DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
1. No dia 12 de junho de 2015, A..., NIF..., residente na Rua..., n.º..., 2.º andar, Lisboa (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 8.287,50, e de Imposto do Selo, no valor de € 816,00, com referência à fração autónoma designada pelas letras “HM” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal identificado por “M...”, sito na..., ..., Portimão, inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Portimão, cujo direito de superfície foi adquirido pela Requerente.
A Requerente juntou 3 (três) documentos, não tendo arrolado testemunhas, nem requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
1.1. No essencial e em breve síntese, a Requerente alegou o seguinte (que mencionamos maioritariamente por transcrição):
- A requerente adquiriu, por escritura celebrada em 05 de Janeiro de 2010 e pelo preço de € 127.500,00, o direito de superfície da fração autónoma designada pelas letras “HM”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal identificado por M..., sito na..., ..., inscrita sob o artigo matricial n.º ...HM, da matriz predial urbana da freguesia e concelho de Portimão;
- Ao empreendimento em que se integra a fração autónoma cujo direito de superfície foi adquirido pela ora requerente foi atribuída a utilidade turística a título prévio, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, conforme despacho do Ministro do Turismo publicado no Diário da República, n.º..., III Série, de .../.../2004;
- As consequências tributárias decorrentes da qualificação atribuída ao empreendimento em causa foram reconhecidas pela administração fiscal que, na sequência do pedido de liquidação prévia apresentado pela ora impugnante declarou, em 23/12/2009, ao abrigo do artigo 20.º do DL 423/83, de 5 de Dezembro, a isenção do IMT e a redução do Imposto de Selo (verba 1.1) a um quinto;
- A Autoridade Tributária mudou de ideias e, por despacho sem data da Exma. Sra. Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, comunicado através do ofício n.º..., de 2015-02-18, revogou a isenção e redução que tinha reconhecido na liquidação n.º .../2009 e notificou a requerente para proceder ao pagamento da liquidação adicional de € 8.287,50 de IMT e € 816,00 de Imposto de Selo;
- Na sequência da notificação, a requerente procedeu ao pagamento das referidas quantias de € 8.287,50 e € 816,00 em 17/03/2015;
- A informação sobre a qual foi proferido o despacho que deu origem à liquidação adicional impugnada, depois de reconhecer que os benefícios fiscais anulados tinham sido atribuídos na liquidação inicial em 23/12/2009 porque “se tratava de uma aquisição com a qualificação de utilidade turística”, entende agora “que aquele benefício foi indevidamente concedido”, sendo que a razão da mudança de entendimento se deve ao facto de ter constatado que o “benefício fiscal visa abranger a construção/criação de estabelecimentos para fomento da utilidade turística e não a aquisição de frações mesmo que integradas em empreendimentos com atribuição de utilidade turística”;
- O despacho de revogação dos benefícios fiscais reconhecidos pela liquidação de 23/12/2009 foi proferido em 18 de Fevereiro de 2015, por ser esta a data da informação n.º ... e do ofício n.º ... do SF de Portimão, pelo que entre a data do despacho de revogação que originou a liquidação impugnada e a data do despacho de reconhecimento dos benefícios fiscais de isenção de IMT e redução a um quinto do Imposto do Selo, referentes à transmissão da sobredita fração autónoma, decorreram mais de cinco anos;
- Os atos tributários podem ser revogados nos prazos da sua revisão (v. artigo 79.º da Lei Geral Tributária), contudo, uma vez que a LGT não estabelece o regime da revogação dos atos tributários, deve aplicar-se subsidiariamente, conforme previsto no artigo 2.º da mesma Lei, o disposto nos artigos 138.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (versão em vigor até à publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que aprovou o novo CPA);
- Face às referidas disposições legais, mormente à alínea b) do n.º 1 em conjugação com a alínea a) do n.º 2 do artigo 140.º, os atos administrativos válidos não são livremente revogáveis quando, como é o caso, “forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos” e não estejam em causa atos que tenham sido “desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários”;
- Mesmo que se considerasse que o ato da liquidação de 23/12/2009 era um ato inválido – vício que o despacho de revogação de 18 de Fevereiro de 2015 nem sequer invocou – esse ato só poderia ser revogado com fundamento na sua invalidade e “dentro do prazo do respetivo recurso contencioso” (cfr. artigo 141.º do CPA);
- Prazo que há muito estaria excedido considerando-se prazo de “recurso contencioso” o previsto no artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ou o que se encontra fixado no artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
- Mesmo para quem defenda que o prazo previsto no artigo 141.º do CPA para revogação de atos inválidos não deve ser o aí previsto mas sim o prazo mais largo previsto no artigo 78.º da LGT, ainda assim não estão reunidos os pressupostos para operar a revisão com base nesta disposição legal;
- A mudança de entendimento entre 2009 e 2015 com que na informação e despacho acima citados se sustentou o lançamento da liquidação impugnada nem sequer permitiria invocar o prazo de quatro anos – de resto já largamente excedido – previsto no n.º 1 do citado artigo 78.º para, com base em “erro imputável aos serviços”, sustentar a revisão da liquidação de 23/12/2009;
- Mesmo que se considerasse que na liquidação de 23/12/2009 se cometeu um erro de facto ou de direito – facto que repete-se não foi invocado pelo despacho que sustentou a liquidação impugnada – de que tivesse resultado prejuízo para o Estado, ainda assim, por imperativo da norma especial prevista no n.º 3 do artigo 31.º do Código do IMT (também aplicável ao Imposto do Selo), a liquidação adicional “só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir (…)”;
- Por último, cumpre rejeitar a invocação constante no final da informação n.º..., sobre a qual foi proferido o despacho que fundamentou a liquidação impugnada, de que esta liquidação foi efetuada no prazo geral de 8 anos previsto no artigo 35.º do CIMT, porquanto a isenção de IMT (e redução do Imposto do Selo) não estava subordinada a qualquer condição futura nem ficou limitada a qualquer prazo para que, após a verificação dessa condição ou após o decurso do prazo, pudesse então contar-se o referido prazo de 8 anos para operar a liquidação.
A Requerente remata o seu articulado inicial peticionando «a anulação da liquidação adicional de IMT e Imposto de Selo, respetivamente nas quantias de € 8.287,50 e € 816,00, pagas em 17/03/2015, bem como a condenação da Autoridade Tributária na liquidação de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até àquela em que for processado o competente título de anulação».
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 25 de junho de 2015.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 14 de agosto de 2015, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 31 de agosto de 2015.
6. No dia 29 de setembro de 2015, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual, para além de deduzir matéria de exceção, impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente e concluiu pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.
Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).
6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta (que mencionamos maioritariamente por transcrição):
A Requerida começa por suscitar uma questão inicial para dizer que a liquidação de Imposto do Selo em causa foi entretanto alvo de anulação por parte da AT, pelo que apenas haverá que discutir a legalidade da liquidação de IMT, devendo o valor do processo ser reduzido em conformidade.
Seguidamente, a Requerida invoca a exceção de erro na forma de processo (impropriedade do meio processual), alinhando para tal a seguinte argumentação:
- Toda a causa de pedir em que assenta o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente centra-se na pretensa ilegalidade do ato de revogação do benefício fiscal;
- A Requerente não suscita uma questão que seja relacionada com a legalidade de um ato tributário, maxime a liquidação de IMT;
- Toda a construção dos artigos 10.º a 25.º da p.i. prende-se única e exclusivamente com questões relacionadas com a legalidade de um ato em matéria tributária (maxime, o despacho de revogação do benefício fiscal);
- A Requerente pretende que o Tribunal Arbitral Singular profira uma decisão no sentido do reconhecimento da isenção de IMT de que se arroga merecer;
- À luz desta pretensão é a Ação Administrativa Especial que configura o meio processual adequado para efetuar a apreciação da matéria (pois que aquela constitui o meio de reação destinado a apreciar atos em matéria tributária – artigo 97.º, n.º 2, do CPPT) e não o pedido de pronúncia arbitral (pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários – artigo 2.º, n.º 1, do RJAT);
- O Tribunal Arbitral deve abster-se de conhecer do pedido, uma vez que o meio processual utilizado pela Requerente não comporta a apreciação daquele.
Sequentemente, a Requerida invoca a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, esgrimindo a seguinte argumentação:
- Em decorrência direta da exceção anteriormente suscitada, importa igualmente suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei;
- À luz do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, sob pena de violação da lei, sendo que essas questões constituem matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.
Posteriormente, a Requerida entra na defesa por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:
- A Requerente não suscita uma questão que seja relacionada com a legalidade da liquidação de IMT, antes levantando única e exclusivamente com questões relacionadas com a legalidade do despacho de revogação do benefício fiscal;
- A Requerente adquiriu em 05/01/2010 o direito de superfície de uma fração autónoma integrada num empreendimento que já àquela altura encontrava instalado e cuja utilidade turística foi reconhecida a 19/10/2004, ou seja, no momento da aquisição o empreendimento já estava instalado donde facilmente se conclui que a Requerente adquiriu a respetiva fração tendo em vista não a instalação, mas sim a exploração;
- Decorre do artigo 47.º do EBF que o reconhecimento da isenção ali prevista está condicionada à apresentação de um requerimento dentro de um certo prazo de tempo, prazo esse que não pode ser dissociado, tendo em conta a normal ocorrência dos acontecimentos, da instalação do empreendimento uma vez que deve ser requerida nos sessenta dias seguintes ao reconhecimento da utilidade turística;
- Por outro lado, não se prevê a existência para além deste prazo de outros prazos para ser requerida isenção, donde resulta o entendimento que esta isenção está associada à instalação dos empreendimentos;
- O n.º 5 do artigo 47.º do EBF remete expressamente para o disposto no Decreto-Lei 423/83, de 5 de dezembro, com as devidas adaptações a regulamentação dos casos omissos e, nos termos daquele diploma, o acento tónico das isenções tributárias tem a ver com a finalidade com que as frações foram adquiridas, questão que é transversal a ambas as situações;
- Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural, como é o caso em apreciação, destacam-se dois procedimentos distintos: o da “instalação”, relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento, e um outro, o da “exploração”, que compreende todas as operações necessárias à colocação do mesmo em funcionamento e à sua exploração, sendo que a venda das unidades projetadas ou construídas faz, necessariamente, parte do segundo;
- A isenção de IMT só tem justificação relativamente a quem procede à instalação do empreendimento e o coloca no mercado e não em relação a todos os que o utilizam e exploram, ainda que através da compra das suas unidades, entendimento este que resulta expresso no artigo 47.º do EBF;
- A liquidação de IMT praticado pela Requerida não padece de ilegalidade alguma, devendo, por isso, permanecer na ordem jurídica;
- Uma vez que não decorreu dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de valor de imposto superior ao devido, não é devido o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
7. Notificada para o efeito, a Requerente pronunciou-se quanto à matéria de exceção alegada pela Requerida na sua Resposta, pugnando pela improcedência das exceções que foram arguidas.
8. Em 12 de outubro de 2015, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
9. Notificadas ambas as Partes para apresentaram alegações escritas, apenas a Requerida o fez.
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II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.
II.1. Do objeto do processo
A Requerida, na sua Resposta, alegou que a referida liquidação de Imposto do Selo, no valor de € 816,00, foi anulada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, posteriormente à instauração deste processo. Sequentemente, a Requerida preconiza que «nos presentes autos haverá apenas que discutir a legalidade da liquidação de IMT, devendo o valor do processo ser reduzido em conformidade».
A Requerente, pronunciando-se sobre esta questão, confirmou tal facto e concordou com a redução do valor do processo.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que a liquidação de Imposto do Selo impugnada foi objeto de anulação pela Autoridade Tributária e Aduaneira, após a propositura deste processo, e visto que, quanto a essa mesma liquidação, o que a Requerente peticionou foi precisamente a respetiva declaração de ilegalidade e a consequente anulação, mostrando-se esse ato tributário anulado verifica-se, quanto ao mesmo, a inutilidade superveniente da lide e, por isso, declara-se extinta a instância quanto à apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade e consequente anulação da dita liquidação de Imposto do Selo (art. 277.º, alínea e), do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, o objeto do presente processo fica confinado à apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IMT, no valor de € 8.287,50, que foi impugnada.
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II.2. Do erro na forma de processo
A Requerida alega que a Requerente não suscita uma questão que seja relacionada com a legalidade de um ato tributário – concretamente, a liquidação de IMT impugnada –, pois, segundo a Requerida, a Requerente limita-se a suscitar uma série de questões relacionadas, única e exclusivamente, com a legalidade de um ato em matéria tributária – concretamente, o despacho de revogação de um benefício fiscal. Por isso, diz a Requerida, o que a Requerente no fundo pretende é que o Tribunal Arbitral profira uma decisão no sentido do reconhecimento da isenção de IMT a que se arroga com direito.
Sendo aquela a verdadeira pretensão da Requerente, diz então a Requerida que é a ação administrativa especial que configura o meio processual adequado para apreciar tal matéria – essa ação constitui o meio de reação destinado a apreciar os atos em matéria tributária (art. 97.º, n.º 2, do CPPT) – e não o pedido de pronúncia arbitral – este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários (art. 2.º, n.º 1, do RJAT). Nesta medida, a Requerida conclui que o Tribunal Arbitral se deve abster de conhecer do pedido, uma vez que o presente meio processual não comporta a apreciação daquele.
Com esta fundamentação, a Requerida argui pois a exceção dilatória prevista no art. 577.º, alínea b), do CPC ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, cuja procedência obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A Requerente, pronunciando-se sobre esta exceção, afirma que o objeto deste processo é uma liquidação adicional de IMT, lançada e notificada pela AT, à qual ela imputa ilegalidades decorrentes da violação de disposições legais devidamente identificadas. Ademais, diz a Requerente que uma vez que a liquidação adicional impugnada assentou na revogação ilegal de um benefício fiscal anteriormente reconhecido, tal vício pode ser aqui invocado. Afirma ainda a Requerente que não invocou apenas a revogação ilegal de uma isenção, uma vez que a caducidade do direito de liquidar foi igualmente invocada e constitui só por si um vício que determina a anulação da liquidação adicional impugnada. A Requerente faz ainda alusão ao princípio da impugnação unitária, contido no art. 54.º do CPPT, para dizer que uma vez que pode ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida, essa ilegalidade pode ser referente à revogação ilegal de um determinado benefício fiscal que tenha determinado a liquidação.
Cumpre apreciar e decidir.
As questões em causa nos presentes autos estão relacionadas com a aplicação dos benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, norma legal que estatui o seguinte:
“1. São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.”
Como resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, do EBF, os benefícios fiscais podem ser: (i) automáticos, “quando o direito ao benefício resulta directa e imediatamente da lei, operando portanto ope legis, pela simples verificação do respectivo pressuposto de facto, não carecendo de qualquer acto posterior da administração tributária” (José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição refundida e aumentada, Coimbra, Almedina, 2004, p. 412); ou (ii) dependentes de reconhecimento, “se pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento da administração tributária, actos estes que podem ser actos administrativos, caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento unilateral, ou mesmo contratos, caso em que temos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento bilateral ou contratual ou benefícios fiscais contratuais” (José Casalta Nabais, ibidem).
No respeitante ao benefício fiscal em causa nestes autos – isenção de IMT para as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística –, uma vez que resulta direta e imediatamente da lei, é o mesmo de aplicação automática, desde que estejam verificadas as condições previstas no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, ou seja: que a aquisição do imóvel se destine à instalação de empreendimento qualificado de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento. Neste sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo em múltiplos arestos, citando-se, a título exemplificativo, os proferidos em 02/12/2009, no processo n.º 0783/09, em 14/04/2010, no processo n.º 0120/10, em 16/12/2009, no processo n.º 0936/09 e em 20/01/2010, no processo n.º 0937/09 (todos disponíveis em www.dgsi.pt). O mesmo entendimento tem sido vertido em diversas decisões de tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, de que são exemplo as decisões proferidas nos processos n.ºs 104/2014-T, 110/2014-T, 317/2014-T e 342/2014-T (todos disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes).
Dito isto e entrando na análise processual da questão aprecianda, temos que decorre do disposto na alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, na parte que aqui importa considerar, que a ação administrativa especial é o meio processual adequado quando o ato a impugnar seja o de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária. É, assim, inequívoco que o legislador apenas incluiu no âmbito da remissão para a ação administrativa especial a impugnação dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, deixando, pois, de fora os benefícios fiscais automáticos.
Perscrutando a ratio legis dessa norma legal, Nuno Cerdeira Ribeiro (O Controlo Jurisdicional dos Atos da Administração Tributária, Coimbra, Almedina, 2014, p. 213) avança que a mesma poderá residir, desde logo, no facto de muitas vezes os benefícios fiscais automáticos serem “considerados num procedimento mais lato de liquidação, que desemboca na emanação de um ato tributário stricto sensu”; uma vez que então “o benefício fiscal se insere no procedimento de liquidação, o ato aqui impugnável será este último, através do processo de impugnação judicial, e é nessa sede que o contribuinte pode atacar a legalidade da liquidação tendo por base a desconsideração ou a errada consideração do benefício em causa, o que vicia o ato final”.
Aderindo inteiramente a este entendimento doutrinal e aplicando-o ao caso concreto, que nele se enquadra perfeitamente, consideramos que o presente processo é o meio processual adequado para apreciar a pretensão deduzida pela Requerente, nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, na medida em que se consubstancia na declaração de ilegalidade e consequente anulação da referenciada liquidação de IMT (com fundamento na revogação ilegal de uma isenção e na caducidade do direito de liquidar).
Nestes termos, sem necessidade de outras considerações, é julgada improcedente a exceção de erro na forma de processo.
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II.3. Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
Como decorrência direta da anterior exceção, a Requerida arguiu a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, pois, diz a Requerida, está «fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais, sob pena de violação de lei», sendo que «a questão do reconhecimento de isenções fiscais é matéria reservada à jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais».
Cumpre apreciar e decidir.
Atenta a ligação umbilical entre esta exceção e a exceção anteriormente apreciada – a arguida incompetência material do Tribunal Arbitral entronca diretamente na exceção de erro na forma de processo, comungando da mesma fundamentação –, damos aqui por inteiramente reproduzido e integrado o referido no ponto anterior e, sem necessidade de maiores considerações, é julgada improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o presente processo.
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Não há outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. Factos provados
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesta parametria, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 05/01/2010, a Requerente adquiriu, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Lisboa, a cargo da Notária ..., o direito de superfície da fração autónoma designada pelas letras “HM” correspondente ao sector...– Bloco...–..., ...– Alojamento Turístico, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal identificado por “M...”, sito na..., ..., freguesia e concelho de Portimão, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., com o valor patrimonial correspondente à fração de € 111.417,13. (cf. Doc. 1 junto com a P. I.)
b) Por Despacho do Ministro do Turismo, de 19/10/2004, publicado no Diário da República n.º..., III Série, de .../.../2004, foi declarada a utilidade turística a título definitivo do empreendimento “Hotel ... M...”, nos termos do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, no qual se integra a referida fração autónoma cujo direito de superfície foi vendido. (cf. Doc. 1 junto com a P. I.)
c) Por iniciativa da Requerente, tendo em vista a posterior celebração da referenciada escritura pública de compra e venda, em 23/12/2009 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o documento n.º..., referente a IMT, no valor de € 0,00, que aqui se dá por inteiramente reproduzido e integrado e do qual consta a seguinte menção: «Benefícios: 33 – Utilidade Turística (Art. 20.º do D. L. 423/83), 100% sobre a matéria colectável». (cf. PA junto aos autos)
d) Através do ofício n.º ..., de 07/01/2015, do Serviço de Finanças de Portimão, foi a Requerente notificada do seguinte (cf. Doc. 3 junto com a P. I. e PA junto aos autos):
e) A Requerente exerceu o direito de audição prévia, nos termos constantes de fls. 9 a 11 do processo administrativo junto aos autos e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
f) Através do ofício n.º ..., de 18/02/2015, do Serviço de Finanças de Portimão, foi a Requerente notificada do teor da informação n.º ..., daquela mesma data – constante de fls. 13 a 15 do processo administrativo junto aos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida – e do despacho que sobre esta recaiu, proferido pela Adjunta do Chefe de Serviço de Finanças em regime de substituição, por delegação daquele, com o seguinte teor (cf. Doc. 2 junto com a P. I. e PA junto aos autos):
«Tendo em conta que a isenção de IMT e a redução de Selo a 1/5 foi indevidamente concedida, uma vez que o artigo 20.º do Dec. Lei n.º 423/83, de 5/12 se aplica apenas à entidade instaladora do empreendimento e não aos adquirentes das unidades de alojamento, ficou sem efeito a isenção concedida e não se encontra caducado o direito à liquidação já que a mesma foi notificada no prazo de 8 anos a contar da data em que a isenção ficou sem efeito, conforme determina o artigo 35.º do CIMT, pelo que mantenho as liquidações de IMT e Imposto de Selo efectuadas.»
g) Através do mesmo ofício, a Requerente foi ainda notificada do seguinte (cf. Doc. 2 junto com a P. I. e PA junto aos autos):
h) Em 17/03/2015, a Requerente efetuou o pagamento voluntário da totalidade de IMT liquidado, no montante de € 8.287,50. (cf. PA junto aos autos)
i) Em 12/06/2015, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. (cf. sistema informático de gestão processual do CAAD)
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§2. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
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§3. Motivação quanto à matéria de facto
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo.
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III.2. DE DIREITO
A Requerente começa por sustentar que a liquidação adicional de IMT impugnada consubstancia a revogação de um ato administrativo de concessão/reconhecimento de um benefício fiscal, em violação do disposto nos arts. 140.º e 141.º do CPA (versão anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), designadamente quanto ao prazo de revogação do ato.
Adicionalmente, a Requerente alega ainda que a liquidação adicional de IMT impugnada foi feita para além do prazo estatuído no art. 31.º, n.º 3, do CIMT, pelo que se verifica a caducidade do direito à liquidação de IMT.
Cumpre apreciar e decidir.
Sendo invocada a caducidade do direito de liquidação do imposto, impõe-se começar por conhecer este vício por ser aquele cuja procedência determina mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente (art. 124.º do CPPT ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
§1. Da caducidade do direito à liquidação
A apreciação deste vício impõe também que se averigue da natureza da liquidação de IMT impugnada: liquidação inicial ou liquidação adicional? Efetivamente, a apreciação da questão da caducidade dependerá da resposta que dermos a esta questão.
O art. 45.º, n.º 1, da LGT dispõe o seguinte: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.”
Um dos casos em que a lei fixa outro prazo é o do IMT, dispondo o art. 35.º, n.º 1, do respetivo Código: “Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46.º da Lei Geral Tributária.”
Assim, como exceção ao prazo geral de caducidade de quatro anos, a lei fixa, para o IMT, um prazo especial de oito anos, a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.
Porém, caso se considere que a liquidação de IMT impugnada constitui uma liquidação adicional, importa então atender ao n.º 3 do art. 31.º do CIMT, que dispõe: “A liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir, excepto se for por omissão de bens ou valores, caso em que poderá ainda fazer-se posteriormente, ficando ressalvado, em todos os casos, o disposto no artigo 35.º.”
Contudo, nada permite qualificar como liquidação adicional o ato tributário impugnado neste processo. Porquanto, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior – relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo – que aquela se destina a corrigir ou retificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexatidão praticadas nas declarações prestadas pera efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido. Por outras palavas, a liquidação adicional mais não é do que a correção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes – neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2007, proferido no processo n.º 0909/06, de 14/09/2011, proferido no processo n.º 0294/11 e de 18/05/2011, proferido no processo n.º 0153/11 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, a liquidação de IMT impugnada não foi efetuada em ordem a corrigir ou retificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexatidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Na verdade, a transmissão do direito de superfície da sobredita fração autónoma que constitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação do imposto porque foi considerado isento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro. É certo que ocorreu o facto tributário mas daí não pode retirar-se, sem mais, que houve uma liquidação de IMT da qual não teria resultado imposto a pagar por se ter considerado que dele estava isento; pelo contrário, por força dessa isenção, não se procedeu, então, a qualquer liquidação de IMT.
Assente que constitui uma primeira liquidação de imposto e atenta a factualidade que consta das alíneas a), f) e g) dos factos provados, temos que a liquidação de IMT impugnada foi efetuada e validamente notificada à Requerente dentro do prazo de 8 anos que resulta do disposto no art. 45.º, n.º 1, da LGT, conjugado com o n.º 1 do art. 35.º do CIMT.
Improcede, assim, o arguido vício de caducidade do direito à liquidação de IMT.
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§2. Da revogação ilegal de um ato administrativo de reconhecimento de benefícios fiscais
A Requerente alega que o ato de liquidação de IMT impugnado é ilegal porquanto o mesmo pressupõe a revogação de ato administrativo de concessão de um benefício fiscal, o que, segundo o seu entendimento, viola o disposto nos arts. 140.º e 141.º do CPA (versão anterior à publicação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro), designadamente quanto ao prazo para a revogação do ato.
Como acima já se deixou explicitado, o benefício fiscal em causa nestes autos – isenção de IMT para as aquisições de prédios ou de frações autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística –, uma vez que resulta direta e imediatamente da lei, é de aplicação automática, desde que estejam verificadas as condições previstas no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro. Por isso, a eficácia desse benefício fiscal não está dependente de qualquer ato administrativo de reconhecimento, suscetível de revogação nos termos e prazos previstos nas normas legais citadas pela Requerente.
Nestes termos, improcede a arguida revogação ilegal de um ato administrativo de reconhecimento de benefícios fiscais.
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§3. O âmbito de aplicação do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro
Apesar de a Requerente não se ter detido sobre esta questão, foi a mesma referenciada no pedido de pronúncia arbitral e objeto de aturado desenvolvimento na Resposta da Requerida; por este motivo, entendemos que nos devemos pronunciar quanto a esta matéria.
Sobre o âmbito de aplicação da norma legal constante do n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 23/01/2013, no processo n.º 0968/12, em julgamento ampliado, que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 44, de 04/03/2013, o qual uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação»”.
Tendo em conta a importância da uniformidade da jurisprudência, sobretudo em face da segurança e da estabilidade das relações jurídicas a que o direito deve ambicionar e aceder, e que encontra consagração no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil – ao impor ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito –, cumpre-nos aderir àquela orientação jurisprudencial e aos fundamentos em que se estriba o referido acórdão[1], vertidos, de forma abreviada mas elucidativa, no respetivo sumário, do seguinte teor:
“I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).
III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.
VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.
X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.”
Assim, considerando também que a legislação aplicável ao caso sub judice não sofreu alteração, reitera-se, nos presentes autos, o discurso fundamentador do citado acórdão, razão pela qual consideramos que a aquisição do direito de superfície da fração autónoma em apreço, por parte da Requerente, não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art. 20.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83.
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§4. Dos juros indemnizatórios
Em conformidade com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Assim, não sendo de julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação de IMT impugnada, improcede também o pedido de juros indemnizatórios que dependia da existência de um erro imputável aos serviços naquela liquidação de IMT efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar improcedente a exceção de erro na forma de processo;
b) Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
c) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e sequente anulação da liquidação de IMT impugnada, no valor de € 8.287,50, bem como o pedido de juros indemnizatórios;
d) Absolver a Requerida do pedido; e
e) Condenar a Requerente nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 8.287,50, atenta a alteração verificada no objeto do presente processo e o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
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Lisboa, 21 de janeiro de 2016.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)
[1] Em linha, aliás, com profusa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que citamos, a título exemplificativo, os acórdãos proferidos em 23/01/2013, nos processos n.ºs 01001/12, 01005/12 e 01069/12, em 30/01/2013, nos processos n.ºs 0970/12, 0971/12, 0972/12, 0999/12, 01003/12 e 01193/12, em 06/02/2013, no processo n.º 01000/12, em 08/02/2013, no processo n.º 01004/12, em 17/04/2013, nos processos n.ºs 01023/12 e 01002/12, em 23/04/2013, no processo n.º 01195/12, em 11/09/2013, no processo n.º 01049/13, em 25/09/2013, no processo n.º 01038/13, em 09/10/2013, nos processos n.ºs 01050/13, 1040/13 e 01015/13, em 18/10/2013, no processo n.º 01048/13, em 30/10/2013, no processo n.º 01052/13, em 13/11/2013, no processo n.º 01054/13, em 4.12.2013, no processo n.º 0824/13, em 29.1.2014, no processo n.º 01043/13, em 5.2.2014, nos processos n.ºs 01041/13, 01047/13 e 01917/13, em 26/02/2014, nos processos n.ºs 0860/13 e 08763, em 02/04/2014, no processo n.º 01914/13, em 09/04/2014, no processo n.º 0859/13, em 28/05/2014, no processo n.º 0291/14 e em 18/06/2014, no processo n.º 01527/13 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).