Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 363/2016-T
Data da decisão: 2016-12-14  IRS  
Valor do pedido: € 1.465.819,36
Tema: IRS - Cláusula geral antiabuso - Prazo para instauração de procedimento. Retenção na fonte.
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Senhora Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-09-2016, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

A…, SGPS, S. A., NIF…, com sede no …, n.º …, …-… … (adiante apenas Requerente ou A…SGPS), veio apresentar pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT).

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação dos seguintes actos:

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR nº 2016…, no montante de € 612.750,00 e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 109.516,87, referentes ao ano 2011;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR nº 2016…, no montante de € 312.579,41, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 40.559,26, referentes ao ano 2012;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR nº 2016…, no montante de € 193.080,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 14.569,50, referentes ao ano 2013;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR nº 2016…, no montante de € 151.308,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 5.857,20, referentes ao ano 2014.

 

A Requerente pede ainda que se determine a devolução dos valores pagos pela Requerente a título de imposto (retenção na fonte de IR), juros compensatórios, juros de mora e custas processuais, pagos em sede de execução fiscal, no montante total de €1.465.819,36, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data de pagamento do imposto até à execução da sentença, calculados à taxa legal, nos termos do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, artigos 43.º da LGT e artigo 61.º, n.ºs 4 e 5, do CPPT.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-07-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 06-09-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21-09-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de devolução do montante de juros de mora e custas pagas em sede de execução fiscal e defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 27-10-2016 foi decidido dispensar reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e foram invocadas excepções

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente desenvolve a sua actividade no âmbito do CAE…, consistindo o seu objecto social na gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta do exercício da actividade, e está enquadrada, em sede de IRC, no regime geral de tributação;

b)    A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente, em cumprimento do determinado nas Ordens de Serviço n.ºs OI2015…, iniciada em 07-08-2015 e concluída em 05-10-2015, OI2015…, OI2015… e OI2015…, iniciadas em 09-09-2015 e concluídas em 05-10-2015;

c)    Em 29-12-2015, foi proferido pela Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira o despacho (que consta da folha 45 da parte «Grupo I» e da folha 5 da parte «Grupo III» do processo administrativo), em que autoriza a aplicação da cláusula geral antiabuso, manifestando concordância com a proposta apresentada pela inspecção tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

(...)

 

(...)

E…, SA, NIPC – …

Da análise dos elementos fornecidos, bem como da informação constante nas bases de dados da Administração Tributária e Aduaneira e Ministério da Justiça, foram apurados os seguintes factos com interesse para a presente acção inspectiva:

a)      Da E…, S.A., NIPC - …

A sede da sociedade é coincidente com a sede da A… SGPS.

O objecto social da sociedade consiste na Fabricação e comércio de quadros eléctricos, montagens e comercialização de material eléctrico, com os códigos CAE …e … .

A sociedade foi constituída por escritura de constituição de sociedade de 1986-03-01, sob a forma de sociedade por quotas. Em Julho de 2003 a sociedade foi transformada em sociedade anónima. O capital social inicial integralmente realizado em dinheiro foi de 1.000.000 de escudos (4987,98 euros). Actualmente (após aumentos de capital) o capital social da sociedade é de 750.000,00 €.

 

Pode verificar-se que a estrutura accionista da E… S.A. é praticamente a mesma que da A… SGPS quer no que toca a accionistas, quer na percentagem do capital que cabe a cada um.

A quota/participação das accionistas F… e G… nas sociedades é apenas residual, tendo eventualmente como origem a necessidade de, por exigência legal, uma sociedade anónima estar obrigada a possuir no mínimo cinco (5) sócios individuais (artigo 273.º do CSC).

Nesse sentido alude, como veremos adiante, o facto de, até 2014/12/31, serem as únicas accionistas que não receberam qualquer valor relativo ao crédito criado na A… SGPS com a aquisição da E… S.A..

Dos Órgão Sociais

O Conselho de Administração para o quadriénio 2013/2016 é constituído por três elementos, todos accionistas da sociedade:

Órgão de Fiscalização cara o quadriénio 2013/2016:

> Fiscal único: H…, SROC, LDA, NIPC -…, representada por I…;

> Fiscal único suplente:J…, NIF -… .

Da política de distribuição de lucros da E… S.A.

Abaixo apresentamos quadro resumo dos lucros distribuídos à A… SGPS.

No que toca à distribuição de lucros da E… S.A., é de salientar o seguinte:

• Até 2008, previamente à constituição da A… SGPS a sociedade não distribuiu qualquer dividendo.

• A justificação das transferências para a A… SGPS foram as seguintes:

Em 2011 - conforme acta da Assembleia Geral Extraordinária de 23 de Março de 2011:

"...a SGPS precisa de dinheiro para pagamento aos seus credores e a E… S.A., retém, valores muito significativos que são pertença directa da A… SGPS presentemente existe alguma disponibilidade que permitirá amortizar pouco a responsabilidade existente."

Os accionistas decidem pagar-se a si "os credores" porque a A… SGPS precisa, não especificando as razões invocadas pelos "credores" para exigirem à SGPS o pagamento.

Em 2013 e 2014 - conforme actas da Assembleia Geral de 2 de Maio de 2013 e de 10 de Dezembro de 2014 a justificação foi similar mas "os credores" foram então designados por "terceiros".

"... (o) Sr. B… (...) sintetizou a necessidade de efectuar a distribuição proposta dada a existência de responsabilidades do accionista único para com terceiros."

• Os valores pagos aos accionistas em 2011 - 2.850.00,00 €, correspondem quase na totalidade ao somatório dos lucros distribuído pela E… S.A. à A… SGPS entre 2008 e 2011 - 2.880.795,22 €.

• Entre 2012 e 2014 dos 2.936.827,00 € distribuídos à SGPS foram pagos aos accionistas 2.542.409,69 €.

É manifesta a vontade dos accionistas das sociedades de utilizar a A… SGPS para receber sem qualquer tributação sob a forma de pagamento da dívida criada com a aquisição da E… S.A., aquilo que eram de facto dividendos distribuídos pela A… SGPS.

b) Da aquisição da E…, S.A.

Foi solicitado no ponto 6 da notificação para apresentação de elementos - "Cópia das actas relacionadas com a decisão e condições de aquisição da sociedade E…, S.A., W/PC -… .

Em resposta à referida notificação, foi junto cópia da Acta n.º1 (Anexo 3) da A… SGPS, datada de 2 de Abril de 2007, dez (10) dias após o seu início de actividade (2007/03/22).

O ponto único em discussão na Assembleia Geral foi o seguinte:

• "Deliberar a aquisição da totalidade do capital social da sociedade E…, S.A.

Podemos verificar que na "análise e discussão" do ponto único da ordem de trabalhos (expressões / retiradas da acta) não foi referido qualquer interesse económico ou financeiro para adquirir a E… S.A.. É revelador - da irracionalidade económico-financeira da forma escolhida para adquirir a E… S.A. - notar que os accionistas se manifestaram na qualidade de accionistas da E… S.A. e não na qualidade de accionistas da A… SGPS, isto é, manifestaram a vontade de alienar a sua participação na E… S.A. quando, em sede de assembleia geral da A… SGPS o que deveria estar em discussão seria o interesse económico e/ou financeiro em adquirir as participações da E… S.A. explicitando as razões dessa vontade em o fazer.

• Referiu o acionista B…: "nos termos do artigo 397.º do CSC, a alienação da participação social que detém na sociedade E…, S. A., carece de parecer favorável do Fiscal Único da sociedade (da E…, S.A. sublinhado nosso) e em seu entender de um órgão de fiscalização plural, da rectificação da própria Assembleia Geral."

• C…"manifestou igualmente a sua vontade de alienar as acções que detém na E…, S.A., nas mesmas condições que o accionista B… vier a efectuar."

• "Todos os restantes accionistas manifestaram idêntica vontade..."

Estas manifestações de vontade indiciam uma contradição de interesses que são um só - o interesse em servir-se da A… SGPS - criando um crédito (a cada um dos accionistas da E… S.A.) na A… SGPS com a aquisição das partes de capital, que permitisse o recebimento de dividendos pagos, primeiramente à SGPS pela participada E… S.A., sem a respectiva e justa tributação, quando outra forma de concretizar a passagem das partes de capital da E… S.A. de uma posse directa para outra indirecta, seria mais normal e habitual - tendo em conta as características da A… SGPS - designadamente o facto de o capital social ser de apenas 60.000 €.

Nota 1 - Relativamente às transacções acima mencionadas e previamente à sua realização não foi solicitada informação vinculativa nos termos do n.º 8 do artigo 63.º do CPPT.

Nota 2 - As acções alienadas eram detidas pelos accionistas há mais de um ano, pelo que as mais-valias obtidas com a sua alienação encontravam-se excluídas de tributação em sede de IRS nos termos da alínea a) do nº 2 do art.º 10º do CIRS.

Relativamente ao contrato celebrado para aquisição das participações representativas da totalidade do capital social da E… S.A. (Anexo 4) são de salientar as seguintes particularidades, mais uma vez indiciadoras de que os negócios em apreço tiveram como objectivo a não tributação de uma realidade tributada - a distribuição de dividendos.

> Cláusula 1.ª - O preço unitário não foi definido no contrato, é referido apenas que o "preço a despender na aquisição de todo o património será de 11.277.000,00 euros".

> Quitação  "a forma de recebimento será tratada em documento particular, a assinar entre os 1.ºs e 2.º outorgante, ficando numa primeira fase a dívida contabilizada em conta-corrente."

O preço das acções foi justificado com o resultado da avaliação ("Estudo de Valor") efectuada pela consultora (designação à data da avaliação) K…, S.A., NIPC - … (actualmente designada por L... S.A.) com referência, a 2007/03/31 e datado de 2007/04/10 (Anexo 5).

Nota - A avaliação foi solicitada e paga pela E… S.A.

O resultado da avaliação na óptica dos fluxos de caixa descontados foi de 11.276.788.00 € - o serviço prestado foi faturado em duas tranches, apenas em 2007/11/15 e 2007/12/03.

Constata-se, uma vez mais, não se verificar moto económico-financeiro para o negócio em análise - para os intervenientes o arredondamento para cima do preço era e foi indiferente, não tinham a expectativa de receber da A… SGPS qualquer valor monetário por esta gerado, o que de facto esteve na base do negócio foi criar o crédito que possibilitou o recebimento dos dividendos (com tributação) sob a forma de pagamento da dívida (sem tributação).

O que quedou, afinal, foi a E… S.A. a financiar a sua própria aquisição, paradoxal em termos económico-financeiros mas perfeitamente lógico à luz do esquema montado pelos accionistas das E… .

Relativamente às condições de pagamento (quitação) acordadas, é de salientar o seguinte:

1) Como veremos adiante, as contas da sociedade A… SGPS revelam que esta não possuía capacidade financeira para proceder ao pagamento de 11.277.000,00 €, não dispunha de liquidez, capitais próprios ou alheios para o efeito.

2) Nos termos do n.º 1, 2 e 6 do art. 243.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), considera-se contrato de suprimento "...o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade desde que se estipule um prazo de reembolso superior a um ano sendo que a validade do contrato não depende de qualquer forma especial, pelo que não terá, forçosamente, de ser reduzido a escrito." Ora os alienantes e accionistas da A… SGPS são credores em relação a esta do preço das acções alienadas na qualidade de accionistas da E… S.A., o valor em dívida não pode ter a natureza de suprimento efectuado pelo accionista mas sim de dívida a terceiros - outros credores (que por sinal são também accionistas da A… SGPS).

3) As condições de pagamento não foram definidas por qualquer documento particular, à medida que os lucros da E… S.A. eram transferidos para a A… SGPS, os mesmos eram transferidos para os accionistas.

4) Solicitados os elementos que serviram de base à determinação do valor a pagar, foi fornecido quadro (Anexo 6) com a percentagem (%) da participação de cada accionista na sociedade E… S.A., como justificativo do valor a creditar a cada um dos alienantes (nada tendo sido contratualizado) conforme quadro abaixo:

c) Da A… SGPS, S.A.

Caracterização da actividade e enquadramento legal

No contexto da integração europeia foi, através do Decreto-Lei n.º495/88 de 30 de Dezembro (regime jurídico das SGPS), criado o regime legal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais, de forma a criar condições que facilitassem e incentivassem a criação de grupos económicos mais capazes de enfrentar a concorrência que advinha da entrada no Mercado Único (actual União Europeia).Neste contexto, as SGPS (sociedades Holding) têm como objecto contratual "...a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas."

É-lhes ainda permitida a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas, bem como a concessão de financiamentos dentro de determinados condicionalismos.

No âmbito dos benefícios que uma SGPS pode trazer à gestão de um grupo de sociedades podemos apontar, nomeadamente, os seguintes:

• Isenção de retenção na fonte sobre os rendimentos resultantes de suprimentos concedidos pela SGPS às respectivas subsidiárias, bem como de imposto de selo;

• As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria, a favor das suas participadas (operações descendentes), bem como as operações com a mesma natureza efectuadas em benefício das SGPS por sociedades que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo (operações ascendentes), também são isenta de Imposto de Selo.

Como se pode verificar as SGPS potenciam uma gestão eficaz dos excedentes/défices de tesouraria das entidades do Grupo.

Partes de Capital na posse da A… SGPS

1) E… S.A., participação no capital de 100 %.

2)M…, Lda (adiante designada apenas por M…) -Foram adquiridas em 2009/03/06 duas quotas de 1.250,00 € - no valor total de 2.500,00 €, correspondentes a 50 % do capital social da sociedade, adquiridas pelo valor nominal.

Na mesma data (2009/03/06) conforme acta n.º 4 (Anexo 7) da M…, foi deliberado que os sócios fizessem suprimentos à sociedade, no montante de seiscentos mil euros cada. Assim uma sociedade sem liquidez comprometia-se/estava obrigada a efectuar suprimentos no valor de 600.000,00 €.

A forma encontrada para o fazer foi a seguinte: a A… SGPS, recebeu 600.000,00 € a título de dividendos da E… S.A.. Apesar de ser este o registo contabilístico e o constante nas declarações fiscais, designadamente Modelo 22 e IES, em 2009/03/04 - dois dias antes da acta n.º 4 na qual a A… SGPS passou a participar no capital social da M…, a A… SGPS passou um cheque à ordem da M… no valor de 588.014,20 € (Anexo 8).

A A… SGPS apresentava os seguintes valores de balanço para os exercícios de 2011 a 2014:

Da análise ao quadro acima é de salientar o seguinte:

• A sociedade não alterou o seu capital social desde a sua constituição - 60.000,00 €.

• Relativamente à dívida referente à aquisição da E… S.A., esta foi reduzida para 5.948.084,36 €* em resultado das transferências efectuadas aos accionistas no montante de 5.392.409,69 €.

*inclui suprimento efectuados no período em análise no valor de 63.494,50 € - seriam 5.884,590,31 € sem estes suprimentos.

A A… SGPS apresentava os seguintes valores nas demonstrações de resultados dos exercícios de 2011 a 2014:

Da análise ao quadro acima é de salientar o seguinte:

• O resultado líquido dos exercícios em análise é praticamente o mesmo da E… S.A..

• Neste contexto fica demonstrado que a A… SGPS apresenta resultados que são praticamente um espelho dos resultados obtidos pela E… SA, como gestora de participações, cumpre o seu objectivo pois gera dividendos para o accionista — que não distribui com essa natureza.

Da aplicação de resultados da A… SGPS

Durante os exercícios de 2011 e 2014, os valores transferidos da A… SGPS para os seus accionistas sob a forma de pagamento do valor em dívida de acordo com os registos contabilísticos efectuados e documentos de suporte das transferências (v.g. extractos bancários, transferências bancárias, cheques - Anexo 9) foram os constantes no quadro abaixo:

Nota - Alguns lançamentos simultâneos (na mesma data) para os três accionistas têm como documento de suporte apenas uma transferência, ou várias transferências para apenas uma conta, sendo depois efectuada a divisão pelos três accionistas, como se pode comprovar pelas notas de lançamento (Anexa 10).

Tendo em conta os valores constantes do quadro acima, entre 2011 e 2014 os accionistas da A… SGPS, receberam a título de pagamento do valor em dívida respeitante à aquisição das acções da E… S.A., 5.392.409,69 €.

Estas importâncias não foram objecto de qualquer tributação e tiveram origem nos lucros distribuídos à SGPS pela E… S.A., que por sua vez corresponde quase em exclusivo s fonte de rendimentos da A… SGPS.

IV - Do Direito

Dispõe o n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária que:

"São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas".

A norma transcrita consagra, no ordenamento jurídico tributário nacional uma verdadeira cláusula geral anti-abuso e estatui a ineficácia, perante a Administração Tributária, de actos e negócios jurídicos praticados com evidente abuso de formas jurídicas os quais conduzem, em desfavor da Fazenda Nacional, à eliminação, total ou parcial, ou diferimento temporal do pagamento de impostos que de outro modo seriam devidos.

V - Apreciação Do Caso Concreto

Analisando a norma e seguindo de perto a doutrina, dir-se-á que a sua hipótese encerra quatro pressupostos para que o aplicador, em concreto, possa dela lançar mão, são eles:

- A forma utilizada - elemento meio;

- A vantagem fiscal e a equivalência económicas obtidas - elemento resultado;

- A motivação do S.P. - elemento intelectual;

- A reprovação normativo - sistemática da vantagem obtida - elemento normativo;

Ora, da avaliação de todos os elementos que foram dados a conhecer ao procedimento é possível, em acoplação com os elementos ou condições referidos, identificar;

1) Elemento meio

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 38º da LGT foram utilizados "...actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos ... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico..."

O elemento meio corresponde à via escolhida pelo S.P. para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal, i.e. os actos e ou negócios jurídicos celebrados cuja estrutura se encontra determinada em função de um dado resultado fiscal, que não se verificaria caso estes não tivessem ocorrido com os contornos que ocorreram.

No caso em apreço, como se descreverá de seguida, os accionistas da A… SGPS/E… S.A. recorreram a um conjunto de actos e negócios jurídicos que tiveram como resultado transformar um fluxo financeiro sujeito a imposto, nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS (o pagamento de dividendos aos accionistas da A… SGPS) noutro fluxo financeiro não sujeito (o pagamento do preço determinado no negócio de aquisição da E… S.A.).

Iremos, pois, descrever os actos e negócios através dos quais os accionistas alcançaram o resultado fiscal pretendido:

1 - A sociedade gestora de participações sociais A… SGPS foi constituída em 2007/03/22, e iniciou actividade em 2007/03/22, com o capital social de 60.000,00 €, integralmente subscrito pelos 5 accionistas da E… S.A.,

2 - A 2 de Abril de 2007, 10 dias depois da constituição e início de actividade da A… SGPS, foi celebrado o contrato de compra e venda de acções;

3 - O preço das acções foi justificado com o resultado da avaliação ("Estudo de Valor") efectuada pela consultora (designação à data da avaliação) K…, S.A., com referência a 2007/03/31 e concluído em 2007/04/10.O resultado da avaliação na óptica dos fluxos de caixa descontados foi de 11.276.788,00 €;

4 - O preço global definido foi de 11.277.000,00 €, sendo que o valor e condições de pagamento a cada um dos vendedores seriam definidos por documento particular;

5 - Não foi efectuado qualquer contrato que regulasse e definisse preço e condições de pagamento - os lucros transferidos da E… S.A. para a A… SGPS, eram depois transferidos para os accionistas sem critério aparente;

6 - A A… SGPS como sociedade gestora de participações sociais, vocacionada para o exercício de gestão de participações, não dispunha (nem dispõe) de capacidade financeira para a celebração de um negócio desta magnitude - em consequência da forma escolhida e desenhada para o realizar;

7 - A E… S.A. é, quase em exclusivo, a financiadora do negócio, isto é, financia a sua própria aquisição;

8 - Os resultados distribuídos pela E… S.A. à SGPS, o rendimento da actividade da SGPS, sete anos passados desde o negócio em apreço, serviram, quase em exclusivo, para pagar a dívida criada pelos accionistas.

É manifesto que os actos e negócios jurídicos realizados pelos sujeitos passivos não são típicos nem normais na gestão de empresas efectuada com base na simples racionalidade económico-financeira.

Só é possível compreender esta sucessão de actos e negócios jurídicos no contexto da procura de um determinado resultado fiscal - a não tributação da distribuição de dividendos.

As condições do negócio, bem como todos os actos praticados previamente, inserem-se na lógica do esquema desenhado pelos accionistas das sociedades do grupo N… e tiveram como objectivo a transformação do pagamento de dividendos por parte da SGPS em pagamento do preço acordado e consequente redução do crédito registado contabilisticamente.

Estas condições contratuais, só foram possíveis porque os accionistas são comuns a ambas as sociedades (aliás a sua percentagem de participação na A… SGPS é praticamente a mesma na Monoquadro E… S.A.).

2) Elemento resultado

Conforme refere o n.º 2 do artigo 38º da LGT, os actos ou negócios jurídicos "anómalos" deverão ser "essencial ou principalmente dirigidos ... à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios...".

Em suma, o elemento resultado consiste na vantagem fiscal conseguida através do elemento meio utilizado pelo S.P., que no caso em apreciação consistiu na transformação de um fluxo financeiro - a distribuição de dividendos, sujeitos a l RS nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, noutro fluxo, o pagamento do valor em dívida a cada vendedor/accionista relativo ao preço determinado no negócio de aquisição das partes sociais da E… S.A., do qual, mais uma vez se refere, não decorre qualquer tributação, por aplicação do disposto, à data, na al. a) do n.º2 do artigo 10.º do CIRS.

Equivalência do resultado dos actos e negócios celebrados com os actos e negócios normais de efeito económico equivalente

Se os accionistas das sociedades do grupo N… pretendessem realizar os actos e negócios pelo seu fim económico e financeiro, decorrentes dos ganhos de competitividade, eficiência e massa critica obtidos, com a criação e passagem das participações para a SGPS, teriam ao seu dispor actos e negócios normais de efeito económico equivalente mas providos de racionalidade económica. Assim, seria normal, por exemplo, constituir para esse efeito uma sociedade com capitais próprios de montante suficiente para proceder à aquisição de participações sociais deste montante, ou a obtenção de financiamento com capitais alheios para o efeito, ou a subscrição do capital social inicial através de entradas em espécie consubstanciada nas participações sociais que ao invés foram adquiridas.

Pelo contrário, no caso em apreço a forma (o conjunto de actos e negócios) de aquisição da E… S.A. foi a "facilitadora" da transformação de um fluxo financeiro - dividendos, em outro fluxo financeiro de natureza distinta - pagamento do preço das acções da E… S.A. alienadas à A… SGPS.

Utilizando um esquema engenhoso para obviar a justa e normal tributação dos dividendos a distribuir pela SGPS (gerados pelos resultados distribuídos a esta pela E… S.A.) no qual a existência da A… SGPS desempenha um papel essencial e imprescindível - os accionistas lograram a não tributação desejada.

A actividade da E… S.A. em nada se alterou com esta interposição de uma SGPS entre si e os seus accionistas - que deixaram apenas de o ser directamente passando a sê-lo indirectamente - alterou-se sim a forma de distribuição de dividendos, passou a fazer-se à A… SGPS (que beneficia da eliminação da dupla tributação económica nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do CIRC) que por sua vez, fruto da forma engenhosa utilizada para transferir as partes de capital da E… S.A. para a A… SGPS, os distribui sob a forma de pagamento de dívida aos accionistas individuais (logrando a não tributação).

Em resumo, os accionistas trocaram partes de capital por um crédito, trocaram rendimento por dívida.

Afigura-se por isso evidente que a prática dos actos e negócios normais de efeito económico equivalente não teriam como resultado a vantagem fiscal obtida com os actos e negócios escolhidos pelos accionistas das sociedades.

Tivessem os actos e negócios sido celebrados sob formas típicas e normais, a A… SGPS faria a normal distribuição de dividendos aos seus accionistas. Esse seria, e é, o "caminho" normal e esperado, em condições típicas e normais, por accionistas/investidores que ambicionam e esperam obter dividendos dos seus investimentos - a remuneração do capital investido - sendo esses rendimentos de capitais sujeitos a IRS nos temos da al. h) do n.º2 do artigo 5.º do CIRS.

Do resultado - a vantagem fiscal obtida

Assim, durante os exercícios de 2011 a 2014, foram transferidos da A… SGPS, para os seus accionistas - 5.392.409,69 € quando no mesmo período a E… S.A. distribuiu lucros ao accionista A… SGPS no montante de 5.817.622,22 € (se excluirmos 600.000,00 € relativos ao financiamento da M… o valor seria de 5.217.622,22 €).

A coincidência destes valores é uma demonstração clara e evidente da intenção de eliminar a tributação dos dividendos recebidos, pretensão dos accionistas do grupo N…, alcançada através dos actos a negócios jurídicos acima descritos.

É por isso evidente o resultado pretendido - receber dividendos da A… SGPS como se de outra realidade (pagamento de valor em dívida) se tratasse.

Face ao exposto, podemos concluir que os accionistas da A… SGPS receberam efectivamente desta, sem que sobre eles impendesse qualquer carga fiscal, dividendos nos seguintes montantes:

Em resultado da correcção proposta, por efeito da aplicação da norma anti-abuso, os valores recebidos, a título de pagamento da dívida, são considerados rendimentos de capitais.

Face ao exposto, o enquadramento fiscal, o momento em que a sua tributação deve ocorrer e a tributação dos dividendos e adiantamentos por conta de lucros recebidos são os seguintes:

> São sujeitos a IRS nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS,

> Nos termos do ponto 2 da al. a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS, a retenção na fonte deve ocorrer no momento "em que são colocados à disposição dos seus titulares".

> Os lucros e adiantamentos por conta de lucros recebidos por pessoas singulares estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, às taxas liberatórias de 21,5% (ano 2011) 25 % (de Janeiro a Outubro de 2012) 26,5 % (Novembro e Dezembro de 2012) e 28 % de Janeiro de 2013 a Dezembro de 2014) nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 71 do CIRS, no momento em que são pagos, ou colocados à disposição, pelo que não serão tributados na esfera dos seus beneficiários (neste caso os accionistas da A… SGPS que os receberam).

> A entidade retém o imposto devido que deve ser entregue ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foi deduzido, conforme dispõe o art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, o n.º 3 do artigo 98.º e al. a) do n.º2 do artigo 101.º do CIRS.

De acordo com o exposto, o total de imposto não retido na fonte e não entregue, distribui-se pelos exercícios em análise da seguinte forma:

3) Elemento intelectual

Ainda de acordo com o n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária, os actos ou negócios jurídicos devem ter sido "...essencial ou principalmente dirigidos...".

Nos termos da norma transcrita, exige-se que a escolha e forma adoptada pelo S.P. seja fiscalmente dirigida (tax driven) à obtenção da vantagem fiscal.

Assim, seguidamente demonstrar-se-á que a escolha da forma, feita pelo S.P., foi motivada por razões fiscais, ou seja, só as razões fiscais explicam a opção seguida pelos sujeitos passivos. Para o demonstrar iremos provar que os actos e negócios realizados, que conduziram à vantagem fiscal ilegítima, não são usuais entre agentes económicos independentes, não utilizaram as formas e condições usualmente utilizadas, nem tiveram um resultado em linha com o pretendido em negócios similares.

Será típico e normal, a criação de uma sociedade gestora de participações sociais para (i) adquirir por 11.277.000,00 €, (ii) sem meios financeiros para tal e (iii) sendo os accionistas e as respectivas participações praticamente as mesmas que a da sociedade a adquirir, (v) sem dotar a SGPS de meios financeiros para adquirir aquelas ou outras participações sociais?

A administração e os accionistas da E… S.A. solicitaram a sua avaliação com referência à situação patrimonial a 2007/03/31 - concluída em tempo recorde em 2007/04/10. No dia 2007/03/22, durante a fase de conclusão da avaliação, os accionistas da E… S.A., constituíram uma SGPS, a A… SGPS, que iniciou actividade no mesmo dia da sua constituição - em 2007/03/22, para a interpor entre si e a E… S.A. Esta sociedade, constituída com apenas 60.000,00 € de capital social (próximo do valor mínimo para constituição de uma SGPS) adquire em 2007/04/02 (antes da conclusão da avaliação) a E… S.A. por um valor (11.277.000,00 €) que supera em quase 188 vezes o seu capital social, não definindo quaisquer condições de pagamento para além do registo do crédito relativo a cada accionista em conta-corrente na A… SGPS.

Estando criado o crédito, pela aquisição de uma sociedade de que eram já directamente proprietários, a administração e os accionistas da E… S.A. alteraram radicalmente a política de distribuição de lucros aos accionistas - distribuindo em 6 anos 5.817.622,22 € à A… SGPS.

Destes lucros, 92,6 % - 5.392.409,69 €, foram posteriormente transferidos para os accionistas A… SGPS, como contrapartida do crédito que tinham criado com a venda das suas participações.

Percebe-se assim que a A… SGPS não trouxe qualquer mais-valia de índole económico-financeiro à E… S.A., serviu isso sim, com a forma desenhada para adquirir as participações da E… S.A., para a transformação de um fluxo - os dividendos - em outro - o pagamento de uma dívida - criado com o propósito único de permitir a eliminação da carga fiscal associada ao recebimento de dividendos, beneficiando em concreto os accionistas de ambas as sociedades.

Não está em causa a liberdade de criar a SGPS e posteriormente um grupo económico, a A… SGPS possui partes de capital que não apenas as da A… SGPS, não pode, essa liberdade, ser utilizada para criar um esquema que permita distribuir dividendos gerados por esse grupo económico como se de outra coisa de tratasse.

Uma operação com estas características - com a criação de uma SGPS que se predispõe a adquirir participações sociais no valor de 11.277.000,00 € sem possuir nem liquidez, nem capitais próprios para o efeito e que não recorre a qualquer meio de financiamento para efectuar o pagamento do valor em dívida não evidencia outro objectivo ou consequência que não seja a da não tributação do recebimento de dividendos e não teria sido possível a sua concretização com o resultado pretendido, por qualquer outra sociedade que não uma criada pelos mesmos accionistas da sociedade a adquirir, com uma estrutura accionista praticamente igual à da sociedade adquirida e com um objectivo essencial e fundamental: permitir, com os actos e negócios atrás descritos, a transformação de um fluxo monetário tributado, em outro fluxo monetário não tributado.

Em condições típicas e normais os accionistas da A… SGPS não teriam o ensejo de endividar em 11.277.000,00 € uma sociedade que acabavam de criar e teriam optado (o que seria uma boa prática de gestão) por outras alternativas menos onerosas, mais típicas e normais no contexto descrito (v.g. subscrição do capital em espécie).

4) Elemento Normativo

O n.º 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária refere também que:

"...por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas... (essencial ou principalmente dirigidos; é redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico"

A este elemento subjaz a desconformidade do resultado obtido com a ratio legis, o espírito ou propósito da lei, os princípios do Código em causa ou do Sistema Fiscal.

Em suma, trata-se de, num exercício reflexivo, demonstrar que, apesar de a letra da lei permitir que o acto ou o negócio realizado proporcione os efeitos fiscais desejados, a intenção da lei e/ou do Direito rejeita a sua obtenção, e como tal, o resultado obtido.

Também quanto a este elemento, dúvidas não existem de que o mesmo se verifica no caso em análise, porquanto a Constituição e a lei fiscal pressupõem a tributação segundo a capacidade contributiva.

Os impostos de acordo com o n.º 1 da Lei Geral Tributária "assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património", não pode por isso a simples redenominação de um rendimento obtido, proveniente da actividade exercida por uma sociedade da qual são accionistas, não ser tratado como tal - um rendimento.

Os accionistas da A… SGPS receberam dividendos gerados pela actividade desta - gestão de participações sociais, que por meios artificiosos "transformaram" em pagamento de uma dívida a si mesmos, sem que sobre eles impendesse qualquer imposto.

Os princípios subjacentes ao sistema fiscal consagrados nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa, bem como as normas de incidência previstas concretamente no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pretendem a tributação dos rendimentos efectivamente obtidos, não pode um Estado que se rege por estes princípios exigir a contribuição devida a alguns cidadãos deixando outros, que por razão da capacidade e vontade de desenhar e construir esquemas que o obviem, de fora da contribuição devida pelos seus efectivos rendimentos.

Relativamente aos rendimentos da categoria E - rendimentos de capitais - prevê o n.º 1 do artigo 5.º do CIRS que "consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias."

Ora no caso em apreço, os sujeitos passivos obtêm um rendimento, recebido da A… SGPS, mas que transformaram em "pagamento de dívida" de forma a obviar à sua tributação, como se demonstrou.

De realçar que a subsunção do caso concreto à norma foi realizada tendo por base uma análise crítica e conjugada, segundo juízos de experiência comum e de normalidade social, económica e financeira dos factos e elementos recolhidos que, com razoável segurança, patenteiam a natureza abusiva do planeamento fiscal dos sujeitos passivos.

VI - Fundamentação Da Aplicação Da Norma Antiabuso

Face a todo o exposto e ambicionando uma prática normativamente racionalizada do direito entende-se estarem verificadas as condições para que se possa lançar mão do mecanismo previsto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, acima transcrito.

Resulta então da presente informação que estão cumpridos os pressupostos procedimentais previstos n.º 3 do artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para aplicação da disposição prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, concretamente:

a) Descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como indicação das normas de incidência que se lhes aplicam.

b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou a prática do acto jurídico foi essencialmente ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou deferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto jurídico com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.

(...)

Vlll-Direito de Audição

O sujeito passivo exerceu, em 2015/11/13 audição prévia (Anexo 11) dentro do prazo estabelecido pela notificação constante do ofício n.º … de 2015/10/14 em cumprimento do estabelecido nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º4 do artigo 63.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Tendo em conta e ponderando os elementos suscitados na audição prévia, importa perceber se estes são passíveis de alterar as conclusões do Projecto de Relatório.

Os sujeitos passivos assentam fundamentalmente a fundamentação do direito de audição exercido, nos termos que abaixo se resumem:

> A. Da não aplicabilidade da norma antiabuso

Não estão reunidos os 4 elementos cumulativos (...) indispensáveis para a aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º da Lei Geral Tributária.

O s.p. não traz nenhum facto novo ao procedimento pelo que o fundamento aqui invocado é rebatido de forma inequívoca pelo explicitado no relatório, nomeadamente no Capitulo V -Apreciação Do Caso Concreto.

> B. Da caducidade do direito da AT aplicar a norma antiabuso prevista no n.º2 do artigo 38.º da LGT (correcção nossa uma vez que o S.P. menciona na audição, erradamente, o artigo 38.º do CPPT)

B.1 O procedimento de aplicação da norma antiabuso, nos termos do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT, à data dos factos relativos ao ano 2011, dispunha de um prazo de três anos para a sua instauração.

O fundamento aqui invocado não colhe, uma vez que uma alteração à norma de cariz procedimental é de aplicação imediata, atento o disposto no art.º 12.º, n.º 3 da LGT.

A redacção do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT em vigor à data da instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso (redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) não prevê qualquer limite temporal para instauração do procedimento de aplicação da norma antiabuso.

Não está em causa o direito à liquidação (que como veremos a seguir, ainda subsiste) mas apenas a faculdade de aplicar um procedimento especial a determinado conjunto de actos e negócios jurídicos.

Esse procedimento deve seguir o estatuído à data da sua instauração, correndo o risco de ser ilegal se assim não fosse.

Não colhe igualmente alicerçar a defesa desta interpretação no "afectar de garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos™, não estamos no caso em apreço a obliterar qualquer garantia, direito ou interesse legítimo - não é legítimo à luz dos princípios constitucionais, o não pagamento dos impostos devidos em resultado de uma vantagem patrimonial evidente, reveladora de uma capacidade contributiva muito superior à declarada à administração fiscal.

Não está o dever de pagar os impostos efectivamente devidos, protegido por qualquer garantia, direito ou interesse, anteriormente constituídos, pelo contrário, é dever da administração tributária, constitucionalmente consagrado, promover a tributação justa, igual e proporcional do rendimento, "respeita(ndo) os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material."

Ora os princípios acima referidos: (i) da generalidade - o dever de todos os cidadãos pagarem impostos, de acordo com a sua capacidade contributiva; (ii) da igualdade - o dever de serem tratadas de forma igual as situações iguais, e de forma desigual as situações desiguais (no qual a norma antiabuso é instrumento fundamentai); (iii) da legalidade - 3 criação por lei das normas aplicáveis (o que é indiscutível) e (iv) da justiça material - vertida na chamada justa composição dos interesses à luz dos juízos do tempo e lugar em que administração atua, são respeitados na sua plenitude, são aliás o motivo maior do presente procedimento do qual as correcções propostas são corolário.

É por isso evidente que as garantias, direitos e interesses legítimos legalmente protegidos em nada são obliterados pelo presente procedimento, são essas dimensões de cidadania que este pretende proteger e alcançar.

B.2 Defende ainda o S.P. que o prazo de caducidade já tinha decorrido aquando da instauração do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso (para os pagamentos efectuados em 2011),

Alega o s.p. que a correcção trata de uma retenção na fonte à taxa liberatória pelo que não se aplicaria o n.º4 do artigo 45.º da LGT. Este fundamento enferma desde logo de uma leitura incorrecta da disposição legal em apreço, sendo a leitura e interpretação da mesma clara e inequívoca, ora vejamos:

 

n.º 4 do Artigo 45.º da LGT

"O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o fado tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário."

Como se pode verificar, o legislador excepcionou as retenções efectuadas a título definitivo, relativamente a impostos sobre o rendimento, como é o caso em apreço, da contagem do prazo de caducidade a partir da data em que o facto tributário ocorreu, seguindo estas, de forma distinta, a regra dos impostos periódicos, isto é, contando o prazo a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

C. Erros aritméticos

Aponta o s.p. os seguintes erros aritméticos (por valor em euros):

a. 51.000,00 €, relativos a créditos do mesmo valor, que têm como consequência a diminuição do valor recebido por B… no mês de Junho de 2013;

b. 7.500,00 €, relativos a créditos do mesmo valor, que têm como consequência a diminuição do valor recebido por C… no mês de Junho de 2013;

c. 4.500,00 €, relativos a créditos do mesmo valor, que têm como consequência a diminuição do valor recebido por D… no mês de Junho de 2013.

Verifica-se que os créditos acima referidos visaram a regularização de lançamentos efectuados incorrectamente na conta-corrente dos s.p. mencionados pelo que assiste razão neste ponto ao S.P..

Conclusão

Tendo em conta e ponderando os elementos suscitados na audição prévia, somos de manter a fundamentação que sustenta as conclusões do Projecto de Relatório, corrigindo as correcções propostas nos valores relativos aos erros aritméticos apontados pelo s.p..

Face ao exposto as correcções propostas em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares que passam a constar deste Relatório Final são as constantes no seguinte quadro:

d)    Na sequência da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta da parte «Grupo IV» do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;

e)    Na sequência da inspecção foram emitidas, em 10-02-2016, as seguintes liquidações, com base na aplicação da cláusula geral antiabuso (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €612.750, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 109.516,87, referentes ao ano 2011;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de € 312.579,41, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 40.559,26, referentes ao ano 2012;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €193.080,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 14.569,50, referentes ao ano 2013;

– Demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS nº 2016…, no montante de €151.308,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 5.857,20, referentes ao ano 2014;

f)     Foram instauradas execuções fiscais para cobrança coerciva das quantias liquidadas (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

g)   Em 15-06-2016, a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, acrescidas de juros de mora, neste sentido termos que constam dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

h)   Em 29-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo,

 

3. Questão da incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de devolução do montante de juros de mora e custas pagas em sede de execução fiscal

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No entanto, como bem defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, relativamente a juros de mora e custas de processos de execução fiscal, não há qualquer suporte legal para a sua apreciação em processo de impugnação judicial e, reflexamente, em processo arbitral.

Termos em que se julga procedente a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à apreciação do pedido de devolução do montante de juros de mora e custas pagas em execução fiscal.

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente suscita, em suma, as questões:

– da caducidade do direito de a Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso;

– da verificação dos requisitos da sua aplicação, incluindo a sua aplicação à Requerente, na qualidade de substituto tributário, que está conexionada com a verificação do elementos «resultado».

 

 

3.1. Questão da caducidade do direito da Autoridade Tributária e Aduaneira instaurar procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso

A Requerente defende que, relativamente aos pagamentos efectuados por esta aos seus accionistas em 2011, quando a AT iniciou a ação inspectiva, em 07-08-2015, já tinha decorrido o prazo de caducidade para abertura do Procedimento para Aplicação da Cláusula Geral Antiabuso pela AT.

O artigo 63.º do CPPT, na redacção inicial, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:

1 - A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 - Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 - O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do acto ou da celebração do negócio jurídico objecto da aplicação das disposições antiabuso.

 

            A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, alterou o n.º 3, que passou a ter a seguinte redacção:

3 – O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposições anti-abuso.

Com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, deixou de ser feita qualquer referência a prazo para a abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso.

A Requerente defende, em suma, que, considerando que os três primeiros pagamentos ocorreram, respectivamente, em Março, Abril e Junho de 2011, o prazo para a AT instaurar o procedimento especial previsto no artigo 63.º do CPPT relativamente a estes pagamentos terminou em 31 -12-2014.

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que com a eliminação, operada pela Lei n.º 64-B/2011, do prazo para abertura do procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso, a sua abertura não está sujeita a qualquer prazo, pelo que ele pode ser aberto, relativamente a factos ocorridos em 2008, depois dos três anos previstos nas referidas redacções do n.º 3 do artigo 63.º do CPPT.

Como se refere no acórdão arbitral de 09-05-2013, proferido no processo n.º 123/2012-T, nas redacções que vigoraram até à entrada em vigor da Lei n.º 64-B/2011, do n.º 3 do artigo 63.º resultava manifestamente para o sujeito passivo a “garantia” de que o procedimento para aplicação da cláusula geral antiabuso não poderia ser aberto decorrido o prazo previsto.

Assim, o decurso do prazo previsto extinguia o direito potestativo de que gozava a Autoridade Tributária e Aduaneira de instaurar o referido procedimento

Delimitando temporalmente o direito potestativo do sujeito activo, o prazo estabelecido no artigo 63.º, n.º 3, do CPPT, naquelas redacções, era um prazo de caducidade: “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo” ( [1] ); “caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” ( [2] ).

«O sujeito activo tem o direito potestativo – dir-se-á, noutra óptica, que tem um poder-dever – de abrir o procedimento até um certo momento. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado relativo ao exercício do direito sujeito ao prazo de caducidade».( [3] )

O artigo 12.º, n.º 3, da LGT, ao estabelecer que «as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», tem como efeito, relativamente à aplicação da lei no tempo da Lei n.º 64-B/2011, que, relativamente aos direitos de instaurar procedimento para aplicação de cláusula geral antiabuso que ainda não tinham caducado à data da sua entrada em vigor, deixa de se verificar a caducidade, pois a nova lei não prevê prazo para a referida instauração.

Na verdade, quando está a decorrer o prazo de extinção de um direito, está-se perante uma situação jurídica em curso de extinção, que se extingue quando esse prazo se esgotar.

Perante uma sucessão de leis reguladoras de uma situação jurídica em curso de extinção, se essa situação não se extinguiu durante a vigência da lei antiga, a lei competente para determinar o regime da sua extinção (inclusivamente a sua não extinção) é a lei nova.

Mas, para a lei nova a que não seja atribuída eficácia retroactiva poder regular essa situação jurídica é necessário que ela ainda subsista à data da entrada em vigor da lei nova, isto é, que o direito em causa não se tenha já extinto, antes desta entrada em vigor. Se o direito se extinguiu na vigência da lei antiga, a lei nova não lhe pode ser aplicável, sem retroactividade, pois não tem qualquer conexão temporal com a situação já extinta, não se colocando sequer um problema de aplicação da nova lei no tempo, se esta não for retroactiva.

O artigo 297.º do Código Civil, que contém normas especiais para a aplicação no tempo das leis sobre prazos, evidencia o suporte legal para este entendimento, ao condicionar a sua aplicação aos prazos que estiverem em curso, no momento da entrada em vigor da lei nova.

A lei que elimina um prazo constitui, à face deste artigo 297.º, mesmo por interpretação meramente declarativa, uma lei que estabelece «um prazo mais longo», pois a inexistência de um prazo é equiparável a um prazo de duração infinita.

Assim, a nova lei é aplicável aos prazos que estejam em curso, mas apenas a esses, não se aplicando a prazos que já decorreram integralmente.

Por outras palavras, a certeza e a segurança jurídica conferida com a caducidade do direito apenas se constitui se o prazo transcorrer na totalidade sem que o direito potestativo seja exercido, mas, após o seu decurso integral, estar-se-á perante uma situação em que deixa de haver o direito de instaurar o procedimento, não havendo qualquer suporte legal para se entender, sem retroactividade, que ele renasça pelo facto de a nova lei vir eliminar o prazo.

É isso que resulta do teor expresso do n.º 3 os artigo 12.º da LGT, que estabelece como limite à aplicação imediata de normas procedimentais a existência de «direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes», o que tem como corolário que, antes de estar constituído, com o decurso integral do prazo de caducidade, o direito de o contribuinte a não ver instaurado o procedimento tributário para aplicação da cláusula geral antiabuso, não há obstáculo a que a lei altere os pressupostos da constituição desse direito. 

No caso em apreço, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, não atribui eficácia retroactiva à nova redacção que introduziu no artigo 63.º do CPPT, designadamente a eliminação do prazo para instaurar procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso, pelo que tem de se entender a eliminação de prazo, com a consequente possibilidade de instauração do procedimento, produz efeitos em relação a todos os prazos que estivessem em curso à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 01-01-2012 (artigo 215.º daquela Lei). [4]

Aplicando este regime jurídico ao caso dos autos, constata-se que não há obstáculo a que, em 2015, seja instaurado procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso que tenha como pressupostos factos (pagamentos no caso) efectuados em 2011.

Assim, improcede o vício de caducidade do direito de instauração de procedimento invocado pela Requerente relativamente a factos ocorridos em 2011. ( [5] )

 

3.2. Questão da verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso à Requerente

O artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária estabelece uma cláusula geral antiabuso, nos termos da qual «são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas».

Nas definições elaboradas por Saldanha Sanches ( [6] ): o planeamento fiscal legítimo «consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais»; enquanto que o planeamento fiscal ilegítimo «consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo».

Dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo actua contra legem, extra legem e intra legem.

Quando este actua contra legem, a sua actuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe directamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal ( [7] ) passível, inclusive, de ser objecto de censura contra-ordenacional ou criminal.

A actuação extra legem ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar directamente. Este adopta «um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal» ( [8] ). Sendo que dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detectar uma tentativa de contornar «uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema» ( [9] ). Este tipo de actuação é comummente designada de «fraude à lei fiscal» mas, conforme alerta Saldanha Sanches, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de «evitação abusiva de encargos fiscais», «evitação fiscal abusiva» ou ainda «elisão fiscal» ( [10] ).

Só se afigura legítima – e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo – a actuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a actuação não se enquadre na supra referida actuação extra legem ( [11] ).

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desconstruir a letra da norma apontando cinco elementos nela patentes. Correspondendo um dos elementos à estatuição da norma, os restantes quatro afiguram-se requisitos cumulativos que permitem aferir – como se de um teste se tratasse – quanto à verificação de uma actividade caracterizável como um planeamento fiscal abusivo ( [12] ).

Estes elementos, em torno dos quais ambas as partes aliás constroem a sua argumentação, consistem:

– no elemento meio, que diz respeito à via livremente escolhida – acto ou negócio jurídico, isolado ou parte de uma estrutura de actos ou negócios jurídicos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário – pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal; como decorre do texto do artigo 38.º. n.º 2, da LGT, os meios relevantes para aplicação da cláusula geral antiabuso têm de ser «artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas» ;

– no elemento resultado, que contende com a obtenção de uma vantagem fiscal, em virtude da escolha daquele meio, quando comparada com a carga tributária que resultaria da prática dos actos ou negócios jurídicos «normais» e de efeito económico equivalente ( [13] );

– no elemento intelectual, que exige que a escolha daquele meio seja «essencial ou principalmente dirigid[a] [...] à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos» (artigo 38.º, n.º 2 da LGT), ou seja, que exige não a mera verificação de uma vantagem fiscal, mas antes que se afira, objectivamente, se o contribuinte «pretende um acto, um negócio ou uma dada estrutura, apenas ou essencialmente, pelas prevalecentes vantagens fiscais que lhe proporcionam» ( [14] );

– no elemento normativo, que «tem por sua função primordial distinguir os casos de elisão fiscal dos casos de poupança fiscal legítima, em consideração dos princípios de Direito Fiscal, sendo que só nos casos em que se demonstre uma intenção legal contrária ou não legitimadora do resultado obtido se pode falar naquela »( [15] );

– e, por fim, no elemento sancionatório, que, pressupondo a verificação cumulativa dos restantes elementos, conduz à sanção de ineficácia, no exclusivo âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos tidos por abusivos, «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» (parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT).

 

Apesar desta desconstrução, a análise dos elementos não pode ser estanque, pois, como realça Courinha, «a fixação de um elemento pode, na prática, depender de um outro», pelo que estes «não deixarão com frequência [...] de auxiliar-se mutuamente» ( [16] ).

No caso em apreço, a Requerente radica primacialmente a sua pretensão na não verificação do elemento resultado, por não se verificarem em relação a ela mesma, como substituta tributária, vantagens fiscais, pelo que se começará pela apreciação desta questão da aplicabilidade da cláusula geral antiabuso a substitutos tributários, quando as vantagens fiscais se verificaram em relação aos substituídos.

 

3.2.1. Questão da aplicação da cláusula geral antiabuso a substitutos tributários, em situações em que as vantagens fiscais se verificam nos substituídos

 

A parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT (redacção da Lei n.º pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro), ao estabelecer as consequências da aplicação da cláusula geral antiabuso «efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas» aponta decisivamente no sentido de a aplicação ter de ser efectuada em moldes que permitam afastar a produção das vantagens fiscais.

Com efeito, embora a primeira parte deste artigo 38.º, n.º 2, contenha uma aparente distinção entre os objectivos visados pelo contribuinte entre «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico e «obtenção de vantagens fiscais», é manifesto que o que está causa na redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos é sempre a obtenção de vantagens fiscais, tendo a referência expressa e genérica às vantagens fiscais apenas o objectivo de estender o alcance da norma a quaisquer vantagens fiscais, para além das especificamente indicadas, que são claramente os casos mais frequentes de concretização das vantagens fiscais, que são a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos.

Isto é, com a redacção dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a cláusula geral antiabuso passou a poder aplicar-se a todas as situações de obtenção vantagens fiscais e não apenas às situações de redução ou eliminação dos impostos, já previstas na redacção inicial, e à de diferimento temporal, que também foi expressamente aditada na nova redacção. ( [17] )

A esta luz, a referência feita na parte final do artigo 38.º, n.º 2, à não produção das «vantagens fiscais referidas» reporta-se a todas as referidas, quer as mais comuns que são especificamente referidas (redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos) quer as genericamente referidas, através da alusão às «vantagens fiscais que não seriam alcançadas».

Aliás, nem outra interpretação seria constitucionalmente admissível, já que, tratando-se, em todos os casos de obtenção de vantagens fiscais abusivas, seria arbitrária e violadora do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) uma hipotética distinção de tratamento entre as situações expressamente referidas e as genericamente referidas.

Sendo esta eliminação das vantagens fiscais o manifesto objectivo da cláusula geral antiabuso, o destinatário da aplicação, em cujo património se irão produzir os efeitos da aplicação, não pode deixar de ser quem usufruiu dessas vantagens fiscais.

No caso em apreço, as vantagens fiscais detectadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira que justificaram a aplicação da cláusula geral antiabuso não se verificaram no património da Requerente, pois todas as quantias que pagou sem retenção na fonte foram entregues aos seus accionistas.

A existirem vantagens fiscais indevidas na situação em apreço, designadamente por parte das quantias recebidas dever ser tributada a título de dividendos, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, é manifesto que quem as obteve foram os accionistas, que receberam as quantias sem qualquer dedução de imposto, e não a Requerente, que pagou integralmente as quantias em causa.

Sendo os accionistas os beneficiários das vantagens referidas, a aplicação da cláusula geral antiabuso nos termos em que foi efectuada não permite afastar essas vantagens, pois, impondo à Requerente o pagamento das quantias equivalentes a essas vantagens, é apenas a ela que é imposto estes ónus, permanecendo os accionistas na titularidade intacta das quantias recebidas.

É certo que se pode aventar que, mais cedo ou mais tarde, o prejuízo patrimonial com a tributação que é imposta à sociedade se repercutirá sobre os accionistas, mas é também evidente que isso pode não suceder em relação aos accionistas que beneficiaram das vantagens indevidas, pois podem deixar de ser accionistas antes de o prejuízo imposto à sociedade ter uma efectiva repercussão no valor das suas acções.

A interpretação da parte final do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, como norma jurídica tributária de que resulta a imposição de tributação, não pode deixar de ter em conta a característica da generalidade, indispensável nas normas de tributação por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, da LGT, que é corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos. Por isso, a interpretação correcta do artigo 38.º, n.º 2, terá de valer generalizadamente, em relação a qualquer tipo de sociedades anónimas, inclusivamente as cotadas em bolsa em que a estrutura accionista se altera constantemente, relativamente às quais é evidente que a imposição da tributação à sociedade por com a sua intermediação os accionistas terem criado para si próprios vantagens fiscais indevidas não ter qualquer efeito sobre quem usufruiu dessas vantagens e deixou, depois, de ser accionista.

Ora, a esta luz, é evidente que o alcance daquele artigo 38.º, n.º 2, ao estabelecer como efeito necessário da aplicação da cláusula geral antiabuso a não produção das vantagens fiscais, pressupõe o entendimento legislativo de que a «tributação de acordo com as normas aplicáveis» incida sobre quem obteve as vantagens e não sobre quem meramente teve intervenção nos actos de que elas resultam sem beneficiar daquelas, pois só assim, é possível garantir o efeito pretendido de não se produzirem as vantagens fiscais especialmente ou genericamente referidas.

Na verdade, conclui-se da parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na redacção da Lei n. 30-G/2000, que a cláusula geral antiabuso não tem em vista meramente atribuir à Administração Tributária compensação por actos que lhe tenham provocado perda de receita fiscal, antes visa, concomitantemente, eliminar as vantagens fiscais ilegítimas que alguém obteve, o que revela que lhe estão subjacentes preocupações de igualdade e justiça tributária, que só podem satisfazer-se com a imposição da tributação omitida a quem obteve essas vantagens.   

De resto é esta a única interpretação que se compatibiliza com os princípios constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e o princípio da tributação com respeito pela justiça material (artigo 5.º, n.º 2, da LGT).

Com efeito, estes princípios impõem que seja tributado em impostos sobre o rendimento quem obteve os rendimentos e não quem os não obteve e o valor da justiça material é claramente violado quando, numa situação em que existam vantagens fiscais indevidas, vá ser exigida a quantia correspondente a quem não beneficiou dessas vantagens, deixando intocados os que indevidamente delas beneficiaram.

Na verdade, a existir dever de retenção na fonte a título definitivo nos pagamentos a efectuar pelo substituto tributário, não há qualquer disposição legal que lhe assegure a possibilidade de reaver a quantia que tiver de pagar, mesmo que não tenha efectuado a retenção, pois a responsabilidade do substituído é meramente subsidiária, por força do disposto no n.º 3 do artigo 28.º da LGT (que reproduz o n.º 3 do revogado artigo 103.º do CIRS), e não existe qualquer disposição legal que assegure direito de regresso do responsável originário em relação ao subsidiário.

Nestas situações enquadráveis no n.º 3 do artigo 28.º da LGT, vale plenamente a regra do artigo 21.º do CIRS, em que se estabelece que «quando, através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º». ( [18] )

O direito de regresso pode resultar da lei ou contrato ( [19] ), existindo, nomeadamente, nas dívidas solidárias (artigos 497.º, n.º 2, 521.º e 524.º do Código Civil), o que não é o caso das dívidas tributárias que têm de ser pagas pelo substituto através de retenção na fonte.

No específico caso da aplicação da cláusula geral antiabuso, que tem lugar depois da entrega da quantia sujeita a imposto aos sujeitos passivos, seria inexplicável que um legislador que se tem de presumir que consagra as soluções mas acertadas (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), preocupado em fazer incidir as consequências da aplicação sobre quem obteve vantagens fiscais, o fosse fazer através de um intermediário privado, cujos actos não comanda, em vez de o garantir através dos seus próprios eficientes serviços.

Para além disso, o instituto jurídico previsto nas leis tributárias para ressarcimento de dívidas tributárias pagas por quem não é o devedor, que é a sub-rogação (artigos 41.º da LGT e 91.º do CPPT), não tem aplicação nas situações de substituição tributária, pois o substituto não é terceiro na relação jurídica tributária, mas sim o devedor principal (artigos 28.º, n.º 3, e 41.º da LGT e 21.º do CIRS), «para todos os efeitos legais» e, por isso, também para este de aplicação da cláusula geral antiabuso, que não pode deixar de incluir-se na indelével e irredutível abrangência da palavra «todos».

Por outro lado, nem mesmo é de aventar a possibilidade de, com fundamento na lei civil, a Requerente reaver o que pagou na medida do enriquecimento dos accionistas, com fundamento em enriquecimento sem causa, pois a aplicação da cláusula geral antiabuso apenas permite considerar ineficazes os negócios ou actos «no âmbito do direito tributário», como resulta do texto do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, pelo que os negócios celebrados mantêm a sua plena eficácia para efeitos cíveis e, em termos do direito civil, a recepção integral das quantias recebidas pelos accionistas tem causa jurídica, pois é a contrapartida da transmissão das acções destes para a Requerente, no âmbito da compra e venda. À face da relação jurídica cível consubstanciada na transmissão das acções, que a aplicação da cláusula geral antiabuso não altera por a ineficácia de negócios e actos que determina se restringir ao «âmbito tributário», os vendedores têm direito a receber a totalidade do preço previsto no contrato.

Para além disso, como resulta do referido artigo 21.º do CIRS, o substituto é o devedor principal do imposto «para todos os efeitos legais», pelo que a exigência do imposto que lhe é feita também tem causa jurídica, pois trata-se de uma dívida sua, cujo pagamento só hipoteticamente pode ser exigido ao substituído, como responsável subsidiário, através de reversão em processo de execução fiscal e apenas em caso de insuficiência de bens penhoráveis do substituto (artigo 23.º, n.º s, 2 e 3, da LGT). ( [20] )

A isto acresce que os accionistas da Requerente relativamente aos quais se poderia aventar, se estivesse previsto na lei, um direito de regresso, nem sequer são parte no presente processo, pelo que qualquer decisão nesse sentido que fosse proferida por um tribunal arbitral não lhes seria oponível, pelo que só por palpite se poderia afirmar que a posição da Requerente estivesse salvaguardada por um hipotético direito de regresso, cuja afirmação, de resto, está manifestamente fora das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definida no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

Sendo assim, é seguro que a redacção do n.º 2 do artigo 38.º da LGT introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, ao determinar como efeito da aplicação da cláusula geral antiabuso a não produção das vantagens fiscais indevidas, pressupõe que o destinatário da aplicação seja quem delas usufrui, pois os efeitos da aplicação não são transmissíveis do substituto para o substituído. ( [21] )

            Por isso, no caso em apreço, não tendo a Requerente usufruído as vantagens fiscais resultantes da não tributação das quantias pagas aos seus accionistas, está afastada a possibilidade de ser responsabilizada pelo pagamento dos impostos que estes deveriam ter pago se os pagamentos constituíssem dividendos.

Para além disso, mas decisivamente, o tratamento como se fossem dividendos das quantias pagas pela Requerente a título de preço das acções que ingressaram no seu património não podia ser decidido pela própria Requerente nos momentos em que fez os pagamentos, pois, independentemente do que a Requerente pudesse entender sobre a verificação dos requisitos da aplicação da cláusula geral antiabuso, esta aplicação e a consequente ineficácia fiscal dos negócios efectivamente praticados tinham de ser precedidas obrigatoriamente de autorização do dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele delegar a sua competência (artigo 63.º, n.º 7, do CPPT) que, obviamente, não existia nem podia existir no momento em que a Requerente fez os pagamentos.

Na verdade, seria incongruente que o mesmo legislador que no artigo 63.º, n.º 7, do CPPT se manifesta tão cauteloso na aplicação da cláusula geral antiabuso, exigindo o uso de um procedimento tributário especial, a prévia audição do contribuinte, exigências especiais de fundamentação e adoptando a máxima centralização concebível, chegando ao ponto de reservar a competência para a decisão para o dirigente máximo do serviço e permitindo a delegação de competência num único funcionário, concomitantemente permitisse a quaisquer particulares, sem qualquer garantia de qualificação jurídica, sem uso de qualquer procedimento tributário, sem qualquer exigência de fundamentação e sem qualquer uniformidade de critérios, aplicarem a cláusula geral antiabuso a seu bel-prazer, considerando ineficazes para efeitos fiscais os actos que entendessem.

Uma hipotética solução legislativa deste tipo, se não for de considerar manifestamente irrazoável, estará, decerto, longinquamente distante da solução mais acertada que se tem de presumir ter sido legislativamente adoptada, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Isso significa que, mesmo que entendesse que se verificavam os requisitos da aplicação da cláusula geral antiabuso, nos momentos em que a Requerente fez os pagamentos não tinha qualquer fundamento legal para efectuar a retenção na fonte sobre o preço das acções adquiridas, o que conduz necessariamente à conclusão de que não existia o hipotético dever legal de retenção na fonte.

  Isto é, o próprio regime legal da aplicação da cláusula geral antiabuso, que depende de uma autorização prévia obrigatória do dirigente máximo do serviço, é incompatível com a sua aplicação retroactiva a normas de conduta («regula agendi») impostas aos sujeitos passivos dos tributos, como é o caso das normas que impõem a retenção na fonte, pois a própria natureza destas normas impõe que a sua aplicação só se faça depois de estarem reunidos os requisitos legais da sua aplicação.

As normas de direito fiscal que vão dirigidas à vontade dos sujeitos das relações jurídicas tributária, visando determinar os seus comportamentos, não podem ter a pretensão inviável de influenciar condutas que são anteriores à verificação dos pressupostos da sua aplicação.

Por isso, tendo o cumprimento de deveres de retenção na fonte de tributos de ser contemporâneo dos actos de pagamento previstos na lei, esses deveres só podem ser impostos por regulae agendi, normas eficazes no momento em que se devem materializar esses deveres, nunca podendo ser determinados a posteriori, depois de ultrapassado o momento em que os actos de pagamento se concretizaram, por efeito de uma decisão casuística do dirigente máximo do serviço, proferida ao abrigo de uma regula decidendi, dirigida ao aplicador do direito, como é a do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, que, pela sua natureza, não pode influenciar condutas ocorridas anteriormente.

O que se reconduz a que, pela própria natureza do dever de retenção na fonte, a aplicação da cláusula geral antiabuso, dependente de uma verificação a posteriori dos requisitos da sua aplicação, não pode originar deveres de retenção na fonte que não existiam no momento em que foram praticados os actos ou negócios considerados abusivos de que emergiu uma vantagem fiscal indevida, à face circunstancialismo factual e jurídico existente nesse momento.

De qualquer modo, é esta a única interpretação constitucionalmente admissível pois, se a norma do artigo 38.º, n.º 2, da LGT fosse interpretada como admitindo a oponibilidade dos efeitos da aplicação da cláusula geral antiabuso ao substituto tributário, designadamente a imposição dos efeitos do incumprimento de um dever de retenção na fonte que não existia à face do negócio efectivamente celebrado, num contexto em que não está legalmente assegurada, por normas de direito tributário, a viabilidade de reaver as quantias não retidas cujo dever de retenção é determinado a posteriori, seria materialmente inconstitucional, à face dos princípios da proporcionalidade, do direito a propriedade e da tributação do rendimento com base na capacidade contributiva (artigos 18.º, n.º 2, 62.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP).

Com efeito, estando a existência de um dever de retenção na fonte dependente da natureza jurídica dos pagamentos efectuados e só sendo possível considerar ineficaz para efeitos fiscais o negócio celebrado depois de uma autorização casuística do dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência, o potencial substituto tributário ficaria juridicamente impossibilitado de impedir uma diminuição patrimonial provocada por dívidas fiscais de outrem, pois, no momento em que efectuou os pagamentos, não tinha fundamento legal para efectuar retenção na fonte e esse dever só surgiria, com efeito retroactivo, na sequência da aplicação da cláusula geral antiabuso que permitisse considerar fiscalmente ineficaz o negócio celebrado, sem possibilidade de reaver o que teria de pagar, nos casos de retenção a título definitivo em que o substituto é o devedor originário.

            Nestes termos, tem de se concluir pela ilegalidade dos actos impugnados por violação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, ao impor-se a tributação à Requerente, o que justifica a sua anulação, de harmonia com o artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

             

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

Devendo ser anuladas as liquidações impugnadas com fundamento num vício que assegura estável e eficaz tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente formula pedidos de reembolso das quantias pagas e de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão".

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário" deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Nos termos do artigo 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido".

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração Tributária.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre as quantias que pagou indevidamente, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)                     Julgar este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer dos pedidos de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de quantias relativas a juros de mora e custas de processo de execução fiscal e absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a estes pedidos;

B)                Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

C)                Declarar ilegais e anular:

– a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016…, no montante de € 612.750,00 e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 109.516,87, referentes ao ano 2011;

– a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016…, no montante de € 312.579,41, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 40.559,26, referentes ao ano 2012;

– a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016…, no montante de € 193.080,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 14.569,50, referentes ao ano 2013;

– a demonstração de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016…, no montante de € 151.308,05, e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios de € 5.857,20, referentes ao ano 2014.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.465.819,36.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 19.584,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 Lisboa, 14-12-2016

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

 

 

 



( [1] ) Cfr. ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 463.

( [2] ) Cfr. FERNANDES, CARVALHO, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, p. 699.

( [3] ) Acórdão proferido no processo n.º 123/2012-T.

[4] De resto, é a esta conclusão que conduzem os princípios gerais sobre a aplicação da lei no tempo.

                Como ensina BAPTISTA MACHADO, em Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 235, o problema da aplicação da lei no tempo consubstancia-se na determinação da lei competente, devendo distinguir-se «entre factos determinantes da competência da lei aplicável e os factos abrangidos no campo de aplicação (nas hipóteses normativas) da lei competente». «Não são quaisquer factos que determinam a competência da lei aplicável, mas só os factos constitutivos (modificativos e extintivos) de situações jurídicas. Pelo que a teoria do facto passado, enquanto critério determinativo da competência da lei nova e não dos factos a que esta se aplica, deverá ser reformulada nos seguintes termos: a lei nova não se aplica a factos constitutivos (modificativos e extintivos) verificados antes do seu início de vigência – no sentido de que será retroactiva sempre que se aplique a factos passados por ela própria assumidos ou visados como factos constitutivos (ou modificativos, ou extintivos) de situações jurídicas. Mas já nada impede que, uma vez determinada a competência da lei nova com fundamento na circunstância de o facto constitutivo da situação jurídica se passar sob a sua vigência, a mesma lei seja aplicada a factos passados que ela assume como pressupostos impeditivos ou "desimpeditivos" (isto é, como pressupostos negativos ou positivos) relativamente à questão da validade ou admissibilidade da constituição da situação jurídica, questão essa que é da sua exclusiva competência».

                Sobre as situações em curso de extinção, enuncia o mesmo Autor as seguintes regras, em Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, páginas 158-159:

A lei nova é competente para regular a extinção das situações jurídicas cujo processo extintivo ainda não estava concluso no momento da sua entrada em vigor, o que implica que possa, sem retroactividade:

a) recusar a possibilidade de extinção da situação jurídica;

b) considerar irrelevantes para efeitos de extinção da situação jurídica factos passados sob o domínio da lei antiga que, em face desta lei, eram havidos como factos virtualmente extintivos;

c) exigir novas condições para a extinção da situação jurídica em causa.

[5] Diferente poderia ser a solução relativamente à questão de saber se pode, em 2015, ser instaurado procedimento de aplicação da cláusula geral antiabuso que afecte a eficácia de actos anteriores a 2011, designadamente a criação da SGPS, mas este fundamento de caducidade não é invocado pela Requerente, pelo que não que tomar conhecimento dessa questão. 

[6]              Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 21.

[7]              Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[8]              Jónatas Machado e Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 340-341.

[9]              Saldanha Sanches, Os Limites..., p. 181.

[10]            Saldanha Sanches, Os Limites..., pp. 21-23; ainda Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12-02-2011, processo n.º 04255/10.

[11]            Saldanha Sanches, Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 49-50, afirma, a este respeito: «a consagração da cláusula geral antiabuso implica [...] que a partir da sua introdução está claramente delimitado aquilo que o sujeito passivo pode e não pode fazer. As habilidades fiscais, a destreza fiscal deixam de ser possíveis (as operações artificiosas e fraudulentas que têm como fim principal ou exclusivo a obtenção de uma poupança fiscal mediante a fraude à lei) e o sujeito passivo passa a ter o seu comportamento julgado de acordo com este critério. [...] a evolução da lei é clara no sentido de proporcionar fundamento legal para o planeamento fiscal, desde que seja praticado sem o abuso de formas jurídicas, sem negócios jurídicos artificiosos e fraudulentos mas limitando-se a escolher a via que se encontra aberta e que lhe permite realizar economias fiscais». Cfr., também, Marques, Paulo, Elogio do Imposto, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 360-364.

[12]            Ou seja, a uma «actuação planeada do contribuinte que se traduz num comportamento aparentemente lícito, geradora de uma vantagem fiscal não admitida pelo ordenamento tributário» (Gustavo Lopes Courinha,, Cláusula Geral Antiabuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, Coimbra, 2009, pp.15-17 e 163-165; bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15-02-2011, proc. n.º 04255/10, conclusões XIII e XIV).

[13]            Tal decorre do seguinte segmento do artigo 38.º, n.º 2, da LGT: «redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios». Decorre ainda do artigo 63.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPPT, na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que exigem que a Administração Tributária inclua na sua fundamentação, respectivamente, «a descrição do negócio jurídico celebrado ou do acto jurídico realizado e dos negócios ou actos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam» e «a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do acto jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais».

[14]            Gustavo Lopes Courinha, Cláusula..., p. 180.

[15]            Gustavo Lopes Courinha, Cláusula..., p. 211.

[16]            Gustavo Lopes Courinha, Cláusula..., p. 165. Identicamente, Saldanha Sanches, Os Limites..., p. 170, que aponta uma «relação de conexão e interdependência em relação aos requisitos exigidos pela lei».

( [17] ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula..., páginas 171-172.

( [18] )       Como explica SÉRGIO VASQUES, Manuel de Direito Fiscal, página 332, reportando-se à norma do artigo 28.º, n.º 3, da LGT, «o legislador vê-se obrigado a sacrificar pontualmente o princípio da capacidade contributiva às razões mais imperiosas da praticabilidade. Também aqui a falha na retenção gera um reforço indevido da força económica do contribuinte substituído mas sucede, no entanto, que se mostra impraticável responsabilizá-lo em primeira linha pelo imposto, dado o particular campo de aplicação da retenção definitiva. Com efeito, a retenção a título definitivo materializa-se através da aplicação de taxas liberatórias que oneram preponderantemente rendimentos de não residentes ou rendimentos de capitais, relativamente aos quais a responsabilização do contribuinte substituído se mostra sempre difícil, por razões de facto presas com a distância ou por razões de direito ligadas ao sigilo bancário. Em virtude disso, o legislador dispõe no n° 3 do artigo 28° da LGT que o substituído apenas a título subsidiário é responsável "pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram", cabendo a responsabilidade primária ao substituto».

( [19] )       Acórdão do STJ de 31-03-1993, processo n.º 083431.

( [20] )       Assim, carece de suporte legal, à face da lei tributária vigente, a afirmação de SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, 1993, página 250, feita com alguma falta de convicção («Parece indiscutível...»), de que existirá um direito de regresso «nos termos dos princípios gerais do Direito e das normas inseridas no instituto do enriquecimento sem causa».

Pelo que se referiu, esta fundamentação, que, tanto hoje como quando foi feita, é suficientemente vaga para não impressionar pelo seu vigor, apesar da pluralidade de fundamentos, carece actualmente de solidez dogmática.

( [21]  )      Chegando também a esta conclusão, pode ver-se se COURINHA, GUSTAVO LOPES, A Cláusula..., página 202, que refere que «as consequências fiscais, com a negação das mencionadas vantagens fiscais, apenas devem abranger o contribuinte que actuou com o propósito ou motivação essencialmente fiscal» e que «a extensão dos efeitos fiscais a outros contribuintes que não aqueles que visaram a obtenção da vantagem fiscal em termos contrários à CGAA, não pode deixar de conduzira injustiças e a situações de desnecessária complexidade».