Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2012-T
Data da decisão: 2013-08-22  IRC  
Valor do pedido: € 206.535,65
Tema: Benefício fiscal à criação líquida de emprego e dupla tributação internacional
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Decisão Arbitral

 

*

ACÓRDÃO

 

I - RELATÓRIO

 

A... –, SA, com sede em …, NIF …, sociedade dominante do “Grupo A...” veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 10º e seguintes, do RJAT (DL nº 10/2011), 1º e 2º, da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pedindo a declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC [e derrama municipal consequente e, “(…)bem assim, dos correspondentes juros compensatórios], n.º 2012 , relativa ao exercício de 2009 do Grupo Fiscal A..., no montante de € 206.535,65, com a sua consequente anulação nessa parte, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente a indemnização pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida, calculada com base nos custos incorridos com a prestação da mesma, acrescidos de juros à taxa legal calculados sobre esses custos e contados desde as datas em que tenham sido incorridos até à data em que a requerente seja ressarcida dos mesmos (…)”.

 Alegou, no essencial e em brevíssima síntese:

- que a AT tributou, em sede de IRC, juros indemnizatórios recebidos no exercício de 2009 [€ 479.089,34] relativos a impostos pagos em excesso[ulterior e judicialmente anulados] respeitante aos anos de 2000 a 2003 e que tal tributação é ilegal porquanto viola o princípio da especialização de exercícios;

- que as correções ao lucro tributável da A..., ao contrário do entendimento da AT, não preenchem os requisitos ou pressupostos de sujeição ao regime de preços de transferência [artigo 58º, do CIRC (atual artigo 63º, do CIRC)];

- que a liquidação na parte impugnada viola os princípios da justiça, da boa fé, da irretroatividade da Lei fiscal e da tutela da confiança [arts 55º e 59º-2, da LGT; arts 6º e 6º-A, do CPA e 266º-2, da Constituição];

- que não existe fundamento para correção do lucro tributável de € 33.075 [correção ao benefício fiscal à criação de emprego];

- que igualmente não existe fundamento para a correção ao cálculo de IRC em sede de créditos de imposto, da A... e da B..., por dupla tributação internacional;

- que tem direito a indemnização por prejuízos resultantes da prestação de garantia [artigo 53º, da LGT].

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve os atos tributários sob impugnação, conforme comunicou ao CAAD (Cfr artº 13º, do RJAT).

 

Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no Decreto-Lei 10/2011, de 20/01 e na Portaria 112-A/2011, de 22/03, foi constituído, em 29-1-2013 [cfr. ata de constituição], este Tribunal Coletivo, após prévia designação dos árbitros pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD e consequente aceitação do encargo pelos mesmos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta ao pedido, mantendo, no essencial, as posições assumidas na fase administrativa do processo, concluindo pela total improcedência desta ação.

            Teve lugar em 2-4-2013 a reunião a que alude o citado artigo 18º, do RJAT cfr ata respetiva.

Houve produção de prova (inquirição de testemunhas) em 2-5-2013 – Cfr ata respetiva.

            Por acordo das partes, aceite pelo Tribunal, as alegações foram produzidas por escrito, tendo sido concedido a cada uma das partes um prazo sucessivo de 15 dias (Cfr deliberação do Tribunal de 2-5-2013).

            Este Tribunal é competente para dirimir o litígio.

            O processo é o próprio e as partes são legítimas e têm personalidade e capacidade jurídica, estando devidamente representadas.

            O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi tempestivo.

            Não há outras questões prévias ou exceções para além das já apontadas e decididas.

 

            Cumpre apreciar o mérito dos pedidos.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

A – OS FACTOS PROVADOS

 

Os factos essenciais para o objeto do litígio e que se mostram provados são seguintes:

 

1. Na declaração modelo 22 de IRC, referente ao ano de 2009, a requerente procedeu à dedução, no quadro 07, campo 237, do montante de €479.089,34, correspondente a juros indemnizatórios que recebeu, decorrentes de imposto pago em excesso, respeitante aos anos de 2000 a 2003 [valor contabilizado na conta “79700001 correções de exercícios anteriores – juros indemnizatórios”].

2.Do procedimento de inspeção efetuado ao exercício de 2009 ao grupo fiscal cuja sociedade dominante é a A... (requerente), com o NIF: …, resultaram as correções ao nível do lucro tributável do grupo “A...” no montante de € 990.709,29, à dedução de prejuízos fiscais de exercícios anteriores de € 4.209,27 e ao nível do cálculo do imposto de € 83.374,18 e que deu origem à liquidação de IRC (e derrama municipal consequente), e juros compensatórios, nº 2012 … (cfr. Doc. n.º 1 com a PI e relatório dos Serviços de Inspeção Tributária), liquidação esta que foi objeto de pagamento parcial com respeito à parte não contestada da mesma (Docs. n.ºs 3 e 4);

3. A requerente submete à apreciação deste Tribunal Arbitral a legalidade de parte desta liquidação, mais concretamente as partes que resultaram das seguintes correções (cfr. Relatório da Inspecção Tributária – RIT – junto com o requerimento inicial Doc. n.º 6):

 

 

 

     

Correcções contestadas Grupo A... exercício de 2009

     
 

 

 

 

 

 

 

 

Correcções à matéria colectável:

     
 

I.

Da A...

     
   

A)

Juros indemnizatórios

   

  479.089,34 

   

B)

Violação do princípio da plena concorrência

     
     

  - Em financiamentos concedidos

   

    28.542,42 

 

II.

Da B...[1]

     
   

C)

Benefício Fiscal à Criação Liquida de Emprego

   

    33.075,00 

 

 

 

 

 

 

  540.706,76 

             
 

Correcções ao cálculo de Imposto:

     
 

III.

Da A...

     
   

D)

Dupla tributação internacional

   

    38.040,00 

 

IV.

Da B...

     
   

E)

Dupla tributação internacional

   

    21.360,90 

 

 

 

 

 

 

    59.400,90 

             
             
 

Matéria colectável

   

540.706,76

             
 

Colecta

     

135.176,69

 

Dupla tributação internacional

   

59.400,90

 

Derrama

   

8.070,92

             
 

Imposto liquidado adicionalmente

 

 

202.648,51

             
 

Juros compensatórios

   

3.887,14

             
 

 

 

 

 

 

206.535,65

 

4. A correção no valor total de  37.129,86 euro resulta do facto de a sociedade A... ter considerado como custo do exercício, o valor relativo a diversos serviços adquiridos a terceiros, mas cujos beneficiários dos mesmos são outras entidades relacionadas[2].

5. A correção do montante total de 28.542,42 euro resulta da determinação da remuneração de plena concorrência para financiamentos efetuados sem remuneração às sociedades suas participadas C... BV e A...par SL  [em conformidade com o n.º 1 do artigo 58.º do CIRC].

6. A B... , SA no apuramento ao lucro tributável deduziu o valor de 33.075,00 Euro considerando número de postos de trabalho criados no exercício (2009) nos termos do artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF),  tendo a AT corrigido o respetivo lucro tributável com os fundamentos constantes do ponto III.1.1 e IX-2.1 do Relatório de Inspeção anexo [cfr folhas 5 a 8 e 18 a 20 do relatório individual – Anexo 2].

7. O grupo A... entregou em 2011-02-01, a declaração de substituição identificada com o n.º 15 2009 C0013 10, que serviu de  documento base de análise à ação inspetiva, sendo que nesta declaração o grupo já refletiu a regularização a favor do Estado no montante de 286.981,25 Euro correspondente à redução do benefício fiscal do SIFIDE[3] na sociedade dominante.

8. A correção no montante de 38.040,00 Euro foi efetuada nos termos do artigo 85.º, n.º 1, al. b) do Código do IRC  [que limita a dedução por dupla tributação internacional à fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos dos gastos diretamente ou indiretamente suportados para a sua obtenção], corrigindo-se o imposto do grupo “A...” com os fundamentos constantes do ponto III-2.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do Relatório [folhas 38 a 43 do relatório individual – Anexo 1][4].

8. A B... deduziu [indevidamente?] à coleta de IRC a título de eliminação da dupla tributação internacional invocando o artigo 85.º (atual 91.º) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) referente a imposto retido em 2009 (21.360,90 euro) sobre rendimentos de 2008, tendo-se corrigido o imposto do grupo com os fundamentos constantes do ponto III-2.1 e IX-3.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório [folhas 9 a 11 e 20 a 22 do relatório individual – Anexo 2]

9. A B... deduziu [indevidamente?] à coleta de IRC referente ao benefício fiscal ao abrigo do “Regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009” (RFAI) o valor de 23.973,28 Euro por não respeitar à exclusividade do incentivo fiscal ao investimento da mesma natureza determinada no artigo 6.º do RFAI[5] 2009 aprovado pelo artigo 13.º da Lei nº 10/2009, de 10 de Março, relativa a parte do investimento simultaneamente englobado para efeitos de SIFIDE, corrigindo-se o imposto do grupo com os fundamentos constantes do ponto III-2.2 e IX-3.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório [folhas 11 a 14 e 22 e 23 do relatório individual – Anexo 2].

10. A requerente prestou garantias bancárias (perfazendo um total de 263.094,35 Euro, em 6 de novembro de 2012 e 20 de novembro de 2012) destinadas a assegurar o pagamento, na parte ora impugnada, da liquidação adicional a que se alude supra (nºs 2 e 3, dos factos provados) – Cfr Doc 5, junto com o requerimento inicial

11. A Requerente encontra-se sujeita ao Regime Especial de Tributação pelos Grupos de Sociedades, previsto, em 2009, nos art.ºs 63º a 65º do CIRC (actualmente nos seus art.ºs 69º a 71º).

 

Não há factos essenciais não provados.

 

B – MOTIVAÇÃO

Para a convicção do Tribunal Arbitral relevaram os documentos juntos e  o relatório da ação inspetiva e junto a este processo, em conjugação com os depoimentos testemunhais prestados em audiência por ..., diretora da contabilidade e impostos da requerente e …, contabilista da requerente, ambas conhecedoras do objeto do litígio.

 

D – O DIREITO

 

Questões a decidir:

São, em síntese e se bem entendemos, as seguintes as questões a apreciar e decidir (seguindo a “nomenclatura” adotada pela requerente):

1ª Correções ao lucro tributável da A... em sede de juros indemnizatórios. [itens 17 e ss., do requerimento inicial];

2ª Correções ao lucro tributável da A... por violação do princípio da plena concorrência [ 66 e ss., do requerimento inicial];

3ª Correção ao lucro tributável da B... relativa ao benefício fiscal à criação líquida de emprego [ 137 e ss., do requerimento inicial];

4ª Correções ao cálculo do imposto em sede de créditos de imposto, da A... e da B..., por dupla tributação internacional [ 161 e ss., do req inicial] e

5ª Pedido de indemnização por prejuízos resultantes da prestação da garantia [225 e ss., do req inicial].

 

Vejamos cada uma destas questões de per si:

 

1ª Correções ao lucro tributável da A... em sede de juros indemnizatórios. Princípio da especialização de exercícios [itens 17 e ss., do requerimento inicial].

 

Argumenta a requerente, em síntese, que os juros indemnizatórios recebidos no exercício de 2009 [aviso/notificação de reembolso (Doc 7/pg. 9 do RIT individual da A...)] -  mas relativos a impostos pagos em excesso respeitantes aos anos entre 2000 e 2003 -  não devem ser tributados em sede de IRC no ano de 2009, atento o princípio da especialização de exercícios à luz do qual a haver lugar a  essa tributação ela teria de ocorrer nos anos a que pertencem os sobreditos juros ou, no limite, ao exercício em que ocorreu a anulação judicial desses impostos considerados indevidamente pagos pela requerente [ Cfr sentenças – docs 8 a 10, juntas com o requerimento inicial].

Por outro lado, razões de coerência fiscal ou tributária, impõem critério idêntico ao seguido para o caso de o devedor/contribuinte (culposamente ou não) incumprir os seus deveres tributários: o pagamento é exigível com juros compensatórios ou moratórios, sendo que estes irrelevam para o cômputo do lucro tributável.

O então artigo 20º-1/g), do CIRC [atual alínea i)] não pode ser interpretado senão à luz deste entendimento conforme à Constituição (princípios da igualdade, coerência e proporcionalidade – artigo 2º da Constituição] e, nessa medida, não considerando, como fez o Tribunal Constitucional, que os juros têm sempre função remuneratória e não, como no caso acontece, uma função de atualização temporal da reparação.[6]

 

À tese da requerente contrapõe a AT, em síntese, que os juros indemnizatórios são proveito do exercício e nenhuma norma fiscal os exclui de tributação e que “(…)o CIRS adoptou o conceito de rendimento-acréscimo, o qual abrange todo o aumento do poder aquisitivo, no sentido de rendimento realmente auferido. Trata-se de um conceito tendencialmente amplo de rendimento (…)” [Acórdão nº 025954 de STA, de 03/10/2001].

Como determina o nº 1 do art. 17º do CIRC, “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”

Donde, a não sujeição dos juros indemnizatórios a tributação, apenas constituiria um ato legal do sujeito passivo se os mesmos se encontrassem previstos em qualquer norma de exclusão, como de resto sucede com os juros compensatórios que, na alínea d) do nº 1 do então art. 42º do CIRC, expressamente são excluídos da formação do lucro tributável.

A regra é a sujeição a tributação dos rendimentos “(…) resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: § i) Indemnizações auferidas, seja a que título for (…)”- alínea i) do nº 1 do art. 20º do CIRC.

E, não existindo, para os juros indemnizatórios qualquer norma semelhante à da (então) alínea d) do nº 1 do art. 42º do CIRC (actual art. 45º), não podem aqueles ser excluídos da tributação.

 

Apreciando e decidindo:

A questão reconduz-se, em primeiro lugar, a saber se os juros indemnizatórios pagos pela AT em resultado da anulação judicial de impostos estão ou não inseridos ou abrangidos no conceito de “proveitos” a que alude o artigo 20º-1, do CIRC e, estando-o, se sendo relativos a impostos anulados relativos a exercícios anteriores, a sua tributação no exercício de 2009 viola ou não o princípio da especialização de exercícios previsto no artigo 18º, do CIRC.

Vejamos:

Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (artigo 43º, LGT) e, como a própria expressão (indemnizatórios) inculca, traduzem uma indemnização (no caso, do Estado ao contribuinte pela cobrança indevida de impostos) a incluir ou integrar no conceito de “indemnizações” [artigo 20º-1/i), do CIRC] e não, em bom rigor, no conceito de “juros” [artigo 20º-1/c), do CIRC].[7]

A administração tributária está obrigada, em caso de procedência (de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei” – artigo 100º, da LGT, na redação introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 20-12.

O direito a juros indemnizatórios tem raiz constitucional (“o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem” - artigo 22º, da Constituição).

O pagamento de juros indemnizatórios, nos casos em que a Administração Fiscal é convencida em reclamação graciosa ou impugnação judicial de erro imputável aos serviços na liquidação, não depende, segundo a unanimidade da Jurisprudência, de pedido expresso dos mesmos pelo contribuinte antes devendo ser processados automaticamente, independentemente de qualquer solicitação do contribuinte (Cfr Ofício circulado nº 60.049, de 14-9-2005, da Direção dos Serviços de Justiça Tributária e Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Ed./2012, pp. 343 e ss.).

Ao contrário do que ocorre em sede de IRS, em que as indemnizações não são consideradas rendimento, com exceção das que compensem perda de rendimentos sujeitos a imposto [caso das que compensem perda de rendimentos de trabalho  (arts 2º/3-e) e 12º-1, do CIRS) e das que não têm a natureza de reparação de perdas não comprovadas (art 9º-1/b), do CIRS)], no caso do IRC, não existindo idênticas exclusões, todas as indemnizações são consideradas proveitos [artigo 20º-1/i), CIRC]. O que se compreende ou explica pela circunstância de que as pessoas coletivas e sociedades ao mesmo tempo que contabilizam esses proveitos, contabilizam as perdas que elas (indemnizações) visam compensar.

Aliás, esta amplitude da tributação de indemnizações em IRC está explicada no preâmbulo do CIRC: “(…) Deste modo, relativamente ao sistema anteriormente em vigor, o IRC funde, através da noção de lucro, a base de incidência da contribuição industrial, do imposto de mais-valias relativo à transmissão a título oneroso de elementos do activo imobilizado, incluindo os terrenos para construção e as partes sociais que o integram. E vai mais longe na preocupação de dar um tratamento equitativo às diferentes situações, quer por automaticamente incluir na sua base tributável certos ganhos – como os subsídios não destinados à exploração ou as indemnizações – que, pelo menos em parte, não eram tributados, quer por alargá-las aos lucros imputáveis ao exercício da indústria extractiva do petróleo, até agora não abrangidos no regime geral de tributação”.

É assim neste conceito de indemnizações[8] – previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC - e não propriamente no de juros – previsto na alínea c) do mesmo número - que caberão os juros indemnizatórios, pois trata-se de um tipo especial de indemnização própria do direito tributário, calculada “a forfait” por danos presumidos[9] derivados de atos ilegais, e não rendimentos financeiros (remuneração de um capital), sendo que é para rendimentos deste tipo que se faz referência a juros naquela alínea c). 

Como determina o nº 1 do art. 17º do CIRC, “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”

Donde, a não sujeição dos juros indemnizatórios a tributação, apenas constituiria um ato legal do sujeito passivo se os mesmos se encontrassem previstos em qualquer norma excecional de exclusão – o que não acontece - como de resto sucede com os juros compensatórios que, na alínea d) do nº 1 do então art. 42º do CIRC, expressamente são excluídos da formação do lucro tributável.

Daí a subsunção de tais juros à regra de sujeição a tributação dos rendimentos “(…) resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: § i) Indemnizações auferidas, seja a que título for (…)”- alínea i) do nº 1 do art. 20º do CIRC. [negrito e sublinhado nossos].

Assim – insiste-se -, não existindo, para os juros indemnizatórios, qualquer norma semelhante à da (então) alínea d) do nº 1 do art. 42º do CIRC (actual art. 45º), não podem aqueles ser excluídos da tributação em sede de IRC uma vez que não podem deixar de ser considerados uma componente positiva do lucro tributável, relevando deste modo para sua formação.

 

A questão vista à luz do princípio da especialização de exercícios (artigo 18º, do CIRC)

Dispõe o artigo 18º, do CIRC:

“(…)Periodização do lucro tributável

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (…)

(…)”.

Será então que, como alega a requerente, existe in casu,  violação deste princípio da especialização dos exercícios pelo facto de terem sido tributados juros indemnizatórios relativos a impostos pagos relativos  a exercícios anteriores, anulados por decisões judiciais e pagos em exercício posterior?

“(…)O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respetivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram.

Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios (…)” (Ac do STA de 2-4-1998 – Processo nº 0807/2007)

O direito ao reembolso de impostos pagos e indemnização (juros indemnizatórios) estava, no caso,  sujeito a uma margem de incerteza até ao momento em que decisão judicial veio declarar esse direito (de anulação e reembolso) do contribuinte.

Ora pese embora derivar de factos relativos a outro ou outros exercícios, a verdade é que a sua contabilização como proveito não poderia (ou deveria) ser feita nos exercícios a que respeitavam os impostos anulados. Como parece óbvio.

Trata-se de proveito de algum modo imprevisível e, como tal, subsumível ao regime excecional do sobredito princípio,  previsto no artigo 18º-2, do CIRC.[10]

Por outro lado e  na esteira do decidido pelo STA[11], não se trata aqui obviamente de suspeitar que o sujeito passivo não tenha contabilizado os juros nos anos anteriores, 2000 a 2003 e 2008, por “omissão voluntária ou intencional [daí não ofender o principio da especialização de exercícios, a sua contabilização “em exercício posterior, ou seja, [no caso, o de 2009] quando tais proveitos forem efetivamente percebidos)”.

 

O caso sub juditio e os princípios da proporcionalidade, da justiça fiscal, da coerência e da igualdade.

Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (Constituição, artigo 266º-2).

O princípio da proporcionalidade (e, em conexão íntima e/ou especial com este estão os princípios da coerência, igualdade e justiça fiscal) comete à Administração a obrigação de proceder de forma coerente e justa, adequando os seus atos aos fins concretos que se visam atingir, limitando os direitos e interesses de outras entidades ao necessário e razoável; trata-se, assim, de um princípio que tem subjacente a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes, designadamente discricionários, não ultrapassem o indispensável à realização dos objetivos públicos.

O princípio da proporcionalidade assume três vertentes essenciais:

a) A adequação, que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objetivos;

b) A necessidade, que se traduz na opção pela ação menos gravosa para os interesses dos particulares e menos lesiva dos seus direitos e interesses e

c) O equilíbrio, ou proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece o reporte entre a ação e o resultado.

Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 634/93, do Tribunal Constitucional (referido também no Acórdão n.º 187/2001, do mesmo Tribunal), “(…)a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de direito, vincula as ações de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as ações estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem (…)”.

E também como se escreveu no sobredito Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do anteriormente citado Acórdão n.º 634/93), “(…) o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: 

Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); 

Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); 

Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos (…)”.

A esta definição geral destes três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, três precisões (seguindo muito de perto o Ac. do Tribunal Constitucional nº 632/2008 de 23-12-2008):

A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao que é comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar.

Ou, como se disse, ainda, no citado Acórdão n.º 187/2001, “(…)trata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis(…)”.

A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstrato perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia.

Quer isto dizer, exatamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstrato e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. 

É este um exame mais «fino» ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência - ou inexistência -, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu - o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis - , fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade.

A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua aceção ampla), quando aplicado às decisões do legislador.

 É vedado assim ao Estado (atuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não «proporcionais» face aos fins que pretende prosseguir.

Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade (ou qualquer outro dos princípios fundamentais), se há-de estribar sempre - como se disse no citado Acórdão n.º 187/2001 - em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso[12]

O princípio da igualdade é um princípio jurídico-constitucional, transversal a todo o ordenamento jurídico, que ao nível do Direito Fiscal se expressa na obrigação universal de todos os cidadãos se encontrarem adstritos ao pagamento de impostos.

Todavia, uma das dimensões do princípio da igualdade é a proibição do arbítrio[13], ou seja, deve ser tratada de forma igual as situações iguais, e de forma desigual as situações desiguais. Neste sentido, a obrigação do pagamento de impostos é mediada pela capacidade contributiva. Implica, assim, igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto para os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção desta diferença (igualdade vertical). Mas princípio da igualdade também se expressa na obrigação da imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade real entre cidadãos. É neste contexto que se justifica a discriminação positiva da família, ou as deduções à coleta em sede de IRS em função do número de filhos, por exemplo. Este objetivo está consagrado no artigo 67.º, n.º 2, alínea f) e no artigo 104.º da CRP e no artigo 6.º da Lei Geral Tributária.

Todavia a requerente convoca ainda, em abono da sua tese [de alegada violação dos sobreditos princípios constitucionais], o Acórdão 170/03 do Tribunal Constitucional e outros arestos deste Tribunal e outros Tribunais superiores.

Seguindo ou acompanhando a síntese feita pela AT de tal Jurisprudência:

“(…)Acórdão 453/97 do TC:

Matéria controvertida: indemnização por acidente de viação, acrescida de juros, integração no conceito de rendimentos de capitais, alínea g) do nº 1 do art. 6º do CIRS.

Citando, “5. O Direito Civil deixa entrever, em vários lugares, a independência entre o crédito de juros e o crédito principal. O artigo 561º do Código Civil determina que ‘desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro’ (…). § 5.2 - Na doutrina, Vaz Serra advertia já para que ‘a relação de dependência entre os dois créditos não é perfeita, depois de nascido o crédito de juros’ [‘Obrigação de juros’, Boletim do Ministério da Justiça, nº 55, Abril de 1956, pág. 164], Antunes Varela chama a atenção ‘para a autonomia do crédito de juros, uma vez constituído’ (Das obrigações em geral, volume I, 6ª edição, revista e actualizada, Coimbra, 1989, pág. 845), Mário Júlio de Almeida Costa afirma mesmo que ‘a ideia básica é a da autonomia do crédito de juros’ [Direito das Obrigações, 5ª edição, remodelada e actualizada, Coimbra, 1991, pág. 621]. § A doutrina, ainda, define os juros em torno da ideia de rendimento: (…) (Pires de Lima/Antunes Varela) são ‘o rendimento de um crédito pecuniário, que se determina em função do montante deste, do tempo durante o qual se fica privado do capital e da taxa de remuneração’ (Almeida Costa). § É claro que os quadros do Direito Civil não relevam decisivamente para a questão de constitucionalidade. Mas mostram que prestação originária e juros são duas coisas distintas e a esta dualidade não pode ser indiferente o procedimento de valoração da norma do artigo 4º, nº 2, alínea e), da Lei nº 106/88 e, pois, da norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Código do IRS. § 6. A Constituição impõe a tributação global do rendimento, mas não definiu, de modo esgotante, o seu modelo. Ao invés, deixou a decisão, em boa medida, à liberdade do legislador democrático que, assim, apenas é limitada pelos princípios materiais constitucionalmente conformadores. Aqui, são os princípios da proporcionalidade e da justiça fiscal a ser convocados. O legislador está vinculado a realizar uma ideia de justa medida e a estabelecer uma regulação racional e coerente. Afinal, é de uma oneração que aqui se trata, a reclamar a concretização das directivas do Estado de direito, segundo as quais ‘nenhum poder deve ir além daquilo que corresponde à natureza das coisas’ (Coing), nenhuma regulação restritiva deve ir além do que é requerido pelo fim específico dessa regulação. § Mas a norma do artigo 4º, nº 2, alínea e), da Lei nº 106/88 e, no seu seguimento, a regulação empreendida pela norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Código do IRS, no sentido em que a teve a decisão recorrida, que é o de incluir na incidência do IRS os juros percebidos pela mora no pagamento de uma indemnização, em nada atenta contra tais directivas. (…) § 7. Um sentido constitucionalmente adequado do conceito de ‘rendimentos de capitais’, que está na Lei de autorização legislativa, não tem que excluir da incidência do I.R.S. os juros de mora no pagamento de indemnização por acidente de viação. A norma do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro [Código do I.R.S.], com a interpretação da decisão recorrida, acolhe assim esse conceito. Não é por isso contrária ao artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição da República.“

 

Acórdão 4/2002 do STJ – fixação de jurisprudência

Matéria controvertida: art. 805º, nº 3 e art. 566º nº 2, ambos do CCiv. Fixação judicial de juros, finalidade dos juros moratórios.

Citando, “4.5 - Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária {artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização. (…)”.

 

Acórdão 170/03 do TC

Matéria controvertida: indemnização por acidente de transito, acrescida de juros, art. 805º, nº 3 e art. 566º nº 2, ambos do CCiv integração no conceito de rendimentos de capitais, alínea g) do nº 1 do art. 6º do CIRS.

Citando, “ (…) para quem defenda que, se, numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da denominada «teoria da diferença» - à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão -, mas sim como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém do dever de indemnizar, os fundamentos carreados e a conclusão ínsita no Acórdão nº 453/97, já citado, seriam perfeitamente de aceitar. § 7. Mas, se em causa estiver um caso em que para se alcançar a expressão monetária da indemnização se não teve em conta aquilo que alguns designam por «correcção monetária», limitando-se, pois, tal expressão monetária à reconstituição da situação que seria a detida pelo lesado caso o evento lesivo não tivesse ocorrido, acrescendo, ao assim definido quantum indemnizatório, a condenação do responsável nos juros devidos desde a citação, então é plausível entender-se que estes juros têm por finalidade fazer acrescer àquele quantum o desvalor verificado em consequência da desvalorização. § Em casos como esse, o montante dos juros não poderá, pois, deixar de ser perspectivado ainda como a expressão monetária da indemnização. § E, a ser assim, a tributação desse montante a título de rendimentos da categoria E, nos termos da alínea g) do nº 2 do artº 5º do Código de Rendimentos Sobre o Imposto das Pessoas Singulares antever-se-ia como violadora do princípio da igualdade, na medida em que a expressão monetária de uma indemnização não está sujeita a essa tributação e, afinal, o indicado montante dos juros não deixa de fazer parte daquela expressão, sendo certo que a função substancial do valor da indemnização é perfeitamente idêntica (é, verdadeiramente, a mesma) da dos juros cujo pagamento foi determinado com tal finalidade. § (…) Como se viu, todavia, pode não ser assim. § Tudo dependerá da decisão judicial condenatória do responsável. § Ora, no caso sub iudicio, (…) § a decisão ora impugnada (…) deu por assente que não correspondiam "a uma remuneração ou lucro (como rendimento), mas antes a ‘um reequil[i]brio do património do lesado, pela entrega de prestação e respectiva indemnização pelo prejuízo causado’" ´destinando-se a completar a indemnização, (…) sendo como que um capital complementar justificado pelo dano` (…) § Vale isto por dizer que aquela decisão - independentemente do seu acerto neste particular - entendeu que os juros em causa, cujo pagamento foi ditado pelas decisões judiciais anteriores, deviam ser perspectivados como constituindo ainda uma parte da expressão monetária do quantitativo indemnizatório. § Neste contexto, constituiria patente violação do princípio da igualdade a tributação, em sede de rendimento para efeitos de IRS, do montante destes juros do mesmo modo que a tributação dos que representam os de um rendimento do capital, por isso aquele montante, ao fim e ao resto, representa ainda parte da função compensatória do dano sofrido, tendo, consequentemente, a mesma fonte obrigacional de onde deriva a indemnização (a qual não é passível de uma tal tributação), sendo que os juros representativos do rendimento de capital têm uma fonte diversa, justamente o decurso do tempo durante o qual se ficou privado do capital que era devido. § 8. Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos, que defluem dos artigos 13º, 103º, nº 1, e 104º, nº 1, todos da Lei Fundamental, a norma constante da alínea g) do nº 1 do artº 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares quando interpretada no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta”. [Negrito e sublinhado nossos] (…)”

 

Sendo o citado o conteúdo essencial da Jurisprudência convocada pela requerente, não se antolham fundamentos para concluir, também à luz dessa Jurisprudência, pela alegada violação dos princípios constitucionais invocados considerando que a tributação de quaisquer indemnizações (os juros indemnizatórios revestem, com se afirmou e reafirma essa natureza) são, de forma clara e indiscutível, tributáveis em sede de IRC, à luz do disposto no artigo 20º-1/i), do CIRC (“indemnizações auferidas seja a que título for”).

Certo que o legislador subtraiu expressamente os juros compensatórios ao princípio da dedutibilidade fiscal para efeitos de IRC [artigo 42º-1/d), do CIRC] e não estabeleceu um aparentemente simétrico e coerente regime para os juros indemnizatórios ao integrá-los nos proveitos ou ganhos [artigo 20º-1/g), do CIRC].

Não se desconhece que os juros moratórios e compensatórios têm uma natureza de indemnização lato sensu derivada de atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias.

E, se pode afirmar-se uma natureza idêntica dos juros indemnizatórios e juros compensatórios na medida em que ambos traduzem ou concretizam indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual, a verdade, porém,  é que – e é isso que faz a diferença – a concretização da indemnização ínsita nos juros indemnizatórios “(…)faz-se por forma distinta da prevista para os juros compensatórios pois aqueles (juros indemnizatórios) são objeto de liquidação autónoma e estes integram-se na própria dívida tributária global constituindo agravamento desta (…)”[ Jorge Lopes de Sousa, Juros nas Relações Tributárias, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Ed Vislis/1999, pg 158].

Ou seja: os juros compensatórios – ao contrário dos indemnizatórios a favor do contribuinte – integram-se na própria dívida de imposto e são liquidados em conjunto com a liquidação deste – artigos 102º, do CIRC e 35º-8, da LGT.

“(…)Os juros compensatórios assentam numa ideia de ilicitude ou desvalorização monetária, tendo por base uma atuação eticamente reprovável(…)” – Cfr Ac do STA de 30-6-95 – recurso nº 12147 (DR/Apêndice de 30-6-95 – pg 2070).

“(…)Constituem (os juros compensatórios)um caso de agravamento, uma cláusula penal, uma sobretaxa (…)”.

Não se pode afirmar assim que existe incoerência legislativa, censurável no plano constitucional, quando se estabelece para o caso das indemnizações autónomas, incluindo os juros indemnizatórios, um regime tributário, em sede de IRC [artigo 20º-1/i), do CIRC] diferente do que é dado especificamente ao pagamento de juros compensatórios: é que neste caso estes estão integrados na própria liquidação do imposto a que respeitam, fazem parte integrante dele, não têm autonomia.

Assinale-se, designadamente que o Ac do Tribunal Constitucional nº 170/03 (citado pela requerente), defende mesmo que apenas ocorre “violação dos princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos” quando os juros são atribuídos ainda como expressão monetária da indemnização e não quando – como acontece no caso sub juditio - são autónomos em relação à obrigação principal de restituição do imposto.

Concluindo, nesta parte: não se surpreende, no caso, salvo o devido respeito, quaisquer fundamentos que, ainda que discutivelmente, possam configurar violação, pelo legislador, dos invocados princípios constitucionais.

 

2ª Correções ao lucro tributável da A... por violação do princípio da plena concorrência [ 66 e ss., do requerimento inicial].

 

Trata-se aqui de ponderar e decidir se tem ou não fundamento a correção efetuada pela AT ao lucro tributável da requerente fundado no facto de não ser considerado custo do exercício o valor relativo a diversos financiamentos, não remunerados e  cujos beneficiários são entidades relacionadas.

Ou seja: considerou a AT que o valor desses não contribui negativamente para a determinação do lucro tributável do Grupo A... atento o disposto no artigo 58º-1, do CIRC (atual 63º).

Sob a epígrafe Preços de transferência”, dispõe o artigo 63º, do CIRC (a que corresponde atualmente o citado artigo 58º):

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê - lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias - primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

5 - Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não haja regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

6 - O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.

7 - O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 121.º, a existência ou inexistência, no período de tributação a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a) Identificar as entidades em causa;

b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma;

c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

8 - Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância.

9 - Nas operações realizadas entre entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis daquela situados fora deste território, aplicam-se as regras constantes dos números anteriores.

10 - O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 - Quando a Direcção - Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 - Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 - A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.

 

O Princípio da Plena Concorrência, denominado na literatura internacional por “Arm´s Length”, consiste no princípio chave definido pela OCDE como elemento orientador da regulamentação das relações especiais, adoptado pelos diferentes países que se encontram sob a sua alçada.

O Princípio da Plena Concorrência apresenta a seguinte evolução Normativa:

• Section 482 do US Internal Revenue Code

• Artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE

• Orientações da OCDE

• Artigo 58º do CIRC (atual artigo 63º)

• Portaria n.º 1446-C/2001 de 21de Dezembro

Este princípio defende o ajustamento dos lucros numa base de neutralidade fiscal, remetendo para as condições prevalecentes entre empresas independentes, que atuam de forma autónoma e descomprometida numa situação de livre concorrência.

Conforme dispõe o número 1 do artigo 58º do CIRC (e atual 63º-1): “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”

 

A ideia base é garantir que o lucro gerado numa determinada jurisdição reflita a contribuição para a cadeia de valor criado nessa mesma jurisdição, dado que o preço de transferência (PT) não resulta do livre jogo de mercado, em que cada uma das partes procura obter para si o máximo beneficio possível.

De facto, “(…)este princípio tem merecido uma ampla aceitação por parte dos Estados, no que diz respeito à fixação e correção dos preços de transferência, encontrando-se mesmo consagrado na legislação interna de alguns, como é o caso de Portugal.

O mérito e consenso alargado na adoção daquele princípio geralmente aceite em matéria de PT (preços de transferência) é reconhecido pelo legislador português ao estatuir no preâmbulo da Portaria nº 1446-C/2001 que “(…)o regime dos preços de transferência tem como paradigma o princípio de plena concorrência, em torno do qual se foi firmando um amplo consenso internacional por se entender que a sua adoção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente proteção da base tributável interna (…)”.[14]

 

            Sobre a aplicação prática do princípio da plena concorrência, na determinação dos preços de transferência, diz o parágrafo 1.15 do Relatório da OCDE 1995 que o mesmo assenta num juízo de comparabilidade entre a operação vinculada e a operação que seria praticada entre entidades independentes.

Prossegue aquele parágrafo 1.15 que para um maior grau de comparabilidade, na determinação das condições de uma eventual operação não vinculada, devem efetuar-se os ajustamentos razoavelmente fiáveis que permitam reduzir as diferenças existentes com a operação vinculada, mais devendo-se incluir um estudo comparativo entre várias opções realisticamente possíveis e concluir pela operação mais vantajosa, à semelhança do que é efetuado por empresas independentes.

Mais postula o parágrafo 1.37 que a análise de conformidade ao princípio de plena concorrência deve atender às modalidades da operação, vistas na sua globalidade, por forma a verificar se são diferentes das que seriam adotadas por empresas independentes, agindo de um modo comercialmente racional.

A OCDE recomenda, ainda, que sempre que possível de aplique o princípio da plena concorrência numa base de operação-a-operação, o que legitimamente não sucederá quando operações distintas se encontrem tão intimamente ligadas ou contínuas que não é possível fazer uma avaliação correta sem as tomar em consideração no seu conjunto, conforme é referido no parágrafo 1.42 daquele Relatório.

Na verdade, “(…)não pode ignorar-se que as manipulações de preços contratados entre entidades dependentes acabam sempre por influenciar a matéria tributável do sujeito passivo, moldando-a com base em valores que, mesmo sendo reais, são distorcidos pela existência de relações propiciadoras de uma artificiosa fixação dos preços acordados”.

“Considerando o teor normativo do artigo 57.º[ulterior artigo 58º e atual artigo 63º, do CIRC], ressalta, ao nível dos seus pressupostos de aplicação, a exigência de que: (a)existam relações especiais entre o contribuinte e uma outra entidade sujeita ou não ao regime do IRC; (b) e, em virtude dessas relações, sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes; (c) conduzindo ao apuramento de uma base tributária distinta da que seria apurada na ausência de tais relações (cf. PAULA ROSADO PEREIRA, “O novo regime dos preços de transferência”, in Fiscalidade, n.º5, 2001, pp. 25)”.[15]

Nos termos do nº 2 do artigo 4º da Portaria nº 1446-C/2001 “(…)considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas (…)”

Por seu turno, dispõe o nº 3 do mesmo preceito legal que “(…)duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afetar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efetuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”

 

Subsumindo:

Em causa estão dívidas a receber pela requerente em 31 de dezembro de 2008, sendo devedoras duas empresas suas participadas e que têm subjacente financiamentos concedidos nesse exercício (2008) e que no âmbito da inspeção tributária desse ano foram alvo de proposta de correção decorrente do facto de não existir qualquer retribuição (desses financiamentos, entenda-se)

As operações de financiamento traduziam-se na cessão gratuita de dividendos à subsidiária da requerente (C...  BV), na importância de 2.000.296.027,80 LBP [a correspondia a importância de 1.828.526,60 Euro ao câmbio fixado no documento que titula o recebimento desses dividendos]  e pagamento pela requerente de fatura em nome e por conta da subsidária A...par, SL, na importância de 2.073.944,73 Euro  – Cfr relatório da inspeção pp. 22 e ss..

Estas operações foram efetuadas sem que a requerente viesse a registar na sua esfera qualquer proveito.

Será então que esta situação pode ser enquadrável ou discutível à luz de alegada violação do princípio da plena concorrência, ínsito no artigo 58º, do CIRC (redação de 2009 e atual artigo 63º)?

Afigura-se manifesto que não.

Na verdade, não se trata aqui de aplicação do regime dos preços de transferência, pois neste pressupõe-se que a operação realizada teve um preço, que foi inferior ao que resultaria da aplicação das regras da plena concorrência. E, então, compara-se o preço praticado com o que seria praticado numa transação semelhante entre pessoas ou entidades independentes e tributa-se como se fosse este o preço efetivamente praticado.

Se se está perante operações gratuitas (cedência gratuita de ativos patrimoniais), parece-me que não há sequer qualquer comparação a fazer, tratando-se, antes e eventualmente de uma  situação de gastos que não são (ou poderão não ser) indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora [cfr. artigo 23.º-1, do CIRC] e que, por isso, diretamente não levados em conta para a determinação do lucro tributável. 

Procederá assim, nesta parte, a impugnação da liquidação.

 

 

3ª Correção ao lucro tributável da B... relativa ao benefício fiscal à criação líquida de emprego [ 117 e ss., do requerimento inicial].

Alega a requerente (arts 117º e ss., do requerimento inicial):

“(…)A AT pretende incluir nos cálculos do benefício fiscal à criação líquida de emprego, emprego criado muito antes da criação desse regime, mais especificamente entre os anos de 1967 e 1979, numa época em que nem IRC existia ainda (apenas a contribuição industrial, que entrou em vigor em 1963) (cfr. pp 7, 19 e 20 do RIT individual da B... junto como Anexo 2 ao RIT agregado, juntos como Doc. n.º 6).

Entende a requerente que o referido emprego deve continuar alheio aos cálculos do benefício fiscal aqui em causa: emprego criado anteriormente ao início do regime introduzido pela Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro, e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, não influencia positivamente (entradas ou admissões) a aplicação do benefício, não devendo também influenciar negativamente (saídas, maxime por reforma, ou por outra razão) a aplicação do mesmo.

Constata-se, em primeiro lugar, que é a primeira vez que em muitos anos de aplicação do incentivo fiscal à criação de emprego para jovens (artigo 19.º do EBF), a Inspecção tributária aplica um critério (restritivo) como o aqui aplicado com respeito à B...: até 2009 nunca trabalhadores contratados anteriormente à existência deste regime haviam influenciado a aplicação do mesmo.

Estas mudanças interpretativas ocorridas em 2011 (ano da inspecção que gerou as correcções aqui em causa), aplicadas retroactivamente a 2009, lesam gravemente a segurança jurídica e consubstanciam uma manifestação juridicamente condenável de retroactividade de lei fiscal (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.º Edição, p. 202).

Há, pois, violação do princípio da justiça, e da boa-fé na sua vertente da tutela da confiança (cfr. artigos 55.º e 59.º, n.º 2, da LGT; artigos 6.º e 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo – CPA –; e artigo 266.º, n.º 2, da CRP

Mas não há só isso, em termos de ilegalidade. Como se referiu, esta correcção resulta do facto de a Inspecção tributária ter entendido que no cômputo das entradas e saídas do ano de 2009 (sendo que nunca em anos anteriores o critério que se segue tinha sido adoptado) se deveria levar também em linha de conta trabalhadores admitidos anteriormente à data da criação do benefício fiscal aqui em causa, mais concretamente 7 trabalhadores admitidos entre 1967 e 1979, quando nem sequer havia Código da Contribuição Industrial (que precedeu de 1963 a 1989 o Código do IRC), que entretanto se reformaram, e que à data da entrada em vigor do regime cuja aplicação está aqui em causa (1999) tinham já mais de 30 anos (idade máxima da redacção inicial, que depois se alterou para 35) e também mais de 35 anos (cfr. as datas de nascimento dos trabalhadores em causa no quadro da p 7 do RIT individual da B... junto como Anexo 2 ao RIT agregado, ambos juntos como Doc. n.º 6), i.e., não tinham nada que ver com a faixa etária a que se dirige o regime aqui em causa.

Ora, tendo o regime da criação líquida de emprego sido criado em 1999, não se vê como se possa (ou se deva) fazer relevar na contagem das saídas trabalhadores entrados em data anterior ao inicio de aplicação deste benefício fiscal e cujas entradas, por isso mesmo, jamais beneficiaram da aplicação do regime de incentivos aqui em causa.

Isto é, estes trabalhadores são e sempre foram estranhos – em razão da anterioridade da sua data de admissão, relativamente ao início de aplicação do regime em causa – ao funcionamento e aplicação do regime de incentivos à criação de emprego para jovens previsto no artigo 19.º do EBF.

Aliás, como se referiu supra, assim sempre entendeu também a Inspecção tributária, não se percebendo qual a razão para esta súbita (e contrária à lógica temporal de aplicação do regime em causa) mudança de posição.

Afirma, agora, a AT que “[c]laramente o legislador não faz depender a qualificação de saída elegível o facto da admissão ter ou não sido efectuada no âmbito deste benefício ou sequer da sua vigência” (cfr. p 17 do RIT agregado atrás junto como Doc. n.º 6).

Pode-se claramente dizer também, e com a mesma claridade, que à data da sua admissão (entre 1967 e 1979) os trabalhadores em causa não se contavam entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do EBF (cfr. texto da alínea d) do n.º 2 do artigo 19.º do EBF), pela razão decisiva de que inexistindo então esta norma e, mais latamente, o regime em que se insere, não se podem contar, por definição, entre esse número.

Mas sobretudo deve-se dizer que esta interpretação é absurda.

Com efeito, o que está em causa neste regime? Incentivar a contratação de emprego jovem (quando se iniciou a aplicação do regime, em 1999, a definição de jovem ia até aos 30 anos de idade, e com a Lei 10/2009 de 10 de Março, foi elevada a idade para 35 anos).

Como se quantifica o grau de cumprimento do objectivo objecto de incentivo fiscal? Somando, por um lado, e subtraindo, por outro, as entradas e saídas de trabalhadores dentro dessa faixa etária (criação líquida de emprego para jovens).

Aplica-se a partir de quando este incentivo? A partir da sua criação em 1999 (Lei 72/98 de 3 de Novembro). É então inequívoco que o incentivo é à criação líquida na faixa etária definida, ocorrida a partir dessa data – a partir de 1999.

O que é que trabalhadores que nessa data (1999) nem jovens eram (os seus postos de trabalho não se incluíam no objecto do incentivo) nem, por definição e consequentemente, alguma vez influenciaram positivamente o cálculo do incentivo ao longo do período de existência do mesmo (incluindo o exercício de 2009 aqui em causa), têm que ver agora com os cálculos do grau de cumprimento do objectivo incentivado?

Nada, absolutamente nada, raiando o absurdo pretender incluí-los (tese peregrina que pela primeira vez a IT invocou neste inspecção – nunca antes o tinha feito) só porque um dia, em mil novecentos e troca o passo, foram jovens e jovens entraram então na empresa aqui em causa (por acaso nem isso aconteceu: entraram noutra empresa; para a B... foram transferidos mais tarde já na idade de “não jovens”, como se verá a seguir).

E há ainda uma segunda razão: os trabalhadores aqui em causa (admitidos entre 1958 e 1979), não foram admitidos pela B....

A B... nem sequer existia nessas datas. Eles foram admitidos entre essas datas por outras cimenteiras, sendo que foi só em 1992, com a criação da B... (cfr. cópia de certidão do registo comercial da B…, designadamente a inscrição 1 – data de apresentação em 09.07.1992 – que aqui se junta como Doc. n.º 13, e a escritura de constituição desta mesma B... que aqui se junta como Doc. n.º 14) que transitaram para a B....

Ora, também não se vê (se outras razões não existissem), mesmo que a inaceitável tese da AT fosse de aplicar, por que razão seria de relevar nos cálculos trabalhadores admitidos em empresas distintas da B... à data (entre 1958 e 1979) em que ainda eram jovens no conceito do regime criado em 1999 (…)”.

 

A AT contra argumenta, alegando:

“(…)Nenhum dos princípios invocados - da justiça e da boa fé, na vertente da tutela da confiança – se mostra violado, sequer beliscado pela correcção efectuada.

Assim como não ocorreu qualquer aplicação retroactiva da lei fiscal.

O actual art. 19  [anterior art. 127º do EBF (nº 2 alínea d)], havia visto a sua redacção alterada em 2007, pelo que à data dos factos, em 2009, era este o que se encontrava em vigor.

Não há aplicação retroactiva da norma pelo facto de se considerar factor relevante a idade do trabalhador à data da constituição do vínculo laboral.

A lei em vigor à data dos factos determina que se considere uma determinada variável – a idade do trabalhador à data da constituição do vínculo – nada mais!

Não determina que a mesma variável só seja atendida se ocorrida já depois da sua entrada em vigor.

Ou seja: não determina que se considere apenas a idade dos trabalhadores que tenham sido admitidos depois da sua entrada em vigor.

O factor relevante é a idade do trabalhador à data da constituição do vínculo laboral, sem qualquer restrição quanto ao momento em que esse vínculo se constituiu.

Ao contrário do pretendido pela requerente,

Isto não é aplicação retroactiva da lei!!

Um exemplo: A 01/01/2013 entra em vigor lei que determina que só são dedutíveis os encargos com imóveis adquiridos antes de 31/12/2011.

Isto é aplicação retroactiva? Não.

Para o exercício do direito ao benefício hoje, há que apreciar uma variável que ocorreu antes da entrada em vigor da lei. Tão só!

Mas ainda, na redacção da lei em causa, o legislador optou por definir de forma expressa o que se entende por “criação liquida” afastando intencionalmente as possíveis diferentes interpretações da lei anterior.

Definiu de forma clara os requisitos para que os trabalhadores admitidos possam ser elegíveis, bem como os trabalhadores cuja saída deve contribuir negativamente para o cálculo, indicando que, neste caso, as condições são verificadas à data do início do vínculo.

O legislador não faz depender a qualificação de saída elegível do facto de a admissão ter ou não ocorrido no âmbito do benefício ou, sequer, da sua vigência.

Mas, para a concorrência do que vimos defendendo importa ainda atentar noutro elemento da letra da lei: “criação líquida de postos de trabalho”.

Para um inequívoco entendimento do que se deva entender por tal expressão, socorremo-nos da jurisprudência na matéria: O acórdão do TCA Sul, de 30/01/2007, proc.01552/06, os acórdãos do STA, de 03/02/2005, proc 52/02, de 25/02/2009, processo 0916/08 e de 23/09/2009, proc 0248/09.

O alegado em 135º a 137º da PI é irrelevante, pois como muito bem sabe a requerente os trabalhadores que transitaram da C… para a B... mantiveram os seus postos de trabalho, como todos os direitos e deveres a eles inerentes, designadamente a antiguidade.

Ademais, nunca o tribunal poderá decidir-se pela anulação da correcção em apreço, pelo simples motivo que a requerente não identifica exactamente que trabalhadores estão nas condições a que se refere.

E não indica o quanto da correcção é afectada por esta alegada irregularidade.

Donde, não basta em abstracto impugnar a correcção.

Se não concorda com a correcção deve, com exactidão, demonstrar como deveria ser feito o cálculo – o que não faz.

Deve improceder o pedido de anulação da correcção de € 33.075,00 (…)”.

 

Dispõe o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) [redação em vigor em 2009]:

Artigo 19.º Criação de emprego

1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) ‘Jovens’ os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluí do o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação -formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino; (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

b) ‘Desempregados de longa duração’ os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses; (Redacção da Lei n.10/2009, de 10 de Março)

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

[Nos termos do n.º 2 do art. 146.º da Lei N.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, são prorrogadas, com as alterações estabelecidas pela presente lei, as normas que consagram os benefícios fiscais constantes dos artigos 19.º, 20.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º e 32.º, dos n.os 4 a 20 do artigo 33.º, para efeitos da remissão do n.º 9 do artigo 36.º, e dos artigos 42.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63.º, 64.º e 66.º do EBF]. 

A criação líquida de postos de trabalho é assim dada “(…) pela diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do nº 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições (…)”.

‘Jovens’, para efeitos do citado artigo 19º, do EBF, são os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho [grifado nosso], com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação [artigo 19º-2/a), do EBF].

Ou seja: relevante não é o facto de ser ou não celebrado o contrato de trabalho na vigência do EBF mas antes a data tout court em que o mesmo contrato foi celebrado, ainda que muito anterior à  da consagração do benefício fiscal.

Subsumindo:

As saídas de colaboradores/trabalhadores da requerente no ano de 2009,  que à data da respectiva admissão se encontravam nas condições da alínea a) do nº 2 do artigo 19.º do EBF, constam no quadro seguinte (Cfr Relatório da Insp Tributária – pg 7 e Anexo II) :

 

NIF Func. Nome

Dt.

nascimento

Dt.

Entrada Dt. saída

…1944/03/13 1958/05/01 2009/03/01

…1944/07/01 1961/01/23 2009/07/12

… 1944/06/09 1962/10/16 2009/06/09

… 1944/01/11 1964/05/27 2009/01/11

… 1946/03/02 1966/03/12 2009/07/17

… 1944/02/08 1967/11/17 2009/02/08

… 1944/09/02 1969/03/25 2009/09/02

… 1949/01/18 1969/11/11 2009/01/01

… 1944/08/05 1970/05/25 2009/08/25

… 1952/06/19 1975/05/27 2009/04/16

… 1950/01/16 1976/02/02 2008/09/01

… 1951/04/27 1977/09/01 2009/01/30

… 1954/09/06 1978/09/11 2009/05/04

… 1953/03/11 1979/01/23 2009/04/23

                         Total 14 colab. contrato trab. sem termo.

 

A requerente não alega nem identifica outros trabalhadores que pudessem reunir os requisitos necessários para a verificação duma criação líquida de emprego superior à que foi verificada pela AT: a criação líquida de postos de trabalho no exercício de 2009 foi de 2 (dois) postos de trabalho, conclusão decorrente da contratação de 16 trabalhadores e da saída de 14.

Alega a requerente que “(…) o referido emprego deve continuar alheio aos cálculos do benefício fiscal aqui em causa: emprego criado anteriormente ao início do regime fiscal aqui em causa (introduzido pela Lei n.º 72/98, de 3 de Novembro, e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999), não influencia positivamente (entradas ou admissões) a aplicação do benefício, não devendo também influenciar negativamente (saídas, maxime por reforma, ou por outra razão) a aplicação do mesmo (…)”.

Sem razão, porém, como se está a ver: o facto de a relações laborais extintas em 2009 terem sido constituídas em data anterior à constituição da sociedade do “Grupo A...” em causa (B... – …, SA, constituída em 1993) é, para efeitos de cálculo do benefício fiscal apontado, irrelevante.

Por outro lado, é, salvo o devido respeito, abusivo e não tem qualquer substrato legal ou jurídico, afirmar que a AT aplicou retroativamente a lei fiscal quando considera abrangidos pelo artigo 19º, do EBF os trabalhadores com vínculos laborais iniciados muito anteriormente à data do início da vigência do EBF quando, além do mais, é a própria Lei que, expressamente como se viu, dissipa quaisquer dúvidas a esse respeito (Cfr artigo 12º-2, do C. Civil).

Na verdade o EBF sofreu alterações em 2007 no que se refere à alínea d) do nº 2 do artigo 17º (correspondente ao atual artigo 19º); daí que, em 2009, fosse aplicada a atual redação em que, de forma inovadora relativamente à redação anterior, veio consagrar o conceito legal de “criação líquida de emprego” e, deste modo, terminar com divergências interpretativas que o anterior regime permitia.

Se, como abstratamente afirma a requerente, esta entende que a criação líquida de emprego no exercício de 2009 foi superior a 2 postos de trabalho, então competia-lhe concretizar essa afirmação estribando-se em factos concretos, ou seja, indicando designadamente quais os trabalhadores que (e porquê) deveriam entrar no respetivo cômputo.

Afirma a requerente que nunca trabalhadores contratados anteriormente à existência do regime do artigo 19º, do EBF (Lei nº 72/98, de 3 de novembro) “(…)haviam influenciado a aplicação do mesmo (…)” e que “(…) nem jovens eram [em 1999] (…) os seus postos de trabalho não se incluíam no objeto do incentivo (…) não influenciaram positivamente o cálculo do incentivo ao longo do período da existência do mesmo (…)”

Ainda que assim fosse [os trabalhadores contratados anteriormente à vigência do EBF não influenciarem o cálculo da criação líquida de emprego], a verdade é que uma aplicação ou interpretação reiteradamente abusiva ou indevida da Lei, não pode ser nem é geradora de direitos ou interesses dos beneficiários dessa aplicação ou interpretação, ou de terceiros que se queiram aproveitar dessa prática no futuro, a partir do momento em que a Administração passa a adotar um procedimento conforme à Lei, muito especialmente quando e se esta sofreu alterações que tornaram inadmissíveis as eventuais interpretações anteriores.

Por outro lado, afigura-se irrelevante terem sido originariamente admitidos os trabalhadores nos quadros da empresa em causa ou, pelo contrário, terem-no sido noutros empresas e transitado, por qualquer causa, para os quadros da última com manutenção dos postos de trabalho que detinham na primeira.

Tudo o que se acaba de afirmar compreende-se à luz da razão ou causa do benefício fiscal: a criação líquida de emprego (grifado nosso) e o incentivo à criação de postos de trabalho ou contratação de jovens e de desempregados de longa duração.

Sendo este o objetivo visado pelo legislador, que sentido faria a aplicação restritiva ou desconsideração dos “movimentos” nos quadros das empresas anteriores a 1998?

A resposta afigura-se óbvia: nenhum

Por isso é que, sintetizando e concluindo nesta parte: à luz do artigo 19º, do EBF, na redação vigente em 2009, constituem saídas elegíveis para efeitos da criação líquida de emprego todas as situações em que haja cessação de contratos de trabalho a termo incerto se os respetivos trabalhadores à data da sua admissão tinham idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, com exceção dos jovens com menos de 23 anos que não tivessem concluído o ensino secundário.

Improcederá assim, nesta parte, o pedido da requerente.

 

 

4ª Correções ao cálculo do imposto em sede de créditos de imposto, da A... e da B..., por dupla tributação internacional [ 138 e ss., do req inicial].

Estão em causa correções ao cálculo do imposto com dois fundamentos distintos:

 

            i) € 5.262,55 (respeitantes à A...) e € 21.360,90 (respeitantes à B...), num total de € 26.623,45, por aplicação da suposta regra de que a utilização do crédito de imposto e a inclusão do rendimento na base tributável do IRC teriam de ocorrer no mesmo ano (cfr. Doc. n.º 6, pp 38 e ss do RIT individual A... e 9 e ss do RIT individual B... juntos com requerimento inicial)

            ii) € 13.940,40 mais € 9.400 (respeitantes à A...), num total de € 23.340,4, por aplicação do referencial, limitativo da eliminação da dupla tributação, do “rendimento líquido”[16];

            iii) € 9.437,05[17] (respeitantes à A...), por aplicação, simultaneamente, dos dois supra referidos (alegados) fundamentos.

A requerente alega que as correções ao imposto baseiam-se em dois argumentos:

a) na tese de que a utilização do crédito de imposto teria de ocorrer no mesmo ano em que o rendimento em causa havia sido incluído base tributável do IRC português (mesmo que o imposto suportado no estrangeiro que origina o crédito de imposto, só tenha sido suportado em exercício posterior, como sucedeu no caso e é normal que suceda regularmente) (…);

b) na tese de que também no caso (em que existe e se aplica convenção contra a dupla tributação) o referencial limitativo do crédito de imposto máximo seria “o IRC nacionalmente imputável ao rendimento líquido de gastos directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção” (…).

 

Alega a requerente, em síntese, em relação ao primeiro argumento, que “(…) o que está em causa é um crédito de imposto por dupla tributação internacional que só existe, só passa à categoria da existência, a partir do momento em que é suportada, sofrida, tributação (sobre o rendimento) no estrangeiro.” Assim “(…) que se não entenda como pode a AT insistir que este crédito de imposto deve ser imputado a exercício anterior ao da sua existência, no caso, ao exercício em que esse mesmo rendimento foi tributado em Portugal, independentemente de ter sido ou não nesse mesmo exercício sujeito a alguma tributação no estrangeiro.”

Para justificar a correção “(…) invoca a AT o (na numeração à data dos factos) artigo 85.º, n.º 1, do CIRC (actual artigo 91.º), no segmento em que se exige que “(…) na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro” e que a AT “(…) lê neste segmento da norma o que lá não está: inclusão na matéria colectável e utilização do crédito de imposto teriam de ocorrer no mesmo exercício.”

Em relação ao segundo argumento a requerente alega, em síntese, que o n.º 1 do artigo 22.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República da Tunísia para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (CDT com a Tunísia, doravante), [que dispõe “(…) o primeiro Estado mencionado [o da residência] deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado [o da fonte]. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado [o da fonte(…)”] se sobrepõe em termos de hierarquia jurídica à alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º do CIRC (na redação à data dos factos[18]) e que estabelece uma restrição que a norma convencional (LDT) não consagra “(…)

À tese da requerente contrapõe a AT, em síntese, em relação ao momento de utilização do crédito de imposto, que “(…) para efeitos da eliminação da dupla tributação internacional de acordo com o método da imputação que se encontra consagrado na legislação interna e na generalidade da CDT celebradas por Portugal, a dedução do crédito de imposto tem necessariamente de ocorrer no exercício em que os rendimentos são incluídos na base/lucro tributável, até porque o montante desse crédito é determinado por comparação entre dois valores: o do imposto pago no estrangeiro e o da fracção do IRC correspondente aos rendimentos de fonte externa incluídos na base tributável.”

Contrapondo ainda relativamente à quantificação do crédito de imposto que “(…) nos comentários ao artigo 23º do Modelo da Convenção, é referido no parágrafo 63º que o crédito de imposto, consubstanciado numa dedução à coleta, é calculado tal qual o imposto sobre o rendimento [no caso, o IRC], ou seja, o imposto é apurado sobre um valor que resulta da diferença entre o rendimento bruto, obtido no Estado da fonte, e os custos suportados para a sua obtenção legalmente dedutíveis, mais precisamente e no texto do modelo de Convenção “menos as deduções autorizadas (…) conexas com tais rendimentos”. Dispõe o n.º 1 do art.º 23.º-B da Convenção Modelo que “(…) a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre o património, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento ou património que, consoante o caso, pode ser tributado nesse outro Estado”.”

 

Apreciando e decidindo:

Relativamente à questão da utilização do crédito de imposto no ano seguinte ao ano em que o rendimento foi incluído na matéria coletável, o n.º 1 do art.º 85.º do CIRC - Crédito de imposto por dupla tributação internacional (atual art.º 91) dispõe que “1 - A dedução a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 83.º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro (…)”.

Quer na legislação interna quer na generalidade das Convenções destinadas a evitar a dupla tributação (CDT), foi consagrado o chamado princípio da imputação e o método da imputação normal ou ordinária[19] [o Estado da residência concede uma dedução correspondente ao imposto pago no outro Estado, sendo esta dedução limitada à proporção do imposto calculado no Estado de residência respeitante aos rendimentos obtidos no outro Estado].

Assim é que a dedução do crédito de imposto tem necessariamente de ocorrer no exercício em que os rendimentos são incluídos na base /lucro tributável até por que o montante desse crédito é determinado por comparação entre dois valores: o do imposto pago no estrangeiro e o da fração do IRC correspondente aos rendimentos de fonte externa incluídos na base tributável.

No caso sub juditio e em substância, a divergência entre a Administração Tributária e o sujeito passivo radica na interpretação do artigo 22º da Convenção celebrada com República da Tunísia, o qual reproduz o texto do artigo 23.º do Modelo da Convenção.

Estatui o nº 1 do citado artigo 22.º: “Quando um residente de um Estado Contratante [Portugal] obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados no outro Estado Contratante [Tunísia], o primeiro Estado mencionado deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado.”

É este último parágrafo que vem  limitar a  dedução  à fracção  do  IRC que é

devido em Portugal pelos referidos rendimentos.

E o IRC devido no Estado de residência [Portugal] é calculado sobre um rendimento líquido, tendo em conta as regras de apuramento do lucro tributável previstas nos artigos 17.º e seguintes do Código do IRC.

Na verdade, nos Comentários ao artigo 23º do Modelo da Convenção, é referido no parágrafo 63 que o crédito de imposto, consubstanciado numa dedução à coleta, é calculado tal qual o imposto sobre o rendimento [no caso, o IRC], ou seja, o imposto é apurado sobre um valor que resulta da diferença entre o rendimento bruto, obtido no Estado da fonte, e os custos suportados para a sua obtenção legalmente dedutíveis, mais precisamente [e no texto do modelo de Convenção] “menos as deduções autorizadas (…) conexas com tais rendimentos”.

Dispõe o n.º 1 do art.º 23.º-B da Convenção Modelo que “(…) a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento ou do imposto sobre o património, calculado antes da dedução, correspondente ao rendimento ou património que, consoante o caso, pode ser tributado nesse outro Estado”.

Estando em causa uma Convenção celebrada entre Portugal e um país terceiro para Evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento, não pode deixar de atender-se ao disposto nos citados “Comentários à Convenção Modelo”, objeto de aprovação pelos Estados-Membros da OCDE - salvo reservas (que, no caso, quer Portugal quer a Tunísia não formularam)[20].

Estabelecem os citados Comentários relativamente ao art.º 23.º-B (método de imputação) da Convenção Modelo, parágrafo 63 - na redação já em vigor à data da celebração da CDT com a Tunísia que  “[“(…)a dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, sobre o rendimento do Estado E (ou S) menos as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com tais rendimentos (…). Por este motivo, a dedução máxima, em muitos casos, pode ser inferior ao imposto efetivamente pago no Estado E (ou S). Isto é particularmente verdade no caso, por exemplo, de um residente no Estado R que obtém juros do Estado S e que contraiu um empréstimo junto de uma terceira pessoa a fim de financiar o empréstimo gerador dos juros. Dado que os juros devidos sobre o empréstimo contraído podem ser deduzidos dos juros provenientes do Estado S, o montante do rendimento líquido sujeito a imposto no Estado R pode ser muito baixo, ou pode mesmo não haver rendimento líquido(…)]”

 Não subsistem assim dúvidas que o direito à dedução do Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional é apenas aplicável no período em que os rendimentos obtidos fora do território nacional e os correspondentes custos suportados foram reconhecidos na contabilidade, de acordo com o sobredito princípio da especialização dos exercícios.

Relativamente à quantificação do crédito de imposto entende-se e reafirma-se que o princípio do primado do direito internacional, regularmente ratificado, sobre as normas de direito interno (consagrado no n.º 2 do art.º 8.º da Constituição, e acolhido, no ordenamento fiscal, no n.º 1 do art.º 1.º da LGT) não foi violado uma vez que à data da introdução no Código do IRC pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, do conceito de “rendimentos líquidos” já se encontrava o referido conceito presente no art.º 23.º-B da Convenção Modelo, reproduzido na CDT com a Tunísia, conforme decorre dos comentários ao referido artigo 23º da Convenção Modelo, nomeadamente o parágrafo 63º [Cfr citada Convenção com a Tunísia, em vigor a partir de 21-8-2000 – Resolução da AR nº 33/2000 de 20-1-2000, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 20/2000, de 31 de março, com publicação (Aviso nº 203/2000) no DR – I/A nº 77, de 31 de março de 2000].

Não se antolha, por outro lado, qualquer fundamento relativamente à  alegação de que houve mudanças interpretativas da AT relativamente a esta matéria traduzidas na publicitação em 8 de fevereiro de 2011 da ficha doutrinária (informação vinculativa), com o seguinte teor [fls 17, do relatório]:

Diploma: Código do IRC

Artigo: 91.º

Assunto: Utilização do Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional

Processo: 3489/05 – Despacho de 15-10-2007, do Substituto Legal do Director-Geral

Conteúdo: O direito à dedução do Crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional

nasce no momento em que ocorre a inclusão do rendimento na base tributável,

nos termos do nº1 do art.º 91.º do CIRC, ou seja, no período em que os

rendimentos obtidos fora do território nacional e os correspondentes custos

suportados foram reconhecidos na contabilidade, de acordo com o princípio da

especialização dos exercícios, sendo que os rendimentos deverão ser incluídos

na base tributável pelo seu montante ilíquido, tal como resulta do disposto no

art.º 68.º do CIRC.

Ocorrendo o pagamento dos rendimentos e respectiva retenção na fonte em

exercício diferente daquele em que os rendimentos são registados na base

tributável, caso o mesmo seja efectuado ainda dentro do prazo de entrega da

respectiva declaração de rendimentos, deve o crédito de imposto ter lugar na

mesma. Caso contrário, deverá o sujeito passivo proceder à entrega de uma

declaração de substituição no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal,

nos termos do n.º2 do artigo 122.º do Código do IRC, ou, quando este prazo for

excedido, reclamar graciosamente da autoliquidação do(s) exercício(s) a que os

rendimentos dizem respeito.

 

            E, consequente e necessariamente, que tais mudanças interpretativas violem os princípios da justiça, da segurança jurídica (tutela da confiança), da irretroatividade da lei fiscal, da boa fé [arts 266º-2,da Constituição; 55º e 59º, da LGT e 6º e 6º-A, do CPA].

Improcederá assim, nesta parte, o pedido da requerente.

 

5ª Da indemnização por prejuízos resultantes da prestação da garantia [225 e ss., do req inicial].

A requerente prestou garantias bancárias (perfazendo um total de  263.094,35 Euro, em 6 de novembro de 2012 e 20 de novembro de 2012) destinadas a assegurar o pagamento e suspender a execução na parte ora impugnada, da liquidação adicional  a que se alude supra (nºs 2 e 3, dos factos provados) – Cfr Doc 5, junto com o requerimento inicial.

Apenas procederá a impugnação no que concerne à questão da violação do princípio da plena concorrência [preços de transferência].

De tal procedência resultará a eliminação da matéria coletável da importância de € 28.542,42.

Dispôe a LGT:

 Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Entendeu este Tribunal que a liquidação enferma, nesta parte, de erro imputável aos Serviços: o sujeito passivo obteve vencimento na impugnação e o fundamento da anulação não lhe é imputável.

É assim inaplicável, in casu, o prazo de 3 anos a que alude o nº 1, do citado artigo 53º, da LGT.

Sendo público e notório que pelo serviço de prestação de garantia bancária são pagos encargos/comissões aos Bancos em função, designadamente do risco, valor e prazo da garantia, há que concluir que, pese embora não ter sido alegado, a requerente suportou [e certamente continua a suportar] encargos pela manutenção das garantias.

Tendo prestado as garantias pelo valor total das liquidações objeto desta impugnação, juros, custas e demais acréscimos (Cfr artigo 199º-6, do CPPT) e tendo obtido vencimento parcial nesta ação [a liquidação deverá tomar em conta a redução em 28.542,42 Euro a matéria coletável] , aqueles encargos bancários teriam sido necessária e logicamente inferiores porquanto inferior seria o valor a garantir.

Ou seja: reconhecem-se reunidos os pressupostos que conferem à requerente direito a indemnização nos termos do citado artigo 53º, da LGT.

Certo que não foi concretizado o quantum indemnizatório.

Tal, porém, não teria obrigatoriamente de ser alegado porquanto quem exige indemnização não necessita de indicar a importância exata dos danos – Cfr artigo 569º, do C. Civil.

A liquidação da indemnização terá assim de se processar em sede de execução de julgado e tendo presente as limitações do seu quantum previstas no artigo 53º-3, da LGT.

 

III - DECISÃO

Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

a) Julgar procedente a impugnação relativamente ao pedido de eliminação da matéria coletável da importância de € 28.542,42 e consequente correção da liquidação;

 b)Julgar procedente, parcialmente, o pedido de indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação das garantias bancárias com desconsideração da eliminação da matéria coletável mencionada na alínea anterior;

c) Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de indemnização à requerente, nos termos e com os limites previstos no artigo 53º, da LGT e a liquidar em execução de julgado, decorrente da procedência do pedido a que aludem as alíneas anteriores e

d) Julgar totalmente improcedentes os demais pedidos.

 

 

  • Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 206.535,65.

 

  • Custas: Fixa-se o montante das custas em € 4.284,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento  a cargo de ambas as partes na proporção de 80% para a requerente e de 20% para a Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22º-4, do RJAT).

 

*

Lisboa e CAAD, 22 de agosto de 2013

 

Os Árbitros

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 

 

 

(João Cruz)

 

[Texto elaborado em computador – artigo 135º, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29º-1/e), do RJAT].

 



[1] B…

[2] A requerente registou contabilisticamente, como custos do exercício de 2009:

a)  Na conta 62236001 – Serviços de Consultoria” o valor de 63.148,25 euro relativo a serviços adquiridos à sociedade D..., no âmbito da representação do “Grupo A…” na gestão da sociedade de direito libanês E..., com participações detidas pela A e pela e

b) Na conta 62236003 – Serviços Jurídicos, o valor de 19.679,05, relativo a serviços adquiridos à sociedade … no âmbito do processo de aquisição da …, que se concretizou pela fusão desta sociedade na sociedade S…, SA, que é participada da A, SA (requerente) através da …– SGPS, Lda, detida pela …, SA em 50% do capital [cfr relatório da inspeção tributária – pp 10 e ss.].

Se bem entendemos o pedido arbitral e a sua fundamentação, esta matéria está fora do âmbito da impugnação [cfr supra, 3. (mapa das correções contestadas).

[3] Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial – Cfr Lei nº 40/2005, de 3 de agosto

 

[4] AA …, SA, deduziu no quadro 10 da declaração mod 22/IRC, campo 353, o valor total de 104.507,94 Euro a título de eliminação da dupla tributação internacional (artigo 85º, do CIRC), relativo ao imposto pago por retenção na fonte sobre rendimentos obtidos em países estrangeiros referentes a serviços de assistência técnica [cfr relatório – pg 38/60]

 

[5] Regime Fiscal de Apoio ao Investimento – Lei nº 10/2009, de 10 de março.

[6] Cfr Acs do TC nºs 453/97 e 170/03 e Acs do STJ (Uniformização de Jurisprudência) nº 4/2002 e da Rel do Porto de 6-3-1996 (Proc 9420434)

[7] O “direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provém, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração Tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte” Lima Guerreiro – LGT -  Anotada e Comentada.

 

[8] “(…)Os juros indemnizatórios constituem uma indemnização legalmente pré determinada onde o legislador ultrapassou as artificiosas distinções (em matéria fiscal) entre erro de direito e erro de facto, erro grosseiro e erro desculpável: uma vez que o que está em causa é um simples prejuízo por retenção indevida de uma certa quantia, os juros indemnizatórios rejeitam a noção de culpa como pressuposto de aplicação que tem inquinado a figura dos juros compensatórios (…)” [Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Ed Lex Lisboa, 1998 – pg 127].

 

[9] Note-se que o direito à  indemnização, nos termos gerais, preexiste em relação ao direito de indemnização concretizado nas leis tributárias. O artigo 43º, da LGT, ao reconhecer o direito a juros indemnizatórios não vem reconhecer um direito a indemnização que não existisse anteriormente como consequência de ato da AT lesivo dos direitos ou interesses do contribuinte. Trata-se antes de nova ou específica forma de concretização desse direito constitucional.

[10] Cfr. neste sentido, para além do aresto já citado,  os Acs. do STA nº 830/05, de 25-1-2006 e do TCAS nº 1551/06, de 28-3-2007.

 

[11] Cfr nota anterior.

[12] Cfr ainda. v. g.,  o Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 8/1996 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Setembro de 1996) e o  Acórdão do STA de 27 de Maio de 2009, Processo n.º 0308/08.

 

[13] A igualdade só deverá considerar-se violada se for arbitrário o tratamento considerado como desigual ou, em termos menos incisivos, se o tratamento desigual não for justificado nem razoável, designadamente  “(…)quando não se encontra um motivo racional que resulte da natureza dos casos ou, de qualquer modo, evidente para a diferenciação legal (…)” – Manuel Pires e Rita Calçada Pires, Direito Fiscal – 5ª Ed. / Almedina – 2012 (pg 128), citando Acórdão do Tribunal Constitucional da Alemanha.

[14] Segue-se aqui muito de perto, se não mesmo transcrevendo, um apontamento publicado mas cujo o autor e  fonte não nos foi possível identificar.

 

[15] Cf Ac do Trib Constitucional nº 252/2005

[16] Alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º do CIRC (atual art.º 91), onde se dispõe, como um dos dois limites ao crédito de imposto utilizável, o montante de IRC imputável aos rendimentos obtidos no estrangeiro, na qualidade de “(…) rendimentos líquidos dos custos ou perdas directa ou indirectamente suportados para a sua obtenção (…)”.

[17] No artigo 138.º do pedido de constituição de Tribunal Arbitral indica a requerente por lapso um valor parcial deste somatório de € 9.347,05, quando na realidade é 9.437,05 – cfr. p 42 do RIT Individual … .

[18] A que corresponde o artigo 91º, na redação atual do CIRC.

[19] Cfr Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, pp. 748 e ss..

[20] Neste sentido, veja-se Alberto Xavier, em “Direito Tributário Internacional”,  p. 118

 “(…) os tratados são fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, podendo ser invocados, como tal, perante os tribunais (princípio da eficácia directa e imediata); e que à interpretação dos seus preceitos são aplicáveis as regras de hermenêutica que vigoram quanto aos tratados”