Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
A - As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A…, contribuinte fiscal n.º…, residente na Rua …, nº…, …, …-… Amadora, (doravante designada por “Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2014, com o nº 2015 … e de juros compensatórios nº 2015…, no valor total de €26.542,99, pretendendo a sua anulação, bem assim como do Despacho da Exma. Sra. Diretora de Finanças Adjunta, de 2-11-2015.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 10-03-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 11-03-2016 e de imediato notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT. Em 04-05-2016 o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou árbitro para constituição do Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19-05-2016.
Em 19-05-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.
3. Em 23-06-2016 a Requerida veio juntar aos autos a sua Resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta, a Requerida veio impugnar os argumentos invocados pela Requerente, vertidos no pedido arbitral deduzido.
4. Em 05-09-2016 foi proferido despacho arbitral no qual foi fixada a data de 15-09-2016, pelas 10 horas, para realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, destinada à realização da inquirição de testemunhas indicadas pela Requerente.
Na data fixada realizou-se a reunião como previsto, tendo a Requerente prescindido da testemunha B… e requereu o adiamento das testemunhas C…, D… e E… . Foi concedido o adiamento, com a concordância da Requerida e, de comum acordo, foi agendada uma segunda sessão para completar a inquirição no dia 14-10-2016, às 10 horas e 30 minutos.
Terminada a inquirição das testemunhas o Tribunal, a requerimento das partes, fixou o prazo de 15 dias, igual e sucessivo, para alegações escritas.
Foram as partes convidadas a enviar aos autos as respetivas peças processuais em formato word e a Requerente notificada para o pagamento da taxa arbitral subsequente. Atendendo ao tempo que foi necessário para a produção da prova testemunhal e o prazo para produção das alegações, o Tribunal prorrogou o prazo previsto no artigo 21º do RJAT por dois meses e designou o dia 10-01-2017 para prolação da decisão arbitral. Tudo conforme consta das respetivas atas juntas aos autos e que se dão por reproduzidas.
A Requerente apresentou as suas alegações em 31-10-2016 e a Requerida em 18-11-2016.
B - DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
6. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral, para obter a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS, da liquidação de juros compensatórios e do Despacho que terminou a correção da Modelo 3 do IRS referente ao ano de 2014, invocando os seguintes fundamentos:
a) Vício de forma por falta de fundamentação, porquanto as liquidações notificadas à Requerente não explicitam os fundamentos que determinaram a sua emissão, limitando-se a indicar um conjunto de valores sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, totalmente impercetíveis para um destinatário normal;
b) Vicio de forma por preterição de formalidade essencial por violação do disposto no artigo 60º, nº1 da Lei Geral Tributária (direito de audição prévia).
c) Por mera cautela, caso se entenda que o Despacho da Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa (por delegação), proferido em 2-11-2015, tem alguma relação com os atos de liquidação de IRS e de Juros compensatórios impugnadas, a Requerente invoca violação do artigo 50º do CPPT e 72º da LGT e, por último, violação de lei, por erro sobre os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 10º, nº5 do CIRS.
Termos em que conclui pela ilegalidade das liquidações impugnadas, pedindo a sua anulação, com as consequências legais, incluindo o pagamento da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
7. Na sua resposta a AT vem pugnar pela legalidade das liquidações e pela improcedência do pedido. Alega em síntese, quanto ao vício de forma, que resulta de toda a exposição de motivos que fundamentam o pedido arbitral deduzido, a Requerente entendeu muito bem quais os motivos da correção efetuada, tanto mais que acompanhou o procedimento tributário de fiscalização que antecedeu a emissão das liquidações de imposto e de juros compensatórios. No âmbito deste procedimento a Requerente foi notificada para vir exercer o seu direito de audição prévia, que exerceu efetivamente, e por isso não pode desconhecer que o Despacho de 2-11-2015 tem relação com as liquidações emitidas, pois que traduz a decisão final de um procedimento que culminou com a emissão das referidas liquidações. Assim não faz sentido, na perspetiva da Requerida, a alegação dos vícios de forma invocados pela Requerente.
Idêntica conclusão resulta quanto à alegada violação dos artigos 50º do CPPT e 72º da LGT, porquanto a realidade a comprovar, com relevância para o caso em apreço, se encontra demonstrada por prova documental, e, sendo assim, de nenhuma relevância se afigura inquirir testemunhas. A instrução do procedimento cabe à AT e esta entendeu que não havia interesse na inquirição, porque os factos relevantes para a decisão resultam demonstrados em documentos juntos ao processo administrativo. Encontrando-se os factos relevantes provados por documento não se justifica a produção de prova testemunhal, a qual é uma possibilidade que o órgão instrutor utiliza se e quando considera necessário. Não era o caso dos presentes autos.
Por último, quanto ao vício de violação de lei, entende também que este não se verifica, dado que a correção efetuada, por força da desconsideração do reinvestimento, decorre da circunstância de se ter apurado que a Requerente não podia beneficiar do disposto no artigo 10º, nº5 do CIRS, porquanto a sua residência fiscal era diferente da morada do imóvel alienado que a Requerente declarou como correspondendo à sua habitação própria permanente. Foi a própria Requerente que voluntariamente alterou a sua morada fiscal, pelo que, não se verificam os pressupostos legais para a aplicação do disposto no nº5 do artigo 10º do CIRS. Assim, a Requerida conclui que as correções efetuadas correspondem à correta interpretação e aplicação da lei, que as liquidações impugnadas não padecem de nenhuma ilegalidade, devendo improceder o presente pedido arbitral.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
9. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
10. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III – Matéria de facto
A- Factos Provados
11. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
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A Requerente adquiriu em 29 de dezembro de 1993, pelo preço de 1.649.600,00 escudos, correspondentes a €8.228,17, o imóvel sito na Rua …, nº…, ..., …-… Lisboa,
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Para esta aquisição a Requerente recorreu, então, a crédito bancário, como resulta da Cópia da escritura pública e do Contrato de mútuo junto aos autos;
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A Requerente adquiriu este imóvel, onde já residia desde 1980, como arrendatária, ao abrigo de contrato de arrendamento celebrado com o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;
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A Requerente continuou a residir neste imóvel até 2014, ali criou as suas duas filhas, ali recebe os seus familiares e amigos, cuida da neta, quando necessário, frequenta o café, o supermercado, o centro de saúde, e outros pontos de interesse, factos reconhecidos por vizinhos de longa data, como resultou da prova testemunhal produzida;
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Após se ter aposentado, a Requerente passou a ir com o seu companheiro nas deslocações profissionais que este efetuava a Sines e ao Barreiro, onde passavam a semana, numa casa propriedade dos pais do companheiro, situada no Barreiro;
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Em 23 de março de 2010 a Requerente, ao obter o seu Cartão de Cidadão optou por indicar a sua morada no …, …, …, …, …-… Barreiro, por razões de ordem prática relacionadas com a receção de correspondência;
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A partir de então, na relação com a AT, esta passou a ser considerada como a residência fiscal da Requerente;
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A Requerente, a partir de 2010 e até, pelo menos, 2013, vivia com o seu companheiro, durante a semana no Barreiro, aos fins de semana regressavam a Lisboa, à residência da requerente na Rua …, identificada em a), a qual foi sempre a sua casa residência de família e centro de interesses;
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Durante todo este período, durante a semana residia, normalmente, com o companheiro na Barreiro, mas nunca deixou de ter a sua casa de Lisboa, onde muitas vezes permanecia durante a semana para prestar assistência à neta, na qual todas as mobílias, as suas roupas e manteve ativos os contratos de fornecimento de água, gás e eletricidade, como resulta dos documentos nºs 11, 12 e 13 juntos ao pedido arbitral;
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Manteve também, desde sempre e ininterruptamente, a sua condição de utente no centro de saúde de Alvalade e do centro de Medicina Geral e Familiar da Clínica … de Alvalade, conforme documentos nos 14 e 15 juntos ao pedido arbitral;
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Desde fevereiro de 2013, após a cessação da relação de trabalho do seu companheiro, que este exercia na região do Barreiro, ficaram ambos a viver em Lisboa, na habitação da requerente na Rua…, por não terem mais necessidade de se deslocarem para o Barreiro;
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Em abril de 2014 vendeu o imóvel da Rua …, o qual precisava de obras e não tinha elevador, para comprar uma outra habitação, mais adequada às suas necessidades;
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À data da venda do imóvel a Requerente tinha o seu domicílio fiscal no …, …, …, …, Barreiro;
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A Requerente vendeu o seu imóvel, cujo empréstimo bancário contraído para a sua aquisição já se encontrava inteiramente pago, por €145.000,00;
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Já em 2015 a Requerente comprou um novo imóvel, para sua habitação própria permanente, a fração autónoma designada pela letra “D”, sito na Rua…, nº… –…, …-…, na Amadora;
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A Requerente reinvestiu o valor da venda mencionada em n) na aquisição da sua nova habitação na Amadora;
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À data da alienação do imóvel o domicílio fiscal da Requerente mencionado na escritura pública era o do…, …, …, …, Barreiro, como consta da escritura pública junta aos Processo Administrativo;
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Já em 2015 a Requerente alterou a sua residência fiscal para a sua nova morada, na Amadora;
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A Requerente apresentou a sua declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2014, identificada com o nº…, na qual indicou a intenção de reinvestimento no Anexo G, Quadro 5, campo 506, a qual originou a liquidação de IRS nº 2015… de 2 de julho de 2015, com o valor a pagar de €302,50, cujo pagamento foi efetuado em 31 de julho de 2015;
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Em 13 de julho de 2015 a Requerente foi notificada pela AT, informando que a sua declaração de IRS, referente ao ano 2014, foi selecionada para análise, porquanto a “situação descrita como alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor da alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a actividade profissional.”
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A Requerente prestou os esclarecimentos pretendidos pela AT, no prazo fixado para o efeito;
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Posteriormente, a Requerente foi notificada pelo ofício nº…, de 28 de julho de 2015, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 dias, relativamente à intenção da AT proceder à correção dos valores declarados no Anexo G da Modelo 3 de IRS, desconsiderando a intenção de reinvestimento aí manifestada pela Requerente, para o não se tratar de imóvel correspondente à sua residência fiscal;
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A Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, como consta do documento nº 6 em anexo ao pedido arbitral;
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Por Ofício nº…, de 15 de dezembro de 2015, foi a Requerente notificada da decisão final da AT, nos termos da qual, por Despacho de 2 de novembro de 2015, da Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças de Lisboa, se decidiu que “Quanto à ilisão da presunção invocada nos termos do nº11 do art.º13º do CIRS apenas a partir de 2015 poderá ser invocada, pois até 2014, legislação em vigor ao tempo, se considera o domicílio fiscal aferido pela morada como a sua habitação própria permanente e a existência de contratos com entidades terceiras, por si só, não justifica a morada permanente, a qual seria eventualmente aferida pelos consumos. Assim sendo mantêm-se as correções constantes do projecto de decisão.”
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Em 29 de dezembro de 2015 foi a Requerente notificada da liquidação adicional de IRS e da respetiva liquidação de juros compensatórios e a 30 de dezembro de 2015 da demonstração de acerto de contas;
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O presente pedido arbitral, para anulação das liquidações foi apresentado em 10-03-2016.
B - FACTOS NÃO PROVADOS
12. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
C - FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
13. Os factos, supra descritos, com exceção dos factos constantes nas alíneas d), e), h), i) 1ª parte; k) e l) – 2ª parte, foram dados como provados com base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo, o Requerente juntamente com o pedido arbitral deduzido e a Requerida com a junção do respetivo processo administrativo.
Com referência aos factos constantes das alíneas d), e), h), i) – 1ª parte; k) e l) – 2ª parte, o Tribunal formou a sua convicção na prova testemunhal produzida, valorando a consistência dos depoimentos, a forma unânime como todas as testemunhas relataram os factos e a sua credibilidade. Valorou-se em particular o depoimento da testemunha F…, agente imobiliário da …, que teve intervenção direta na venda do imóvel da Rua …, bem assim como na procura de nova habitação para a Requerente, embora não tenha realizado este segundo negócio. Depôs com total isenção e a sua qualidade profissional, convenceu o Tribunal da factualidade essencial subjacente aos presentes autos. Quanto às demais testemunhas, todas foram bastante consistentes na forma como relataram conhecer das circunstâncias que determinaram, durante alguns anos, que a requerente se deslocasse durante a semana para o Barreiro, mas todas confirmaram que mesmo assim, o centro essencial da vida familiar da requerente era, sem margem de dúvida, Lisboa. Destaca-se o depoimento das testemunhas D…, a qual pela sua qualidade de vizinha, moradora no mesmo Bairro, e E…, na qualidade de moradora no mesmo Bairro durante largos anos, vizinha da Requerente, amiga da família e por diversas funções ali exercidas, nomeadamente, na comissão de moradores e de autarca, revelou um conhecimento dos factos que o Tribunal considerou muito credível. Todas, sem exceção, conhecem a Requerente há muitos anos e conheciam as razões pelas quais entre 2010 e até inícios de 2013 a Requerente passava muitas semanas no Barreiro com o seu companheiro, já que estava aposentada e ele ainda continuava a trabalhar naquela região. E, por ser assim, para não ser surpreendida com correspondência que não fosse recebida ou rececionada em tempo útil, forneceu a morada do barreiro para efeitos de correspondência oficial, nomeadamente das Finanças, Segurança Social, entre outra.
De salientar que, relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, conforme resulta do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e no art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV – DO DIREITO
14. Fixada a matéria de facto, nos termos sobreditos, importa conhecer das questões de direito suscitadas pelas partes, começando pelos vícios de forma invocados pela Requerente. Por regra, o tribunal observa a ordem enunciada pela Requerente no conhecimento das questões a dirimir, embora esta regra necessite de ser balizada face ao disposto na lei. Assim, resulta do disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi art.º. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o seguinte:
“1. Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
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Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”
15. Este preceito legal estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios do ato impugnado. Assim, devem ser conhecidos, em primeiro lugar, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, o que nos leva a questionar o entendimento a dar a este critério. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), este princípio conduzirá a dar prioridade ao conhecimento dos vícios substanciais do ato sobre os vícios formais, porquanto estes últimos não impedem a renovação do ato, sendo certo que este parece ser o entendimento que privilegia a tutela mais eficaz dos interesses ofendidos.
16. Citando expressamente alguma jurisprudência do STA, que sintetiza o entendimento deste Tribunal superior, resulta, entre outros, do acórdão proferido em 17.11.2010,[1] o seguinte: “(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação). “
Resulta desta jurisprudência do STA que tal regra não é absoluta, porquanto pode acontecer que, por exemplo, só a fundamentação do ato possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o ato impugnado. O que vale por dizer que, invocado o vício de falta de fundamentação, no caso deste se verificar efetivamente, pode o Tribunal não estar em condições de prosseguir com o conhecimento dos vícios de fundo, por não ter todos os elementos disponíveis e essenciais para o fazer. Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de fundo (substanciais).
17. Conclui-se, pois, que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que isso se revele indispensável à descoberta da motivação do ato. Dito de outro modo, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo que tenham sido concretamente alegados. No caso concreto dos presentes autos, nenhum dos vícios invocados pela Requerente é suscetível de gerar nulidade do ato. Quanto aos invocados vícios de forma que a Requerente invocou, nomeadamente a falta de fundamentação e a preterição de formalidades essenciais, cumpre dizer que, não é evidente que se verifiquem no caso concreto. Na verdade, da análise dos elementos constantes dos autos, nomeadamente do procedimento que antecedeu a decisão final que conduziu às liquidações impugnadas, resulta evidente a razão que levou a AT a operar as correções à declaração de IRS. Acresce que, mesmo que subsistisse alguma dúvida, sempre se diria que, seguindo a jurisprudência supracitada, a máxima eficácia na tutela dos interesses da Requerente imporia, em princípio, o conhecimento prioritário do vício de violação de lei em relação aos vícios de forma.
Acresce que, no caso em apreciação, compulsados os autos e todo o processo documental como PA e com o pedido arbitral, resulta bem evidenciada a razão que leva a AT a considerar que a Requerente não beneficia do disposto no artigo 10º, nº5 do CIRS, e que é, exclusivamente, a que decorre do facto do seu domicílio fiscal, à data da venda do imóvel sito à Rua…, não coincidir com esta morada, mas sim com uma residência declarada pela própria Requerente, situada no Barreiro. Isso mesmo se extrai na análise da notificação para o exercício do seu direito de audição e, por fim, do conteúdo do despacho de 2-11-2015, que incorpora a decisão final que antecede a emissão das liquidações, proferido pela Senhora Diretora de Finanças Adjunta, da Direção de Finanças de Lisboa, no qual se decidiu que:
“Quanto à ilisão da presunção invocada nos termos do nº11 do art.º13º do CIRS apenas a partir de 2015 poderá ser invocada, pois até 2014, legislação em vigor ao tempo, se considera o domicílio fiscal aferido pela morada como a sua habitação própria permanente e a existência de contratos com entidades terceiras, por si só, não justifica a morada permanente, a qual seria eventualmente aferida pelos consumos. Assim sendo mantêm-se as correções constantes do projecto de decisão.” (sublinhados nossos)
Assim sendo, a Requerente poderá não concordar com esta fundamentação, mas seguramente a entendeu bem, pois isso mesmo resulta do conteúdo da pronúncia por si elaborada em sede de audição prévia, da documentação junta aos autos para ilidir a presunção e, por fim, pela perceção da necessidade de produzir prova testemunhal. As razões da discordância por parte da AT quanto a estas questões decorre da interpretação que ela própria faz dos normativos aplicáveis e da impossibilidade de ilisão da presunção, como resulta do despacho supratranscrito. Esta é, verdadeiramente, a questão que opõe as partes no presente pedido arbitral e que se impõe decidir. A não concordância com os fundamentos ou motivação do ato, com a interpretação dos normativos legais de referência e com a apreciação da prova, permite concluir que estamos em condições de conhecer dos vícios substanciais alegados, ou seja, da eventual violação e lei por erro nos pressupostos de facto e de direito subjacentes à aplicação do dispositivo contido no artigo 10º, nº5 do CIRS.
18. Como consta da matéria de facto assente, consubstanciada na análise documental constante do PA e dos documentos juntos com o pedido arbitral e na prova testemunhal produzida, constata-se que a questão central que opõe a Requerente à AT é a de saber se estão ou não reunidos os pressupostos legais para a Requerente poder beneficiar do disposto no artigo 10º, nº5 do CIRS. Esta é, pois, a questão de direito fundamental que o Tribunal terá de analisar, assim garantindo o pleno interesse da Requerente. Apesar disso, e em síntese sempre se dirá que, não se verificam os vícios de forma alegados.
A) Assim, quanto aso vícios de Forma alegados pela Requerente:
19. Resulta do teor da decisão definitiva que lhe foi comunicada por ofício de … de 15-12-2015, bem evidenciado que a desconsideração do reinvestimento resultou, exclusivamente, do facto do domicílio fiscal declarado pela Requerente não coincidir com a morada do imóvel alienado. Ora, não parece que se verifique o vício de falta de fundamentação, já que a AT justifica, ainda de forma sumária e linear, as correções efetuadas, as quais resultam da sua interpretação quanto ao conceito de domicílio fiscal e de habitação própria permanente. Logo não se pode dizer que não foi feita qualquer referência aos pressupostos factuais e legais em que assentou a decisão da AT, a qual desconsiderou o reinvestimento com uma justificação objetivada na decisão final notificada à Requerente. É pacífico que a fundamentação é uma exigência legal, que se impõe para qualquer ato administrativo ou tributário, sendo a liquidação de imposto um tipo de ato tributário em relação ao qual esta exigência se impõe com máximo rigor, atendendo aos efeitos que produz na esfera jurídica do sujeito passivo. Acresce recordar que é uma imposição constitucional por força do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), reafirmada no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT).[2] Deste último normativo decorre, aliás, que embora o dever de fundamentação não se restrinja apenas aos atos desfavoráveis ao contribuinte, em relação a estes é exigida uma maior densidade. É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, incluindo a arbitral,[3] que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
a. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
b. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
c. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
d. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
20. O dever de fundamentação visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa ou tributária a agir ou a decidir, de modo a convencer o seu destinatário da legalidade que lhe está subjacente, permitindo-lhe entender a sua razão de ser e possa, conscientemente, aferir sobre a sua a aceitação ou a sua impugnação. Isso mesmo tem sido afirmado incessantemente pela jurisprudência dos tribunais superiores, reiterando que a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade que praticou o ato, de forma a revelar claramente as razões que a conduziram àquela decisão concreta. Tem vindo a ser reconhecido, igualmente pela doutrina e pela jurisprudência, que esta exigência de fundamentação deve ser equilibrada e moderada, considerando-se cumprida pela exposição sucinta e clara dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas (fundamentação per relationem ou per remissionem), desde que estes integrem a decisão final, devidamente notificada ao destinatário.[4] No caso dos presentes autos, a decisão final do procedimento que conduziu à liquidação cumpriu com estas exigências mínimas de fundamentação.
21. Também no que respeita às alegadas preterições de formalidades essenciais, este Tribunal entende que as mesmas não se verificam. Na verdade, da análise do PA e do próprio teor do pedido arbitral e documentação em anexo, resulta que foram cumpridas as formalidades essenciais do procedimento, destacando-se o exercício do direito de audição, que a própria Requerente junta como documento nos presentes autos. Assim, não se acompanha a alegação da Requerente nesta matéria.
22. Quanto à violação dos normativos contidos nos artigos 50º do CPPT e 72º da LGT, por força da não inquirição das testemunhas, sempre se dirá que daí não resultará uma preterição de formalidade invalidante. Isto porque, como bem alega a AT, a administração beneficia da possibilidade de aferir da necessidade de realizar a prova testemunhal. Ora, a seguir o raciocínio da AT, percebe-se a razão pela qual não realizou a diligência probatória, dado que, no seu entendimento, não coincidindo a morada declarada pela Requerente com o seu domicílio fiscal, já nada mais seria necessário para formar a sua convicção, uma vez que a AT considera tratar-se de presunção inilidível, como se extrai do Despacho fundamentador já transcrito supra. Pelo que, mais uma vez, o que importa aferir é se esta interpretação e aplicação da lei, por parte do autor do ato de liquidação, é ou não conforme à lei.
Por tudo o que se deixa exposto, e sem mais considerandos, resta conhecer dos vícios de violação de lei alegados pela Requerente.
B) Da Questão de fundo: da verificação dos pressupostos de facto e de direito para aplicação do disposto no art.º 10º, nº 5 do CIRS:
23. Avançando para o conhecimento do fundo da questão que constitui, verdadeiramente, a questão a decidir nos presentes autos, importa avaliar se, à data da alienação da alienação do imóvel, a Requerente possuía a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado. Intimamente ligada a esta questão, há que aferir se o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT constitui presunção inilidível de que essa morada corresponde à habitação própria permanente do sujeito passivo. A resposta a estas questões é fundamental para aferir sobre a verificação dos requisitos legais para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação, por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no art.º 10, nº 5 do CIRS.
24. Vejamos as normas legais aplicáveis à solução do caso. Estamos em presença de dois conceitos determinantes, o de domicílio fiscal e o de habitação própria permanente. Não se trata de conceitos idênticos. Segundo o nº 1 do artigo 19º da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é salvo disposição em contrário,
“a. Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
(…)
2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
5 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas coletivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a atividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
(…)
8 - A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”
25. Como resulta do teor da norma transcrita, o conceito de domicílio fiscal é um conceito formal, que pode ou não coincidir com a habitação própria permanente do sujeito passivo, já que o interesse predominante da norma é garantir que o sujeito passivo, qualquer que seja a sua especificidade de vida pessoal ou profissional, no país ou no estrangeiro, seja rápida e eficazmente contactável e notificado de todos os atos e para todos os efeitos fiscalmente relevantes. Por isso, o conceito integra também o conceito de caixa postal eletrónica e, no caso dos não residentes, obriga a indicar um representante fiscal. Já se vê que este conceito não coincidirá, em muitos casos com o de habitação própria permanente. Só a título de exemplo, razões profissionais podem impor ao sujeito passivo que se ausente nos dias úteis de trabalho da área da sua residência, como sucede frequentemente a professores, juízes, médicos, enfermeiros, engenheiros e muitos outros profissionais, que, por via disso, podem preferir indicar o seu domicílio fiscal na sede do seu local de trabalho para mais facilmente poderem ser contactados, notificados e receber a sua correspondência, mormente registada, a qual ficariam provados de rececionar ou mesmo de levantar nos correios mediante aviso, já que tal só pode ocorrer em dias úteis e nos horários de funcionamento dos respetivos serviços. É esta situação exemplificativa , em tudo, idêntica á que levou a Requerente nos presentes autos a indicar a morada do Barreiro, quando solicitou o seu novo cartão de identificação pessoal (cartão de cidadão), porquanto nessa altura, já se encontrava aposentada e por razões pessoais, válidas e perfeitamente explicadas e provadas nos autos, passava os dias úteis fora de Lisboa, com o seu companheiro, dado que este ainda trabalhava e o seu local de trabalho era Barreiro, por vezes em Sines, mas em todo o caso era mais perto ficar no Barreiro do que em Lisboa.
Mas o facto de alguém, por razões de índole pessoal ou profissional, se encontrar temporariamente, ou até regularmente, durante os dias úteis de trabalho, a viver noutro local diferente da sua residência habitual, não significa que esta deixe de o ser ou que a morada provisória ou de trabalho se confunda ou sequer presuma ser a sua habitação própria permanente.
26. A lei não fornece um conceito de “habitação própria permanente”, a qual não se encontra plasmada numa definição legal, mas podemos chegar a este conceito recorrendo a normas do nosso sistema jurídico que nos ajudam a integrar o conceito. Trata-se de um conceito, como é sabido, muito utilizado em sede de IRS, a propósito da tributação das mais-valias imobiliárias. Assim, o legislador delimitou negativamente o campo de incidência do IRS, através das normas expressas de exclusão tributária consagradas nos números 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS.
27. Chegados aqui, afigura-se importante e com relevo para a decisão, delimitar o sentido e alcance do disposto nos referidos normativos legais, para aferir o que deve entender-se por habitação própria permanente. Vejamos, pois, o que resulta do artigo 10º do CIRS, na redação em vigor ao tempo do facto tributário (2014):
“Nº1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que não sendo considerados rendimentos profissionais ou empresariais, de capitais ou prediais, resultem de:
a. Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)
(…)
Nº. 5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efetuada nos 24 meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
Nº. 6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;
b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, exceto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de inicio das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.
28. Assim, seguindo o disposto nos normativos transcritos, os requisitos, cumulativos, necessários para que seja aplicável o regime de exclusão tributária, são os seguintes:
a) O imóvel alienado tem de ser a habitação própria e permanente do alienante sujeito passivo, ou do seu agregado familiar;
b) O reinvestimento na aquisição da nova habitação (fração ou moradia) tem de ocorrer no prazo de 36 meses, contados da data da alienação da casa de morada de família, ou nos 24 meses anteriores a essa mesma data;
c) O valor de realização a reinvestir, por regra, corresponde ao valor pelo qual o imóvel é transmitido, exceto nos casos em que tenha sido contratado um empréstimo destinado a adquirir o imóvel agora alienado, em que o valor de realização a reinvestir corresponde ao valor de transmissão do imóvel alienado deduzido do montante necessário para amortizar o referido empréstimo;
d) O valor de realização tem de ser reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino (habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar);
e) O imóvel adquirido deve estar situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscais;
f) O imóvel terá de ser afeto a habitação do adquirente ou do seu agregado familiar, nos seis meses seguintes ao final do prazo em que deve ser efetuado o reinvestimento.
29. Ora, no caso dos autos apenas o primeiro dos pressupostos está em causa, precisamente o primeiro, ou seja, o do imóvel alienado ser considerado como habitação própria permanente. Quanto aos demais pressupostos é pacífico que se verificam em concreto. Como vimos já, o art.º 19º da LGT, ao referir que o domicílio fiscal corresponde à residência habitual, não estabelece uma presunção legal inilidível, como pretende a AT. Desde logo porque não podem estabelecer-se presunções inilidíveis em matéria de incidência tributária, como resulta do disposto no artigo 73º da LGT. Pelo que o despacho fundamentador dos atos tributários impugnados padece, desde logo, de erro sobre o pressuposto de direito fundamental para a aplicação da norma.
30. Pode haver divergência entre a residência habitual e a residência própria permanente, tal como o domicílio fiscal nem sempre coincide com a residência no sentido do local onde a pessoa tem a sua habitação. Idêntica conclusão se extrai do disposto no art.º 82º do Código Civil, que admite a possibilidade de residência ou domicílio em diferentes locais. No caso dos autos a requerente nunca teve outra residência ou habitação própria permanente que não fosse a sua casa de Lisboa, sita à Rua … . O que teve, sim, foi uma segunda residência, temporária (de 2010 a 2013) no barreiro, por razões pessoais e profissionais, mas mesmo durante esse período de tempo o seu centro de interesses continuou a ser Lisboa, onde se situava a sua casa de família, onde passava os seus fins de semana, onde ficava por vezes durante a semana para apoio à família, nomeadamente aos netos quando estes estavam doentes, onde tinha o seu centro de saúde de medicina familiar, os seus amigos e vizinhos de toda a vida. Manteve sempre os contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais ativos, com consumos, embora reduzidos, já que aí passava os sues fins de semana. Manteve sempre a sua cas mobilada e preparada para aí voltar a residir com carater de permanência quando o seu companheiro se aposentasse ou deixasse de trabalhar como veio a suceder em 2013. A tudo isto acresce o facto de à data da alienação do imóvel, se encontrar a residir com carater de permanência, novamente, na sua casa de Lisboa. Razão pela qual, tiveram necessidade de repensar a sua opção por uma outra habitação, dado que aquela precisava de obras e se situava num terceiro andar sem elevador, o que colocava alguns problemas, sobretudo, no futuro pela idade e necessidades da Requerente e apenas para efeitos de correspondência, efetivamente nunca correspondeu à sua habitação própria permanente, nem renda pagava por se tratar de um local afeto a escritório de trabalho e com as comodidades mínimas para dormir e fazer as refeições.
31. Face a esta factualidade, resta analisar o entendimento que a doutrina e a jurisprudência perfilham sobre esta questão. Também estas concluem que não existe uma identidade necessária, entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal. Neste sentido, o acórdão n.º 04550/11 do Tribunal Central Administrativo do Sul, aprofundou os conceitos em confronto e concluiu que: “O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, (…) embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.T. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no art.º 59º da LGT.”
32. O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias.[5] Seguindo, ainda, o Acórdão citado supra, conclui o Tribunal que nos termos do artº.19, nº.3, da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio enquanto a mesma não for comunicada à AT, mas segundo o artº.43, nº.2, do CPPT, norma que a mudança de domicílio é inoponível à AT se que não lhe tiver sido declarada, dispondo o seu nº 3 que a comunicação só produz efeitos se o interessado fizer a prova de já ter solicitado ou obtido a atualização do domicílio ou sede no número seu fiscal do contribuinte. Ou seja, a cominação para a falta de cumprimento desta obrigação é a inoponibilidade à AT da falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas. Daí, voltando ao início do nosso raciocínio, se conclua que os conceitos de domicílio fiscal e de habitação própria permanente não são a mesma coisa, não têm o mesmo sentido e alcance.
33. Não obstante, constitui uma presunção de que nessa morada se situará a residência habitual do sujeito passivo, presunção que poderá ser ilidida. Certo é que, sendo o primeiro pressuposto de aplicação da exclusão de tributação, prevista no nº 5 do artigo 10º, o requisito da “habitação própria e permanente” que integra o imóvel alienado temos de nos reportar à factualidade provada nos presentes autos para concluir. Na verdade, o pressuposto “habitação própria e permanente” é aquele que vai determinar a exclusão de tributação em caso de alienação do imóvel, ao menos durante o período legalmente estipulado para efeitos de reinvestimento, nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS. Ora, à data da ocorrência do facto (alienação do imóvel sito na Rua…– lisboa) a sua residência própria permanente era a correspondente a esta morada em Lisboa. O seu domicílio fiscal é que, por esquecimento, ainda se mantinha no Barreiro, situação que só alterou quando comprou a nova habitação na Amadora.
34. Resta, por força da não coincidência entre o domicílio fiscal e a residência própria e permanente a que alude o nº 5 do artigo 10º do Código IRS, aferir se a Requerente alcançou provar que a sua residência própria e permanente do mesmo correspondia ao local do imóvel alienado, nos termos e para os efeitos previstos no nº5 do artigo 10º do CIRS.
35. Atenta a matéria de facto provada nos presentes autos o Tribunal conclui que a Requerente demonstrou, com factos evidenciados, alguns em documentos e outros comprovados pela prova testemunhal produzida, que a casa situada em Lisboa, na Rua … era, efetivamente, a sua habitação própria permanente. Correspondendo este conceito, a uma situação real, histórica e complexa, do ponto de vista individual e familiar, tais como dormir, comer, conviver, permanecer com a família (no caso com o companheiro, filhas e netos), e outros que respeitem ao local em causa, não há dúvida que a Requerente provou ser ali, naquele local, naquele imóvel a sua residência habitual permanente, de toda a sua vida, pese embora num curto período de tempo compreendido entre 2010 e 2013 tenha passado parte do seu tempo no Barreiro. Como resulta da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o “conceito de habitação “própria e permanente” deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade.”[6]
36. Para este efeito, os atos ou factos que demonstram a ligação do sujeito passivo ao prédio não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. Estes elementos são meros indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efetiva no prédio e nele fixou o centro da sua vida pessoal, o que se concretiza através de certas condições físicas como a existência de mobília, de contratos de fornecimentos de água, gás e eletricidade, a própria situação jurídica do prédio, (declarações, inscrições em registos, etc.) e a vivência social do sujeito passivo, a sua integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, o local de voto, a sua frequência nos locais mais comuns (escolas, supermercados, etc). Ora, no caso dos autos a prova documental já indiciava fortemente que a residência habitual e permanente da Requerente era a correspondente ao imóvel alienado. Mas, a prova testemunhal foi, igualmente, determinante para o cabal esclarecimento das dúvidas que poderiam persistir. As testemunhas ouvidas, com destaque para as vizinhas e para o mediador imobiliário, não deixaram dúvida ao tribunal que ali era e sempre foi o centro de interesses pessoais e familiares da Requerente.
37. A este propósito, recorda-se o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de fevereiro de 2009, o qual equiparava a residência permanente à residência habitual e estável, considerando, contudo, não ser exigível que a pessoa viva sempre numa casa, podendo ter outra onde se passe um, dois ou três meses por ano, por exemplo uma casa de campo ou de praia onde se instale durante o verão. É, no entanto, essencial, “que o centro de permanência estável e duradoura se situe num determinado local, que aí esteja instalado o seu lar, organizada a sua logística, onde convive, e da qual, sempre que se ausenta, o faz a titulo transitório, ou temporário, e com o propósito de regressar com estabilidade, por lá permanecer a sua economia doméstica e o seu agregado familiar.”[7]
38. Por fim, importa referir que esta jurisprudência veio a ser reafirmada em Acórdãos recentes, os quais são invocados pela AT na sua resposta, nomeadamente os Acórdãos do STA de 9-7-2014, no processo nº 01146 e de 17-09-2014, in Proc. 0158/13, bem assim como no Ac. STA de 18~02~2016, no processo nº 08826/15. A questão comum a todos é a de saber se o imóvel alienado foi efetivamente (ou não) habitação própria permanente, no sentido de nele o interessado ter residido (senão sempre, pelo menos a maior parte do tempo) e, sobretudo, daquele corresponder ao seu centro de interesses familiar e social. Nos Acórdãos citados pela AT resulta, também, claro que a demonstração de tal factualidade é matéria de prova, a qual pode ou não ser alcançada. Nos presentes autos, essa prova foi alcançada. E não se diga que nas escrituras públicas celebradas, de alienação e de compra da nova habitação, a Requerente declarou a sua residência …, Barreiro, porquanto essa foi menção tem, precisamente, subjacente o seu domicilio fiscal e não a morada correspondente à residência própria e permanente da Requerente, durante dezenas de anos, primeiro como arrendatária do IGSS, depois como proprietária, que foi e ali residiu até à sua alienação em 2014. Acrescente-se que, nesta data (da alienação), já a Requerente se encontrava a residir, com permanência, nesta mesma morada, pois que o seu companheiro já não trabalhava no Barreiro e havia, também ele, regressado a Lisboa.
39. Na verdade, face á divergência entre domicílio fiscal e habitação própria permanente, tudo o que a Requerente tinha de fazer era provar os factos demonstrativos de que aquela morada correspondia à sua habitação própria permanente, de acordo com as regras do ónus da prova. Assim, resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Também o artigo 342.º do Código Civil determina no seu nº 1 que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, determinando o n.º 2 do mesmo artigo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocados compete àquele contra quem a invocação é feita.”.
40. É, pois, entendimento deste Tribunal que cabe ao sujeito passivo, ora Requerente, a prova da residência habitual permanente e que esta alcançou essa demonstração ilidindo a presunção de correspondência entre domicílio fiscal e habitação própria permanente. Na verdade, perante os factos dados como provados, o Tribunal conclui que, até à alienação do imóvel, o Requerente logrou provar que nele praticava todos os atos típicos de uma residência permanente e habitual. Se durante um período de alguns anos intercalou esta com outra residência, por razões pessoais, a verdade é que nunca deixou de reportar á sua morada de Lisboa como correspondendo à sua habitação própria permanente. Sendo ainda relevante que, mesmo essa situação, que em nada a pode prejudicar, já havia cessado em fevereiro de 2013, data a partir da qual voltou a residir ininterruptamente na sua morada de Lisboa, correspondente à do prédio alienado. É certo que podia ter alterado o seu domicílio fiscal, mas o comportamento da requerente ao não o ter feito traduz apenas um desconhecimento e ingenuidade que a não podem prejudicar, tanto mais que, com total boa fé, indicou como domicílio fiscal uma morada “de empréstimo”, provisória, por preocupação com a receção da sua correspondência fiscal.
41. O facto de ser outro o seu domicílio fiscal desde 2010 constitui presunção ilidível nos termos já supra explanados. A requerente alcançou ilidir essa presunção, pelo que os atos impugnados assentam em erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes á aplicação do disposto no nº5, do artigo 10º do CIRS, devendo ser considerado, para todos os efeitos legais, o reinvestimento efetivamente comprovado na aquisição da noma habitação própria permanente da Requerente.
Assim, verificando-se preenchidos todos os pressupostos vertidos no nº5 do artigo 10º do CIRS, deverá o presente pedido arbitral proceder integralmente.
Quanto aos juros indemnizatórios acresce:
42. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios. Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou incorrendo em erro quanto aso pressupostos de facto e de direito subjacentes ao normativo legal.
43. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal). De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
44. Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
45. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
46. Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.
47. Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores pagos acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem). Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).
V. DECISÃO
Nos termos supra expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade das correções efetuadas e das respetivas liquidações, a saber: liquidação de IRS nº 2015… e respetiva liquidação de juros compensatórios nº 2015…, por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
b) Declarar a anulação de todos os atos impugnados com todas as consequências legais, nomeadamente o reembolso dos valores pagos acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €26.542,99 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 10 de janeiro de 2017
O Tribunal Arbitral,
___________________________
(Maria do Rosário Anjos)
[1] Cfr. Ac. STA de 17-11-2010, in processo n.º 01051/09; vd., no mesmo sentido, Ac. STA de 23.04.97, in processo n.º 35.367, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido vd. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (2012) Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, pp. 675 e ss.
[3] A este propósito, vd., entre outras, as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 30/2012-T e 109/2013 proferidas em 1-08-2012 e 07-01-2014, respetivamente.
[4] Neste sentido, vd., entre outros, Joaquim Freitas da Rocha (2009) Lições de Procedimento e de Processo Tributário, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 113 e ss.
[5] Neste sentido, vd. António Lima Guerreiro, (2000) Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e outros (2003) Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124.
[6] Neste sentido, Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-11- 2011, proc. nº 0590/01, in www.dgsi.pt. Segundo este Acórdão, referente a uma situação de isenção de IMI, para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do nº 2 do art. 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação.
[7] Cfr. Ac. STA de 12-02-2009, in proc. nº 09A144, disponível em www.dgsi.pt.