Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 312/2016-T
Data da decisão: 2016-11-02  Selo  
Valor do pedido: € 12.656,60
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, contribuinte n.º…, residente na Rua …, n.º …-…, … (doravante designado por «requerente»), não concordando com a liquidação do IS (Verba 28) relativo ao ano de 2014 (liquidado em 2015), respeitante a um terreno para construção – inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, …, … e …, concelho de ..., distrito de Portalegre, sob o artigo … –, a que correspondem as notas de cobrança n.º 2015…, 2015 … e 2015…, apresentou a 7/6/2016 um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “anula[ção] [d]a [referida] liquidação [...], ordenando-se a restituição ao Impugnante de todas as quantias já pagas da dita liquidação, acrescidas dos juros legais”.

 

            1.2. A 29/8/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A 31/8/2016, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 28/9/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido do ora Requerente.

           

1.4. Por despacho de 26/10/2016, o Tribunal considerou, ao abrigo do art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e que processo estava pronto para decisão. Assim, o Tribunal fixou a prolação da decisão arbitral para 2/11/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem o Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “o Código do Imposto de Selo (CIS) não define o que se entende por «prédio habitacional» ou «por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação», antes remetendo para o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) quanto a esse aspecto (final da própria verba n.º 28.1 e n.º 2 do artigo 67.º do CIS)”; b) “no presente caso, está apenas em causa a primeira parte do n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, pois na aquisição do prédio, embora tenha sido declarado que o prédio adquirido era um terreno para construção [...], não só não existia qualquer preceito legal igual ao n.º 3 do artigo 6.º do CIMI, que, para efeitos fiscais, considerasse terrenos para construção os assim declarados na sua aquisição, como não se diz que o terreno em causa teria como finalidade a construção de edifício destinado à habitação”; c) “assim, do título aquisitivo nada se pode concluir quanto à natureza do prédio em causa, pelo que o mesmo será ou não será qualificado como terreno para construção destinado à habitação para efeitos fiscais apenas de acordo com os critérios da 1.ª parte do n.º 3 do artigo 6.º do CIMI”; d) “ora, citando o acórdão do STA de 22-5-2013, processo n.º 01146/12 ,«[...] o direito de urbanizar ou edificar só se consolida e se incorpora no património do proprietário do terreno quando for emitida a autorização ou licença para urbanizar ou edificar. Não é, pois, por mero efeito da aprovação do plano ou do requerimento para licenciamento que aquelas faculdades se patrimonializam em termos de revelarem diferente capacidade contributiva. Até à autorização ou licença para edificar o proprietário dispõe de meras expectativas jurídicas de vir a incorporar o direito no seu património. Só com a autorização ou licença é que o ius aedificandi se constitui e se transforma em direito patrimonial que aporta ao imóvel diferente valor. A moderna doutrina administrativa integra as licenças de construção nas ‘autorizações constitutivas de direitos’, defendendo que o direito só nasce com a autorização-licença concedida pela Administração municipal e recusando que o proprietário tenha um direito originário à construção (cfr. Rogério Soares, Direito Administrativo, pág. 116). Portanto, se é a licença de construção que constitui na esfera jurídica do proprietário o direito a edificar, então só a partir da sua emissão se poderá classificar o prédio como terreno para construção, pois só com esse acto se pode materializar diferente finalidade e diferente valor»”; e) “aos casos de licenciamento mencionados no citado acórdão, acrescentem-se as situações de admissão de comunicação prévia ou de emissão de informação prévia favorável que, com as alterações no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, têm actualmente um efeito semelhante”; f) “no presente caso, não foi concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção para o terreno em apreço, quanto ao qual foi liquidado o Imposto de Selo”; g) “como no caso do imposto de selo da verba 28.1 apenas são tributados os prédios ou terrenos para construção afectos à habitação, mas já não os afectos a comércio ou serviços, então, por maioria de razão, só com o respectivo licenciamento, autorização ou comunicação prévia (conforme o exigido por lei), é possível fazer incidir esse imposto sobre os destinados à habitação”; h) “terá forçosamente que se concluir que o imposto de selo previsto na verba 28.1 só poderá incidir sobre terrenos para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção para habitação, não bastando a mera previsão do seu potencial construtivo, designadamente para habitação, ao abrigo do plano director municipal ou em outros instrumentos do ordenamento do território”; i) “a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo é inconstitucional por violação do princípio da igualdade [...]. [...] não pode  deixar de ser dada razão ao requerente quando conclui que «(...) a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP porque: (i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontrem em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; (ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.»”; j) “a liquidação do Imposto de Selo, verba 28.1, relativo ao ano de 2014 (liquidado em 2015), quanto ao terreno do ora Impugnante é ilegal, devendo a respectiva liquidação ser anulada e, em consequência, restituída ao Impugnante a quantia já paga, no montante de €12.656,60 [...], pois, como consta da própria decisão da reclamação graciosa [...] já foi pago todo o imposto relativo à liquidação ilegal”.  

 

            2.2. Conclui o ora Requerente, em face do supra exposto, que “deve ser anulada a liquidação do Imposto de Selo (verba 28.1) relativa a 2014 (liquidada em 2015), respeitante ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, …, … e …, concelho de ..., distrito de Portalegre [...], ordenando-se a restituição ao Impugnante de todas as quantias já pagas ao abrigo da dita liquidação, acrescidas dos juros legais, condenando-se a AT nas custas do processo e na restituição ao Impugnante da taxa inicial.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “o que está aqui em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”; b) “não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2, do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”; c) “o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45.º, n.º 2, do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41.º do CIMI”; d) “em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção. Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação”; e) “na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é «lote de terreno para construção». Não podemos duvidar de que estamos face a ‘terreno para construção’, mais concretamente, perante lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito. Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são, sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional”; f) “é, pois, patente a afectação habitacional do imóvel. Note-se que o legislador não refere ‘prédios destinados a habitação’, tendo optado pela noção ‘afectação habitacional’, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI”; g) “muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção. Aliás, outra não foi a intenção do legislador, se atendermos a que na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, senão a de considerar em respeito pelo princípio da ‘equidade social na austeridade’ que no conceito ‘prédios urbanos’ se integram os ‘terrenos para construção’ com afectação habitacional. Prima facie, numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a requerente pretende dar-lhe, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à ‘unidade do sistema’, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CC”; h) “no caso sub judice o Requerente suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais. [...] na presente contenda não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional”; i) “ressalvando desde já que não compete à AT, no exercício das suas funções, competência, atribuições no exercício da sua actividade administrativa, tecer considerandos acerca da alegada inconstitucionalidade (mas inexistente) da norma ínsita na Verba 28.1 TGIS, atentos à sua plena vinculação à lei, não vemos que da mesma resulte a violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva”; j) “o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária. O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.”

 

            2.4. Conclui a AT, pelo exposto, que “deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, dada a legalidade da liquidação, aqui em apreciação, absolvendo-se a Autoridade Tributária do pedido, com as legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

i) A liquidação de imposto do selo (IS) ora em causa (vd. notas de cobrança n.º 2015…, 2015… e 2015…, todas pagas pelo Requerente), referente a 2014, foi efectuada ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), tendo incidido sobre um “terreno para construção” – inscrito como tal na matriz predial urbana da freguesia de…, …, … e…, concelho de ..., distrito de Portalegre, sob o art. … .

 

ii) O lote em causa foi sujeito a avaliação, nos termos do CIMI, tendo sido avaliado no valor patrimonial de €1.265.660,00, constando da respectiva ficha de avaliação a afectação a habitação, tendo sido dessa forma inscrito na respectiva matriz predial.

 

iii) Não concordando com a liquidação de IS supra referida, o Requerente apresentou reclamação graciosa da mesma. A 10/3/2016, foi notificado do total indeferimento da referida reclamação, mantendo-se a liquidação do IS ora em causa, no valor de €12.656,60.

 

iv) Inconformado com a referida decisão, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 7/6/2016.

 

3.2. Não se considera provada a efectiva potencialidade de edificação do “terreno para construção” acima descrito.

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos. O facto não provado (v. 3.2) baseia-se na ausência de prova documental que o sustente.

           

            IV – Do Direito

 

Decorre do exposto a invocação: 1) da inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, na redacção actual e, nomeadamente, da violação do princípio constitucional da igualdade; 2) da ilegalidade da liquidação quando, faltando efectiva concretização de expectativa/previsão de edificação para habitação, o IS é, ainda assim, aplicado; e 3) de juros indemnizatórios a pagar ao Requerente.

 

Vejamos, então.

 

1 e 2) Sendo certo que o Tribunal Arbitral não tem competência para aferir ou declarar a inconstitucionalidade de normas, também não é menos certo que o ora Requerente suscita, nos presentes autos, a “ilegalidade” da liquidação de IS em causa. Nessa medida, impõe-se, averiguar, antes de mais, se a referida liquidação está em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a AT: no caso destes autos, a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12.   

 

Assim, e em face do exposto, far-se-á eco, sem mais desenvolvimentos (mas com as necessárias adaptações), da análise de direito constante da DA n.º 467/2015-T, de 4/2/2016, na feitura da qual se participou como membro do respectivo júri colectivo (e ainda por se considerar que inexistem razões para, no caso dos autos, alterar o sentido daquela análise):

 

“A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração) constitui pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa, sendo que só excepcionalmente pode haver actividade administrativa directamente vinculada à Constituição[1].

 

Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os actos tributários de liquidação objecto do presente Pedido arbitral estão ou não em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

Como vimos, alega a ora Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo ora em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito [...].

 

Cumpre apreciar.

 

Para a resolução das questões acima elencadas, importa ter presente, antes do mais, a evolução e enquadramento da mencionada verba 28 da TGIS, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 [...].

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

 

«O conceito de ‘prédio (urbano) com afectação habitacional’ não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)». [...].

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, é que se mostrava necessário averiguar, fazendo uso de diversos elementos interpretativos, se, na ausência de referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da referida verba 28. E, por essa razão, o referido aresto prosseguiu, dizendo:

 

«[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu ‘espírito’, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza ‘mais poupadas’ no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de ‘prédios (urbanos) com afectação habitacional’, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: ‘O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros’ (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, ‘os prédios (urbanos) habitacionais’, em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades. [...].

 

Conclui-se, pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos ‘habitacionais’ e ‘terrenos para construção’, não podem estes ser considerados como ‘prédios com afectação habitacional’ para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.» [...].

 

Em síntese, daqui se depreende que, com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 (aplicável aos presentes autos, por se tratar de Imposto do Selo do ano de 2014), alargou-se, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais.” [Fim de citação.]

 

O excerto agora citado é suficientemente esclarecedor quanto à exclusão do âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, na sua redacção original, dos terrenos para construção. Estes não podem, à luz da referida redacção, ser considerados “prédios com afectação habitacional” para os efeitos do disposto na referida norma. Só com a nova redacção dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12, é que se passou a incluir, na incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais.

 

Note-se que, mesmo com a nova redacção, a falta de concretização de uma expectativa ou previsão de edificação para habitação (que é consensualmente admitido que não ocorreu no caso destes autos), o IS não deve aplicar-se automaticamente. Com efeito, como também se referiu na DA supra citada:

 

“A questão essencial que, [no contexto da nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise [...]. Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:

 

«No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].

 

[Os] requisitos acima citados [explicitam] quais as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS [...].

 

[Assim, é necessário,] em sede de prova, [juntar aos] autos [...] suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto prédios com projectos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as referidas comunicações prévias ou informações prévias favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI. 

 

Importa, ainda, salientar que, [ainda que os prédios em causa] estejam matricialmente inscritos como sendo «terrenos para construção», tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que o prédio tem uma edificação prevista.

 

Prova do que acabou de se dizer é o facto de, como também referem  ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), «os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [‘concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato’]».

 

Acrescentam os mesmos autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, em abono da sua posição, o seguinte: «Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior».

 

No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (em Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): «O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.»

 

Em síntese, afigura-se claro que, no caso que se vem tratando, a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da «afectação efectiva», para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).

 

Sem essa demonstração da «efectiva potencialidade de edificação» – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redacção do texto legal da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações em causa incorrem no erro invocado pela Requerente [...].» [Fim de citação.]

 

Em síntese: mesmo à luz da nova redacção da verba 28.1 da TGIS (que é aquela que é aqui aplicável), era necessária uma prova da “efectiva potencialidade de edificação” – a qual não foi aqui apresentada; e a mera inscrição dos prédios como “terrenos para construção” não é suficiente para justificar a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Em face do exposto, conclui-se que a liquidação de IS ora em causa viola o disposto na verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12.

 

3) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.

   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

 

Tendo havido, como decorre do que se concluiu a respeito do ponto 2), erro imputável aos serviços, tal determina a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao ora Requerente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação de Imposto do Selo aqui em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados.

            - Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do requerente.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €12.656,60 (doze mil seiscentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de Novembro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Para maiores desenvolvimentos sobre a vinculação da Administração à lei e à Constituição, cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa, Anotada. Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2014, pp. 798 ss..