Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr.ª Filipa Barros (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-07-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA., NIPC…, com sede na Rua…, n.º…, …, …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a anulação de liquidações de IVA referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012.
A Requerente pretende ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-05-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 29-06-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14-07-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 02-10-2016 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é sujeito passivo de IVA, enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, por opção, desde 01-01-1986;
b) Foi realizada uma inspecção à Requerente pela Direcção de Finanças do Porto, credenciada pelas ordens de inspecção nº OI2014…, OI2014… e OI2014…;
c) O procedimento inspectivo foi motivado pelo facto de, por análise do sistema VIES, ter sido apurado que a sociedade A…, Lda., com o NIF…, e a designação comercial “B…”, declarou transmissões intracomunitárias, nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, às seguintes sociedades sedeadas em Espanha: ES – … C…, SL, ES - …– D… SL e ES –… – E… SL – Cfr. RIT.
d) Nessa acção inspectiva foi elaborado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
e) A Requerente exerceu o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
f) Posteriormente, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
1.2 - Descrição sucinta das conclusões da acção inspectiva
Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Em sede de IVA, propostas correções ao imposto liquidado, relativo a operações sujeitas a imposto nos termos do art. 1º do CIVA pelos motivos referidos no capítulo III, nos seguintes montantes divididos pelos períodos seguintes:
(...)
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
III.1 - Sociedade(s) Espanhola(s)
Por forma a apurar a capacidade das sociedades sedeadas em Espanha de efetuar as operações constantes no VIES, e ao abrigo do Acordo de cooperação fronteiriço de intercâmbio directo de informação fiscal celebrado em 24/10/2006 entre as autoridades da República Portuguesa e o Reino de Espanha, foram solicitadas as seguintes informações, sobre estas entidades:
1. Todas as empresas portuguesas e espanholas têm como actividade o comércio de artigos têxteis (tecidos e vestuário).
2. Queiram informar quais os detentores de capital das referidas sociedades e os respectivos órgãos sociais.
3. Apurar se nos exercícios de 2009 a 2011 as empresas cumpriram as suas obrigações fiscais de declaração e pagamento e qual os volumes de negócios declarados por cada uma.
4. Sendo do nosso conhecimento e confirmado pela consulta no VIES as empresas em questão efectuaram entre si transações atingindo valores muito significativos, chegando aos milhões de Euros por ano. Assim e face ao declarado queiram-nos informar se as empresas têm estrutura, capacidade logística e recursos humanos para realizar as operações declaradas.
5. Recolher as facturas de suporte às transacções intracomunitárias efectuadas e respectivos documentos de transporte. Recolher igualmente os comprovativos dos recebimentos e pagamentos dessas transacções.
As autoridades espanholas, em resposta às informações solicitadas, informaram o seguinte relativamente a cada uma das entidades.
Retira-se do quadro e de outras informações prestadas pela administração fiscal espanhola que as empresas, nos anos de 2009 a 2011 têm vários pontos em comum, nomeadamente:
1) A morada é a mesma;
2) Não responderam às notificações efetuadas pela Administração Fiscal espanhola, tendo apenas a notificação efetuada à sociedade D…, SL, sido devolvida.
3) As empresas não eram conhecidas pelos seus vizinhos;
4) Apesar de desconhecidas na morada da sede e os indícios de inatividade, as obrigações fiscais, em 2 das empresas, eram parcialmente cumpridas. As informações enviadas por aquela Administração dizem ainda que, no que concerne ao cumprimento das obrigações fiscais que, quando se encontram consumadas apresentam valores negativos ou balanceados, de forma a dar origem a pagamento de imposto de montante reduzido, ou não dar origem a qualquer pagamento de imposto.
5) O cumprimento da formalidade de declarar para o sistema VIES as operações realizadas,
6) Os responsáveis (sócio/procurador), são comuns;
7) Não constam da base de dados daquela Administração Fiscal informação que as sociedades tenham empregados a quem tenham pago rendimentos.
III.2 - Indícios encontrados em outras empresas que declaram vendas para as sociedades espanholas
Foram propostos procedimentos inspetivos, a outras sociedades com sede na área territorial desta Direção de Finanças, credenciados por despacho externo para recolha de informação Algumas destas entidades foram objeto de visita externa para recolha da informação relativa a essas transações e algumas foram notificadas via postal para a apresentação das respetivas faturas de venda, documentos de transporte e meios de pagamento, assim como as respetivas notas de encomenda da mercadoria e pessoa de contacto das empresas espanholas. Os restantes fornecedores de outros Distritos foram também notificados para a exibição desses mesmos elementos.
Da análise dos elementos recolhidos e dos autos de declarações elaborados junto dos fornecedores, apuraram-se os seguintes factos relevantes:
1. Em relação à(s) pessoa(s) de contacto e meio de encomendas verificou-se que a quase totalidade das mesmas eram efetuadas pelas mesmas 2 pessoas. As encomendas eram efetuadas quer telefonicamente, quer por fax ou e-mail, para números nacionais.
2. Estas 2 pessoas, nos exercícios de 2010 e 2011 auferiram rendimentos pagos por entidades sedeadas em território nacional e inclusivamente por parte da sociedade identificada, nos documentos de transporte e em sede de auto de declarações, como transportadora dos bens para Espanha.
3. Em certas situações foi referido que as mesmas pessoas, em data anterior efetuavam as mesmas encomendas dos mesmos produtos mas a fatura era emitida em nome de outras sociedades portuguesas, sendo que a quando da nossa visita as mesmas encomendas voltaram a ser faturadas em nome dessas empresas.
4. Houve outras entidades que informaram que não eram efetuadas encomendas prévias, mas que o próprio motorista, que se identificava trabalhador da empresa transportadora, que se deslocava às suas instalações é que escolhia o produto, levando a quantidade suficiente para o dinheiro que levava para pagar. Esta situação do pagamento efetuado em dinheiro pelo motorista era recorrente em alguns fornecedores.
5. Um dos fornecedores circularizados afirmou que apesar das faturas serem emitidas a favor das empresas espanholas D…, SL e E…, Lda a mercadoria foi entregue pelas suas viaturas numa morada do Porto.
6. Da análise efetuada apurou-se que quando o transporte destas mercadorias não é efetuado em viaturas da empresa transportadora, F…, Lda, mas sim por outras entidades transportadoras, a mercadoria não é entregue em Espanha mas sim no Porto.
Estes factos indiciam que o transporte efetivo destas vendas de fornecedores das empresas espanholas não é para Espanha mas sim para o armazém geral e centro distribuidor localizado na cidade do Porto.
III.3 - Elementos recolhidos na sociedade A…, Lda
Dos elementos analisados, mais concretamente os documentos de transporte, foram encontradas algumas incongruências, tais como a capacidade de carga das viaturas indicadas no CMR ser substancialmente inferior ao peso da mercadoria transportada, veja-se a título de exemplo as faturas venda da sociedade A…, Lda, os CMR's e respetivos veículos indicados nos CMR's, que se encontram relacionados no quadro seguinte:
Questionada a sócia gerente sobre alguns aspetos sobre a relação entre a sociedade A…, Lda e as sociedades espanholas, mais concretamente se houve contactos diretamente com as empresas espanholas ou com algum trabalhador espanhol, disse que os contactos eram feitos apenas com as pessoas que efetuavam as encomendas, essencialmente por telefone. Estas eram (são) de nacionalidade portuguesa e como se referiu anteriormente auferiram rendimentos pagos por entidades sedeadas em território nacional e tinham o seu domicílio fiscal, em território nacional.
Sobre quem contactavam para receber o valor faturado, disse serem as mesmas pessoas que faziam as encomendas.
Conclusão
Atendendo a que:
1 - As empresas destinatárias dos bens não terem estrutura física nem pessoal ao seu serviço que permitisse exercer uma atividade comercial, industrial ou outra;
2 - Não serem conhecidas na morada da sede (comum a todas);
3 - Terem sócio/procurador comuns, entre elas,
4 - Ser prática comum as encomendas, entre as empresas que declararam Transmissões Intracomunitárias de Bens (TIB) e as sociedades espanholas, serem feitas por telefone, fax de números nacionais, pelas mesmas pessoas, com vínculo laboral com sociedades nacionais que lhe pagavam rendimentos de trabalho dependente.
Estas situações aliadas a outras referidas no ponto III.2, por si só, suficientes para por em causa a saída das mercadorias do território nacional, no entanto acresce ainda que:
5 - Foram encontrados documentos de transporte com divergências entre a capacidade de carga das viaturas, identificadas como tendo sido utilizadas no transporte da mercadoria vendida pela sociedade A…, Lda, e o peso da mercadoria transportada, isto é o peso dos bens transportados ser superior à capacidade de carga da viatura. Acresce ainda que se tratam maioritariamente de viaturas ligeiras de passageiros, sendo apenas uma delas de mercadorias.
Face ao exposto e à inexistência de outros elementos/factos que comprovem de forma inequívoca que os bens em causa saíram de Portugal, conclui-se que foram introduzidas ao consumo em território nacional e são, por isso consideradas transmissões de bens internas, sujeitas a imposto nos termos do art. 1º do CIVA.
As faturas de venda da sociedade A…, Lda para aquelas sociedades espanholas, que se encontram relacionadas no quadro em anexo ao presente documento, ascendem a:
Face ao exposto propõe-se as seguintes correções, em sede de IVA:
(...)
VIII - Direito de Audição
O Sujeito passivo foi notificado, através do nosso ofício …/… de 14/10/2014, para no prazo de 15 dias exercer o seu direito de audição ao abrigo do disposto no artigo 60º da LGT e 60º do RCPIT.
No âmbito do mesmo o S. P. vêm alegar o seguinte:
1º - Transparece do Projecto de Correcções do Relatório da Inspecção sob resposta que esta sociedade, aquando da contratação com as sociedades em causa, e, no decurso da mesma, agiu com leviandade, porventura cumplicidade.
2º - De facto, resulta daquele documento que as entidades adquirentes são sociedades "fantasma", sem instalações físicas ou recursos humanos próprios, agindo com o único propósito de simular transacções intracomunitárias e, desse modo, se furtarem à liquidação e pagamento do IVA.
3º- Como esta sociedade teve ocasião de referir, e ora vem reiterar, tais suspeições carecem de fundamento.
Em relação ao ponto 1 do direito de audição em nenhuma parte do projeto notificado ao S.P. foi aposta qualquer assunção de leviandade e cumplicidade do S.P. com a situação referida.
Relativamente à caraterização das sociedades espanholas, presentes no relatório, os factos apurados e descritos no ponto III 1, decorrem de informações recolhidas pela entidade fiscal espanhola e baseiam-se em factos concretos. Igualmente, no projeto também não foi apresentado qual o propósito por parte dos adquirentes da situação verificada, contrariamente ao alegado pelo S.P. no ponto 2º.
4º- Desde logo, porque, antes do início do relacionamento comercial que se viria a constituir, esta sociedade cuidou de validar através da consulta ao portal das finanças sobre transações intracomunitárias do Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES) Validação nº IVA, sempre resultou em número de IVA válido das entidades adquirentes, a que estaria naturalmente associada a existência legal das mesmas
5º - Depois, porque, mensalmente esta sociedade, preenchia e entregava a "Declaração Recapitulativa", nunca tendo ocorrido, como resultado do seu processamento, nenhum indício de irregularidade, por banda das adquirentes, isto porque, nomeadamente, estas entregavam, correlativamente, as referidas "Declarações Recapitulativas", junto do fisco Espanhol.
6º - Pelo contrário, estas sempre criaram a aparência e a certeza de que eram sociedades que desenvolviam a sua atividade num quadro de normalidade, estabilidade, cabendo sublinhar que, à semelhança do que se tornou habitual no comércio, as encomendas eram efetuadas por correio eletrónico.
Relativamente aos argumentos apresentados pelo S.P. nestes pontos cumpre-nos informar, conforme descrito no ponto III.1, que as sociedades espanholas foram legalmente constituídas em território Espanhol, e que neste cumpriam as suas obrigações legais declarativas face à Administração Fiscal local, com exceção da "C…, SL".
Assim, como indicado pelo SP no ponto 6º foi criada a "aparência" que estas sociedades exerciam a sua atividade num quadro de normalidade. No entanto esta normalidade era apenas formal porque em termos físicos e de capacidade humana, as entidades não tinham qualquer estrutura que permitisse o exercício da atividade declarada.
7º - Do mesmo modo que tais encomendas eram sempre recebidas por uma mesma colaboradora desta sociedade – G…- nada tinha de surpreendente ou insólito que aquelas encomendas fossem apresentadas por uma ou duas mesmas pessoas.
8º - De resto e como é fácil compreender, a partir do momento em esta sociedade - ou qualquer outra colocada nas mesmas circunstâncias - aceita o meio eletrónico como meio de comunicação ou vinculação - com todas as comodidades e desvantagens que lhe são inerentes - não pode, em seguida, pender-se a um nível de rigor formal e de exigências incompatíveis com esse meio de comunicação, como seja, a identidade de quem aparece a subscrever o correio eletrónico.
Nos pontos 7º e 8º o SP vem alegar que o meio usado para a colocação das encomendas, através de correio eletrónico é uma situação normal na atividade comercial e nada tinha de surpreendente e insólito que aquelas encomendas fossem apresentadas por uma ou duas pessoas. Em relação às pessoas que efetuavam as encomendas, para além do que já foi dito anteriormente, é de referir que a gerente do SP, quando questionada, declarou em sede de auto de declarações que efetivamente as encomendas eram efetuadas por duas pessoas, maioritariamente por telefone, sendo que uma delas era o elo de ligação anterior com outras empresas suas clientes com sede em território nacional. Todas as relações comerciais com as empresas espanholas, eram efetuados com as mesmas duas pessoas não havendo qualquer contato direto com as entidades sedeadas em Espanha. É ainda de salientar que o e-mail constante das encomendas apresentadas é @...com, sendo que esta pessoa foi referenciada como elo de ligação com clientes anteriores sedeados em Portugal, e que à data da colocação das encomendas auferiu rendimentos desta sociedade portuguesa ("H…") e inclusive da empresa transportadora. Não foi apurado qualquer vínculo laboral destas duas pessoas com as entidades espanholas.
9 º - Acresce que parte substancial dos pagamentos foram realizados por transferência bancária ou cheque, a partir de um banco Espanhol e conta domiciliada em Espanha, cujos pagamentos este nunca recusou.
No ponto 9º do direito de audição vem o S.P. afirmar que parte substancial dos pagamentos foi efetuada por transferência bancária ou cheque, a partir de um banco Espanhol. Relativamente a esta questão do pagamento, não foi apresentado qualquer documento que corrobore as afirmações proferidas. No entanto os pagamentos feitos com cheques espanhóis e transferências consideram-se mais uma via utilizada pelas sociedades espanholas, ou alguém por elas, de dar forma às Transmissões Intracomunitárias de Bens, sem qualquer substância.
11º - Defrontada com as iniciativas de inquérito em sede do presente relatório, no qual interveio, logo esta sociedade cuidou de indagar, junto das adquirentes, sobre a pertinência das suspeitas colocadas pela Administração Tributária, em resultado do que lhe foi esclarecido:
a) Que as adquirentes se encontravam registados nos competentes organismos espanhóis, designadamente na Conservatória do Registo Mercantil e na "Conservatória dei Traballo e Benestar".
b) As mesmas dispunham dos serviços e recursos humanos indispensáveis à atividade, como sejam, contabilidade (contratado a terceiros) e pessoal afetos às áreas comercial e logística.
c) Essas adquirentes, ainda, estavam registadas na Segurança Social Espanhola pagando mensalmente as quotizações devidas.
d) As mesmas dispunham de mapa de pessoal e de seguros contratados para acidentes de trabalho.
e) As adquirentes tiveram, ao longo do tempo, a sua sede instalada num Parque Industrial situado na Galiza, Espanha, em conformidade com as menções constantes da sua correspondência e dos seus registos administrativos.
Vem o SP, indicar no ponto 11º que indagou junto das entidades adquirentes e que recolheu várias evidências que foram descritas nas alíneas a) a e) desse mesmo ponto.
Não indicou quem contactou especificamente para a recolha desta informação, se foram as mesmas pessoas que habitualmente contactava, ou outras.
Os elementos constantes no ponto 11 não foram comprovados minimamente pelo S.P e argumentos apresentados são de certo modo vagos. Por exemplo indica que os adquirentes tiveram ao longo do tempo a sua sede num parque industrial situado na Galiza. Ora a Galiza é uma província de Espanha, geograficamente com uma área de relevância e que detêm bastantes Parques Industriais. Não foi indicado pelo menos em qual. Foi informado que a contabilidade era efetuada por terceiros e que tinha pessoal afeto às áreas comercial e logística. No entanto as entidades fiscais Espanholas não detetaram a inscrição de qualquer funcionário destas empresas, sendo que apenas pagaram rendimentos, de valor reduzido aos gerentes e um procurador.
12º - Resta dizer que esta sociedade desconhece, naturalmente, o caminho levado pelas mercadorias por si vendidas.
13º - Assim, e a este propósito, reiterará apenas que os "CMR" demonstram a efetiva saída daquelas mercadorias para fora do país. "A prova deverá ser feita através de documentos de suporte ao contrato de transporte realizado, ou seja, a CMR (declaração de Expedição Internacional, no transporte terrestre), e ou de outros documentos que sejam legalmente exigidos para o transporte das mercadorias em causa, bem como dos documentos que permitem ao transportador fazer prova junto do seu cliente da entrega efetuada".
Em termos de documentação e destino das mercadorias, nos pontos 12º e 13º e S.P. afirma não saber o caminho levado pelas mercadorias e que os CMR demonstram a efetiva saída das mercadorias do país.
Como foi indicado anteriormente, em termos formais a documentação foi corretamente elaborada, mas fisicamente as mercadorias não tiveram como destino a morada indicada nos mesmos CMR, devido à falta de instalações físicas nesse local das entidades adquirentes, associado a toda a incapacidade física do exercício da atividade.
Conclusão:
O SP, para além dos elementos apresentados anteriormente relativos às vendas para as entidades Espanholas, no direito de audição apresentou argumentos, que foram acima rebatidos, mas não apresentou qualquer elemento em termos documentais que corroborassem as alegações. Assim, tendo o SP apresentado o seu direito e audição tempestivamente e consagrado no artigo 60º da LGT e 60º do RCPIT, não apresentou qualquer facto que pudesse alterar as conclusões apuradas pela inspeção tributária, sendo que será de manter as correções propostas.
g) Na sequência da inspecção foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:
- Liquidação nº…, relativa ao período 1110;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1109;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1108;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1107;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1106;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1105;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1104;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1103;
- Liquidação nº …, relativa ao período 1102;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1101;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1012;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1011;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1010;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1009;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1008;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1007;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1006;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1005;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1004;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1003;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1111;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1112;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1201;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1202;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1203;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1204;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1205;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1206;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1207;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1208;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1209;
h) Em 16-04-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações;
i) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-01-2016, proferido pela Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, que manifesta concordância com um parecer cujo teor se dá como reproduzido em que se refere, além do mais o seguinte:
Da apreciação do pedido
O contribuinte Reclamante foi alvo de uma acção inspectiva interna levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto, relativamente aos anos de 2010, 2011 e 2012.
A referida inspecção incidiu sobre a análise e comprovação da transmissão de bens efectuada pelo sujeito passivo para país pertencente ao território da comunidade (Espanha), ao longo dos anos acima referidos.
Começa o Reclamante por sustentar que a decisão da Administração Tributária, assim como, as liquidações de IVA aqui em crise que lhe seguiram não se encontram fundamentadas, contrariando designadamente, o disposto no artigo 77º da Lei Geral Tributária (LGT) e 268º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
No entanto, não podemos concordar com o alegado. De facto, só podemos sustentar e defender que as liquidações foram validamente fundamentadas, porquanto da sua notificação resulta que as mesmas constituíram a consequência das correcções meramente aritméticas resultantes da acção inspectiva que foi realizada ao Reclamante para os anos em causa (2010 a 2012).
O próprio Reclamante reconhece na sua p.i., que as liquidações adicionais em sede de IVA para aqueles anos, se deveram ao facto de os SIT terem considerado que as transmissões de bens efectuadas pelo próprio não beneficiariam da isenção prevista no artigo 14º do RITI, dado que aquele não alcançou provar que as mercadorias saíram fisicamente do território nacional para outro Estado Membro, o que só demonstra que o mesmo, enquanto destinatário do acto, se apercebeu do itinerário cognoscitivo seguido pelo autor do acto.
Da leitura do RIT resulta que o quadro configurado a fls. 3 foi alterado em face do apresentado no projecto de relatório, uma vez que este último não se encontrava correcto.
No entanto, as liquidações adicionais de IVA aqui em crise resultam das conclusões a que se chegou no relatório final, o qual é elaborado após o exercício do direito de audição pelo contribuinte, nos termos do artigo 60º do RCPIT. O direito de audição existe como meio de defesa do contribuinte em face do que é alegado no projecto de relatório pelos SIT. Ou seja, serve como meio de o contribuinte contrariar os fundamentos do mesmo.
Ora, o reclamante exerceu o seu direito de audição, o que só significa que compreendeu devidamente o teor do projecto de relatório.
Neste seguimento, não podemos igualmente concordar com o Reclamante quando este alega que as liquidações adicionais de IVA resultaram de meras ilações, presunções e indícios. Isto porque, as conclusões a que os SIT chegaram e que por sua vez sustentam as liquidações de IVA em discussão, não se baseiam em qualquer presunção. Muito pelo contrário: dos elementos recolhidos na sede da sociedade reclamante aquando da acção inspectiva realizada, assim como, da informação solicitada às autoridades fiscais espanholas, resultaram indícios sérios e seguros de que as empresas destinatárias dos bens transmitidos pelo contribuinte não se encontravam dotadas de qualquer estrutura física, nem de pessoal ao seu serviço susceptíveis de as permitir exercer uma normal actividade comercial ou industrial. Para além disso, tais empresas não eram de todo conhecidas no local indicado como sendo a sua sede.
Quanto aos contactos efectuados com essas empresas (espanholas), foram os SIT informados que as encomendas eram efectuadas por telefone ou fax com números nacionais, por pessoas de nacionalidade portuguesa que auferiam rendimentos pagos por entidades com sede em território nacional e portanto, sem qualquer vínculo com as referidas empresas espanholas. Não tendo portanto, sido efectuado qualquer contacto directo entre o reclamante e as referenciadas clientes espanholas.
Ora, em face do exposto, não vemos aqui qualquer presunção efectuada pelos SIT. Assim, por estas razões, foram as transmissões de bens efectuadas pelo reclamante consideradas pelos SIT como transmissões de bens internas sujeitas a imposto (IVA), nos termos do artigo 1º do CIVA, razão pela qual, só podemos defender que a decisão da Administração Tributária se encontra devidamente fundamentada, tendo começado pela descrição dos pressupostos de facto para depois concluir pelos de direito, como assim fez.
De facto, para que tais transmissões beneficiassem da isenção prevista no artigo 14º n.º 1 al. a) do RITI, necessário seria que estivessem preenchidos cumulativamente todos os seus requisitos. Ora, prescreve o referido artigo o seguinte: "Estão isentas do imposto... As transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens." (sublinhado nosso).
Entende-se por sujeito passivo nos termos do artigo 2º n.º 1 al. a) do RITI, as pessoas singulares ou colectivas consideradas como tal nos termos do artigo 2º n.º 1 al. a) do CIVA, que realizem transmissões de bens ou prestações de serviços que conferem direito à dedução total ou parcial do imposto.
Assim, para que estas transmissões sejam consideradas isentas de IVA no Estado de origem, é necessário nos termos do artigo supra, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos legais:
- que a transmissão tenha sido efectuada com carácter oneroso;
- o vendedor tem que ser um sujeito passivo nos termos do artigo 2º n.º 1 al. a) do RITI;
- os bens têm que ser expedidos ou transportados a partir de Portugal (Estado de origem) pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino a outro Estado membro (Estado de destino);
- o adquirente ser uma pessoa singular ou colectiva que utilizou, para efectuar a aquisição, o número de identificação válido para efeitos do IVA atribuído pelo Estado membro de chegada dos bens e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
Sucede que, o Reclamante, não conseguiu provar o circuito físico, ou seja, a saída dos bens do território nacional para outro Estado Membro, no caso, Espanha.
É que não obstante ter apresentado os devidos CMR's, tal só demonstra que formalmente a documentação utilizada foi a correcta, mas já não comprova que as mercadorias tiveram de facto como destino a morada constante dos referidos documentos. Isto porque, resulta claro a falta de instalações das empresas clientes do reclamante, assim como, a sua total incapacidade física para um exercício normal da actividade comercial ou industrial.
Relativamente ao invocado pelo Reclamante de que nunca poderia a vendedora, per si, adivinhar o destino que seria dado aos bens, quando foram as próprias empresas compradoras que lhe asseguraram que os bens se destinavam a Espanha, não podemos no que toca a este aspecto, aceitar o argumento por aquele invocado. Isto porque, por força da Informação Vinculativa n.º 2475 de 29/09/2011, a verificação das condições com vista à aplicação da isenção do artigo 14º n.º 1 al. a) do RITI, mencionada em determinada transacção, incumbe ao sujeito passivo vendedor, o qual deve ser capaz de comprovar todos os elementos exigidos no referenciado artigo 14º, designadamente, o transporte de bens para outro Estado Membro, sob pena de a operação ser considerada localizada em território nacional e, como tal, sujeita a imposto (lVA).
Assim, não tendo o sujeito passivo vendedor conseguido comprovar a saída dos bens alienados para o Estado Membro de destino, as transacções em causa foram consideradas pelos SIT como operações internas e, com tal, sujeitas a imposto e dele não isentas.
Assim, pelas razões supra apontadas, não tendo o contribuinte provado a saída física dos bens do Estado de origem (Portugal) para o Estado de destino (Espanha), quer em sede de acção inspectiva, quer em sede de reclamação graciosa, é de indeferir o pedido, devendo portanto, as transacções ser objecto de liquidação de IVA pelo seu fornecedor no Estado de origem.
j) Todos os transportes de mercadorias vendidas pela Requerente às referidas sociedades espanholas foram efectuados pela empresa F… declarações de I…, sócia gerente da Requerente, que constam do processo administrativo e documentos n.ºs 50 a 231 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
k) A Requerente constitui uma hipoteca destinada a obter suspensão da execução fiscal instaurada para cobrança das quantias liquidadas (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas.
Não se provou que as mercadorias vendidas pela Requerente a sociedades espanholas tenham saído de Portugal, na totalidade, nem se provou as mercadorias referidas ou parte delas não tivessem saído do País.
No Relatório da Inspecção Tributária refere-se que «da análise efetuada apurou-se que quando o transporte destas mercadorias não é efetuado em viaturas da empresa transportadora, F…, Lda, mas sim por outras entidades transportadoras, a mercadoria não é entregue em Espanha mas sim no Porto».
Mas, a única referência que se encontra no Relatório da Inspecção Tributária a estas hipotéticas entregas no Porto, é uma informação de «um dos fornecedores circularizados», que terá afirmado «afirmou que apesar das faturas serem emitidas a favor das empresas espanholas D… , SL e E…, Lda a mercadoria foi entregue pelas suas viaturas numa morada do Porto».
Não está, porém, identificado o invocado fornecedor circularizado, pelo que não é possível aferir da sua credibilidade nem dar relevância a depoimentos não sujeitos ao princípio do contraditório, essencial no princípio do processo equitativo, imposto pelo artigo 20.º, n.º 4, da CRP..
Também não se encontram nos autos os hipotéticos elementos probatórios que terão levado a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que «da análise efetuada apurou-se que quando o transporte destas mercadorias não é efetuado em viaturas da empresa transportadora, F…, Lda, mas sim por outras entidades transportadoras, a mercadoria não é entregue em Espanha mas sim no Porto».
Por outro lado, mesmo que esses factos tenham sido apurados noutros processos inspectivos, em relação a outras empresas, não se pode daí concluir que o mesmo se tenha passado com a Requerente.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e, posteriormente, em requerimento de 21-11-2016.
Quanto ao transporte das mercadorias para as sociedades espanholas referidas ter sido efectuado pela empresa F…, para além dos documentos n.ºs 50 a 231 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e das declarações da sócia gerente da Requerente, constata-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contraria a afirmação nesse sentido que a Requerente faz no artigo 86.º do pedido de pronúncia arbitral.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção relativa aos anos de 2010, 2011 e 2012, em que concluiu, em suma, que, apesar de a Requerente, em termos formais, ter a documentação relativa à exportação de mercadorias «correctamente elaborada», «fisicamente as mercadorias não tiveram como destino a morada indicada nos mesmos CMR, devido à falta de instalações físicas nesse local das entidades adquirentes, associado a toda a incapacidade física do exercício da actividade».
Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a Requerente não podia beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 14.º do RIT, pelo que considerou que as mercadorias em causa permaneceram em território nacional e procedeu a liquidações adicionais.
A Requerente imputa às liquidações impugnadas vícios de falta de fundamentação, errónea qualificação do facto tributário e violação do princípio da proporcionalidade quanto à imposição do ónus da prova.
3.1. Vício de falta de fundamentação
Sob a designação da «falta de fundamentação», a Requerente invoca, em suma,
– a não compreensão do quadro que consta da sua folha 3 do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária (artigo 13 do pedido de pronúncia arbitral), o que se reconduz a vício de falta de fundamentação;
– A Requerente não consegue descortinar a que valores patrimoniais tributários se reportam as liquidações aqui em apreço;
– o prejuízo que os erros desse quadro resultaram para o seu direito de defesa (artigos 19.º a 22.º do pedido de pronúncia arbitral), o que se reconduz a vício relativo ao direito de audiência prévia;
– violação do princípio da verdade material por não serem concretizados factos que justifiquem as liquidações adicionais (artigos 27.º a 36.º do pedido de pronúncia arbitral).
3.1.1. Erro no Projecto de Relatório da Inspecção Tributária
Constata-se que o quadro de fls. 3 do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária contém valores que são completamente diferentes dos que foram referidos na versão final do Relatório da Inspecção Tributária.
Como explicação para a substituição refere-se na versão final do Relatório da Inspecção Tributária que «este quadro foi alterado face ao apresentado no projeto de relatório visto o primeiro estar errado».
De qualquer forma, tendo aquele quadro sido substituído na versão final do Relatório da Inspecção Tributária e a Requerente não manifesta dúvidas quanto à correspondência dos valores indicados à sua contabilidade ou a inteligibilidade deste último.
A fundamentação legalmente exigida pelo artigo 77.º, n.º 1, da LGT, reporta-se à «decisão do procedimento» e não aos actos preparatórios, pelo que a deficiência de fundamentação de um acto preparatório não basta para concluir pela existência de vício de falta de fundamentação, se a deficiência não for mantida na decisão final.
3.1.2. Prejuízo do exercício do direito de audição prévia
Por outro lado, se é certo que a indicação de valores errados no Projecto de Relatório da Inspecção Tributária poderia afectar o adequado exercício do direito de audição, também o é que no caso em apreço, apesar do erro do quadro que foi apresentado no Projecto do Relatório da Inspecção Tributária, a Requerente ao exercer esse direito não lhe fez qualquer referência, apesar de os valores serem errados e mais lesivos que os correctos, o que indicia que a Requerente não prestou atenção ao quadro referido, pelo que não pode concluir que a inclusão daquele quadro errado tenha prejudicado o exercício do direito de audição.
3.1.3. Não concretização dos factos em que assentam as liquidações adicionais
A Requerente falta em violação do princípio da verdade material, por não serem concretizados factos que justifiquem as liquidações adicionais, a forma como a Requerente equaciona coloca a questão não permite considerar que seja violado esse princípio. Na verdade, aquele princípio tem a ver com a realização das diligências que se afigurem úteis para a descoberta da verdade e não com a indicação das razões que justifiquem os factos considerados provados.
Mas, a não concretização dos factos que justifiquem as liquidações poderá constituir vício de falta de fundamentação, pelo que é desta perspectiva que deve ser apreciada a invocação deste vício, em sintonia, aliás, com a designação global que a Requerente dá a este conjunto de vícios.
A exigência de fundamentação de actos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Especialmente para a fundamentação dos actos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária» e que «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [1] )
No caso em apreço, estão subjacentes às liquidações impugnadas múltiplas transacções efectuadas no decurso de três anos, e a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou uma fundamentação global para concluir que a Requerente não fez prova de que as mercadorias saíram de Portugal: a Autoridade Tributária e Aduaneira formulou esta conclusão porque, em suma, os contactos da Requerente com as referidas empresas, para efeitos de encomendas e recebimentos, foram feitos apenas com pessoas de nacionalidade portuguesa auferiram rendimentos pagos por entidades sedeadas em território nacional e tinham o seu domicílio fiscal, em território nacional.
Assim, são perceptíveis as razões que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a concluir que não foi feita prova de que as mercadorias saíram de Portugal.
Saber se essa conclusão se justifica ou não, se tem ou não correspondência com a realidade, é questão que não tem a ver com a suficiência de fundamentação, mas sim com o suporte fáctico dos actos de liquidação.
Assim, improcede o vício de falta de fundamentação.
3.2. Errónea qualificação do facto tributário
Alega ainda a Requerente, em suma,
– que não sabia nem estava em condições de saber se havia fraude na cadeia de transmissões, a jusante ou a montante, e que cumpriu tudo o que lhe era exigido, estando de boa-fé, não lhe podendo ser assacada nenhuma responsabilidade por factos supervenientes, que terão tido lugar na esfera dos adquirentes;
– sob pena de violação do princípio da proporcionalidade, a AT não se encontra legitimada a sobrecarregar o ónus do prova que incumbe aos sujeitos passivos que efectuam transacções intracomunitárias de bens, não sendo exigível que ao transmitente que produza mais prova do que aquela que razoavelmente se encontra ao seu alcance no âmbito de uma transacção comercial típica.
– o facto de a Requerente não ter negociado directamente com os compradores, mas sim com intermediários, em nada afecto a normalidade das transacções;
– é irrelevante para efeito da isenção revista no artigo 14.º, n.º 1, do RIT a forma de pagamento utilizada;
– a Requerente comprovou que as empresa espanholas estavam registadas no VIES, pelo que concluiu que existiam;
– a Requerente preencheu as declarações recapitulativas, nunca tendo ocorrido qualquer indício de irregularidade;
– a Requerente cumpriu todas as suas obrigações e não tinha razões para duvidar de qualquer anormalidade;
– a prova da expedição pode ser efectuada por qualquer meio, designadamente a declaração de expedição por transporte rodoviário (CMR), que a Requerente apresentou;
– não se justificam a conclusão retirada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a falta de capacidade de carga de viaturas que refere;
– os elementos em questão não têm a mínima consistência porá fundar uma dúvida razoável acerca das transacções a que se reportam;
– o transporte das mercadorias sempre ficou a cargo do adquirente, nunca tendo a Requerente contratado com qualquer empreso de transportes, nem teve qualquer voz na selecção dos veículos transportadores, pelo que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade peio meio de transporte das mercadorias usado, uma vez que, cumprindo tudo o que lhe era legalmente imposto, se limitou a produzir, facturar, vender e enviar para o destino que sempre lhe foi indicado;
– esta questão da transportadora resulta, tão só, de "indícios encontrados em outras empresas que declaram vendas para as sociedades espanholas" mas, como afirma o relatório final, só as mercadorias transportadas por outras empresas, que não a F…, Lda. é que nunca chegaram a sair do Porto;
– e todas as mercadorias comercializadas pela Requerente foram transportadas pela F…;
– não pode ser imputada à Requerente .
Como se vê, o vício que a Requerente imputa às liquidações impugnada não se reporta à qualificação do facto tributário, mas sim, essencialmente, à verificação dos pressupostos de facto em que assentou o Relatório da Inspecção Tributária e as liquidações subsequentes.
A Requerente tem razão quando afirma a incongruência e erro fáctico dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para concluir que as mercadorias que vendeu às sociedades C…, SL, D…. SL e E…, SL forma entregues no Porto.
Na verdade, como se disse a propósito da matéria de facto, não se pode considerar provado que alguma das mercadorias vendidas pela Requerente a estas empresas tenha sido entregue no Porto, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu pelo que terá apurado noutra inspecção a uma empresa não identificada. O que eventualmente conste de outro processo inspectivo poderá fazer prova nesse processo, mas, obviamente, não tem relevância probatória no presente, a que não foram sequer juntos os elementos probatórios hipoteticamente existentes nesse outro processo inspectivo, pois a tal é obstáculo o princípio do contraditório, cuja observância e obrigatória por força do disposto no artigo 16.º, alínea a), do RJAT, que é um afloramento da regra constitucional do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).
Por outro lado, a própria posição da Autoridade Tributária e Aduaneira é contraditória, pois com base nesse outro processo inspectivo terá concluído «que quando o transporte destas mercadorias não é efetuado em viaturas da empresa transportadora, F…, Lda, mas sim por outras entidades transportadoras, a mercadoria não é entregue em Espanha mas sim no Porto» e, no caso em apreço, os transportes que estão documentados nos autos foram realizados por esta empresa transportadora.
Por isso, em congruência, com o juízo probatório efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, deveria ter concluído que as mercadorias vendidas pela Requerente, transportadas pela F…, se incluem entre aquelas que não foram entregues no Porto.
Pelo exposto, tem de se concluir que as liquidações impugnadas têm subjacente um erro sobre os pressupostos de facto, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira partiu do pressuposto de que as mercadorias foram entregues no Porto e a prova produzida, designadamente os CMR relativos a transportes efectuados pela F…, demonstram o contrário.
Este erro justifica a anulação das liquidações impugnadas (artigo 135.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, vigente quando foram emitidas as liquidações).
4. Juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida
A Requerente pede juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
O direito a juros indemnizatórios é reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1, da LGT e concretizado da forma prevista no artigo 61.º do CPPT, nos casos em que ocorra «pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, não está provado que a Requerente tenha pago as quantias liquidadas, pelo que, à face do que consta do processo, não há fundamento para reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
Por outro lado, não há nas leis tributárias qualquer suporte normativo para a atribuição de juros indemnizatórios nos casos de indemnização por garantia indevida. Como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo «o direito a indemnização por prestação indevida de garantia não comporta, em situação alguma, o direito a juros indemnizatórios e/ou de mora, nos termos dos artigos 43.º e 102.º da LGT, cingindo-se, tão somente, ao valor correspondente aos encargos efectivamente suportados com a prestação da mesma, ainda assim com o limite previsto no n.º 3 do supracitado artigo 53.º da LGT». ( [2] )
Por isso, tem de se julgar improcedente o pedido de pagamento de juros, sem prejuízo de ele poder ser reconhecido em execução de julgado, se se comprovar o pagamento.
A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida, por ter constituído uma hipoteca tendo em vista suspender a execução fiscal instaurada para cobrança das quantias liquidadas.
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 52.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.
Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis neste sentido nos termos do artigo 2.º, alínea d) da LGT].
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular as seguintes liquidações:
- Liquidação nº…, relativa ao período 1110;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1109;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1108;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1107;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1106;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1105;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1104;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1103;
- Liquidação nº …, relativa ao período 1102;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1101;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1012;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1011;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1010;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1009;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1008;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1007;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1006;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1005;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1004;
- Liquidação nº…, relativa ao período 1003;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1111;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1112;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1201;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1202;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1203;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1204;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1205;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1206;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1207;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1208;
- Liquidação nº 2014 …, relativa ao período 1209;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização pela garantia prestada que for liquidada em execução do presente acórdão.
d) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, sem prejuízo do que vier a ser reconhecido em processo de execução de julgado.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 76.211,2790.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 24-11-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(José Nunes Barata)
(Filipa Barros)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.
[2]Acórdão de 30-3-2011, processo n.º 013/11, para cuja fundamentação se remete.
No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, processo n.º 0513/06; de 4-6-2008, processo n.º 023/08; e de 10-11-2010, processo n.º 0489/10.