Decisão Arbitral
I – Relatório
1.1. A…, pessoa colectiva n.º…, com sede em …, …, …, …, …, com representante fiscal nomeado, com domicílio no …, …, n.º…, em ... (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada dos actos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, no montante total de €7928,38, e não se conformando com os mesmos, apresentou, em 25/7/2016, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT») e nos arts. 99.º e segintes do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com o qual requer que seja declarada “a ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IRC e respectivos Juros Compensatórios, relativos aos exercícios de 2012, 2013 e 2014”.
1.2. Em 19/10/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta em 24/11/2016, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.
1.4. Por despacho de 9/12/2016, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 15/12/2016 para a prolação da decisão arbitral.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “conforme resulta do Projecto de Relatório de Inspecção, as despesas suportadas pela Requerente foram desconsideradas, não sendo «dedutíveis, quer quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, quer quando se trata de despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação»”; b) “assim, da «fundamentação» da desconsideração dos custos/gastos da actividade, resulta que a mesma se baseará na (i) descrição insuficiente dos serviços na factura que os titula, (ii) e, bem assim, que os gastos sejam «despesas correntes»”; c) “as descrições dos serviços prestados e dos bens vendidos à Requerente são de uso comum, indicando suficientemente o tipo de serviço ou bem adquirido, não conseguindo a Requerente alcançar as «dúvidas» que sugerem as mesmas aos Serviços de Inspecção”; d) “todos os encargos deduzidos pela Requerente se podem enquadrar na categoria de despesas de manutenção, desde logo pelo descritivo das respectivas facturas”; e) “sucede, porém, que nem o CIRC, nem o CIRS, apresentam uma definição legal do que se deverá entender por despesas de manutenção ou de conservação. Também não define a lei o que se deve entender por esse terceiro conceito ora trazido para esta sede pelos Serviços de Inspecção de despesa corrente”; f) “crê a Requerente ser de afastar desde logo este último conceito, porquanto (i) a lei nunca o refere para aferição dos gastos dedutíveis, (ii) porque este mesmo conceito coincide (na sua sede própria, qual seja a da Economia), muitas vezes, com o conceito de despesas de manutenção”; g) “não pode a Requerente acompanhar a argumentação dos Serviços de Inspecção, nem tão-pouco pode perceber, uma vez que nem sequer são discriminadas quais as despesas desconsideradas com esse fundamento. Assim, não podendo esse fundamento servir de base à desconsideração das despesas declaradas pela Requerente, devem as liquidações objecto do presente pedido ser anuladas, porque ilegais”; h) “por outro lado, negam os Serviços da Autoridade Tributária Requerida a dedutibilidade dos gastos incorridos e declarados, porquanto estes não se podem considerar despesas de manutenção”; i) “todas as despesas suportadas pela Requerente têm que ser consideradas dedutíveis, por se enquadrarem nos conceitos legalmente previstos. [...]. Assim, de forma evidente, terão que ser aceites as despesas relativas a condomínio e Serviços do Resort e ainda outras prestações exclusivas dos arrendatários do imóvel advenientes da Associação da Requerente no Clube… do empreendimento imobiliário em questão, suportadas pela Requerente”; j) “das despesas referidas não resultam apenas benefícios para os arrendatários do imóvel, como são mesmo essenciais para a manutenção deste, na medida em que comportam a existência de serviços adicionais de manutenção e protecção do mesmo. Ora quanto a todas as outras despesas que a Autoridade Tributária pretende desconsiderar, como fez, é por demais evidente a sua consideração como despesas de manutenção, pelo que a sua não dedutibilidade, além de ilegal, é ilógica e materialmente injusta”; l) “é [...] evidente que [...] seria excessivo e desnecessário e [...] a lei não obriga a mais do que se descreve em todas as facturas em causa”; m) “em suma, as despesas deconsideradas são evidentemente de manutenção, imprescindíveis para conservar o imóvel em estado de aptidão para prestar serviços de alojamento, por força dos contratos de arrendamento celebrados e das exigências legais, devendo, enquanto tal, ser aceites”; n) “não obstante a disponibilidade da Requerente em dar de arrendamento o imóvel durante todo o ano, sucede que o mesmo não se encontrou, nos exercícios em causa no presente Pedido, ocupado durante todos os dias do ano. [...]. É evidente que os períodos de não ocupação do imóvel se devem a razões que são alheias à Requerente, como sendo a sazonalidade da procura de imóveis para arrendamento numa zona do país predominantemente balnear. Não se colocando em causa o que consta do Anexo 1 do Relatório de Inspecção, referente às datas em que efectivamente o imóvel esteve ocupado, desde logo se diria que as despesas de manutenção, bem como o IMI, são custos fixos inerentes ao imóvel, quer esteja ocupado o imóvel, quer esteja desocupado, pelo que nunca faria qualquer sentido a aplicação de qualquer «coeficiente de ocupação»”; o) “as despesas não variam em função da ocupação efectiva que se faça do imóvel, uma vez que o imóvel tem de estar preparado e em condições de ser locado, isto é, para servir o fim a que se destina, o fim que a proprietária o afectou”; p) “a lei determina a dedução de despesas de manutenção e conservação, e ainda o IMI, não fazendo qualquer referência a proporções ou pro rata de ocupação. Não se encontrando qualquer fundamento legal para a desconsideração das sobreditas despesas, a Requerida violou frontalmente o comando ínsito no artigo 41.º do CIRS, nos princípios da Legalidade Tributária, da Igualdade e da Tributação pelo Lucro Real, não podendo senão concluir-se pela ilegalidade das liquidações de IRC e de Juros Compensatórios referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, objecto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral”; q) “as liquidações de juros compensatórios em análise são ilegais, por manifesta ausência de culpa do sujeito passivo ou, pelo menos, da respectiva ponderação, prova e fundamentação da conclusão a que chegou a Administração Tributária, e por preterição de formalidade legal essencial, pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º do CPA, deverá, também, ser anulada, o que se requer.”
2.2. Pede a Requerente, com os fundamentos supra expostos, que “o presente pedido de pronúncia arbitral deve [...] ser julgado procedente, por provado e, em consequência: a. Serem anulados os actos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, constantes das Demonstrações de Acerto de Contas n.ºs…, …. e …, todos por violação dos artigos 56.º do CIRC, 8.º e 41.º do CIRS e 103.º e 104.º da CRP; b. Serem, em qualquer caso, anulados os actos de liquidação de juros compensatórios referidos em a., por falta de verificação dos pressupostos para a respectiva liquidação”.
2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “a questão objecto dos presentes autos tem [...] a ver com a aplicação do disposto no artigo 41.º do CIRS”; b) “está aqui em causa uma relação de custo indispensável à obtenção do rendimento, quando documentalmente comprovado e efectivamente suportado pelo titular do bem”; c) “no anexo 2 do RIT, coluna «Despesas enquadráveis no artigo 41.º do CIRS», os SIT identificam as despesas susceptíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais. As restantes despesas mencionadas nas facturas não são dedutíveis, quer porque o descritivo não permite enquadrar o bem e ou a prestação de serviços suportados, quer quando se trata de despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação”; d) “da análise das facturas verifica-se pois que foram incluídas diversas despesas suportadas das quais não é possível estabelecer uma relação/correspondência inequívoca entre as mesmas e a obtenção dos rendimentos”; e) “por um lado, foram remetidas cópias de despesas suportadas cujo descritivo é de tal forma genérico que não permite aferir sobre a elegibilidade das despesas em apreço”; f) “efectivamente, a insuficiência de dados quanto aos bens vendidos/serviços prestados, não permite saber, por exemplo, em que serviço foi aplicada mão-de-obra, as deslocações foram efectuadas com que propósito [...], material eléctrico para que equipamentos, que tipos de produtos se incluirá no material de higiene... ou seja, poderão caber aqui todo o tipo de produtos e serviços, nunca se conhecendo a sua especificação ou em que serviço foi utilizado”; g) “por outro lado, temos despesas que não foram consideradas, por não se entender que corresponderiam a despesas de manutenção e conservação, mas sim a despesas correntes, como serviços de limpeza e segurança social, serviços de vigilância/segurança, seguros, renovação extintor, água, prestação serviços contra formigas, manutenção ar condicionado, limpeza e desentupimento do esgoto, substituição lâmpada, reparação espreguiçadeira e verificar problema com termoacumulador. Temos ainda despesas apresentadas referentes a tarifa de serviços do resort membro, associação ao Clube … e resort membership (provavelmente idêntico ao primeiro), cuja relação com os rendimentos obtidos não foi possível vislumbrar”; h) “por outro lado, a correcção dos montantes dedutíveis com referência às despesas que realmente se enquadram nos encargos dedutíveis para este tipo de rendimentos, teve em consideração que o imóvel apenas esteve ocupado uma parte dos anos em apreço. Deste modo, tratando-se de um imóvel arrendado durante alguns períodos, as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja, 44 dias em 2012, 67 em 2013 e 61 no ano de 2014”; i) “conforma supra exposto, não padece de nenhuma ilegalidade a interpretação e aplicação do art. 41.º do CIRS, constante do Relatório de Inspeção. Na redacção então vigente do artigo 41.º do CIRS, n.º 1, prevê deduzirem-se aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o IMI que incide sobre o valor dos prédios ou parte dos prédios, cujo rendimento tenha sido englobado”; j) “as despesas de manutenção, conservação e imposto pago deverão ser proporcionalmente consideradas tendo por base os períodos em que o imóvel esteve ocupado e nessa medida gerou os rendimentos prediais”; l) “em face do exposto, o acto em crise não padece de qualquer ilegalidade pelo que se impugna, por infundado, todo o alegado no Pedido de Pronúncia Arbitral que contrarie o supra exposto, devendo ser considerada como improcedente a pretensão da Requerente e a Requerida absolvida de todos os pedidos”.
2.4. Conclui, por fim, a AT que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A ora Requerente é uma sociedade não residente, colectada pela actividade a que corresponde o CAE…, “Arrendamento de bens imobiliários”, encontrando-se enquadrada no regime de isenção previsto no art. 9.º do CIVA e no regime geral de determinação do lucro tributável relativamente ao IRC.
ii) A ora Requerente é proprietária, desde 1998, de uma moradia destinada a habitação, localizada no aldeamento de…, lote…, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de …, sob o art... .
iii) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º OI2015…/…/…, foi realizada acção inspectiva à ora Requerente, de âmbito parcial e incidente sobre os exercícios de 2012, 2013 e 2014. Em 17/2/2016, a ora Requerente foi notificada, pelo Ofício n.º…, do Projecto de Correcções do RIT, efectuada ao abrigo das referidas Ordens de Serviço.
iv) Em resultado da referida acção inspectiva, foram efectuadas correcções em sede de IRC no valor de €12.400,91, quanto ao exercício de 2012, de €11.307,31, relativamente ao exercício de 2013, e de €12.031,72, relativamente ao exercício de 2014. Na sequência da Inspecção Tributária e das conclusões vertidas no Projecto e no Relatório Final, a Requerente foi notificada dos actos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios, ora em causa, e dos quais resulta o montante total impugnado de €7928,38 (vd. Docs. 1 a 5 apensos aos presentes autos).
v) Considerando os dados constantes do Anexo 2 que figura no Projecto de Correcções apenso aos autos, verifica-se que as facturas apresentadas estão devidamente fundamentadas, contendo, nomeadamente, um descritivo que permite identificar o propósito das despesas realizadas e a sua ligação, com carácter de indispensabilidade, à actividade exercida pela ora Requerente. A Requerida não colocou em causa a veracidade das facturas apresentadas pela Requerente.
vi) Inconformada com as referidas liquidações adicionais de IRC, a ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 25/7/2016.
3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.
IV – Do Direito
No caso ora em análise, as duas questões essenciais de direito que se colocam são: i) a de saber se as despesas suportadas e declaradas pela Requerente não são passíveis de dedução porque, no entender da AT, “o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado”; ii) a de saber se tais despesas podem ser desconsideradas por, no entender da AT, estarem em causa “despesas correntes” e não “despesas de manutenção e conservação”. Por fim, tratar-se-á da questão relativa à invocada ilegalidade dos juros compensatórios [iii)].
Vejamos, então.
i) Quanto à questão respeitante às descrições dos serviços prestados e bens vendidos à Requerente (e adequação destes à actividade), verifica-se que assiste razão à Requerente, dado que aquelas são suficientemente completas e claras para se poder fazer (como, no presente caso, se fez) o enquadramento devido das mesmas.
As descrições (que não são “genéricas”, como disse a Requerida, tendo antes um nível de detalhe comum, adequado e necessário para a compreensão do objectivo/propósito visado com os bens e serviços ora em causa) são, nomeadamente, as seguintes: “manutenção jardim”, “serviços de manutenção”, “serviços de limpeza e segurança social”, “material de limpeza e higiene”, “prest. serv. contra formigas”, “mão-de-obra, deslocação e materiais”, “tarifa de serviços do resort membro”, “associação ao clube dos proprietários”, “pilhas e bateria”, “serviços de vig./segurança”, “renovação do extintor”, “seguros”, “reparação porta correr cozinha”, “reparação espreguiçadeira”, “reparação autoclismo”, “lâmpada”, “substituição de lâmpada”, “materiais: interruptor”, “limpeza e desentupimento de esgoto”, “água”, “ajustar porta-janela cozinha” e verificar problema com termoacumulador”.
O elenco é suficientemente esclarecedor sobre a ligação das despesas (subjacentes às facturas em causa) à actividade exercida pela ora Requerente. Por outras palavras, os gastos incorridos pela ora Requerente, e acima identificados, eram necessários para a obtenção dos rendimentos prediais, tratando-se de despesas de manutenção que estão documentalmente provadas e que, como tais, são passíveis de dedução à luz do disposto no artigo 41.º do CIRS (tanto na redacção anterior como posterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31/12).
ii) Contudo, a Requerida, sem colocar em causa a veracidade das facturas em causa e das despesas a elas subjacentes, afirma que a desconsideração daquelas despesas resulta do facto de “não se entender que corresponderiam a despesas de manutenção e conservação, mas sim a despesas correntes, como serviços de limpeza e segurança social, serviços de vigilância/segurança, seguros, renovação extintor, água, prestação serviços contra formigas, manutenção ar condicionado, limpeza e desentupimento do esgoto, substituição lâmpada, reparação espreguiçadeira e verificar problema com termoacumulador. Temos ainda despesas apresentadas referentes a tarifa de serviços do resort membro, associação ao Clube … e resort membership (provavelmente idêntico ao primeiro), cuja relação com os rendimentos obtidos não foi possível vislumbrar”.
Não se vislumbra razão no argumento apresentado pela Requerida. Não apenas porque não existe razão de ordem legal (ou económica) para afirmar que as despesas ditas “correntes” não são “despesas de manutenção e conservação”, como também porque tais despesas – como se percebe facilmente pela descrição e elenco dados pela própria Requerida, visam preservar o estado (e o regular funcionamento) do imóvel, garantindo que o mesmo cumpre com as suas finalidades, permitindo aos arrendatários usufruirem de todos os serviços que foram e que são colocados ao seu dispor no âmbito do contrato, e pelos quais pagam as rendas.
A este respeito e neste mesmo sentido, existem já várias decisões arbitrais do CAAD, de que são exemplos as seguintes, aqui reproduzidas nas partes consideradas mais relevantes: “Todos os serviços que são colocados ao dispor do arrendatário, e que são pagos por este, constituem rendas, assim obviamente, todas despesas de manutenção e conservação desses serviços tem de ser aceites. Serviços esses que têm de ser conexos com o edifício em si, desde os serviços mais comuns e básicos de limpeza, à manutenção de elevadores e porteira. [...]. Estão igualmente incluídos neste conceito de serviços, outras comodidades de luxo, como Wi-Fi, ginásios, piscinas e SPAS, embora considerados de luxo, como são serviços colocados a disposição do arrendatário relacionados com a cedência do uso do prédio, e a si imputados, logo todas as despesas de manutenção e conservação têm de ser aceites.” (DA proferida no proc. n.º 435/2014-T, de 10/11/2014); “a regra de dedutibilidade dos custos da categoria F sempre esteve associada aos custos de manutenção necessários para a obtenção dos rendimentos prediais tributáveis, que o legislador nunca, nem sequer a título exemplificativo, tipificou. [...]. [É à requerente proprietária que] incumbe, contratualmente, realizar todas as despesas inerentes à manutenção e conservação do imóvel, mantendo-o em condições normais de arrendamento” (DA proferida no proc. n.º 294/2015-T, de 21/1/2016).
No que se refere à dedutibilidade das referidas despesas em função de um “coeficiente de ocupação” (maxime, à redução proporcional daquelas tendo por base o número de dias do arrendamento), constata-se nada existir na lei que permita concluir que pode haver a referida redução; bem pelo contrário: sabendo-se, pelo que se disse, que são despesas (necessárias) de carácter fixo (i.e., despesas cuja realização e correspondente montante não dependem de uma ocupação efectiva do imóvel) – e que, a não serem realizadas, implicariam inevitável perda de rendimento para o seu proprietário –, conclui-se que, também aqui, não assiste qualquer razão à Requerida.
No mesmo sentido, veja-se, e.g.: “No que se refere à redução das despesas e encargos mediante aplicação de um «coeficiente de ocupação», não pode tal procedimento ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas, tais como limpeza das habitações e da piscina, e respectivo tratamento de salubridade, água, luz, seguro, IMI e outros, terão sempre que ser suportadas, independentemente da taxa de ocupação. Tal «coeficiente de ocupação», como se referiu, [constitui] um fundamento «sui generis» que aparentemente não tinha até agora sido utilizado pela Inspecção, [e] não tem, no entender deste tribunal, qualquer base legal.” (DA proferida no proc. n.º 294/2015-T, de 21/1/2016).
iii) Tendo em consideração que, como refere, e.g., o seguinte aresto (Ac. do STA de 6/5/2015, proc. 196/15), “a jurisprudência consolidada d[o] Supremo Tribunal, vide acórdãos do Pleno n.º 0632/14, de 21.01.2015, e n.º 01490/13, de 22.01.2014, vai no sentido de que «a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)»”, e que – como também salienta o aresto – “a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento desse tipo de juros depende da existência de culpa por parte do contribuinte”, cabe, consequentemente, aferir se, no presente caso, ocorreu actuação culposa da ora Requerente.
Ora, não se vislumbrando, nos documentos de liquidação, uma justificação, expressa e fundamentada, da AT (nem a Requerida a apresentou nestes autos) que permita – para lá da mera ligação objectiva dos factos ao contribuinte – imputar a falta de cumprimento atempado a uma vontade passível de censura a título de dolo ou negligência, conclui-se pela procedência do pedido de ilegalidade das liquidações de juros compensatórios ora em causa.
***
V – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, das liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios.
Fixa-se o valor do processo em €7928,38 (sete mil novecentos e vinte e oito euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da requerida, no montante de €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
***
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.