Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 401/2016-T
Data da decisão: 2016-12-06  Selo  
Valor do pedido: € 58.538,10
Tema: IS - Verba 28.1, da TGIS - Propriedade Vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.                   RELATÓRIO

Em 14 de julho de 2016, A…, SA, com o NIPC … e com sede no …, n.º…, …-…, em Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 95.º, da Lei Geral Tributária, 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e aos prédios inscritos nas matrizes prediais urbanas da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo…, da União das Freguesias de…, concelho de ..., sob o artigo … e da União das Freguesias de … e …, … e …, concelho de ..., sob o artigo …, de que é proprietária, todas no valor global de € 58 538,10 (cinquenta e oito mil, quinhentos e trinta e oito euros e dez cêntimos), valor económico que atribui ao pedido.

 

Mais pede a Requerente a condenação da Requerida na restituição das quantias indevidamente pagas, relativas à primeira prestação de cada uma das liquidações impugnadas, acrescidas de juros moratórios e indemnizatórios.

 

Síntese da posição das Partes

a.                  Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e aos imóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente que:

1.                  Os prédios urbanos de que é proprietária e a que respeitam as liquidações de Imposto do Selo impugnadas são prédios em propriedade total ou vertical, compostos por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário foi apurado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do IMI;

2.                  Sobre cada um dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinados a habitação e de Valor Patrimonial Tributário inferior a € 1 000 000,00, em cada um dos prédios identificados, a Autoridade Tributária liquidou o Imposto do Selo da Verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), à taxa de 1%;

3.                  A AT entende que o critério utilizado pela norma de incidência da Verba 28.1, da TGIS, é o de considerar o VPT global do prédio, desde que superior a € 1 000 000,00, independentemente de este ser composto por andares ou divisões de utilização independente, destinadas a habitação;

4.                  Pelo contrário, é entendimento da Requerente que o VPT a ter em conta para efeito de incidência do Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, é o VPT isoladamente atribuído a cada um dos andares ou divisões de utilização independente e não o somatório de todos VPT dos andares ou divisões que integram os prédios em propriedade total, por ser esse o critério utilizado em sede de IMI, para o qual remete, no que respeita às matérias da Verba 28.1, da TGIS, o n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo;

5.                  O critério utilizado pela AT é ilegal, pois esta não pode considerar como valor de referência para a incidência de Imposto do Selo, da Verba 28.1, da TGIS, um critério diverso do que é utilizado em sede de IMI, como maioritariamente tem entendido a jurisprudência dos Tribunais Arbitrais;

6.                  Não obstante à data do pedido de constituição do Tribunal Arbitral apenas de encontrarem vencidas as primeiras prestações de cada uma das liquidações impugnadas, a Requerente impugna a sua totalidade, uma vez que o Imposto do Selo é liquidado anualmente e é a liquidação que consubstancia ato lesivo da sua esfera jurídica, não sendo o pagamento em prestações mais do que uma técnica de arrecadação do imposto.

 

b.                 Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, em que veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

1.                  A Requerente é proprietária dos prédios urbanos identificados na petição inicial, em regime de propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, tendo cada um desses prédios um VPT superior a € 1 000 000,00;

2.                  As liquidações de Imposto do Selo do ano de 2015, foram emitidas sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária, em cumprimento da verba n.º 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, cuja norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, de afetação habitacional;

3.                  O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMI, estatuindo o seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio, donde decorre que um prédio em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios;

4.                  O artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais e, quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será o inscrito na caderneta predial como “valor patrimonial total”, embora o documento de cobrança seja enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário (artigo 119.º, n.º 1, do CIMI);

5.                  A tese defendida pela Requerente carece de sustentação legal, pois nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente em que, apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio;

6.                  Assim, resulta do facto do IS Verba 28.1. incidir sobre a propriedade de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00, que o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, claramente, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente.

 

Termina a AT por requerer a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações escritas, por se encontrarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e estar em causa matéria exclusivamente de direito.

 

Prosseguindo o processo com alegações escritas sucessivas, vieram as Partes reiterar as posições assumidas, mas peças processuais iniciais.

 

II. SANEAMENTO

1.                  O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 4 de outubro de 2016, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.                  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.                  O processo não padece de vícios que o invalidem.

4.                  A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado, e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no caso concreto, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

III.      FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:

1.                  Quer à data da produção do facto tributário (31 de dezembro de 2015), quer à data da emissão das liquidações impugnadas (5 de abril de 2016), a Requerente era proprietária dos seguintes prédios urbanos:

a.                  Prédio em propriedade total, composto por 18 andares ou divisões de utilização independente, sendo 3 destinadas a comércio e 15 a habitação, inscrito na matriz da freguesia de …, concelho de Lisboa (Serviço de Finanças de Lisboa…), sob o artigo … (PRÉDIO A) e com o valor patrimonial total de € 1 967 990,00 (conforme a cópia da caderneta predial anexa à p. i.);

b.                  Prédio em propriedade total, composto por 71 andares ou divisões de utilização independente, sendo 26 destinadas a arrecadações e arrumos, 2 a comércio e 43 a habitação, inscrito na matriz da União das Freguesias de … (…, … e …), concelho de Lisboa (Serviço de Finanças de ... …), sob o artigo … (PRÉDIO B) e com o valor patrimonial total de € 2 128 890,00 (conforme a cópia da caderneta predial anexa à p. i.); e,

c.                  Prédio em propriedade total, composto por 27 andares ou divisões de utilização independente, sendo 1 destinada a comércio e 26 a habitação, inscrito na matriz da União das Freguesias de … e …, … e …, concelho de ... (Serviço de Finanças de ... …), sob o artigo … (PRÉDIO C) e com o valor patrimonial total de € 2 026 920,00 (conforme a cópia da caderneta predial anexa à p. i.);

2.                  Nenhum dos andares ou divisões de utilização independente de qualquer dos prédios indicados tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1 000 000,00;

3.                  Relativamente a cada um dos prédios identificados, foi a Requerente notificada pela AT da emissão das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial tributário de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, constando de cada documento de cobrança o “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”:

a.                  Para o PRÉDIO A (artigo … da freguesia de … – Lisboa), com o “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1 869 860,00”, foram emitidas 15 liquidações, respeitando cada uma a cada um dos andares ou divisões de utilização independente, destinadas a habitação, num valor total de € 18 698,60, sendo o somatório das respetivas primeiras prestações, cujo prazo de pagamento voluntário decorreu em abril de 2016, da quantia de € 6 377,72;

b.                  Para o PRÉDIO B (artigo … da União das Freguesias de … –…), com o “Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto: € 1 989 210,00”, foram emitidas 43 liquidações, respeitando cada uma a cada um dos seus andares ou divisões de utilização independente, destinadas a habitação, num valor total de € 19 892,10, sendo o somatório das respetivas primeiras prestações/prestação única, com prazo de pagamento voluntário em abril de 2016, da quantia de € 10 013,70;

c.                  Para o PRÉDIO C (artigo … da União das Freguesias de … e …, … e …, concelho de ...) foram emitidas 26 liquidações, respeitando cada uma a cada um dos andares ou divisões de utilização independente, destinadas a habitação, num valor total de € 19 947,40, sendo o somatório das respetivas primeiras prestações, cujo prazo de pagamento voluntário decorreu em abril de 2016, da quantia de € 6 649,18;

4.                  A Requerente procedeu ao pagamento da primeira prestação/prestação única das liquidações identificadas nos autos, em 22 de abril de 2016, conforme os comprovativos juntos à p. i. (para o prédio A – comprovativos 41 a 55; para o prédio B – comprovativos 56 a 98 e para o prédio C – comprovativos 227 a 252), pela quantia total de € 23 040,60;

5.                  Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

III.2 DO DIREITO

1.                  A questão decidenda

A principal questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo, nos termos da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, é determinada pelo Valor Patrimonial Tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independente e com afetação habitacional, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.

 

2.                  Do mérito das liquidações Imposto do Selo do ano de 2015

A verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações impugnadas, estabelece a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo.

 

Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).

 

Os prédios podem ser rústicos, urbanos ou mistos, sendo os prédios urbanos definidos, de modo residual, pelo artigo 4.º, do CIMI, como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos prédios mistos.

 

Existem, no entanto, diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação é estabelecida pelo artigo 6.º, do CIMI, cujo n.º 1 os classifica como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

Prédios habitacionais são, pois, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

 

Ora, os prédios de que a Requerente é proprietária, são prédios urbanos não constituídos sob o regime de propriedade horizontal, que integram andares ou divisões de utilização independente, uns destinados a habitação e outros a “arrecadação e arrumos”, como é o caso do prédio designado como PRÉDIO A e, nos casos dos PRÉDIO B e PRÉDIO C, uns, destinados a habitação, e outros, a comércio.

 

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios com partes enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, como é o caso dos prédios identificados no pedido de pronúncia arbitral, rege o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, em que se determina que “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.

 

E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto, pois que cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI), tendo a AT emitido liquidações individualizadas para cada andar ou divisão de utilização independente e não uma única liquidação sobre o “valor global” de cada prédio.

 

Por outro lado, os prédios urbanos de que a Requerente é proprietária e de que tratam os presentes autos, integrando andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, umas destinadas a habitação e outras a fins diversos da habitação, não poderão, globalmente, ser considerados prédios urbanos habitacionais, pois a lei é clara ao sujeitar a imposto de selo da verba 28.1, da TGIS, apenas os prédios urbanos de afetação (exclusivamente) habitacional, cujo VPT, para efeitos de IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

Nem se afigura aceitável que os andares ou divisões afetos a habitação, que integram os referidos prédios, possam ser segregados do todo, para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS, não se podendo, por isso, aceitar que, assim procedendo, a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva. Ora, como decorre da factualidade provada, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional tem um VPT igual ou superior ao que vem definido na norma de incidência.

 

De resto, é jurisprudência consolidada, quer dos tribunais arbitrais tributários, quer do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito da redação inicial da verba 28.1, da TGIS (de que não se vê razão para divergências para as situações abrangidas pela redação atual) e à qual se adere, de que, “I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” – cfr. o sumário do recente Acórdão do STA, de 29/09/2016, Processo n.º 0560/16, disponível em http://www.dgsi.pt e demais jurisprudência nele citada.

 

Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.

 

3.                  Do pedido de juros indemnizatórios e moratórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “ – que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”[1]

 

O processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se que se compreendem na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os mesmos poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, como é o de apreciar o erro imputável aos serviços.

 

No caso em apreço, afigura-se manifesto que, declarada a ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo, por ter ficado demonstrada a errada aplicação da norma de incidência objetiva contida na verba 28.1, da TGIS, o que justifica a sua anulação, terá de reconhecer-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre os valores indevidamente pagos, desde a data do respetivo pagamento, conforme se estatui no n.º 5 do artigo 61.º, do CPPT, já que tal ilegalidade é exclusivamente imputável à Administração Tributária, que praticou aqueles atos tributários sem o necessário suporte legal.

 

Já quanto aos juros moratórios peticionados pela Requerente, o seu pagamento apenas está previsto em sede de execução de sentença, caso o seu cumprimento implique a restituição de tributo já pago, situação em que são devidos juros de mora a partir do termo do prazo para a sua execução espontânea (cfr. o n.º 2 do artigo 102.º, da LGT).

 

4.                  Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Em face da solução dada às questões relativas à determinação do VPT relevante para aplicação da norma de incidência contida na verba 28.1, da TGIS e ao pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente as da inconstitucionalidade da referida norma, por a mesma não ser passível da interpretação que, no caso, foi feita pela AT.

 

IV.             DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

a.                   Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;

b.                   Condenar a AT à restituição da quantia indevidamente paga pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2015, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão das respetivas notas de crédito.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 58 538,10 (cinquenta e oito mil, quinhentos e trinta e oito euros e dez cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 2 142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 6 de dezembro de 2016.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 



[1] Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.