Decisão Arbitral
I. RELATÓRIO
A…, NIF…, residente na Rua …, n.º … –..., em Lisboa, (doravante apenas designado por Requerente), apresentou, em 08-06-2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
O Requerente apresenta o pedido de pronúncia arbitral relativamente (i) ao indeferimento do pedido de revisão do acto tributário e (ii) aos actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS), praticados em 2012 e em 2013, no total de € 18.674,49, com referência ao prédio urbano sito na Rua …, n.º … a …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo…. O Requerente requer, ainda, a condenação da Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 09-06-2016 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 16-08-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 05-09-2016.
Notificada para se pronunciar, a Requerida apresentou a competente resposta em que suscitou a excepção de caducidade do pedido de pronúncia arbitral, concluindo, ainda, pela total improcedência do pedido deduzido pelo Requerente.
Ao Requerente foi concedido prazo para se pronunciar, por escrito, sobre a excepção invocada, o que este veio a fazer.
Por despacho de 20-10-2016, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas.
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O Requerente alega, sucintamente, ter havido erro de facto e de direito na liquidação do imposto impugnado ao tomar-se como pressuposto de incidência o valor total agregado das partes de utilização independente afectas a habitação que compõem cada um dos prédios identificados e não o valor individual de cada uma dessas mesmas partes. Estando em causa prédios em propriedade vertical compostos por unidades susceptíveis de utilização independente, o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de liquidação do Imposto do Selo será o de cada uma delas individualmente considerada e não o seu somatório, à semelhança do que se verifica no IMI. Requer, por isso, a declaração de ilegalidade das liquidações efectuadas pela Requerida nos anos de 2012 e 2013 relativamente ao prédio identificado.
Em resposta, a Requerida começa por invocar a excepção de caducidade do pedido de pronúncia arbitral por ter sido apresentado para além do prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art. 10.º do RJAT e contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT. Com efeito, tendo o pedido de pronúncia arbitral por objecto os actos de liquidação de imposto praticados em 2012 e 2013, à data da submissão, já estaria decorrido, há muito, tal prazo legal. Sem prejuízo da excepção invocada, no que se refere em concreto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações contestadas, a Requerida sustenta, sucintamente, que nos prédios não sujeitos a propriedade horizontal, as unidades susceptíveis de utilização independente não têm qualquer autonomia; a autonomização para efeitos de inscrição matricial e avaliação não contende com a respectiva natureza jurídico-tributária, determinando a lei que o valor do prédio corresponderá, necessariamente, à soma do valor das diversas unidades independentes. As unidades de utilização independente não podem ser consideradas como “prédios” de acordo com a definição legal pelo que não podem relevar para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS. Para efeitos desta norma, haverá, pois, que ter em conta o valor patrimonial do prédio em propriedade vertical que corresponderá, nos termos da lei, ao somatório dos valores de cada unidade susceptível de utilização independente. Conclui, assim, pela legalidade das liquidações identificadas que, por isso mesmo, deverão ser mantidas.
Na resposta à excepção, o Requerente clarifica e reitera que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto tanto as liquidações de Imposto do Selo como o indeferimento do pedido de revisão apresentado com referência àquelas liquidações.
III. SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Requerente é proprietário do prédio urbano sito na Rua …, n.º … a …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo… .
2. O prédio identificado tem o valor patrimonial tributário de € 1.628.211,03.
3. O prédio identificado é composto por 14 unidades susceptíveis de utilização independente, 12 das quais estão afectas a habitação.
4. Nenhuma das unidades susceptíveis de utilização independente afectas a habitação tem valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000.
5. Em Novembro de 2012, o Requerente foi notificado das liquidações de IS da verba 28.1 da TGIS, efectuadas com referência ao prédio identificado ao abrigo do regime transitório aprovado pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, no valor total de € 6.224,74.
6. Estas notas de liquidação foram pagas a 20-12-2012.
7. Em Março de 2013, o Requerente foi notificado das liquidações de IS da verba 28.1 da TGIS, com referência ao prédio identificado, no valor total de € 12.449,48.
8. Tais liquidações foram pagas em fase de cobrança coerciva, acrescidas dos respectivos juros de mora e custas processuais.
9. Em 27-02-2014, o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, nos termos do art. 78.º da LGT, em que solicitava a anulação das liquidações de Imposto do Selo efectuadas em 2012 e 2013.
10. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 17-03-2016 da Senhora Directora de Serviços do IMT, notificado ao Requerente a 11-04-2016.
11. A 08-06-2016, o Requerente deu entrada do presente pedido de pronúncia arbitral.
B. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.
C. Fundamentação da matéria de facto
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental invocada e não contestada.
V. MATÉRIA DE DIREITO
A. Da excepção de caducidade do pedido de pronúncia arbitral
Para uma adequada apreciação da excepção invocada, cumpre, antes de mais, determinar e delimitar em concreto o objecto do pedido de pronúncia arbitral.
Analisada a petição inicial e a resposta à excepção submetida pelo Requerente considera este Tribunal que o presente processo arbitral tem por objecto (i) os actos de liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS efectuados em 2012 e 2013 e (ii) o indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com referência àqueles actos de liquidação.
Isso mesmo resulta, desde logo, do cabeçalho do pedido submetido quando o Requerente enuncia que vem “apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral em matéria tributária, tendo em vista o indeferimento do pedido de revisão formulado (…)”, juntando aos autos cópia do despacho proferido.
E, embora o pedido deduzido a final se pareça limitar à “anulação do acto das liquidações” e ao “reembolso do total do imposto pago e dos juros indemnizatórios devidos, nos termos legais”, a verdade é que, chamado a pronunciar-se sobre a excepção invocada, o Requerente reitera que o pedido deduzido se dirigiu, também, ao próprio indeferimento da revisão oficiosa solicitada. Isso mesmo se retira das palavras do Requerente quanto indica no ponto 3 da resposta à excepção que “Não tendo a Administração tributária acolhido o pedido de revisão formulado pelo Requerente, antes indeferido, mais uma vez se viu obrigado a recorrer, agora, ao que dispõe a alínea e), do n.º 1, do citado artigo 102º, para, como é lógico e seguro e não havendo já prazo para impugnar as prestações, como já não havia quando recorreu ao pedido de revisão, impugnar, como efectivamente impugnou, o indeferimento do pedido de revisão”. A pretensão do Requerente é aqui claramente identificada, devendo ser considerada em complemento ao alegado na petição inicial.
Acresce que, como vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o acórdão de 07-01-2016, proferido no proc. n.º 1265/13, “Na interpretação do pedido formulado deve usar-se de alguma flexibilidade não afastando o recurso à figura do pedido implícito por desta forma se salvaguardar melhor o respeito pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do pro actione.”
Impõe-se, assim, ao julgador uma adequada e flexível interpretação do pedido submetido pelo autor por forma a assegurar a utilidade económica do mesmo e tutela jurisdicional efectiva, com vista a uma regulação definitiva da situação em apreço.
É ao abrigo desde poder de conformação, adaptação e flexibilização do pedido reconhecido ao julgador que, com base nas peças processuais submetidas pelo Requerente, este tribunal conclui que o Requerente pretende não só a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, mas também do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que havia sido submetido com referência aos mesmos.
Posto isto, tendo o pedido de pronúncia arbitral também por objecto o indeferimento do pedido de revisão apresentado, considera-se o mesmo tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT pelo que improcede a excepção de caducidade invocada pela Requerida.
B. Da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo
Para aferir da legalidade das liquidações de imposto contestadas haverá que determinar qual a base de incidência deste imposto quando está em causa um prédio em propriedade vertical cujas unidades susceptíveis de utilização independente se destinem a habitação.
Em concreto, cumpre decidir se o valor patrimonial relevante como critério de incidência de imposto corresponderá (i) ao somatório do valor de cada das unidades susceptíveis de utilização independente, como pretende a Requerida, ou (ii) ao valor patrimonial individual de cada uma dessas unidades susceptíveis de utilização independente, consideradas autonomamente e por si só, como defende o Requerente.
A dúvida resulta da interpretação das verbas 28 e 28.1 da TGIS, cuja redacção em vigor à data (2012 e 2013) era a seguinte:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1. Por prédio com afetação habitacional - 1 %”.
O legislador não cuidou em fixar o conceito legal de “prédio com afectação habitacional”, tendo previsto expressamente que a todas as matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo (“CIS”) com referência à dita verba 28 da TGIS seriam aplicáveis subsidiariamente as disposições do CIMI (cfr. n.º 2 do art. 67.º do CIS). Cumpre, então, procurar no CIMI tal conceito para, daí, se poder concluir pela base de incidência da verba 28.1 da TGIS.
A definição legal de “prédio” consta do art. 2.º do CIMI, esclarecendo-se no n.º 4 que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.
Da leitura deste artigo, e em especial, do mencionado n.º 4, seriamos levados a concluir que, para efeitos de IMI, uma fracção autónoma de prédio em propriedade horizontal assume a natureza de “prédio” ao passo que uma unidade susceptível de utilização independente de um prédio em propriedade vertical ou total não assumirá tal natureza, não tendo autonomia jurídico-tributária.
Em resultado desta diferença de enquadramento, seria defensável que, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, cada fracção autónoma deveria ser considerada como um “prédio” pelo que só haveria lugar ao pagamento de tal imposto se, destinando-se a habitação, a mesma tivesse um valor patrimonial tributário superior ao indicado. No caso de prédio em propriedade total, o valor patrimonial a considerar para efeitos de determinação da incidência resultaria do somatório dos valores patrimoniais de cada unidade independente afecta a habitação – cfr. alínea b) do n.º 2 do art. 7.º do CIMI. Esta é a posição da Requerida.
Sucede, contudo, que numa análise comparativa do regime de IMI aplicável às fracções autónomas de prédio em propriedade horizontal e às unidades susceptíveis de utilização independente de prédio em propriedade vertical se conclui não haver qualquer diferença. Com efeito, não obstante a natureza jurídico-formal ser distinta, o regime tributário destas figuras é exactamente o mesmo. Materialmente, a lei não estabelece qualquer diferença, senão vejamos:
(i) os prédios em propriedade horizontal e em propriedade total estão sujeitos às mesmas regras de inscrição na matriz, prevendo-se expressamente no n.º 3 do art. 12.º do CIMI que as partes susceptíveis de utilização independente são consideradas separadamente na inscrição matricial que discriminará o respectivo valor patrimonial;
(ii) os prédios em propriedade horizontal e em propriedade total estão sujeitos às mesmas regras e procedimentos de avaliação, determinando-se expressamente na alínea b) do n.º 2 do art. 7.º do CIMI que, caso as partes que compõem o prédio em propriedade total sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras.
Esta identidade de regime vai ainda mais longe, tendo repercussões relevantes ao nível da própria liquidação do imposto porquanto o legislador determinou que a liquidação do IMI deverá ser feita com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente e respectivo valor patrimonial tributário – cfr. n.º 1 do art. 119.º do CIMI. É, pois, o legislador a determinar que a liquidação de imposto deve ser feita individualizadamente, considerando cada realidade económica (unidades susceptíveis de utilização independente) e não cada realidade jurídica (prédio ou fracção autónoma de prédio em propriedade horizontal).
Daqui se conclui que, para efeitos de IMI, as fracções autónomas de prédio em propriedade horizontal e as partes susceptíveis de utilização independente que compõem um prédio em propriedade total têm exactamente o mesmo tratamento tributário. Mas mais relevante que isso: para efeitos de IMI, a base de incidência do imposto é determinada exactamente da mesma maneira, correspondendo ao valor próprio e individual de cada fracção autónoma ou parte independente, fixado em sede de avaliação e constante da matriz; a liquidação é feita de forma individualizada e autónoma em função de cada uma das partes independentes do prédio, sejam ou não fracções autónomas.
No caso de prédios em propriedade total, o IMI não é liquidado em função do valor patrimonial total do prédio, mas em função do valor patrimonial individual de cada unidade autónoma que o compõe; a colecta total devida corresponde ao somatório das colectas individuais por cada unidade autónoma, determinadas em função dos respectivos valores patrimoniais individuais. Tudo se processa exactamente nos mesmos moldes que os aplicados para as fracções autónomas de prédio em propriedade horizontal.
É, aliás, esta autonomia entre as diversas unidades independentes de um prédio em propriedade vertical que permite, por exemplo, a aplicação individualizada das taxas de imposto agravadas ou reduzidas, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 7 do art. 112.º ou do 112.º-A do CIMI.
Acresce que, nos termos da verba 28.1 da TGIS, só estão sujeitos a tributação os “prédios com afectação habitacional”. Ora, nos prédios compostos por unidades independentes com destinos e utilizações diferentes - como se verifica nos presentes autos - a determinação da afectação só pode ser efectuada em função de cada um dessas unidades e não em função do prédio enquanto um todo. Isso mesmo resulta da alínea b) do n.º 2 do art. 7.º do CIMI. Sobre este aspecto, cumpre referir J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário – O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, Engifisco, 1.ª Edição, 2005, pág. 121, nota 5, que entendem que “As regras previstas neste n.º 2, relativas à determinação do valor patrimonial dos prédios urbanos com mais do que uma afectação, têm a ver com a diversidade de alguns dos elementos de avaliação previstos nos artigos 38.º e seguintes do CIMI, nomeadamente (….). Por outro lado, este preceito está em consonância com o princípio da autonomização das partes independentes de um prédio urbano, mesmo que não esteja constituído em propriedade horizontal, previsto no n.º 3 do artigo 12.º”. (negrito nosso)
Numa situação como esta, como é que se concluiria que o prédio teria “afectação habitacional”, havendo partes do mesmo afectos a outros fins?
Na verdade, de acordo com as regras de avaliação previstas no CIMI, o que tem afectação não é o prédio enquanto edifício no seu todo, mas as unidades independentes que o compõem, sejam elas fracções autónomas ou não. É com base na utilização efectiva e material que se determina a afectação de cada unidade independente ou fracção autónoma, não prevendo a lei uma afectação específica para o prédio, enquanto edifício. Cada unidade independente – seja ou não fracção autónoma – tem, pois, a sua afectação própria que não “contamina” a afectação do prédio no seu todo.
Assim sendo, não se pode defender que “prédio com afectação habitacional” corresponda ao conceito estrito e próprio do art. 2.º do CIMI (abrangendo apenas, para o efeito que pretendemos, edifícios e fracções autónomas de prédios em propriedade horizontal) porquanto, como demonstrado, não teria aplicabilidade prática concreta (como referido, um prédio em propriedade vertical pode ter mais do que uma afectação ou destino). Em nosso entender, ao utilizar esta expressão o legislador quis referir-se ao prédio enquanto realidade susceptível de afectação, logo às partes independentes que compõem cada prédio, tenham ou não a natureza jurídica de fracções autónomas.
Conclui-se, pois, que, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, as unidades susceptíveis de utilização independente que integram um prédio em regime de propriedade total e fracções autónomas são, em substância, realidades idênticas e que, por isso, estão sujeitas ao mesmo regime de incidência.
Nessa medida, a parte final da verba 28. da TGIS, ao determinar que o imposto incidirá “(…) sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:” remete expressamente para o valor individual de cada parte independente que compõe o prédio em propriedade total e não para o valor total do prédio (correspondente à soma dos valores patrimoniais individuais), uma vez que é este valor individual que é considerado em IMI, para todos os efeitos.
Acresce que, nos termos do já referido n.º 7 do art. 23.º do CIS, a liquidação do imposto devido nos termos da verba 28 da TGIS é liquidado, anualmente, de acordo com as regras previstas no CIMI. E foram exactamente estas regras que levaram a que a Requerida liquidasse o imposto individualmente por cada unidade independente e considerando o respectivo valor patrimonial individual. Daí terem sido emitidas diversas notas de cobrança.
A proceder aqui o entendimento da Requerida, haveria apenas uma liquidação de Imposto do Selo por prédio e não tantas liquidações quantas as unidades susceptíveis de utilização independente.
Por fim, cumpre referir que esta matéria tem sido objecto de diversas decisões do CAAD, todas neste mesmo sentido, transcrevendo-se aqui, a título de exemplo, a decisão arbitral proferida no proc. 50/2013-T, na parte que aderimos:
“Ora, sendo assim, considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
Aliás, a AT admite que este é o critério, razão pela qual a própria liquidação emitida é muito clara nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT do 2º andar e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a esse mesmo andar.
Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.
Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.
O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.
Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a €1.000.000,00 – “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.”
No mesmo sentido, refira-se a decisão proferida no proc. 132/2013-T, de que transcrevemos a parte que subscrevemos integralmente:
“Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação. Note-se, exemplarmente, o que diz o art. 12.º, n.º 3, do CIMI: "cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário."
O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência para a incidência do novo imposto o VPT global do prédio em causa, como pretendia a ora requerida, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, dada a remissão feita pelo citado art. 67.º, n.º 2, do CIS.
Por último, como já se lembrou em diversas Decisões Arbitrais (vd. DA n.º 48/2013-T e DA n.º 50/2013-T), não se vislumbra, nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada. Com efeito, justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros."
Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a «habitação» - seja ela «casa», «fracção autónoma» ou «parte de prédio com utilização independente» / «unidade autónoma» -, porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida, se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos "unidade a unidade" quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros.”.
No acórdão de 09-09-2015, proferido no proc. n.º 047/15 (disponível em www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal Administrativo veio confirmar o que vinha sendo o entendimento dos árbitros do Centro de Arbitragem Tributária concluindo que: “I. Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. II. Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.”
Esta decisão do Supremo Tribunal Administrativo foi mantida em acórdãos posteriores, de que são exemplo os acórdãos de 02-03-2016, proc. n.º 01354/15, de 27-04-2016, proc. n.º 01534/15, de 04-05-2016, proc. n.º 01504/15, e de 24-05-2016, proc. n.º 01344/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Face a tudo o que vem exposto supra, o tribunal conclui que para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS aos prédios em propriedade total aplicam-se as mesmas regras do CIMI previstas para os prédios em propriedade horizontal, pelo que o valor patrimonial tributário a considerar para efeitos de incidência será o valor individual próprio de cada unidade susceptível de utilização independente.
A substância material é a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio pelo que, materialmente, o regime tributário aplicável a prédios em propriedade total é exactamente o mesmo que o aplicado aos prédios em regime de propriedade horizontal.
Nenhuma das unidades independentes que compõem o prédio identificado apresenta valor superior a € 1.000.000 pelo que não se verifica o pressuposto quantitativo mínimo para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS.
Por tudo isto, este tribunal considera procedente o pedido do Requerente, concluindo que tanto o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, como os actos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, efectuados em 2012 e 2013, enfermam do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua anulação [artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT].
C. Do direito a juros indemnizatórios
Resulta dos factos provados que o imposto aqui contestado foi pago pelo Requerente.
Nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária - Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4.ª Edição, 2012, pág. 342, nota 2 “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro tiver por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou)”.
Ora, no caso concreto, está inequivocamente justificado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios efectuado pelo Requerente uma vez que as liquidações de imposto contestadas são ilegais pelo que deverão ser anuladas. Assim, para além do reembolso do imposto indevidamente pago, o Requerente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, contados desde a data de pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos – cfr. art. 43.º da LGT e n.º 4 do art. 61.º do CPPT.
VI. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, revogar o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado com referência às liquidações de Imposto do Selo efectuadas nos anos de 2012 e 2103 com referência ao prédio identificado nos autos e declarar ilegais essas mesmas liquidações de imposto, ordenando-se a sua anulação e condenando a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago pelo Requerente acrescido de juros indemnizatórios, desde a data de pagamento até à data de processamento da respectiva nota de crédito.
Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 18.674,49.
Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, de acordo com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, 09-12-2016
O Árbitro Singular
(Maria Forte Vaz)