Decisão Arbitral
O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 05 de Novembro de 2015, decide o seguinte.
I. RELATÓRIO
I.1
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Em 28 de Julho de 2015 a contribuinte A…, Lda., NIF…, com sede na Rua…, …, …, …-… Lisboa requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação de árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 14 de Agosto de 2015.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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A AT apresentou a sua resposta em 10 de Dezembro de 2015.
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Por despacho de 14.12.2015, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e foi decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
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Em 13 de Janeiro de 2016 a Requerente apresentou as suas alegações de direito.
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Em 26 de Janeiro de 2016 a Requerida apresentou as suas alegações de direito.
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Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMI) n.º 2014…, no valor de €5.935,83, datada de 25.02.2015, condenada a Requerida a devolver a quantia de €918,51, acrescido de juros indemnizatórios, bem como, a abster-se de deixar de aplicar a cláusula de salvaguarda, no futuro, relativamente ao mesmo prédio da Requerente e com o mesmo fundamento.
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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A ora Requerente foi notificada para proceder ao pagamento da primeira prestação do IMI, referente ao ano de 2014.
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As liquidações de IMI em causa dizem respeito ao prédio sito na Rua … ..., …, …, … e Av. … nº… e …, …-… Lisboa, registado sob a matriz nº … da freguesia de … .
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O imóvel supra identificado está registado junto da competente Conservatória do Registo Predial em propriedade horizontal desde julho de 2013.
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A Administração Tributária liquidou, a 25 de fevereiro de 2015, IMI no montante de €5,935,83 (cinco mil, novecentos e trinta e cinco e oitenta e três cêntimos).
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O IMI ora liquidado é repartido em três prestações iguais de €1.978,61 (mil novecentos e setenta e oito euros e sessenta e um cêntimo) que se vencem nos meses de abril, agosto e novembro.
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No prédio identificado existem atualmente 6 contratos de arrendamento urbano anteriores a 1990, que corresponde às frações D, L, N, O, Q e U.
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Tais contratos foram atempadamente comunicados à Autoridade Tributária.
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A primeira prestação encontra-se já paga e a ora Reclamante irá proceder ao pagamento atempadamente das que se vençam.
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Nos termos do disposto no art.º 15ºN, do Decreto Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei 60-A/2011, de 30 de Novembro “no caso de prédio ou parte de prédio urbano abrangido pela avaliação geral que esteja arrendado por contrato de arrendamento para habitação celebrada antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto Lei n.º275/95, de 30 de Setembro, o valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, não pode exceder o valor que resulta da capitalização da renda anual pela aplicação do fator 15”.
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Conforme foi comunicado à Autoridade Tributária, a ora Requerente tem 6 frações arrendadas e cujos contratos de arrendamento foram celebrados antes de 1990.
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A Requerente cumpriu todos os requisitos e exigências legais para gozar deste benefício.
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Nomeadamente, a comunicação nos termos do artigo 15.º-N, n,º2, complementado pela portaria nº 240/2012 que prorroga o prazo até de entrega da comunicação até 31 de Outubro de 2012.
Bem como a comunicação anual prevista no art.15º-N, nº 7.
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Respeitando o regime consagrado pela referida cláusula de salvaguarda, deveria ter sido liquidado o IMI respeitante a 2014 nos seguintes termos:
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O valor a pagar é, portanto, consideravelmente agravado, em função da não aplicação da cláusula de salvaguarda.
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Não pode, assim, a Requerente conformar-se com o entendimento das Autoridades Fiscais, já que procedeu sempre atempadamente às declarações impostas por Lei.
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Quando, a ora Requerente, procurou entender o motivo pela qual tinha a Autoridade Tributária, desconsiderado a cláusula de salvaguarda na liquidação do IMI, foi informada de que o facto de num ano (2013) não ter procedido à declaração referida no número 7 do artigo 15.º-N obstaria a que o benefício fosse concedido em 2014.
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Salvo melhor opinião, tal entendimento não tem qualquer acolhimento na letra da lei, nem na ratio legis subjacente ao artigo 15.ºN.
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Na notificação efetuada não é feita qualquer referência à norma jurídica em que se fundamentou a decisão da Autoridade Tributária, sendo impercetível e totalmente arbitrária aos olhos da Requerente a não aplicação da cláusula de salvaguarda do artigo 15º-N.
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Com efeito, estabelece-se a vinculação da Administração Tributária a uma conduta, totalmente, predeterminada – a Lei é clara e considera que a cláusula de salvaguarda só não é aplicável quando o sujeito passivo não tenha efetuado a comunicação consagrada no nº 2 do artigo 15º- N, até 31 de outubro de 2012, ou no ano anterior não tenha feito a comunicação a que se refere o nº 7 do mesmo artigo.
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No caso em apreço, ambas as comunicações foram feitas atempadamente.
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Acresce que, as liquidações violam ainda e manifestamente o princípio da capacidade contributiva, por exigirem da ora Requerente montantes de imposto que não são devidos.
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Mais na senda dos princípios básicos do direito fiscal é possível verificar que a atitude da Administração Tributária é geradora de uma violação grosseira e ilegal do princípio da justiça.
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Não restam dúvidas de que o espírito subjacente à cláusula de salvaguarda no âmbito do IMI, nos termos do artigo 15º-N, deve ser aferido anualmente, sendo a única condição que deva estar verificada em ano anterior, aquela comunicação a que alude o nº 2.
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Não pode entender-se como relevante qualquer outra comunicação que tenha ou não sido feita em ano anterior.
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Por outro lado, estas liquidações traduzem-se, também, numa atuação ilegal e confiscatória da Administração Tributaria, violam o conteúdo essencial do direito à propriedade – direito fundamental de natureza análoga a Direitos Liberdades e Garantias prevista e protegida pela Constituição da Republica Portuguesa.
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Acresce que, as liquidações violam ainda e manifestamente o princípio da boa-fé e violam igualmente o princípio da capacidade contributiva, por exigirem da ora Requerente montantes de imposto quer não são devidos.
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Mais, na senda dos princípios mais básicos do direito fiscal, é possível verificar que a atitude da Administração Tributária é geradora de uma violação grosseira e ilegal do princípio da justiça.
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Não restam dúvidas de que o espírito subjacente à cláusula de salvaguarda no âmbito do IMI, nos termos do artigo 15-N deve ser aferido anualmente, sendo a única condição que deva estar verificada em ano anterior, aquela comunicação a que alude o número 2.
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Não pode entender-se como relevante qualquer outra comunicação que tenha ou não sido feita em ano anterior.
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Por outro lado, estas liquidações traduzem-se, também, numa atuação ilegal e confiscatória da Administração Tributaria, violam o conteúdo essencial do direito á propriedade – direito fundamental de natureza análoga a Direitos Liberdades e Garantias prevista e protegida pela Constituição da Republica Portuguesa.
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Da mesma forma “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (….) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da Lei” postula o nº 3 do artigo 103º da CRP.
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Ora, no caso em apreço é precisamente o disposto na supracitada norma que está posto em causa pela atuação ilegal da Administração Tributária, porquanto a lei estabelece regras expressas no que concerne à aplicação da cláusula de salvaguarda que não vêm sido seguidas.
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Pelo que vem sendo explanado e tendo em consideração o artigo supra, é possível afirmar-se que a posição assumida pela Administração Tributária é totalmente desprovida de proporcionalidade.
I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
1. O art. 15º-N do D.L. n.º387/2003 de 12.11, com a redação dada pela Lei n.º60-A/2011 de 30.11, no sentido de salvaguardar a situação específica do valor das rendas antigas e muito baixas, veio introduzir um regime especial de apuramento do valor patrimonial tributário para os prédios ou partes de prédios urbanos arrendados por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90, de 15 de Outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, e que estejam abrangidos pela avaliação geral realizada dos prédios urbanos.
2. Nesses casos, sempre que o resultado da avaliação geral for superior ao valor que resultar da capitalização da renda anual através da aplicação do fator 15, será este o último valor patrimonial tributário (VPT) relevante, exclusivamente, para efeitos da liquidação do IMI.
3. Assim, de acordo com o normativo em apreço, os proprietários, usufrutuários e superficiários em causa, para beneficiarem, para efeitos de IMI, do regime de apuramento de valor patrimonial tributário do seu nº 1, bem como, no caso de atualização de rendas previsto no nº 6, está condicionado ao cumprimento de um conjunto de obrigações declarativas constantes dos nºs 2, 3, e 4.
4. E os mesmos sujeitos de IMI que já beneficiem do regime em reporte, devem, nos termos subsequentes do nº 7, devem apresentar, anualmente, no período compreendido entre 1 de Novembro e 15 de Dezembro, participação que conste o valor da renda mensal devida do mês de Dezembro e a identificação fiscal do inquilino, conforme modelo oficial, acompanhada da cópia ou documento comprovativo da renda relativa ao mês de Dezembro.
5. Previne, contudo, o nº 10 que, na falta da participação ou dos elementos dos nºs 7 e 9, deixar-se-á de aplicar o regime especial fixado no art. 15º- N.
6. Ou seja, os proprietários de casa com rendas antigas que queiram continuar a beneficiar da cláusula de salvaguarda que impede o aumento do IMI têm de repetir a declaração prevista no nº 7 do art. 15º-N, nos prazos ali fixados.
7. Resulta dos documentos trazidos aos autos que a Autora do pedido de pronúncia arbitral terá apresentado a declaração de rendas das frações referente a 2012 em 30/10/2012, e a declaração referente ao ano de 2014, em 3/12/2014.
8. A participação das rendas do ano de 2013 não foi entregue no serviço de finanças, o que, aliás, a Autora não logrou demonstrar.
9. A liquidação de IMI impugnada não traduz nenhuma arbitrariedade ou violação do princípio da boa-fé, do princípio da capacidade contributiva ou do princípio da igualdade.
10. É entendimento da Autora de que a falta da comunicação das rendas em ano anterior não deve ser considerada relevante na aplicação da clausula de salvaguarda no ato de liquidação de IMI nos termos do art. 15º-N, a qual deve ser aferida anualmente, sendo a única condição que deva estar verificada em ano anterior, aquela comunicação a que alude o número 2
11. O ato de liquidação de IMI respeita o teor do nº7 e n.º10, al. h) do art. 15ºN.
12. Está em causa um regime transitório e excecional, que não traduz, a se, qualquer benefício fiscal dos proprietários de prédios arrendados com rendas antigas.
13. O que justifica ter o legislador cominado a falta de apresentação da participação das rendas com a perda do regime que beneficiava, nos termos do nº 10, al. h) do art. 15º-N, passando a aplicar-se, em definitivo, o valor patrimonial tributário resultante da avaliação geral, para o ano cujas rendas não declarou e os seguintes.
14. A AT não poderia ter outra interpretação e aplicação do art. 15º-N que não considerasse as consequências jurídicas expressamente prescritas pelo legislador fiscal quanto à inobservância da falta de entrega da participação prevista no nº7, sob pena de infringir frontalmente o princípio da legalidade que enforma toda a atividade da administração fiscal.
15. Não será, pois, de questionar a interpretação literal do art. 15º-N do EBF, ou uma interpretação em desconformidade com o espírito do legislador, como faz a A., na medida em que a letra da lei não comporta interpretação distinta da vertida no ato de liquidação impugnado.
II. SANEAMENTO
Em função do pedido formulado pela requerente importa, antes de mais, aferir a competência material deste tribunal para o efeito.
A requerente peticiona:
a) A anulação de uma liquidação de IMI;
b) A condenação da requerida na devolução da quantia de €918,51, acrescida de juros indemnizatórios;
c) A condenação da requerida a abster-se de deixar de aplicar a cláusula de salvaguarda, no futuro, relativamente ao mesmo prédio da requerente e com o mesmo fundamento.
Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT), importa começar por apreciar a competência material do Tribunal Arbitral.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos atos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.
Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto das pretensões dos contribuintes.
Quanto aos pedidos de anulação do ato de liquidação e de condenação da requerida em restituir a quantia de €918,51, acrescido de juros indemnizatórios, não existem dúvidas que este tribunal é competente para os apreciar (art. 2º, n.º1, al. a) e art. 24º, n.º5 do RJAT).
Contudo, o mesmo já não acontece quanto ao pedido de condenação da requerida a abster-se de deixar de aplicar a cláusula de salvaguarda, no futuro, relativamente ao mesmo prédio da requerente e com o mesmo fundamento. A requerente pretende que lhe seja reconhecido um direito para o futuro sem estar subjacente ou conexionado a qualquer ato tributário em concreto.
Ora, “ (…) o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, fora dos casos em que possa estar subjacente à declaração de legalidade de actos ou apreciação das questões sindicadas no n.º1 do art. 2º do RJAT, está fora da competência dos tribunais arbitrais.”[1] O pedido formulado não está conexionado com qualquer ato tributário, sendo apropriado para a ação de reconhecimento de direito (art. 145º do CPPT)
A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação de pedidos de reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária, resultam, desde logo, do facto da al. b), do n.º 4, do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário o reconhecimento do direito ou do interesse legalmente protegido dos contribuintes, não ter sido transposto para o RJAT. Esta opção apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação de pedidos de reconhecimento de direitos.
Destarte, quanto ao pedido de condenação da requerida a abster-se de deixar de aplicar a cláusula de salvaguarda, no futuro, relativamente ao mesmo prédio da requerente e com o mesmo fundamento é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, quanto a este pedido, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.
Quanto aos demais pedidos (anulação da liquidação de IMI e condenação da requerida na devolução da quantia de €918,51, acrescida de juros indemnizatórios), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão a apreciar é a seguinte:
a) Não tendo o Requerente participado as rendas em 2013, não pode beneficiar em 2014, do regime previsto no art. 15ºN do D.L. n.º387/2003 de 12.11, com a redação dada pela Lei n.º60-A/2011 de 30.11?
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente foi notificada em 25.03.2015 da liquidação de IMI n.º 2014…, no valor de €5.935,83,
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A liquidação de IMI em causa diz respeito ao prédio sito na Rua … nº…, …, …, … e Av. … nº … e…, …-… Lisboa, registado sob a matriz nº … da freguesia de … .
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O imóvel supra identificado é propriedade da requerente.
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O IMI ora liquidado é repartido em três prestações iguais de €1.978,61 (mil novecentos e setenta e oito euros e sessenta e um cêntimo) que se venceram nos meses de abril, agosto e novembro.
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No prédio identificado existem 6 contratos de arrendamento urbano anteriores a 1990, que corresponde às frações D, L, N, O, Q e U.
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Tais contratos foram comunicados à Autoridade Tributária em 30.10.2012
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Tais contratos foram comunicados à Autoridade Tributária em 03.12.2014
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A liquidação foi integralmente paga.
IV.2. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados como assentes por acordo das partes, pela análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela Requerente (docs. 1 a 5 do pedido de constituição do Tribunal Arbitral).
V. Aplicação do direito aos factos
Matéria de direito
1. Art. 15ºN do D.L. n.º387/2003 de 12.11, com a redação dada pela Lei n.º60-A/2011 de 30.11em 2013
Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer é a seguinte: “Não tendo a Requerente beneficiado do regime previsto no art. 15º N do D.L. n.º 387/2003 de 12.11, com a redação dada pela Lei n.º60-A/2011 de 30.11em 2013, por não ter entregue a documentação necessária, fica imediatamente impedida em 2014 de beneficiar desse regime, mesmo que cumpra os demais pressupostos para a sua concessão?
A norma em causa é a seguinte:
Artigo 15.º-N
Prédios urbanos arrendados
1 - No caso de prédio ou parte de prédio urbano abrangido pela avaliação geral que esteja arrendado por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, o valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, não pode exceder o valor que resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do factor 15.
2 - Os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos arrendados, nos termos do número anterior, devem apresentar, até ao dia 31 de Agosto de 2012, participação de que constem a última renda mensal recebida e a identificação fiscal do inquilino, conforme modelo aprovado por portaria do Ministro das Finanças.
3 - A participação referida no número anterior deve ser acompanhada de fotocópia autenticada do contrato escrito ou na sua falta por meios de prova idóneos nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças.
4 - A participação deve ainda ser acompanhada de cópia dos recibos de renda ou canhotos desses recibos relativos aos meses de Dezembro de 2010 até ao mês anterior à data da apresentação da participação, ou ainda por mapas mensais de cobrança de rendas, nos casos em que estas são recebidas por entidades representativas dos proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios arrendados nos termos do n.º 1.
5 — O valor patrimonial tributário para efeitos exclusivamente de IMI, fixado nos termos do disposto nos números anteriores, é objeto de notificação ao respetivo titular e passível de reclamação ou impugnação nos termos gerais.
6 — No caso de prédios ou partes de prédios abrangidos pelo n.º 1 cujas rendas sejam atualizadas nos termos do n.º 10 do artigo 33.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ou com base no rendimento anual bruto corrigido (RABC), nos termos previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 35.º ou no n.º 7 do artigo 36.º da mesma lei, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 com referência ao valor anual da renda atualizada.
7 — Os proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos arrendados por contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 321 -B/90, de 15 de outubro, ou por contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, que beneficiem do regime previsto no presente artigo devem apresentar, anualmente, no período compreendido entre 1 de novembro e 15 de dezembro, participação de que conste o valor da renda mensal devida relativa ao mês de dezembro e a identificação fiscal do inquilino, conforme modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
8 — (Revogado.)
9 — A participação referida no número anterior deve ser acompanhada da cópia do recibo ou canhoto do recibo da renda relativa ao mês de dezembro ou do mapa mensal de cobrança de rendas, nos casos em que a renda seja recebida por uma entidade representativa do senhorio.
10 - O valor patrimonial tributário, para efeitos exclusivamente de IMI, fixado nos termos do presente artigo, não é aplicável, prevalecendo, para todos os efeitos, o valor patrimonial tributário determinado na avaliação geral, nas seguintes situações:
a) Falta de apresentação da participação ou dos elementos previstos nos n.os 2, 3 e 4 nos prazos estabelecidos nos números anteriores;
b) Não declaração de rendas, até 31 de Outubro de 2011, referentes aos contratos de arrendamento previstos no n.º 1 para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas respeitantes aos períodos de tributação compreendidos entre 2001 e 2010;
c) Divergência entre a renda participada e a constante daquelas declarações;
d) Não declaração de rendas referentes aos contratos de arrendamento previstos no n.º 1 para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas respeitantes aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de Janeiro de 2011;
e) Transmissão onerosa ou doação do prédio ou parte do prédio urbano; ou
f) Cessação do contrato de arrendamento referido no n.º 1.
g) Atualização da renda nos termos previstos nos artigos 30.º a 37.º ou 50.º a 54.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, exceto nas situações referidas no n.º 6;
h) Falta de apresentação da participação ou dos elementos previstos nos n.os 7 e 9.
11 — A falsificação, viciação e alteração dos elementos referidos nos n.os 3, 4 e 9 ou as omissões ou inexatidões das participações previstas no n.º 2 ou 7, quando não devam ser punidos pelo crime de fraude fiscal, constituem contraordenação punível nos termos do artigo 118.º ou 119.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.
A requerida assevera que não estamos perante um benefício fiscal, referindo que se trata de um regime transitório excecional, que tem subjacente interesses extrafiscais.
Os benefícios fiscais podem ser permanentes ou temporários. Os benefícios fiscais previstos nas partes II e III do E.B.F. em regra vigoram durante um prazo de cinco anos (art. 3º, n.º1 do EBF). Utilizando a classificação do Prof. Nuno Sá Gomes[2]: “Os benefícios fiscais dizem-se permanentes quando são estabelecidos para o futuro, sem predeterminação da respectiva duração; dizem-se temporários quando a lei fixa um limite temporal à duração do benefício.” Deste modo, o caráter temporário do regime previsto no art. 15ºN não é uma característica que possa afetar a sua qualificação como sendo, ou não, um benefício fiscal.
A principal finalidade dos impostos é a obtenção de meios destinados a satisfazer as necessidades financeiras do Estado. Contudo, os impostos são também muito importantes para prosseguir outras finalidades, as chamadas finalidades extrafiscais. A atribuição de benefícios fiscais é um dos instrumentos, entre outros, para alcançar um desiderato extrafiscal.
Com a norma em causa o legislador quis impedir uma súbita subida do IMI para os proprietários de imóveis cujos valores das rendas não aumentam na mesma proporção. Trata-se de um interesse público extrafiscal que se pretende tutelar.
Nos termos do art. 2º, n.º1 do E.B.F. os benefícios fiscais pretendem proteger interesses públicos extrafiscais relevantes. Deste modo, o facto da norma em apreço ter uma preocupação extrafiscal indicia a sua natureza de benefício fiscal e não o inverso.
Mais, nos termos do art. 2º, n.º1 do EBF:
1-Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.
Deste modo, a excecionalidade da medida é uma das características dos benefícios fiscais
Acresce que, nos termos do art. 2º, n.º 2 do EBF
2-São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.
O art. 15ºN do D.L. n.º 287/2003 impede a tributação pelo regime regra, constituindo um desagravamento. “O benefício fiscal representa todo o desagravamento fiscal derrogatório do princípio da igualdade tributária instituído para a tutela dos interesses extra fiscais de maior relevância.” [3]Face ao exposto é manifesto que estamos perante um benefício fiscal.
Aqui chegados devemos agora atendermo-nos às regras de hermenêutica para dissecar a sua correta interpretação da norma (art. 15ºN do D.L. n.º 287/2003). É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (art. 9º, do C.C., art.11º, da L.G.T.)[4].
Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (art. 10º, do E.B.F.)[5].
Face ao exposto, no que diz respeito às normas hermenêuticas devemos recorrer ao previsto no C.C.. O art. 9º, n.º1 do C.C. estatui o seguinte:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) “ que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso””[6] Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”[7]
Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal. A letra da lei estatui que a falta de apresentação da participação e dos demais elementos conduz à tributação pelo regime regra. Não existe qualquer elemento literal que implique a perda definitiva deste benefício, caso no exercício anterior não tenha dele beneficiado. Mais, para a concessão deste beneficio a lei não distingue se o contribuinte beneficiou, ou não, dele no ano anterior. Não tendo o legislador feita tal distinção, não cabe ao intérprete distinguir: “ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”.
As circunstâncias em que a lei foi aprovada (“occasio legis”) são também um elemento interpretativo nos termos do art. 9º, n.º1 do CC. Com a aprovação desta norma pretendeu-se proteger os proprietários com casas arrendadas que estavam impedidos legalmente de proceder ao seu aumento. As circunstâncias de facto mantem-se inalteradas. Os factores conjunturais de ordem social e económica que motivaram a medida legislativa mantêm-se. Citando o Prof. Saldanha Sanches, “…consistindo o benefício fiscal numa norma de direito económico, deverá ser aplicado levando em conta a política económica que corporiza, uma vez que o interesse público que justifica a isenção, o de estimular um certo comportamento do sujeito passivo, se sobrepõe neste caso ao da correcta distribuição dos encargos tributários, segundo a capacidade contributiva. Neste caso as regras de interpretação a utilizar são as que podem contribuir para atingir uma dessas finalidades”[8]. Em caso de dúvida, por determinação do art. 11º, n.º 3 da LGT, deve atende-se à substancia económica dos factos tributários. Atendendo à substancia económica relatada nada justifica a distinção feita pela requerida, uma vez que deste ponto de vista a situação de facto a tutelar persiste em 2013 e em 2014.
As razões extrafiscais que justificam o desagravamento fiscal para o ano de 2013 são exatamente as mesmas que justificam o desagravamento fiscal para o ano de 2014. Neste prisma nada foi alterado que justifique a distinção entre os contribuintes que sempre beneficiaram desta cláusula, dos contribuintes que não beneficiaram dela em 2013, mas estão em condições dela beneficiar em 2014.
As circunstâncias de facto são iguais e por isso nada justifica a distinção, que aliás também não é feita pela letra da lei.
Nos termos do disposto no artigo 12.º do EBF, “[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal (…)”. Por regra o ato de reconhecimento do benefício fiscal é meramente declarativo e não constitutivo.
Face ao estatuído no art. 15ºN do D.L. n.º 287/2013, o desagravamento em causa é um benefício fiscal de reconhecimento automático.
O artigo 5.° do EBF esclarece que:
1. Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.
2. O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.
3. O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Assim, benefícios fiscais automáticos são os que resultam da lei, ou seja, aqueles não pressupõem qualquer ato de reconhecimento.
“Conforme dispõe o n.° 1 do art. 5.° do EBF, os benefícios fiscais podem ser automáticos ou dependentes de reconhecimento. Os benefícios automáticos resultam directa e imediatamente da lei, bastando que se verifiquem os pressupostos nela fixados. Os benefícios dependentes de reconhecimento pressupõem, para além da verificação dos pressupostos objectivos e subjectivos definidos na lei, a prática, pela administração tributária, de um ou mais actos posteriores de reconhecimento.”[9]
“Nestes casos, verificados os pressupostos legais do benefício fiscal considerado, este surge, automaticamente, “ope lege” sem necessidade de qualquer iniciativa da entidade beneficiada ou intervenção da Administração Fiscal. Portanto, nestas situações, os benefícios fiscais não são concedidos pela administração fiscal, mas estabelecidos directamente na lei, nascendo o direito subjectivo ao benefício correspondente, da simples verificação histórica dos respectivos pressupostos.” [10]
Sendo a lei a fonte imediata do benefício, sem necessidade de nenhum ato de intermediação autónomo ao nível tributário que expressamente o reconheça, tem forçosamente a isenção em apreço de qualificar-se como sendo de natureza automática, nos termos do disposto no art° 5.° do EBF
Assim, cumpridos pela requerente os requisitos formais (entrega atempada da participação – art. 15ºN, n.º 2, n.º7 - e dos elementos previstos n.º9 do mesmo artigo), o valor patrimonial tributário, para efeitos de IMI, não pode exceder o valor que resulta da capitalização da renda anual pela aplicação do fator 15 nos seguintes termos:
Tudo visto, o tribunal considera que o ato cuja legalidade é objeto de apreciação nos autos, é violador da legalidade, pelo que o pedido nesta parte procede.
2.Juros indemnizatórios
Nos termos do n.º 1 do art.º 43º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Ora, no caso concreto, fica inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente, já que as liquidações sub judice se mostram enfermadas de ilegalidade decorrente de um erro nos pressupostos de direito. O erro nos pressupostos de direito imputável à requerida conduziu ao pagamento de um valor superior ao legalmente devido. Porquanto, não poderão deixar de se considerar devidos juros indemnizatórios desde o dia seguinte ao do pagamento indevido no valor de €918,51 até à data da emissão da respetiva nota de crédito, em conformidade com o estatuído no art.º 43º da LGT e art.º 61º do CPPT.
É, por isso, a Requerente credora da Requerida AT do montante correspondente ao IMI indevidamente pago, no montante de €918,51, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios vencidos e vincendos a calcular desse a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.
VI. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se
1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMI) n.º 2014…, datada de 25.02.2015;
2. Anular parcialmente aquela liquidação, na parte em que não é considerado o disposto no art. 15ºN, n.º 1 do D.L. 387/2003 de 12.11;
3. Julgar procedente o pedido de condenação da requerida na devolução da quantia de €918,51, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito, em conformidade com o estatuído no artigo 43º da LGT e no artigo 61º do Código do Procedimento e do Processo Tributário.
Fixa-se o valor do processo em €918,51 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente deferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2016
O Árbitro
André Festas da Silva
[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in N. Villa-Lobos e M. Brito Vieira (cor.), Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Almedina, 2013, pág. 105
[2] In Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 165, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1991, pág. 145
[3] In Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime, Guilherme D`Oliveira Martins, Cadernos IDEFF; n.º6, Almedina, 2006, pág. 15
[4] Cfr. Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Reis dos Livros, 1997, pág. 384, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5º Ed., Almedina, 2009, pág. 215 e ss., Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, pág. 199 e ss., Américo Fernando Brás Carlos, Impostos-Teoria Geral, 2º Edº, Almedina, 2008, pág. 215, Diogo Leite Campos, Direito Tributário, 2º Edº, Almedina, 2000, pág. 87 e ss. e Jonatas Machado, Paulo Costa, Curso de Direito Tributário, 2º ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 163 e ss.
[5] Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e ss.
[6] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Baptista Machado, Almedina, 2ª reimpressão, Almedina, 9º Reimpressão,1996, pp. 189 ss.
[7] In O Direito, Introdução e Teoria Geral, 9º Ed., Almedina, Lisboa, 1995, p. 382
[8] In Manual de Direito Fiscal, 2º Ed., Coimbra Editora, 2001, pág. 105
[9] In Jonatas Machado, Paulo Costa, Curso de Direito Tributário, 2º ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 438.
[10] In Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág. 133.