPS., ficando, em contrapartida, a E… SGPS, com um crédito sobre o acionista, em igual valor.
Uma vez mais, vem a Requerente dizer que aquele Contrato de Assunção de Dívida, está (à semelhança de todos os documentos relevantes para o efeito da presente análise) inquinado de erros, pelo que, também aqui, não vale a presunção prevista no n.º 1 do referido artigo 75.º da LGT, dado o previsto no seu n.º 2.
Invocando que o acionista D… não é devedor de qualquer montante à Requerente, argui esta que o Contrato de Assunção de Dívida não tem qualquer propósito, juntando ao processo, em sede de inspeção, um novo contrato que revoga o anterior.
Neste novo contrato estabelece-se que a dívida, no valor de 3.054.887, é afinal da Requerente para com a E… SGPS, prevendo-se, igualmente, que a última ceda o crédito que tem sobre a Requerente ao acionista D… .
Cumpre salientar que este novo contrato foi assinado já após o início da inspeção fiscal anteriormente referida, bem como que se fica sem se conhecer a efetiva origem da dívida em questão.
Por outro lado, se a argumentação invocada pela Requerente fosse considerada procedente, aquele primeiro contrato não faria realmente qualquer sentido, não se compreendendo (nem procurando a Requerente explicar) o motivo que levou à sua redação.
De referir ainda que, para além de o que a Requerente invoca quanto a este documento, ser um acontecimento estranho, o mesmo não tem qualquer relevância para a presente discussão, pois, para além de não permitir apurar a verdade material, ocorreu em data posterior ao período em crise - os anos de 2011 e 2012.
Erro tanto mais surpreendente quanto constitui um argumento que a Requerente invoca quanto a diversos documentos de relevo nesta ação – sustentando encontrarem-se todos eles inquinados de erros, lapsos e vícios.
Com efeito, em face dos argumentos aduzidos pela Requerente, não pode deixar de notar-se a existência de erros, recorrentes, ao nível da documentação que aquela invoca, bem como o facto de esta sustentar a sua posição em alterações que vem a efetuar às versões iniciais de tais documentos.
Assim, todos os elementos documentais relevantes se encontravam, segundo a Requerente, inquinados ou de erros terminológicos (como é o caso da ata da assembleia geral relativa à conversão de suprimentos em prestações acessórias ou o contrato de cessão de créditos) ou de lapsos (como é a situação da contabilidade da Requerente).
Na verdade, a posição sustentada pela Requerente é rica em incertezas, inconsistências, incongruências e erros.
De salientar, ainda, que, reconhecendo erros terminológicos e lapsos nos documentos que junta, a Requerente também não procurou trazer outros elementos de prova, de relevo, capazes de, sem margem para dúvida, afastar a presunção do artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Cumpre, ainda, apreciar a argumentação da Requerente quando invoca estar em causa um contrato de mútuo.
De acordo com o que a Requerente argui, em sede de petição inicial, “…aqueles reembolsos de suprimentos consubstanciariam mútuos por parte da Requerente ao seu acionista, mútuos, estes, que teriam sido reembolsados por via do Contrato de Assunção de Dívida celebrado em 28 de maio de 2013 (…) Assim, a Requerente não compreende aquilo que a AT defende (…) «quanto à desconsideração do mútuo, o mesmo foi desconsiderado, não pela inexistência de contrato formal, mas sim, pelo facto de nunca ter sido exibido qualquer documento particular autenticado ou escritura pública, denunciando a sua existência (…)» com efeito, a AT dá implicitamente primazia à forma (…) em detrimento da substância (…) Antes de mais, e como é consabido, no direito tributário vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma, princípio este que se encontra expressamente vertido no artigo 11.º, n.º 3 da LGT (…), não seria o facto de o mútuo não ter respeitado a forma legalmente prevista – nomeadamente a celebração da escritura pública – que levaria à respetiva desconsideração para efeitos fiscais (…) Assim, a vingar a tese da AT quanto ao facto de o Senhor D… ser devedor à Requerente, então os montantes que esta lhe disponibilizou foram-no a título de mútuos, não podendo ser presumida a distribuição ou adiantamento de lucros, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS. Tanto mais que, a vingar o cenário da AT, a dívida teria sido ressarcida em 2013”.
A argumentação que a Requerente aqui expõe revela-se incongruente e incompatível com aquela que anteriormente sustentou no mesmo articulado.
Com efeito, refere a Requerente que os alegados mútuos “teriam sido reembolsados por via do Contrato de Assunção de Dívida celebrado em 28 de maio de 2013 (…)”.
Tal contrato de Assunção de Dívida não havia, porém, sido revogado? Não é, na verdade, juridicamente possível sustentar, em simultâneo, a revogação e a não revogação de um mesmo contrato.
Por outro lado, também não alegou, a Requerente, factos passíveis de permitir concluir pela celebração de contratos de mútuo com o acionista, o que impede o tribunal de concluir no sentido de tal celebração.
A decisão no sentido da não celebração desse tipo contratual não assenta, por isso, na mera inobservância de forma. Em direito fiscal vigora, na verdade, o princípio da substância sobre a forma, pelo que, “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.
Ora, o que no caso presente sucede é a ausência de alegação de factos que substancialmente possam ser feitos corresponder à categoria de contrato de mútuo.
Por força das incongruências e erros graves de que padece a narrativa da Requerente procurou, esta não lograr desenhar uma solução alternativa que permitisse afastar a presunção que decorre do aludido artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS.
Na verdade, chamada a contrapor aquela presunção, a Requerente, não logrou fazê-lo, fornecendo apenas um sem número de elementos inconsistentes, por isso, inutilizáveis para defesa da sua tese.
Podendo-se socorrer de elementos de prova credíveis, como o são, por exemplo, as demonstrações financeiras certificadas, optou por não o fazer, colocou-se, assim, à mercê daquela presunção.
Considerando a substância económica dos factos e não respeitando, os fluxos financeiros em causa, a reembolsos de suprimentos, nem a mútuos, devem aqueles ser juridicamente considerados adiantamentos por conta dos lucros.
Em paralelo, diga-se também que não se alcança por que razão a Requerente trouxe à colação os princípios fiscais da tipicidade da lei fiscal e da capacidade contributiva.
Com efeito, o IRS, designadamente as normas de liquidação através de retenções na fonte, estão legalmente tuteladas no respetivo código, cabendo à entidade pagadora, quando dispuser de contabilidade organizada, fazê-las.
Por outro lado, o princípio da capacidade contributiva não é posto em causa, já que o acionista D… teve, efetivamente, um incremento do seu património, mediante um rendimento proveniente do adiantamento de lucros de uma sociedade da qual é titular de participações sociais.
Consequentemente, esse rendimento, a existir, é tributado, nos termos gerais, não havendo lugar a qualquer violação de princípios constitucionais, como pretende a Requerente.
Por último, e quanto às observações da Requerente sobre o valor das deliberações sociais, reitera-se tudo o que se expôs ao longo do presente Acórdão arbitral.
Na verdade, e independentemente do valor que seja atribuído àquelas deliberações, a verdade é que, na contabilidade da Requerente, foi espelhada, ainda que incorretamente, a conversão de suprimentos (inexistentes) do acionista D… em prestações acessórias. A partir de então, a Requerente, deveria ter espoletado o estorno desses erros, materializando-o. E, se o fez, não logrou em prová-lo, por tudo o que previamente se disse.
Por força de tudo o que se expôs, é de concluir o que a argumentação expendida pela Requerente não é de molde a ilidir a presunção de que os fluxos financeiros (acima referidos), operados, em 2011 e em 2012, em benefício do acionista D…, correspondem ao adiantamento de lucros, por não se afigurar suficiente, tal argumentação, para convencer o tribunal de que (contrariamente ao que a Requerente invoca) estava em causa o reembolso de suprimentos.
Porque assim, pronuncia-se, o presente tribunal, no sentido de que as liquidações adicionais de IRS efetuadas pela Requerida não enfermam de qualquer ilegalidade, sendo considerado totalmente improcedente o pedido de anulação das liquidações objeto da presente ação, o que consequentemente implica o indeferimento dos demais pedidos formulados, designadamente o de levantamento da garantia e de indemnização pela garantia prestada pela Requerente, bem como o de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
VI. Decisão
Termos em que este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
-
julgar improcedentes os pedidos, formulados pela Requerente, mantendo-se na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados e
-
condenar a Requerente nas custas do processo.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 291.512,16, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII. Custas
De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.202 nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência total do pedido.
Notifique-se.
Lisboa, 18 de janeiro de 2017.
Os Árbitros,
Fernanda Maçãs – Árbitro Presidente
Sérgio Santos Pereira – Árbitro Adjunto
Vera Figueiredo – Árbitro Adjunto