Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 357/2016-T
Data da decisão: 2016-11-30  Selo  
Valor do pedido: € 3.823,80
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS – Propriedade vertical - Inimpugnabilidade autónoma de prestações.
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Decisão Arbitral

 

 

1. Relatório

1.1 A…, doravante designada por «Requerente», contribuinte n.º…, residente na Rua …, n.º…, …º, requereu a constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 30 de junho de 2016, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação da primeira prestação, no montante de 3 823,80 € (três mil, oitocentos e vinte e três euros e oitenta), relativa às liquidações do imposto do selo, do ano de 2015, previstas na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), respeitantes aos andares e divisões destinadas a habitação do prédio urbano, em propriedade total ou vertical, sito na Rua …, n.º…, inscrito na matriz predial da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo… .

 

1.3 A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.4 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 18 de julho de 2016.

 

1.5 O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.6 Em 31 de agosto de 2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.7 Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 16 de setembro de 2016.

 

1.8 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral de 16 de setembro de 2016, para, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT e no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.9 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.

 

1.10 Em 18 de outubro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação, pugnando, respetivamente, pela procedência da exceção dilatória invocada com a consequente absolvição da instância, ou, subsidiariamente, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

1.11 Porque os documentos de cobrança juntos pela Requerente fazem prova do pedido, não apresentou o processo administrativo.

 

1.12 Por despacho de 19 de outubro de 2016, a Requerente foi notificada para, querendo, responder à exceção dilatória invocada (inimpugnabilidade do objeto do pedido de pronúncia arbitral).

 

1.13 O que fez em 31 de outubro de 2016, pugnando pela improcedência da exceção invocada pela Requerida.

 

1.14 Por despacho da mesma data, o Tribunal Arbitral dispensou a produção da prova testemunhal requerida no pedido de pronúncia arbitral.

 

1.15 No mesmo despacho, e considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer outra prova, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos no n.º 2 dos artigos 19.º e 29.º do RJAT, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, de forma sucessiva para a Requerida.

 

1.16 Não foram apresentadas alegações.

 

1.17 Foi designada a data de 30 de novembro de 2016 para a prolação da respetiva decisão arbitral final.

 

 

2. Saneamento

2.1 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2.2 O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

2.4 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

3. Posição das Partes

3.1 Da Requerente

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

·           A Requerente é proprietária de um prédio urbano, destinado a habitação, não submetido ao regime da propriedade horizontal.

·           O valor patrimonial tributário (VPT) do prédio, no montante de 1 147 130,00 €, foi determinado nos termos do disposto no artigo 7°, nº 2, alínea b) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), uma vez que compreende sete andares ou divisões com utilizações independentes.

·           O VPT de cada andar está compreendido entre 99.590,00 € e 190.140,00 €.

·           No entendimento da AT, para um prédio em propriedade vertical, o critério para determinação da incidência do imposto de selo é o VPT global dos andares e divisões destinadas a habitação, posição que a Requerente entende ser “manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional” e violadora dos princípios da igualdade e proporcionalidade fiscal, pois “a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1. da TGIS é determinada pela conjugação de dois critérios : a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000,00” pelo que “no caso de um prédio urbano com características idênticas às descritas nos presentes autos, a sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um dos andares ou divisões”.

·           Às matérias reguladas no Código do Imposto do Selo (CIS), respeitantes à verba 28 da TGIS, aplica-se subsidiariamente o CIMI, por força do disposto no artigo 67.º, n.º 2 daquele código.

·           O conceito de prédio urbano é o constante do artigo 2.º do CIMI, «obedecendo a determinação do VPT aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do CIMI».

·           O artigo 6.º deste código elenca as espécies de prédios urbanos, encontrando-se entre elas os prédios habitacionais.

·           «Para o legislador o fator determinante é a utilização normal do prédio, ou seja, o fim a que o mesmo de destina».

·           Não distinguindo o legislador entre prédios em propriedade vertical e propriedade horizontal.

·           Só podendo relevar a verdade material subjacente ao prédio e à respetiva utilização.

·           «O legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferenciada, pois se fosse um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, nenhumas das fracções estaria sujeita ao novo imposto do selo».

·           «(…) a verdade material é que deverá prevalecer como critério da capacidade contributiva e não uma realidade meramente formal do prédio».

·           Estão em causa as seguintes liquidações:

 

Andares

VPT (€)

Coleta

Doc. cobrança

(1.ª prestação)

Valor a pagar (€)

Abril/2016

Cave Esq.º

99 590,00

995,90

2016…

331,98

Cave Dt.º

105.190,00

1 051,90

2016…

350,64

R/c

181.790,00

1 817,90

2016…

605,98

1.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

2.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,802

3.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

4.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

TOTAL

1 147 130,00

11 471,30

 --------------------------------------                      3 823,80

 

Termina, pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e anulação dos actos tributários respeitantes à liquidação de imposto do selo do ano de 2015, nomeadamente a 1.ª prestação, por serem manifestamente ilegais.

 

 

 3.2 Da Requerida

Defendendo-se, por exceção e por impugnação, a AT invoca os seguintes argumentos:

 

POR EXCEPÇÃO

Da inimpugnabilidade do objecto do pedido de pronúncia arbitral

·         «(…) para cada facto tributário, haverá, em princípio, uma única liquidação, pela qual se determinará a colecta a pagar».

·         Que «a liquidação é só uma e só ela constitui acto lesivo, susceptível de ser impugnado que só pode, evidentemente, ser objecto de uma única impugnação, independentemente do imposto poder ser pago em várias prestações».

·         «O pagamento de uma das prestações da liquidação, efectuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS não é um pagamento parcial daquela liquidação, mas tão só uma técnica de cobrança de imposto liquidado (…)».

·         Que «a lei não compreende a impugnação autónoma de uma prestação da verba 28 do IS constante das notas de cobrança, como é o caso dos autos» pelo que «a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas».

·         «(…) o acto de liquidação da verba 28 do IS é único, e o facto de poder ser pago em várias prestações não implica que tenham ocorrido várias liquidações. A natureza das prestações de uma liquidação deste imposto é a de divisão da liquidação global, efectuada anualmente, não podendo cada prestação per se ser julgada autonomamente, pois o objecto da impugnação judicial ou do processo tributário é o acto tributário de liquidação».

·         «Daí que a anulação do acto tributário de liquidação releve necessariamente para todas as prestações, fazendo cessar a obrigação de as pagar ou impondo à administração fiscal a obrigação de restituir os montantes eventualmente pagos pelo contribuinte».

·         «Assim sendo, atentendo à manifesta inimpugnabilidade autónoma das prestações dos actos de liquidação constantes das notas de cobrança que constituem o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, correspondendo o valor da presente acção ao valor das primeiras prestações – 3.833,80 -, ocorre a excepção dilatória prevista na al. c), do n.º 1, do art. 89.º do CPTA, subsidiariamente aplicável pelo art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o que obsta ao conhecimnto do mérito e acarreta a absolvição da AT da instância».

 

 

POR IMPUGNAÇÃO

·         O prédio em causa não está constituído em regime de propriedade horizontal mas em propriedade vertical.

·         Que todos os andares com utilização independente  e afetação habitacional são da titularidade da Autora do pedido de pronúncia arbitral e que o valor patrimonial desses andares, no montante de 1 153 830,00 €, foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI, conforme caderneta predial junta pela Requerente.

·         «A concentração em cada prédio de habitações independentes não é, assim, susceptível de desencadear a incidência do imposto de selo sobre cada uma delas».

·         «A forma jurídica da propriedade dos prédios urbanos, horizontal ou vertical, não é susceptível de, sob pena de violação, do princípio da capacidade contributiva, corolário lógico do princípio da igualdade a que se refere o art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), se projectar na incidência do imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral».

·         «A verba 28 da Tabela Geral dispõe recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000,00».

·         «Segundo a verba 28.1, em caso de prédios urbanos com afetação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI)».

·         «O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente».

·         Pelo que não se vislumbra como as liquidações impugnadas possam ter violado o teor  literal da verba 28.1 da TGIS.

·         Nos termos do artigo 80.º, n.º 2 do CIMI, a cada prédio corresponde um único artigo na matriz, salvo o caso dos prédios mistos e os constituídos em propriedade horizontal, cfr. o disposto nos artigos 84.º e 92.º, respetivamente.

·         Relativamente a estes, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio, cfr. artigo 2.º, n.º 4 do CIMI.

·         No caso de prédios em regime de propriedade vertical, cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário, cfr. artigo 12.º, n.º 3 do CIMI.

·         «A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem suscetíveis de utilização económica independente».

·         Não deixando tal prédio de ser apenas um nem as suas distintas partes equiparadas juridicamente às frações autónomas em regime de propriedade horizontal.

·         O seu direito de propriedade não pode ser atribuído a mais de um proprietário, sem prejuízo do regime da compropriedade.

·         A propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

 

Termina, pugnando pela procedência da exceção dilatória de inimpugnabilidade do objecto do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da instância, ou, subsidiariamente, pela improcedência do referido pedido em virtude de os atos de liquidação, expressos nas notas de cobrança, estarem de conformidade com a lei.

 

Em 19 de outubro de 2016 a Requerente foi notificada para responder à exceção invocada pela Requerida (inimpugnabilidade do objeto do pedido de pronúncia arbitral) o que fez nos seguintes termos:

  • «(…) a Requerente pode impugnar autonomamente a liquidação de cada uma das prestações de imposto de selo, quanto ao mesmo imóvel e quanto ao mesmo imposto de selo, em três processos arbitrais distintos».
  • «Em Abril de 2015 a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da 1.ª prestação do imposto de selo de 2015, o que não deixa de consubtanciar um ato tributário».
  • «Ao ser notificada para o pagamento de cada uma das prestações (1.ª, 2.ª e 3.ª prestações), a Requerente é notificada da liquidação de atos tributários isolados e com prazos de impugnação autónomos».
  • «Sendo emitidas pela Requerida notas de cobrança individualizadas».
  • «Podendo a Requerente recorrer aos tribunais arbitrais (…) para pedir a apreciação e/ou proceder à impugnação, dos referidos atos», «dispondo de um prazo de 90 dias, contados da notificação de cada uma das prestações do imposto de selo para o efeito».

 

Termina, pugnando pela improcedência da exceção invocada pela Requerida.

 

 

 

4. Objeto do litígio

A questão que constitui o thema decidendum reconduz-se a saber se, num prédio não submetido ao regime da propriedade horizontal, a sujeição a imposto do selo, nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral do imposto do Selo, é determinada pelo valor patrimonial tributário (VPT) que corresponde a cada uma das partes do prédio, economicamente independentes e com afetação habitacional, como propugna a Requerente ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT’s dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, como sustenta a AT.

 

 

 

5.Fundamentação

 5.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões de mérito suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

5.1.1 A Requerente é proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua …, n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo…, constituído por andares ou divisões com utilização independente (propriedade total ou vertical).

 

5.1.2 O prédio não se encontra constituído no regime da propriedade horizontal, previsto no artigo 1414.º e ss. do Código Civil.

 

5.1.3 O valor patrimonial tributário (VPT) dos diversos andares ou divisões com utilização independente, no montante de 1 147 130,00 €, foi apurado separadamente, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

 

5.1.4 O VPT de cada uma dos referidos andares ou divisões com utilização independente é inferior a 1 000 000,00 €, variando entre 99 590,00 € e 190 140,00 €.

 

5.1.5 As liquidações de imposto do selo (verba 28.1 da TGIS) a que se referem os autos respeitam ao ano de 2015 e foram efetuadas em 05 de abril de 2016, para pagamento em três prestações durante os meses de abril, julho e novembro do mesmo ano, contendo as respetivas notas os seguintes elementos de identificação, conforme documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Andares

VPT (€)

Coleta

Doc. cobrança

(1.ª prestação)

Valor a pagar (€)

Abril/2016

Cave Esq.º

99 590,00

995,90

2016…

331,98

Cave Dt.º

105.190,00

1 051,90

2016…

350,64

R/c

181.790,00

1 817,90

2016…

605,98

1.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

2.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,802

3.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

4.º

190.140,00

1 901,40

2016…

633,80

TOTAL

1 147 130,00

11 471,30

 --------------------------------------                      3 823,80

 

 

5.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

5.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

   5.4 Matéria de Direito (fundamentação)

Porque a exceção dilatória invocada poderá importar a absolvição da instância, cfr. artigo 576.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), deverá a mesma ser oficiosa e prioritariamente conhecida (artigo 578.º do CPC).

Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 608.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto na alínea e), n.º 1, artigo 22.º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)

 

Questões a decidir:

- Da inimpugnabilidade do objecto do pedido de pronúncia arbitral; e

- Da ilegalidade das liquidações impugnadas.

 

 

Da inimpugnabilidade do objecto do pedido de pronúncia arbitral

Do pedido de pronúncia arbitral bem como da resposta à exceção dilatória invocada, resulta claro que a pretensão da Requerente consiste na declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do imposto do selo do ano de 2015 (verba 28.1 da TGIS), respeitantes à primeira prestação, cujo prazo limite de pagamento ocorreu no mês de Abril de 2016 e a que correspondem os documentos de cobranças juntos.

Assim, a questão a apreciar consiste em saber se poderá ser objeto de pronúncia arbitral a impugnação de cada prestação do ato de liquidação, de forma autónoma, in casu a primeira de três prestações, na medida em que as datas e os prazos de impugnação são diferenciados.

 

Deste modo, entendemos pertinente ter presente as operações da liquidação lato sensu e stricto sensu[1]: «A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende:

1-o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal,

2-o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto,

3-a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e

4-as (eventuais) deduções à colecta».

 

Assim, conforme decorre da noção de liquidação acima transcrita, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação pela qual se determinará a coleta a pagar, entendimento este que decorre do disposto no artigo 23.º, nº 7, do CIS, nos termos do qual «tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI».

Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 113º, nº 1 do CIMI, «O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos[2], com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita», sendo a liquidação efetuada nos meses de fevereiro e março do ano seguinte, cfr. n.º 2 do mesmo preceito legal, devendo o imposto ser pago em uma, duas ou três prestações, respetivamente nos meses de abril, abril e novembro ou abril, julho e novembro, consoante o seu montante seja igual ou inferior a 250 €, superior a 250 € mas igual ou inferior a 500 € ou superior a 500 €, cfr. alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CIMI.

Refere ainda o n.º 1 do artigo 119.º do CIMI que «Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário (…)».

Do facto de o IS, previsto na verba 28 da TGIS, ser pago em prestações, não decorre que tenham sido efetuadas várias liquidações.

Na verdade, a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um ato lesivo, suscetível de ser objeto de uma única impugnação, pelo que quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do ato tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo.

O que a lei não prevê, nem em sede arbitral nem em sede de processo de impugnação judicial, é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de imposto isoladas, uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do ato tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é apenas e tão só um único ato tributário.

Assim, do acima exposto resulta que as notas de cobrança de Imposto do Selo, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, não são impugnáveis de per si, porquanto não constituem atos de liquidação de tributos (e, por isso, serem consideradas inimpugnáveis à luz da legislação aplicável), mas apenas uma das prestações em que o pagamento desses tributos pode ser realizado.

 

Neste sentido podem ver-se, entre outras, as decisões arbitrais tiradas nos processos n.ºs 120/2012-T, 408/2014-T, 726/2014-T; 736/2014-T, 90/2015-T e 668/2015-T. 

Transcreve-se de seguida um excerto desta última decisão arbitral:

«(…) Na verdade, o que tem que ser objeto de impugnação é o ato de liquidação de imposto e não a cobrança a que o mesmo dá lugar pois, acompanhando de perto as decisões arbitrais citadas pela Requerida, “as prestações de uma liquidação de imposto não são autonomamente impugnáveis, por consubstanciarem parcelas de uma prestação global, com origem numa mesma obrigação”. E essas prestações não são autonomamente sindicáveis, como bem refere a Requerida. A sua relevância aferir-se-á, para efeitos de prazo para apresentação da impugnação do ato, o qual, nos termos do artigo 102.º n.º1 alínea a) do CPPT, aplicável ex vi o disposto no artigo 10.º n.º1 alínea a) do RJAT, apenas decorre a partir do termo do prazo de pagamento do imposto constante da última prestação cobrada.

Em função do exposto, e considerando quanto se indica, a questão – entende este Tribunal Arbitral – não passará tanto por definir se o ato impugnado nos presentes autos é uma prestação do imposto liquidado ou o ato de liquidação em si. Para este Tribunal Arbitral, e perante a justificação supra enunciada, a impugnação deverá sempre incidir sobre a liquidação do imposto, no seu todo (…)».

 

Também a jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais vem decidindo no mesmo sentido, conforme, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-10-2016, tirado no Processo n.º 09711/16, do qual se transcreve a seguinte parte:

«(…) No caso concreto, desde logo, se dirá que as prestações de pagamento (duas ou três, consoante o montante total do imposto a pagar anualmente) de uma liquidação de Imposto de Selo, efectuada ao abrigo do artº. 28, da T.G.I.S., não são autonomamente sindicáveis por terem origem numa única obrigação anual (cfr. artº. 23, nº.7, do C.I.Selo), sendo que a divisão de uma liquidação anual em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas (cfr. artº. 120, nº.1, do C.I.M.I., "ex vi" do artº. 67, nº. 2, do C.I.Selo; A. Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, I volume, 3ª. edição, Almedina, 1995, pág.243 e seg.). 

Apesar do acabado de mencionar, certo é que, no articulado inicial que originou o processo arbitral a sociedade impugnada consubstancia como seu objecto as segundas prestações das liquidações de Imposto de Selo, relativas ao ano de 2014 e no montante total de € 10.337,92, incidentes sobre os imóveis constantes da matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob os números … e … (cfr. p.i. junta a fls.2 a 7 do processo arbitral apenso em CD). Posição que reafirma no requerimento de resposta a excepção suscitada pela A. Fiscal e junto a fls.113 a 115 do processo arbitral apenso em CD».

 

Nestes termos, face ao acima exposto, verifica-se que os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral são inimpugnáveis, pelo que é julgada procedente a exceção dilatória invocada pela Requerida, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento do mérito da causa, cfr. artigo 576.º, n.º 2 do CPC.

 

 

 

***

 

 

 

6.Decisão

Em face do supra exposto, decide-se:

a)        Julgar procedente a exceção dilatória da inimpugnabilidade do objeto do pedido de pronúncia arbitral, prevista na alínea i), n.º 4, artigo 89.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ficando prejudicado o conhecimento do mérito da causa ; e

b)        Absolver a Requerida da instância (n.º 2  do artigo 89.º do CPTA).

c)        Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo arbitral, no montante de 612,00 €, cfr. n.º 1 do artigo 527.º do CPC e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

7. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do RCPAT, fixa-se ao processo o valor de 3 823,80 €.

 

 

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de novembro de 2016.

 

 

 

 

O Árbitro,

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 



[1] José Casalta Nabais, in “ Direito Fiscal” , Almedina, 2000, pág. 253

[2] Preceito por retificar, uma vez que esta direção-geral foi extinta pelo artigo 27.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de dezembro, sendo criada a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos da alínea a), n.º 2 do mesmo artigo