Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 745/2015-T
Data da decisão: 2016-06-14  IRC  
Valor do pedido: € 20.693,29
Tema: IRC - Taxas de tributação autónoma. Pagamentos especiais por conta. Nº 21 do artigo 88º do Código do IRC (redacção da Lei 7-A/2016, de 30.03)
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DECISÃO ARBITRAL

 

Partes

Requerente: A… SA, NIPC PT…, com sede na Rua…– Edifício…, …, … –…Lisboa.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 11-12-2015, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      A Requerente pede a anulação do despacho da Direcção de Finanças de Lisboa de 31.07.2015 que lhe indeferiu um pedido de revisão oficiosa referente ao exercício de 2010, que lhe foi notificado pelo ofício … de 11.09.2015, onde propugnou pela dedução, à soma das colectas de IRC resultantes da aplicação de taxas de tributação autónoma, dos pagamentos especiais por conta (PEC).

c)      Peticiona, consequentemente, a declaração de ilegalidade e anulação parcial do acto de autoliquidação do IRC n.º 2011 … relativo ao exercício de 2010, na parte correspondente às tributações autónomas, no montante de € 20.693,29, o reembolso do montante de € 20.693,29 pago indevidamente, para além do pagamento de juros indemnizatórios.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

d)      O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 22-12-2015.

e)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 10-02-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)       O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 25-02-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

g)      Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 25-02-2016 que aqui se dá por reproduzida.

h)      Logo em 25-02-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 04.04.2016. Juntou ainda o PA, composto por 2 ficheiros informatizados, com 38 e 56 laudas, respectivamente, a 1ª parte e a 2ª parte.

i)       Em 09.04.2016, após a resposta da AT em que se aduziu uma excepção, o TAS exarou o seguinte despacho: “dispensa-se a realização da reunião de partes a que alude o artigo 18º do RJAT, com produção de alegações orais, a menos que qualquer das partes venha requerer a sua realização, no prazo de 5 dias. O processo prosseguirá com a produção de alegações escritas, facultativas e sucessivas, alegando em primeiro lugar a Requerente e após a notificação das suas alegações, a Requerida. Convida-se ainda a Requerente, em coetaneidade com a produção de alegações, a pronunciar-se, por requerimento, sobre a alegada excepção de incompetência material do TAS.

j)       A Requerente apresentou as suas alegações em 28.04.2016. Em 09.05.2016 a Requerida apresentou as suas contra-alegações. Ambas as partes mantiveram, no essencial, o que tinham referido em sede de pedido e de resposta. No entanto, a Requerida veio referir que durante a pendência do processo, pela Lei do OE para 2016 foi introduzido um novo número 21 ao artigo 88º do Código do IRC e segundo o seu artigo 135º tal alteração tem natureza interpretativa. Indicou ainda a existência de uma decisão de um Tribunal Arbitral Colectivo do CAAD tirado no processo nº 673/2015-T que apreciou uma situação igual à que se coloca neste processo.

k)      Por requerimento de 10.05.2016 a Requerente suscitou que fosse promovida a junção ao processo da alegada decisão de TAC do CAAD, o que foi deferido por despacho de 13.05.2016. Em 16.05.2016 a Requerida juntou ao processo a decisão.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

l)       Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

m)   Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada nos termos do inciso h) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes. Foi cumprido especificamente o disposto no artigo 3º nº 3 do CPC ex vi artigo 29º-1-e) do RJAT quanto à matéria factual nova trazida ao processo nas contra-alegações da Requerida.

n)      Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Com efeito, nem a Requerida colocou em causa a tempestividade da apresentação do pedido, uma vez que a notificação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa ocorreu por ofício nº…, datado de 11.09.2015 e o pedido de pronúncia deu entrada no CAAD no dia 12.12.2015.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

o)      A Requerente fundamenta o seu pedido no facto do artigo 90º do Código do IRC ser aplicável ao processo de liquidação das diversas colectas do IRC resultantes da aplicação das diversas taxas de tributação autónoma, pelo que nos termos da alínea c) do nº 2 do mesmo artigo, os pagamentos especiais por conta são dedutíveis a essa colecta de IRC.

p)      Em sede de alegações, porque pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março (Lei OE 2016) foi aditado um nº 21 ao artigo 88º do Código do IRC (que refere que ao montante apurado de tributações autónomas não são efectuadas quaisquer deduções) e porque, segundo o artigo 135º da Lei OE 2016 tal normativo tem natureza interpretativa, propugna no sentido de que esta norma é “inovadora” e contrária à interpretação que era dominantemente atribuída pela jurisprudência (no caso do CAAD: 9 árbitros/4 decisões num sentido que aqui a Requerente propugna versus 2 árbitros/duas decisões em sentido inverso),

q)      Pelo que viola o princípio constitucional que proíbe a retroactividade das normas fiscais (artigo 12º LGT e nº 3 do artigo 103º da CRP).

r)       Termina as suas alegações concluindo: “seria inaceitável, em matéria tributária, que a presente acção obtivesse uma decisão diferente daquela que tem sido a jurisprudência unânime para (i) idênticas situações e (ii) em face da mesma e exacta legislação vigente ao tempo dos factos e da respectiva tributação”.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

Por excepção

s)      A Requerida invoca que o TAS é materialmente incompetente porque a Requerente impugna uma liquidação de IRC autoliquidada, sem que tenha sido precedida de uma reclamação graciosa. Defende, no fundo, uma interpretação literal do RJAT e da Portaria de vinculação da AT (artigo 62º da Resposta).

t)       Expressa que “A … Portaria (n.º 112-A/2011, de 22 de Março) define, no seu artigo 2.º, alínea a), que a AT se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

u)      E que, por isso, “a sindicância de actos de autoliquidação de imposto apenas é admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tiverem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131º do CPPT”, uma vez que “ o artigo 2.º, alínea a), da mencionada Portaria exclui, literalmente, do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, «(…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário»., sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)”

v)      Aliás, se assim não fosse, bastaria que o legislador houvesse reduzido a exclusão prevista no artigo (2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011) à expressão «que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa», nada mais distinguindo.

w)    Existindo a referência expressa de prévio recurso à via administrativa nos termos, in casu, do artigo 131.º do CPPT, ou seja, mediante apresentação de reclamação graciosa necessária, independentemente dos seus fundamentos.

x)      Adianta ainda que “… o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, impõe-se igualmente por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT”.

Por impugnação

y)      Dissentindo do ponto de vista da Requerente defende que “o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto”.

z)      Entende que o “imposto” (vulgo colecta) ao qual são efectuadas as deduções referidas no nº 2 do artigo 90º do Código do IRC é apenas a que se obtém da matéria colectável resultante do lucro/rendimento do exercício, não abrangendo a colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónomas.

aa)  Propugna que a expressão “montante apurado nos termos do artigo anterior” (nº 4 do artigo 90º do CIRC) abrange apenas a colecta resultante da aplicação da taxa geral de IRC (artigo 87º do CIRC) à matéria colectável determinada nos termos do capítulo III do CIRC, pelo que não pode aceitar-se a dedução dos PEC às colectas de IRC obtidas pela aplicação das taxas de tributação autónoma sobre as diversas matérias colectáveis previstas no artigo 88º do Código do IRC,

bb)  Considera que a jurisprudência arbitral em dissonância da que cita em defesa do seu ponto de vista (quanto à autonomia das colectas de IRC resultantes da aplicação das taxas do artigo 88º do CIRC face à colecta do IRC resultante da aplicação das taxas do artigo 87º do CIRC) constitui uma “interpretação ab-rogante travestida de impulso legiferante”, correndo o risco de constituir violação do princípio da separação de poderes.

cc)   Termina referindo que “… dissipando-se definitivamente a questão controvertida, o teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com carácter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado

dd)  Em sede de alegações a Requerida propugnou nos termos do inciso anterior e juntou uma decisão de Tribunal Colectivo do CAAD sobre a matéria da aplicação do nº 21 do artigo 88º do Código do IRC.

ee)  Termina pugnando pela procedência da excepção aduzida (incompetência absoluta do TAS por violação das regras de competência material) com absolvição da instância, ou caso não proceda a excepção, pugna pela improcedência do pedido de pronúncia, com pela absolvição do pedido.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Em primeiro lugar, cumpre apreciar a alegada excepção de incompetência do TAS tendo em conta que o acto imediatamente impugnado (decisão que indeferiu o pedido de revisão oficiosa) não resulta de um procedimento de reclamação graciosa mas sim de um procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte e fora do prazo de reclamação administrativa.

 

Depois haverá que verificar se se o novo nº 21 do artigo 88º do CIRC, (mesmo que o TAS entenda que os PEC sempre seriam dedutíveis à soma das colectas do IRC liquidadas por aplicação das taxas de tributação autónoma, nos termos pugnados pela Requerente e segundo a jurisprudência arbitral que cita), é verdadeiramente uma lei interpretativa.

 

Quanto à matéria em apreciação, brevitatis causae, este TAS perfilha o entendimento de que antes da introdução do novo nº 21 do artigo 88º do Código do IRC, os PEC seriam dedutíveis à colecta do IRC (soma das várias colectas de IRC), quer se tratasse de colectas resultantes das aplicações das taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88º do CIRC, quer se tratasse de colecta resultante da aplicação das taxas gerais de IRC à matéria colectável resultante do apuramento do lucro tributável. Isto por força da alínea d) do nº 2 do artigo 90º do Código do IRC.

 

Para tanto, bastará uma mera interpretação declarativa da lei. A letra da lei é a base de toda a interpretação. O artigo 88º do Código do IRC refere-se a “taxas” de tributação autónoma” (os nº 14 e 15 do artigo não deixam dúvidas de que a epígrafe da norma é assertiva), ainda que aí se expresse sobre que incidem as taxas “ad valorem” em abstracção, mas sem quantificação. A quantificação (determinação da matéria colectável) e a liquidação, ou seja, a operação de aplicação de uma taxa a uma matéria colectável, de onde resulta uma colecta de imposto, quer para apuramento da colecta de IRC resultante do lucro da actividade, quer para apuramento das diversas colectas de IRC resultantes da aplicação das diversas taxas de tributação autónoma, faz-se através do procedimento do artigo 90º nº 1 do Código do IRC. E ao montante assim apurado, ou seja, à soma dessas diversas colectas de IRC, aplica-se (ou aplicava-se) depois o nº 2 do artigo 90º do Código do IRC.

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Com relevância para a decisão são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Factos provados

1)                 No dia 16 de Maio de 2011, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 relativa ao exercício de 2010, com o código de identificação …, do grupo de sociedades sujeito ao RETGS de que é sociedade dominante – artigo 5 do pedido de pronúncia, documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia e artigos 1º e 3º da resposta.

2)                 De acordo com aquela declaração de rendimentos, o grupo apurou um prejuízo fiscal no valor de € 1.240.614,51 e um montante total de imposto a pagar de € 21.836,46, o qual resulta do apuramento da derrama municipal, no montante de € 1.143,17, e de tributações autónomas no montante de € 20.693,29 - Artigo 6 do pedido de pronúncia, documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia e artigo 2º da resposta.

3)                 Não obstante, ficaram ainda por deduzir, por alegada insuficiência de colecta, o montante de € 70.806,40 a título de pagamentos especiais por conta efectuados, conforme indicado no seguinte quadro:

 

Valores em Euro

Exercício

Pagamento especial por conta

2006

1.250,00

2007

25.338,10

2008

0,00

2009

22.720,84

2010

21.497,46

Total

70.806,40

 

Conforme Artigo 7 do pedido de pronúncia e documento nº 1 em anexo ao pedido de pronúncia.

4)                 Em 04 de Março de 2015 a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78º da LGT, um pedido de revisão oficiosa referente ao exercício de 2010, com vista à revisão do ato de autoliquidação de IRC daquele exercício, tendo solicitado o reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 20.693,29, relativamente à dedução ao valor das tributações autónomas do montante dos pagamentos especiais por conta disponíveis à data – conforme artigo 8º do pedido de pronúncia, Documento nº 2 em anexo ao pedido de pronúncia e artigo 4º da resposta.

5)                 Pelo ofício … de 11.09.2015 (recebido em 15 de Setembro de 2015), a Requerida notificou a Requerente da decisão final de indeferimento do referido pedido – conforme artigo 9º do pedido de pronúncia e Documento nº 3 em anexo ao pedido de pronúncia.

6)                 Em 11-12-2015, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Ainda quanto à fundamentação da matéria de facto considerada provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

As questões a abordar serão as referidas no ponto II supra e já constam de jurisprudência do CAAD.

 

Da invocada incompetência material do TAS

 

O elemento literal da norma é sempre o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

 

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

 

Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).

 

“(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).

 

A Requerida é no elemento literal da norma – alínea a) do artigo 2º da Portaria 112-A/2011, de 22.03) – que coloca o enfoque.

 

Nessa linha de pensamento, há um elemento que a Requerida alega que pode ser visto como contrário à lógica do seu discurso. Afirma no artigo 41º da Resposta: “… a Portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento de revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento”.

 

E conclui no artigo 42 da Resposta: “Com efeito, a jurisprudência tem provido o entendimento, que não se questiona, de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento”.

 

O que a Requerida no fundo parece pretender referir é que a expressão “reclamação graciosa” a que aludem os artigos 131º a 133º do CPPT (estipulando a necessidade do contribuinte ter que recorrer obrigatoriamente à prévia reclamação graciosa do acto de autoliquidação, retenção ou pagamento por conta), já era entendida, antes da publicação da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março (vinculação da AT ao CAAD), pela jurisprudência, que abrangia a expressão “revisão oficiosa” por equiparação, para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento.

 

Ora, o intérprete não pode presumir que o legislador (o Ministro das Finanças e o Ministro da Justiça), no caso da Portaria em causa, que é uma norma da área da Administração Tributária e da área da Administração da Justiça, não tivesse conhecimento da jurisprudência “extensa e profusa” (segundo a Requerida) sobre esta matéria.

 

Pelo que a escolha daquele texto da lei, com a leitura que a jurisprudência conhecida lhe conferia, terá que aceitar-se nos seus exactos termos, mesmo depois da publicação da Portaria em causa e quanto ao texto constante da Portaria.

 

Sendo de ter em conta o nº 3 do artigo 9º do Código Civil: “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

 

Ou seja, haverá que ter em conta que este legislador em concreto (pelo menos o Ministro da Justiça) sabia (ou, pelo menos, o intérprete presumirá que sabia) o exacto alcance da expressão que usou, alcance esse que lhe era conferido – a uma certa literalidade da lei que usou - pela jurisprudência “extensa e profusa” como bem refere a AT, no sentido de que a revisão oficiosa, é passível … de equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respectiva decisão de indeferimento.

 

É certo que esta equiparação da revisão oficiosa à reclamação graciosa obrigatória é apenas para os casos em que é deduzida no prazo da reclamação administrativa. Mas também é certo que a revisão oficiosa é um meio complementar gracioso, sempre que o contribuinte dele lance mão, para além do prazo da reclamação administrativa, dentro do prazo do artigo 78º da LGT.

 

É igualmente verdade que o legislador da Portaria 112-A/2011, de 22.03, não acrescentou à expressão “nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, a expressão “e do artigo 78º da Lei Geral Tributária”.

 

Ou seja, considerar o intérprete que a lei tem uma leitura como se esta expressão estivesse expressamente contida na lei, também é discutível face ao nº 2 do artigo 9º do Código Civil.

 

Qualquer uma destas leituras da lei se nos afigura ser plausível e aceitável.

 

Seja qual for a posição que se adopte, o que pode aqui estar em causa, é tão-só a eventual incompetência do TAS quanto à apreciação da impugnação do acto primário (de autoliquidação), mas não a incompetência em sede de apreciação da decisão que recaíu sobre a revisão oficiosa, o que, em termos práticos, conduz à competência indirecta do TAS para declarar a ilegalidade do acto de autoliquidação.

 

***

 

Para simplificação (e harmonização dentro da corrente que reputamos mais assertiva), vamos reproduzir, aderindo, a decisões já adoptadas no CAAD quanto à matéria aqui em discussão, em casos idênticos.

 

De acordo com o referido no Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido no Processo n.º 48/2012-T CAAD, de 6 de Julho de 2012, reproduzido no Acórdão do Tribunal Arbitral nº 73/2012-T CAAD que alude a uma situação de “imposto retido na fonte” mas que aqui tem idêntica aplicação, uma vez que se trata de impugnação de acto de autoliquidação de IRC (note-se que foi substituída a expressão “retenção na fonte” ou similar por autoliquidação): 

 

“… discreteou-se no referido Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido no Processo n.º 48/2012-T CAAD, de 6 de Julho de 2012, do seguinte jeito:

“4 – A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do artigo 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para cujos termos se remete.

Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (artigo 131.º, n.º 3, do CPPT) …, se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

Mas, a impugnação directa do acto de autoliquidação só pode fazer-se sem prévia reclamação graciosa nos referidos casos em que o tiver sido efectuada «de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, como resulta do preceituado … no artigo 131.º, n.º 3, do CPPT. No caso em apreço, não se está perante uma situação deste tipo (antes pelo contrário, uma vez que a Requerente alega que existia – artigo 32º do pedido de pronúncia – mas mesmo assim auto-liquidou imposto), não sendo mesmo alegado que a Administração Tributária tivesse emitido orientações no sentido de a autoliquidação ter sido efectuada nos termos em que foi, pelo que tem de concluir-se que a impugnação do acto de autoliquidação estava dependente de prévia reclamação graciosa.

Assim, não tendo havido prévia reclamação graciosa, a pretensão de declaração directa da ilegalidade do acto de autoliquidação (sem ser corolário da ilegalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa) está afastada da competência deste Tribunal Arbitral, por a Administração Tributária ter expressamente excluído tais pretensões do âmbito da sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Assim, não tendo havido prévia reclamação graciosa, a pretensão de declaração directa da ilegalidade do acto de autoliquidação (sem ser corolário da ilegalidade do acto de indeferimento da revisão oficiosa) está afastada da competência deste Tribunal Arbitral, por a Administração Tributária ter expressamente excluído tais pretensões do âmbito da sua vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

Por isso, procede a excepção da incompetência no que concerne à pretensão da Requerente, interpretada como impugnação directa do acto de autoliquidação.

5 – No entanto, como se referiu, tem de ser apreciada também a questão da competência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06, o dever de proceder à revisão oficiosa de actos de liquidação constitui um reconhecimento, no âmbito do direito tributário, do dever de revogar de actos ilegais, que é corolário dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (artigo 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), que impõem, como regra, que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-5-2005, proferido no recurso n.º 319/05).

Porém, como se refere no mesmo acórdão, este dever «sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais».

A revisão do acto tributário «constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração». «No entanto, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (artigo78.º, n.ºs 1 e 6, da LGT)». «Essencialmente, o regime do artigo 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação, e não a um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto». «A esta luz, o meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).

Esta restrição dos poderes de revogação de actos no âmbito do procedimento de revisão do acto tributário, quando o pedido não é apresentado dentro dos prazos de impugnação judicial e reclamação graciosa de actos de liquidação de tributos, não é materialmente inconstitucional, designadamente à face do artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pois a preclusão de direitos impugnatórios pelo seu não exercício tempestivo é justificada por razões de segurança jurídica, que também é um valor constitucional, de importância primacial, sendo corolário do princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).

Por outro lado, a limitação dos poderes de revisão aos casos de erro imputável aos serviços, constitui uma solução equilibrada, apresentando-se como resultado de uma justa e adequada ponderação das actuações da Administração Tributária, censurável apenas nos casos em que praticou um erro a si mesma imputável, e do sujeito passivo do tributo, cuja situação deixa de merecer protecção jurídica ou merece menor protecção quando, por negligência sua, deixou passar os prazos de impugnação de actos.

Por isso, não é inconstitucional o regime de revisão do acto tributário previsto no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, ao limitar o fundamento de revisão ao erro imputável aos serviços, nos casos em que o pedido não é apresentado no prazo da reclamação administrativa, designadamente, no da reclamação graciosa dos actos de autoliquidação, previsto no artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

“Na apreciação das questões atinentes ao pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação, importa, antes de mais, esclarecer se a apreciação de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no artigo 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo artigo 2.º do RJAT.

Neste artigo 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos.

Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação.

A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, (onde de previa prazo diferente para a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas), desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que a Administração Tributária, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação administrativa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa (Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12-7 2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07).

Conclui-se, assim, que não há obstáculo a que a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação seja obtida, em processo arbitral, através da declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa”.

 

Uma vez que a Requerida invoca, também, que a tutela arbitral está aqui vedada quanto à apreciação da decisão que recaiu sobre a revisão oficiosa, porque não foi precedida de uma reclamação graciosa prévia e obrigatória, reproduz-se parte do Acórdão do Tribunal Arbitral nº 73/2012-T CAAD, a que aderimos (substituindo a expressão “retenção” ou equivalente por “autoliquidação”):

 

“7 – Passar-se-á a analisar a questão de saber se, em relação a pretensões de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação através da declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, é exigível a reclamação graciosa prévia, pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. Como já se referiu, a referência feita nesta norma ao «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve interpretar-se como reportando-se apenas aos casos em que tal recurso, através da reclamação graciosa, (a que, como se referiu, é equiparável o pedido de revisão do acto tributário formulado dentro do prazo de reclamação administrativa) é imposto por aquelas normas do CPPT.

Nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa (Como se entendeu no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/2006).

Para além disso, se hipoteticamente se pretendesse naquela Portaria, sem justificação plausível, afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa (criando, assim, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa desta jurisdição arbitral), não se compreenderia a referência expressa que na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é feita aos «termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», pois, essa hipotética nova situação de reclamação graciosa necessária não seria exigida «nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

Conclui-se assim, que a falta de reclamação graciosa não é obstáculo à apreciação pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte que seja corolário da ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa”.

 

Procede, pois, a excepção da incompetência do TAS no que concerne à pretensão da Requerente, interpretada como impugnação directa do acto de autoliquidação, mas improcede a excepção na parte a que alude à competência do TAS para apreciar a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa.

 

Dedução dos pagamentos especiais por conta (PEC) à colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma – após a introdução do nº 21 do artigo 88º do Código do IRC

 

O acto de indeferimento da revisão oficiosa tem uma fundamentação que é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido.

 

Por isso, é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02).

 

Na fundamentação do acto recorrido refere a Requerida: “É entendimento destes serviços que as tributações autónomas integram o regime do IRC e são devidas a título deste imposto”. E mais a seguinte: “… verificamos que o legislador integrou as tributações autónomas, efectiva e inequivocamente no regime do IRC conforme resulta do teor do artigo 12º do CIRC e, actualmente, da alínea a) do nº 1 do artigo 23ºA do mesmo código. Já o mesmo não resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 90º do CIRC em que não há qualquer referência a tributações autónomas, levantando desde logo dúvidas quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeitos de deduções previstas no nº 2 do citado artigo 90º”.

 

Contrariando o acima referido, expressa a AT no artigo 98º da resposta: “Convém clarificar que a liquidação das tributações autónomas é efectuada com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:

(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria colectável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e

(2) no outro caso, são apuradas diversas colectas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma”.

 

E no artigo 90º da resposta: “Donde resulta que o montante apurado nos termos do alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto”.

 

Em boa verdade, no acto recorrido, não se fundamentou o indeferimento no facto do IRC apurado nos termos do artigo 90º do CIRC “não ter carácter unitário” mas apenas porque se entendeu que no artigo 90º - 1 e 2 do CIRC “não há qualquer referência a tributações autónomas”.

 

No entanto, vamos apreciar esta temática.

 

A colecta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário?

 

Vamos seguir quanto a este aspecto o que foi decidido na recente decisão arbitral colectiva adoptada no processo CAAD nº 673/2015-T, a propósito de um caso idêntico, à qual aderimos.

 

Quanto ao alegado no artigo 90º da Resposta pela AT: “Esta posição não tem fundamento consistente, nem é indicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer disposição legal que lhe forneça o mínimo de correspondência verbal necessário para admissibilidade de uma interpretação.

Designadamente, o artigo 105.º, n.º 1, do CIRC, ao dizer que «os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º relativamente ao período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo», reporta-se à globalidade do imposto liquidado nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, que, como reconheceu a Autoridade Tributária e Aduaneira no citado artigo 98.º da sua Resposta, se aplica também à liquidação das tributações autónomas.

Por outro lado, …, antes do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, não existia qualquer disposição legal que estabelecesse a forma de liquidação das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, derivada de falta de previsão legal de procedimento de liquidação, teria de se entender que elas eram liquidadas em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 90.º.

Assim, antes da Lei n.º 7-A/2016, as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, que têm por alvo o «montante apurado nos termos do número anterior», aplicavam-se a esse único montante que de tal apuramento resultava, sempre que não se estivesse perante uma das situações especialmente previstas nos n.ºs 4 e seguintes do mesmo artigo, que não têm aplicação no caso dos autos.

A dedução dos pagamentos especiais por conta a todo o valor apurado nos termos daquele artigo 90.º, n.º 1, alínea a), resultava também do teor explícito do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que «a dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º». (com a Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, a dedução das quantias pagas a título de pagamento especial por conta podem ser deduzidas até ao até ao 6.º período de tributação seguinte).

O montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º inclui os montantes relativos a tributações autónomas, não havendo qualquer outra declaração específica para este efeito, nem antes nem depois da Lei n.º 7-A/2016.

Na verdade, as declarações previstas no artigo 120.º do CIRC são elaboradas num único modelo oficial aprovado por despacho do Ministro das Finanças, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CIRC.

Assim, em face do preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e no n.º 1 do artigo 93.º do CIRC, até à Lei n.º 7-A/2016, nada no teor literal do CIRC obstava à dedução das quantias dos pagamentos especiais por conta à totalidade colecta de IRC que foi determinada nos termos daquele n.º 1 do artigo 90.º, inclusivamente a derivada de tributações autónomas, dentro do condicionalismo aí previsto.

Por outro lado, tendo o pagamento especial por conta a natureza de empréstimo forçado (neste sentido, pode ver-se CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 541, acompanhado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-2-2009, processo n.º 0926/08, e de 13-5-2009, processo n.º 0927/08), que cria na esfera jurídica do sujeito passivo um crédito sobre a Administração Tributária, não se afigura irrazoável que ele seja tido em conta em situações em que se gera um crédito desta em relação ao contribuinte.

Ainda por outro lado, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude o legislador lhes tem vindo a atribuir, para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas, como está ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao aludir a «IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». A estatística da Autoridade Tributária e Aduaneira que atrás se referiu, bem como o próprio caso em apreço, em que a Requerente teve prejuízos fiscais em 2012 e 2013 e em ambos apresenta apenas tributação autónomas de valor avultado, são elucidativos do problema de constitucionalidade que se coloca.

De qualquer forma, como se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

(...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. (Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade»)

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar o pagamento de IRC.

 

Qual o regime de dedução dos PEC à colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, na vigência do nº 21 do artigo 88º do Código do IRC?

 

Quanto ao regime resultante introdução do novo nº 21 do artigo 88º do Código do IRC e aderindo ao teor da decisão do CAAD atrás referida: “Por outro lado, se é certo que, à face do regime vigente antes da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro ter alterado o n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, as quantias pagas a título de pagamento especial por conta nem sempre podiam ser deduzidas (à face do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, se não houvesse colecta de IRC suficiente para deduzir os pagamentos especiais por conta até ao quarto período de tributação subsequente, o reembolso apenas poderia ocorrer se se verificassem as condições previstas nesse n.º 3 do artigo 93.º do CIRC: não haver afastamento, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10 %, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças e a situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação), também o é que esse regime foi alterado por aquela Lei, sendo o reembolso admitido sem condições que não sejam a de o sujeito passivo o pedir, no prazo previsto.

Por isso, a interpretação que decorre mais linearmente do texto dos artigos 93.º, n.º 3, e 90.º, n.º 1, do CIRC, anteriores à Lei n.º 2/2014 é a da dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta de IRC derivada das tributações autónomas.

Mas também não deixa de ser certo que, em face do regime anterior de reembolso dos pagamentos especiais por conta, que revelava que o pagamento especial por conta tinha ínsita uma presunção de rendimentos não declarados, poder-se-ia aventar uma interpretação restritiva, relativamente ao pagamento especial por conta, no sentido de que não ser dedutível à colecta das tributações autónomas, como se entendeu na decisão arbitral de 30-12-2015, proferida no processo do CAAD n.º 113/2015-T, que invoca ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretendeu legislativamente atingir com a criação do pagamento especial por conta, que podiam justificar uma restrição da referência que no artigo 93.º, n.º 1, do CIRC se faz ao «montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º»:

Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação … foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.

Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.

Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável”

O novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, sintoniza-se com este entendimento arbitral, pois vem estabelecer expressamente que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções».

Por outro lado, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

Em face desta posição, cuja fundamentação é ponderável, à face da legislação vigente em 2012 e 2013, pode aceitar-se a atribuição de natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução nele prevista de inviabilidade de dedução do pagamento especial por conta ao montante global das tributações autónomas passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º 1, do CIRC era controvertida, como evidencia aquela decisão arbitral e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando há razões para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.

… Não há, no que concerne a dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta, preocupação de protecção de confiança, pois, os pagamentos especiais estão conexionados com o volume de negócios, não dependendo de qualquer específico comportamento que o sujeito passivo fosse levado a adoptar por lhe ser criada a expectativa de obter como contrapartida uma vantagem fiscal.

Não se vê que o regime que resulta do artigo 88.º, n.º 21, do CIRC encerre qualquer contradição, … Segundo esta nova norma, as normas do CIRC relativas à forma de liquidação de tributações autónomas devem ser interpretadas como aí se prevê e relativamente a essa parte da liquidação de IRC não são efectuadas deduções.

Aliás, foi precisamente com este sentido que foi elaborado o modelo 22 de declaração de IRC e foi aplicando o regime agora explícito no n.º 21 do artigo 88.º que a Requerente preencheu as declarações que se referem nos autos, sem qualquer contradição perceptível.

Mas, sendo assim, como defende a Requerente, o obstáculo à aplicação do regime que resulta deste n.º 21 do artigo 88.º será apenas a sua eventual inconstitucionalidade, designadamente à face da regra da proibição de impostos com natureza retroactiva que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».

O Tribunal Constitucional tem adoptado uma interpretação restritiva do alcance desta proibição de impostos que tenham natureza retroactiva, entendendo que o «legislador da revisão constitucional de 1997, que introduziu a actual redacção do artigo 103.º, n.º 3, apenas pretendeu consagrar a proibição da retroactividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospectividade ou de retroactividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente» (acórdãos n.º 18/2011, de 12-01-2011, que segue jurisprudência adoptada no acórdão n.º 399/2010).

As normas que prevêem os pagamentos especiais por conta não eram, em princípio normas de incidência de IRC, mas sim sobre a sua liquidação e pagamento, pelo que, nessa medida, não estarão abrangidas pela proibição constitucional de retroactividade. Mas, antes da redacção dada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao n.º 3 do artigo 93.º (a anterior redacção é a do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que renumerou e republicou o CIRC e em que o artigo 93.º corresponde ao anterior artigo 87.º), na inviabilidade de dedução dos pagamentos especiais por conta no período a que se reportam e nos períodos subsequentes, aquelas normas podiam acabar por se conduzir criar uma situação de incidência de IRC, autónoma em relação a qualquer outro facto tributário, se não viesse a ser permitido o reembolso nos termos do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, que dependia do preenchimento de condições.

No entanto, com a redacção dada ao referido n.º 3 do artigo 93.º pela Lei n.º 2/2014, deixaram de ser exigidas condições, pelo que os pagamentos especiais por conta apenas implicam, por si mesmos, o pagamento definitivo de imposto quando o sujeito passivo não diligenciar no sentido de obter o reembolso, no prazo previsto.

E, mesmo nesta hipótese, estar-se-á perante um facto tributário complexo de formação sucessiva, que é constituído pelo volume de negócios no ano a que se reportam os pagamentos especiais por conta conjugado com a inviabilidade de dedução nos períodos previstos na lei e o não reembolso nos termos previstos no artigo 93.º, n.º 3, do CIRC.

À face deste regime, a situação jurídica criada com os pagamentos especiais por conta efectuados no ano de 2010 (declaração de IRC entregue em 2011) ainda não está estabilizada, o que, desde logo, afasta a violação da proibição de retroactividade das leis fiscais, na visão do Tribunal Constitucional, pois o facto tributário que a lei nova pretende regular não se verificou integralmente nem produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga: «um caso em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga e um outro caso em que o facto tributário tenha ocorrido ao abrigo da lei antiga, mas os seus efeitos, designadamente os relativos à liquidação e pagamento, ainda não estejam totalmente esgotados não terão necessariamente o mesmo desvalor constitucional, uma vez que a primeira situação é do ponto de vista da eventual afectação da situação jurídica do contribuinte mais grave que a segunda» (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27-10-2010).

Assim, terá de se concluir que a interpretação autêntica que se faz no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC, na parte em que se reconduz à não dedutibilidade dos pagamentos especiais por conta nas tributações autónomas, não ofende o princípio da não retroactividade na criação de impostos, entendido como reportando-se apenas à retroactividade autêntica, reportada a factos tributários que se completaram e produziram todos os seus efeitos no passado.

Porém, aquela regra da irretroactividade das normas que criem impostos não esgota as preocupações constitucionais de segurança jurídica, impostas pelo princípio do Estado de direito democrático, como ensina CASALTA NABAIS:

«O princípio da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, está longe, porém, de ter sido totalmente absorvido por esse novo preceito constitucional. É certo que ele deixou de servir de balança na ponderação dos bens jurídicos em presença quando estamos perante um imposto afectado de retroactividade verdadeira ou própria. Quando tal acontecer, a solução está agora ditada, urbi et orbi, na Constituição, não podendo os órgãos seus aplicadores, sem violação dela, proceder a uma ponderação casuística.

Mas o princípio em causa tem inequivocamente um lastro bem maior. É que ele também serve de critério de ponderação em situações de retroactividade imprópria, inautêntica ou falsa, bem como em situações em que, não se verificando qualquer retroactividade, própria ou imprópria, há que tutelar a confiança dos contribuintes depositada na actuação dos órgãos do Estado». (Direito Fiscal, 7.ª edição, página 151.)

No entanto, no específico caso dos pagamentos especiais por conta, não pode concluir-se que não se esteja perante uma lei verdadeiramente interpretativa, pois não havia uma jurisprudência consolidada no sentido da sua dedutibilidade à colecta resultante das tributações autónomas e, pelo contrário, a solução perfilhada no n.º 21 do artigo 88.º, já anteriormente podia ser adoptada pelos tribunais, como foi pelo Tribunal Arbitral que proferiu a decisão no processo do CAAD n.º 113/2015-T.

Assim, não pode concluir-se que a interpretação autêntica que se faz naquele artigo 88.º, n.º 21, por força do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, seja violadora do princípio constitucional da segurança jurídica, no concerne à parte daquela norma que se reporta à indedutibilidade dos pagamentos especiais por conta à colecta das tributações autónomas”.

 

Em face do exposto, perante a nova lei vigente com a publicação da Lei do OE para 2016, improcede o pedido de pronúncia quanto à anulação do despacho da Direcção de Finanças de Lisboa de 31.07.2015 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa referente ao exercício de 2010 e que foi notificado à Requerente pelo ofício … de 11.09.2015.

 

Quanto ao alegado pela Requerida, conforme alínea x) do Relatório, consigna-se que se considera que o que está em causa é a mera leitura da lei ordinária como acima se deixou expresso. Por outro lado, a Requerida não formula qualquer questão concreta de constitucionalidade que gere para este Tribunal uma obrigação de pronúncia, na medida em que se trata de uma mera formulação genérica de um suposto entendimento não concretizado, onde não se indica, para além do mais, qual a específica norma ou segmento normativo a cuja interpretação se refere, nem como, em que medida e porquê a suposta interpretação apresentada pela Requerente viola cada uma das normas constitucionais que arrola.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julga-se:

  • Procedente a excepção de incompetência do TAS no que concerne à pretensão da Requerente (a declaração de ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação do IRC n.º 2011… relativo ao exercício de 2010, na parte correspondente às tributações autónomas, no montante de € 20.693,29), interpretada como impugnação directa do acto de autoliquidação;
  • Improcedente a excepção de incompetência do TAS na parte em que se propugna pela falta de competência material para sindicar a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa;
  • Improcedente o pedido de pronúncia quanto à anulação do despacho da Direcção de Finanças de Lisboa de 31.07.2015 que indeferiu o pedido de revisão oficiosa referente ao exercício de 2010, e que foi notificado à Requerente pelo ofício … de 11.09.2015, absolvendo-se a Requerida do pedido, uma vez que o nº 21 do artigo 88º do CIRC não permite a dedução dos PEC à colecta de IRC resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, sendo uma lei verdadeiramente interpretativa, na leitura do texto constitucional que acima se expressou.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 20 693,29 euros.

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em Euros 1 224,00, segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, na proporção de 1/4 a cargo da Requerida e de 3/4 a cargo da Requerente, em face dos respectivos decaimentos.

Notifique.

Lisboa, 14 de Junho de 2016

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

Augusto Vieira

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.