Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2015-T
Data da decisão: 2016-01-11  Selo  
Valor do pedido: € 17.652,74
Tema: Imposto do Selo; renúncia a usufruto adquirido por compra e venda
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Decisão Arbitral

 

O tribunal arbitral em funcionamento com árbitro singular constituído no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa nos termos do regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro[1], para o qual foi designado pelo respetivo Conselho Deontológico, o árbitro da lista do Centro Nuno Maldonado Sousa, elabora seguidamente a sua decisão arbitral.

 

1.      Relatório

1.1.   Constituição do tribunal arbitral

A..., divorciado, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Av... ,n.º ..., … Esq.º, ...-... Lisboa apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira[2].

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 04-03-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-03-2015.

Nos termos em que dispõem as normas do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, nº1, al. b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 23-04-2015. Em conformidade com a regra constante do artigo 11.º, n.º 1, al. c) do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 11-05-2015.

 

1.2.   O pedido do Requerente

No seu Requerimento Inicial o Requerente peticiona que seja declarada a ilegalidade de atos de liquidação de Imposto do Selo e que sejam os mesmos anulados, com a consequente restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O Requerente fundamenta o seu pedido na interpretação que faz das normas do CIS[3] e da TGIS[4], pois considera que estes dispositivos não contêm norma de incidência para a situação dos autos.

 

1.3.   A posição da AT

A AT respondeu sustentando a legalidade da liquidação, invocando a interpretação dos conceitos constantes das normas de incidência em conformidade com o sentido próprio do direito fiscal. Conclui defendendo a sua absolvição do pedido.

 

1.4.    Instrução do processo e alegações

As Partes não consideraram necessária a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e prescindiram de produzir alegações.

 

1.5.   Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e tem competência em razão da matéria segundo dispõem as regras do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As Partes são titulares de personalidade e capacidade judiciárias (sendo a da AT nos termos da disciplina constante do artigo 4.º, n.º 1 do RJAT e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e do artigo 1.º, al. a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), são legítimas e estão regularmente representadas.

Não há nulidades que inquinem o processo.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa pelo que se impõe decidir.

 

2.      Decisão

2.1.   Matéria de facto

2.1.1.     Factos que se consideram provados

Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:

A.    O Requerente foi notificado da liquidação de IS[5] respeitante ao ano de 2014 emitida com o n.º..., documento de cobrança n.º 2014... relativa a "Invalid. / Distrate / Renúncia /Resolução/ Revg. De Doação", no valor de 24.896,00 €.

B.     O Requerente foi notificado da liquidação de IS (verba 1.1) de 13-01-2014, emitida com o n.º ..., no valor de 5.063,44 €.

C.     As liquidações referidas em A) e em B) foram feitas por referência aos prédios urbanos identificados em F).

D.    O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em A), a qual foi objeto de decisão de indeferimento, que lhe foi notificada.

E.     O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em B), a qual foi objeto de decisão de indeferimento, que lhe foi notificada.

F.      Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 27 de Abril de 2012, no Cartório Notarial de..., em Lisboa, o Requerente vendeu a B..., NIF ...e a C..., NIF..., o usufruto, simultâneo, temporário, constituído pelo período de 10 anos dos seguintes imóveis, todos do concelho de Lisboa:

a.       Prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos..., ..., ...e ... da freguesia de ... (atuais artigos..., ..., ..., ... da freguesia de...);

b.      Fração autónoma designada pela letra "Z" do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia de ... (atual artigo ... da freguesia de...);

c.       Um quarto do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ... (atual artigo ... da freguesia de...);

d.      Um terço do prédio urbano inscrito na freguesia de ... sob o artigo ... (atual artigo ... da freguesia de ...).

G.    Por escritura pública de renúncia de usufruto outorgada no dia 18 de Dezembro de 2013 no Cartório Notarial de ..., em Lisboa, B ..., NIF..., renunciou a título gratuito ao usufruto simultâneo e temporário de que era titular nos imóveis identificados em F).

H.    Em 10-01-2014 foi feita por B ... participação à AT da renúncia ao usufruto referida em G).

Na fundamentação aduzida pela AT em cada uma das decisões das reclamações graciosas, para além do mais, pode ler-se que:

Foi efectuado pelo reclamante um contrato de venda de usufruto em 27.04.21012, o qual foi renunciado pela usufrutuária B ..., NIF..., em 18.12.2013.

A questão ora colocada prende-se com a tributação deste último em sede de IS – Verba 1.2.

Ora, existe no direito fiscal um conceito de transmissão que não se identifica com o conceito matriz do direito civil, e é esta transmissão, de conteúdo e sentido económico, o que fundamentalmente interessa no direito fiscal.

O próprio nº 2 do artº 11 da LGT esclarece que quando o código fala de transmissão gratuita, está a usar o “seu” conceito de transmissão, não o concelho de transmissão de outros ramos do direito e, designadamente, do direito civil.

Revelador de que na extinção do usufruto vê o legislador uma transmissão gratuita é a norma do nº 6 do artº 13º do CIS que dispõe, em matéria de fixação do valor tributável dos bens imóveis em sede de transmissões gratuitas que “Quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto, o imposto devido pelo adquirente, em consequência da consolidação da propriedade com o usufruto, incide sobre a diferença entre o valor patrimonial tributário do prédio constante da matriz e o valor da nua propriedade considerado na respectiva liquidação”.

Não assiste, assim, razão ao reclamante quando invoca que o imposto da verba 1.2 não é exigível porque na “situação concreta não ocorreu qualquer aquisição de bem que possa ser tributada com base nesta norma”, pois que na renúncia gratuita do usufruto existe uma transmissão sujeita à incidência objectiva do imposto sobre transmissões gratuitas definida na alínea a) do nº 3 do artº 1º do CIS e da Verba 1.2 da TGIS.

Conclui-se pelo exposto que a renúncia gratuita do usufruto consubstancia uma transmissão gratuita para efeitos de incidência objectiva do IS a que se referem o artº 3, nº 1, alínea a) do CIS e a Verba 1.2 da TGIS.

I.        O Requerente efetuou o pagamento das seguintes prestações da liquidação de Imposto do Selo referida em A):

a.       Primeira prestação em 28-03-2014 no valor de 1.260,91 €;

b.      Segunda prestação em 18-12-2014 no valor de 1.260,91 €.

J.       Em 24-02-2014 o Requerente efetuou o pagamento da liquidação de Imposto do Selo referida em B) no valor de 5.063,44 €.

2.1.2.     Factos que se consideram não provados

Não foram alegados outros factos com interesse para a decisão da causa.

2.1.3.     Fundamentação da matéria de facto provada

A convicção do tribunal assentou na prova documental constante dos autos e na posição tomada relativamente a cada facto pelas Partes nos articulados.

 

2.2.   Matéria de direito

A questão de fundo a resolver consiste em saber se a renúncia ao usufruto de determinado prédio urbano, adquirido por compra, constitui uma transmissão gratuita a favor do proprietário de raiz, para efeito de aplicação das normas do artigo 1º-1 do CIS e das verbas 1.1 e 1.2 da TGIS.

Se a questão anterior tiver resposta negativa e não houver obrigação do pagamento do imposto terá que se determinar a existência do direito do Requerente à restituição do imposto pago e a juros calculados sobre esse valor.

2.2.1.     A questão de fundo: A incidência do I.S. sobre a resolução do usufruto

Enunciaram-se já sumariamente as pretensões das Partes. Veja-se agora com maior profundidade, as teses em confronto.

A AT sustenta a incidência de IS por entender que "a renúncia gratuita do usufruto consubstancia uma transmissão sujeita a incidência objetiva". Para isso, defende que "existe no direito fiscal um conceito de transmissão que não se identifica com o conceito matriz do direito civil, considerando-se uma transmissão, de conteúdo e sentido económico, o que fundamentalmente interessa no direito fiscal" (ut. Resposta da AT, 5.5).

O Requerente por seu turno defende que não ocorreu nenhuma transmissão de qualquer direito, onerosa ou gratuita, pelo que a situação não se pode subsumir à previsão normativa de "aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos" como regula a verba 1.1. da TGIS. Afirma também que não tendo havido nenhuma transmissão, teria que ser também recusada a aplicação da verba 1.2. da TGIS, que complementarmente incide sobre as transmissões tributadas. Reputa as liquidações de ilegais por violarem o princípio da legalidade tributária ínsito no artigo 103º da CRP[6].

É inegável que o artigo 103º da CRP afirma o princípio da legalidade tributária que para Vital Moreira e Gomes Canotilho[7] “implica a tipicidade legal, devendo o imposto ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais. A norma em causa – o artigo 1º do CIS – faz parte da codificação que foi aprovada pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro e crê-se que a sua redação complementada com a que consta das verbas 1.1 e 1.2 da TGIS, circunscreve de forma suficientemente rigorosa a incidência objetiva do imposto. Não parece que seja ao nível constitucional que o problema se coloque, sem prejuízo de se considerar que o parâmetro constitucionalmente definido deve ser um elemento de apoio à interpretação das normas em causa.

Não é pacífica a tese que sustenta a autonomia dos conceitos fiscais face aos conceitos de direito privado como pretende a AT, ao afirmar a existência de um significado próprio do direito fiscal para a figura da transmissão. A própria LGT[8] aponta em sentido diverso na sua norma do artigo 11º, sobretudo no seu número 2, que afirma:

Artigo 11.º Interpretação

1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

Aliás, a orientação doutrinária moderna aponta no sentido de os conceitos de direito privado serem preservados quando são utilizados pelo direito fiscal. Como refere Leite de Campos et al.[9] "Os conceitos de direito privado são introduzidos no direito fiscal com o seu sentido de origem, a não ser que a lei disponha o contrário”. Mas mesmo quando se admita a possibilidade de o direito fiscal adequar determinados conceitos jurídicos próprios de outros ramos do direito, de forma não expressa, tal conclusão deverá decorrer da "utilização dos diversos meios de interpretação que a teoria da interpretação jurídica põe à [sua] disposição para apurar o exato sentido e alcance das normas de direito fiscal", como observa Casalta Nabais[10].

Veja-se se no caso concreto das aquisições gratuitas de imóveis o CIS induz de algum modo a ideia de que os conceitos do direito privado que usa nas suas normas, devam ter um conteúdo próprio, diferente daquele que o ramo do direito de onde são oriundos lhes atribui. As normas em causa são em primeira análise o artigo 1º-1 do CIS e as verbas 1.1 e 1.2 da TGIS cuja redação é a seguinte:

CIS

Artigo 1.º Incidência objetiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

 

TGIS

1 - Aquisição de bens:

1.1 - Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos - sobre o valor: 0,8%

1.2 - Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 - sobre o valor: 10%

A técnica legislativa utilizada passa por indicar no corpo do artigo 1º-1 as várias formas através das quais os factos ou situações são celebrados ou titulados, deixando para a tabela a função de identificar os factos e situações que foram objeto de formalização. Ao nível da TGIS a leitura da norma em causa inculca a ideia de que o CIS pretendeu identificar exaustivamente todas as situações que pretende abranger, identificando-as na TGIS, que como é sabido é de grande detalhe e minúcia e recorre a expressões que dilatam o âmbito da previsão normativa quando assim é pretendido, através dos pronomes indefinidos quaisquer e outro.

Pode ver-se a utilização desta metodologia na verba 4, aplicável a cheques de qualquer natureza; na verba 10 que abrange garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma; na verba 11.1.2 que se aplica sobre outras apostas; na verba 17.1 que incide sobre a utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, na verba 17.1.4 e 17.2.4, que regulam a aplicação ao crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável; na verba 17.3.2 que regula a incidência sobre prémios e juros por letras tomadas, de letras a receber por conta alheia, de saques emitidos sobre praças nacionais ou de quaisquer transferências; na verba 17.3.4 que impõe a aplicação do IS a outras comissões e contraprestações por serviços financeiros; na verba 22.1 que estipula a aplicação sobre a soma do prémio do seguro, do custo da apólice e de quaisquer outras importâncias que constituam receita das empresas seguradoras; na verba 22.1.5 que prevê a taxa de IS sobre apólices de seguros de quaisquer outros ramos; na verba 27.2 que regula o IS sobre as subconcessões e trespasses de concessões feitos pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais, para exploração de empresas ou de serviços de qualquer natureza; na verba 29.2 que impõe o IS sobre o valor líquido global de outros organismos de investimento coletivo.

Há que reconhecer que nas verbas 1.1 e 1.2 a TGIS não utilizou nenhum dos referidos recursos de abertura do âmbito de aplicação do imposto. Bem pelo contrário, a verba 1.1 impõe até uma restrição do espetro; quando estipulou que quando a aquisição do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis se dê por resolução do contrato, só haverá lugar a imposto se a destruição da convenção for feita por mútuo consenso, não havendo consequentemente lugar a tributação em IS quando a resolução seja unilateralmente declarada, v.g. com base em estipulação contratual ou em disposição legal (como admite a norma do 432º-1 do Código Civil), como acontece nestes autos.

Se não há qualquer elemento na norma que permita afirmar que o legislador pretendeu criar uma forma de transmissão especial do direito fiscal, mais abrangente que a do direito civil, há sinais que apontam no sentido de não pretender tributar a destruição de vínculos translativos quando esta não seja conseguida por via consensual, rectius quando nela não tenha havido intervenção volitiva do beneficiário.

Os elementos que se alinharam não levam a concluir pela existência de um conceito particular de transmissão como pretende a AT e aqueles que ela própria invoca também não apontam inequivocamente nesse sentido[11]. A AT pretende ver nas normas do artigo 3º e do artigo 13º-6 do CIS manifestações desse conceito particular de transmissão. As normas em causa não regulam diretamente a incidência objetiva e fixam outros elementos da relação jurídica, mais exatamente o artigo 3º disponibiliza as regras para determinação do sujeito e o artigo 13º regula a base de incidência. Destas normas não parece poder retirar-se mais do que afirmam; no artigo 3º identifica-se o titular da obrigação de pagamento e no artigo 13º-6 disciplina-se a forma de calcular o valor sobre o qual incide o imposto quando a propriedade for transmitida separadamente do usufruto.

Crê-se que é outra a solução do problema. A resolução do usufruto, enquanto ato jurídico está em geral sujeita à incidência de IS, por determinação expressa do artigo 1º-1 do CIS e consequentemente pelas verbas 1.1 e 1.2 da TGIS.

Contudo, duas normas diferentes afastam a aplicação do imposto no caso dos autos. Por um lado e como se referiu, a norma constante da verba 1.1 da tabela restringe a incidência sobre as aquisições por efeito da renúncia aos casos em que esta seja feita por mútuo acordo. Por outro lado, as situações de aquisição gratuita de bens tributadas ao abrigo da verba 1.2 da TGIS vêm o seu âmbito da incidência restringido, por efeito do artigo 1º-3 do CIS, que delimita expressamente quais são as transmissões gratuitas que hão de ser tributadas pela verba citada, fazendo-o nos seguintes termos:

CIS

Artigo 1.º Incidência objetiva

(…)

3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objeto:

a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;

(…)

g) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto, salvo nos casos previstos nos artigos 970.º[12] e 1765.º[13] do Código Civil, relativamente aos bens e direitos enunciados nas alíneas antecedentes.

(…)

Efetivamente esta norma do artigo 1º-3-g) equipara à aquisição típica, a aquisição derivada de renúncia. Não obstante e para o que nos interessa há que observar que nos termos do artigo 1º-3-g) CIS só são tributadas as aquisições derivadas da renúncia de usufruto quando este seja fundado em doação entre vivos. Quando numa delimitação pormenorizada a lei especifica expressamente que é determinado negócio jurídico que veicule a transmissão que pretende atingir – in casu a doação – não pode interpretar-se a norma geral - a norma do artigo 1º-1 – no sentido de incluir nesta a aquisição por efeito da resolução de compra e venda. Crê-se que esta norma do artigo 1º-3-g) CIS delimita negativamente as aquisições derivadas de resolução de outros negócios jurídicos que não sejam a doação.

Há assim que concluir pela ilegalidade da liquidação, por violação das normas do artigo 1º-1 e 1º-3-g) do CIS e das verbas 1.1 e 1.2 da TGIS e pela procedência do pedido do Requerente.

2.2.2.     Reembolso da quantia paga

O Requerente peticiona também que a AT lhe reembolse o valor do imposto pago, relativo às liquidações impugnadas.

Nos termos da norma do artigo 100º da LGT “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”. Parece claro que assiste ao contribuinte o direito a serem-lhe restituídas as importâncias que tenha pago, relativas a liquidações feridas de ilegalidade, de modo a que o seu património seja reconstituído no quantitativo que tinha no momento antecedente a esse pagamento.

Importa contudo avaliar se este Tribunal Arbitral goza de competência para lhe reconhecer esse direito ou para condenar a AT nesse sentido. Para isso importa ter presente que (i) com o RJAT se pretendeu reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro); (ii) o caráter imperativo das decisões arbitrais para a AT tem a extensão dos exatos termos dessas mesmas decisões (24º-1 RJAT); (iii) a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência do pedido (que pode ser total ou parcial) (100º LGT).

O primeiro elemento interpretativo citado impede que se conceba qualquer sistema que obstaculize ou dificulte que a decisão arbitral atinja o seu objetivo, que é a definição do direito no caso concreto. A tutela dos direitos dos sujeitos passivos não se basta com menos, i.e., da decisão devem resultar todas as consequências necessárias para que se obtenha a legalidade. Não se pode conceber que declarada a ilegalidade do ato tributário o sujeito passivo tenha ainda que recorrer a outra instância para ver declarado o seu direito à reconstituição da situação.

Por outro lado, o segundo elemento - a imperatividade das decisões arbitrais - leva a considerar que sendo as decisões arbitrais imperativas nos seus exatos termos (24º-1 RJAT), isso significa que estas decisões devem conter todos os elementos necessários para que a AT possa, com toda a exatidão, repor a legalidade e para isso é indispensável que decisão contenha os precisos limites e termos em que julga.

O terceiro elemento – o âmbito da reconstituição - ilustra afinal esta necessidade de exatidão ou precisão da decisão. Ao afirmar que a obrigação de reconstituição pela AT está subordinada ao próprio âmbito da procedência, a lei (100º LGT) cria um nexo de dependência entre a decisão e a obrigação de reconstituição. A reconstituição é feita na medida em que a pretensão seja julgada procedente. Não há reconstituição sem procedência e a medida da procedência define a medida da reconstituição. A necessidade desta precisão é claríssima nos casos de procedência parcial. Quando ocorra a procedência parcelar como deve comportar-se a AT? A resposta só pode ser uma – nos exatos termos e limites em que foi proferida a decisão, quer seja judicial ou arbitral.

Do exposto resulta que a decisão sobre a reconstituição deve ser tomada pelo tribunal arbitral quando lhe for pedida a apreciação da questão.

Nestes autos ficou assente que o Requerente efetuou o pagamento de duas prestações de uma das liquidações do Imposto do Selo no valor de 1.260,91 € cada uma e o pagamento integral da outra liquidação do mesmo imposto no valor de 5.063,44 €, totalizando todas as entregas a quantia de 7.585,26 €.

O Requerente tem direito à reconstituição plena da situação que existiria se não tivessem sido feitas as liquidações, pelo que deve ser reembolsado do valor que pagou.

2.2.3.    Juros indemnizatórios

O Requerente pede ainda que a restituição do imposto pela AT seja acrescida de juros indemnizatórios.

Levantam-se aqui as questões de competência dos tribunais arbitrais para decidir sobre este tema, que se apreciaram no ponto anterior. A questão é a mesma e a solução também. Este Tribunal Arbitral considera-se competente pelas razões invocadas, para decidir nesta matéria.

Nos termos do artigo 43º-1 LGT quando haja pagamento indevido da prestação tributária resultante de erro imputável aos serviços da AT, o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios. No mesmo sentido a norma do artigo 100º LGT prevê o pagamento dos mesmos juros como meio para se obter a pretendida reconstituição da situação.

No caso concreto assentou-se que foi paga na totalidade uma das liquidações e foram pagas duas prestações de outra liquidação do imposto. Sobre o valor pago são devidos juros indemnizatórios ao Requerente, contados à taxa legal, sobre o valor de cada uma das três entregas, desde a data em que cada uma foi satisfeita. Em qualquer dos casos os juros serão contados até ao reembolso integral da quantia devida.

 

 

 

3.      Decisão

Considerando os elementos de facto e de direito coligidos e expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência:

a)      Declarar a ilegalidade das duas liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos, anulando em consequência estas liquidações;

b)      Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso ao Requerente do valor de 7.585,26 €, correspondente ao somatório das quantias que satisfez a título de imposto, acrescido de juros contados à taxa legal, sobre o valor de cada entrega, desde a data em que ocorreu cada um dos pagamentos, até integral reembolso.

Condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas, que se apuram em capítulo autónomo.

 

4.      Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306º- 2, do CPC, ex-vi 29º-1-e) do RJAT e 97º-A, n.º 1-a) do CPPT ex-vi 3º-2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 17.652,74 €.

 

5.      Custas

As custas ficam a cargo da parte que a elas tiver dado causa, entendendo-se que lhes dá causa a parte vencida (527º-1 e 2 CPC). Nestes autos e considerando a citada regra, a responsabilidade pelas custas é da AT, enquanto parte vencida.

Nos termos do artigo 22º-4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 €, que ficam a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Lisboa, 11 de janeiro de 2016

 

O árbitro,

 

(Nuno Maldonado Sousa)



[1] Nesta decisão designado pela forma abreviada de uso comum “RJAT" (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

[2] Nesta decisão designada pela forma abreviada “AT” como é de uso generalizado.

[3] Nesta peça utiliza-se o acrónimo CIS para designar o Código do Imposto do Selo.

[4] Nesta peça utiliza-se o acrónimo TGIS para designar a tabela Geral do Imposto do Selo.

[5] Nesta peça utiliza-se o acrónimo IS para designar o Imposto do Selo.

[6] Nesta peça usa-se o acrónimo CRP para designar a Constituição da República Portuguesa.

[7] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira - Constituição da República Portuguesa anotada. Vol. I. 4ª ed. revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 95.

[8] Nesta peça utiliza-se o acrónimo LGT para designar a Lei Geral Tributária.

[9] Diogo Leite de Campos e Mónica Leite de Campos - Direito tributário. 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2000, p.93

[10] José Casalta Nabais - Direito fiscal. 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2005, pp. 87-88.

[11] O acórdão citado pela AT, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 2945/11.3TBVNG.P1 não foi proferido em contencioso tributário mas em recurso de ato de conservador do registo civil, i.e., não foi pedido ao tribunal que sindicasse sentença sobre a legalidade de liquidação de IS (apreciação para a qual seria incompetente) mas antes a legalidade de ato de conservador que recusou o cancelamento do usufruto e a conversão do registo relativo a fração autónoma de determinado prédio, por não ter sido feita prova da participação da transmissão para efeitos de imposto de selo. No acórdão não se identifica qual foi o negócio que levou à aquisição do usufruto e como é sabido é inequívoco que a resolução a usufruto adquirido por doação é tributada em IS (1º-3-g CIS).

[12] Regula a revogação por ingratidão do donatário.

[13] Regula as doações entre casados.