Decisão Arbitral [1]
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 13 de Setembro de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, Cabeça-de-Casal da Herança de, contribuinte nº…, representada pela Cabeça-de-Casal B…, viúva, portadora do Cartão de Cidadão nº … …, contribuinte nº …, residente no …, Apartado…, … (doravante designado por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular no dia 27 de Junho de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. O Requerente pretende que o Tribunal Arbitral:
1.2.1. Declare “(…) a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (…) impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, determinando a sua anulação, com as consequências legais”;
1.2.2. Condene “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira (…) a reembolsar (…) o valor dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tais pagamentos foram efectuados até à data do integral reembolso dos mesmos”;
1.2.3. Declare “(…) o presente julgado procedente, sejam extintos os todos os processos executivos instaurados (…) com origem no Imposto de Selo, calculado de acordo com o critério defendido pela AT (…)”;
1.2.4. “Que, sendo o presente julgado procedente, seja a Autoridade Tributária (…) condenada a, rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-as ou substituindo-as, total ou parcialmente”;
1.2.5. “Que sendo presente julgado procedente, seja a Autoridade Tributária (…) condenada a, de futuro liquidar as prestações tributárias de imposto de selo, em conformidade com a decisão arbitral, sem incorrer no vício que justificou a declaração de ilegalidade ou de se abster de liquidar, caso não lhe seja possível elaborar uma nova liquidação, sem incorrer na ilegalidade declarada na decisão arbitral”;
1.2.6. “Que, sendo o presente julgado procedente, sejam fixadas as custas a cargo da Requerida (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, em 28 de Junho de 2016.
1.4. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Em 29 de Agosto de 2016, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13 de Setembro de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 16 de Setembro de 2016, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Em 13 de Outubro de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e impugnação e concluindo que:
1.7.1. “(…) deverá a entidade requerida ser absolvida da instância face à manifesta extemporaneidade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, bem como à evidente incompetência do mesmo, referente à 2.ª prestação do ano de 2014”;
1.7.2. “Para além destas conclusões, e a ser diverso o entendimento do douto Tribunal Arbitral, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, dada a legalidade da liquidação, absolvendo-se a entidade Requerida do pedido”.
1.8. Adicionalmente, foi apresentado pela Requerida na Resposta, um pedido de dispensa “da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, bem como, a dispensa da realização de alegações”.
1.9. Na mesma data, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo.
1.10. Tendo em consideração as excepções deduzidas pela Requerida na sua Resposta, foi o Requerente notificado, por despacho arbitral de 13 de Outubro de 2016, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias sobre a referida matéria de excepção deduzida pela Requerida.
1.11. Contudo, o Requerente não se pronunciou, no prazo dado para o efeito, sobre o teor das excepções deduzidas pela Requerida.
1.12. Nestes termos, por despacho deste Tribunal Arbitral, datado de 13 de Novembro de 2016, foi decidido:
1.12.1. Prescindir da realização a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.12.2. Prescindir da apresentação de alegações pelas Partes;
1.12.3. Designar o dia 30 de Novembro de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.13. Por último, foi o Requerente ainda advertido que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a fazer com data de 7 de Novembro de 2016).
2. CAUSA DE PEDIR
O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. Alega que é legítimo proprietário “(…) do prédio urbano, em propriedade vertical, sito na Rua …, …, Lisboa, o qual encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º…, da freguesia de … e inscrito na respectiva matriz predial urbana, sob o art.º … da freguesia de … (…)”.
2.2. Prossegue o Requerente referindo que “o supra identificado prédio encontra-se em propriedade total com andares e divisões susceptíveis de utilização independente não se encontrando constituído em regime de propriedade horizontal”.
2.3. Esclarece o Requerente que foi notificado “(…) das (…) liquidações de Imposto de Selo do ano de 2015 (1.ª prestação), relativas a parte dos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio supra identificado no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário:
- liquidação n.º 2016…, no valor de 156,90€, relativa à C/V D do referido imóvel, cujo VPT é de 31.380,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 153,70€, relativa à C/V F do referido imóvel, cujo VPT é de 30.740,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 155,25€, relativa ao R/C do referido imóvel, cujo VPT é de 31.050,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 339,20€, relativa ao 1.º Dto. do referido imóvel, cujo VPT é de 101.760,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 273,08€, relativa ao 1.º Esq.º do referido imóvel, cujo VPT é de 81.920,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 339,20€, relativa ao 2.º Dto. do referido imóvel, cujo VPT é de 101.760,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 273,08€, relativa ao 2.º Esq.º do referido imóvel, cujo VPT é de 81.920,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 342,58€, relativa ao 3.º Dto. do referido imóvel, cujo VPT é de 102.770,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 275,80€, relativa ao 3.º Esq.º do referido imóvel, cujo VPT é de 82.740,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 582,80€, relativa ao 4.º do referido imóvel, cujo VPT é de 174.840,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 345,98€, relativa ao 5.º Dto. Do referido imóvel, cujo VPT é de 103.790,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 278,54€, relativa ao 5.º Esq.º do referido imóvel, cujo VPT é de 83.560,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 345,98€, relativa ao 6.º Dto. do referido imóvel, cujo VPT é de 103.790,00€;
- liquidação n.º 2016…, no valor de 278,54€, relativa ao 6.º Esq.º do referido imóvel, cujo VPT é de 83.560,00€ (…)”.
2.4. Refere ainda que “o prazo limite de pagamento destas liquidações terminou em 30/04/2016”.
2.5. Ora, segundo o Requerente, “das referidas liquidações consta que o Valor Patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” é de 1.195.580,00€, mas “importa saber se a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), no caso de prédios não constituídos em propriedade horizontal, incide sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global), ou, antes, sobre o valor patrimonial tributário de cada parte do prédio com utilização económica independente”.[2]
2.6. Neste âmbito, segundo o Requerente, “(…) a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS deve ser aferida não pelo valor total do prédio mas pelo valor atribuído a cada uma das partes, em função do VPT respectivo, devendo seguir o mesmo critério da determinação do IMI (…)”.
2.7. Citando a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 50/2013-T, “(…) na ótica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio”, pelo que entende o Requerente que se deve concluir que “(…) para o legislador é irrelevante que o prédio esteja em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização”.
2.8. Assim, entende o Requerente que “relativamente à determinação do valor relevante para a incidência do IS sobre os prédios em propriedade vertical, o critério adoptado pela AT não se afigura conforme ao princípio da legalidade fiscal nem ao princípio da igualdade fiscal”.
2.9. Com efeito, defende o Requerente que “uma vez que o CIS remete para o CIMI, devemos considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal”, pelo que “daí decorre que o respectivo IMI, bem como o Imposto de Selo, são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”, sendo que, “por este facto, o critério legal para definir a incidência do novo imposto terá de ser o mesmo”.[3]
2.10. Assim, para o Requerente “resulta (…) da Lei que só haveria lugar a incidência do imposto de selo da verba 28.1 da TGIS se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00, o que não ocorre no caso que nos ocupa”, pelo que entende que “o critério defendido pela AT, que tem em conta a soma das partes, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão ao por remissão, em sede de Imposto de Selo”.
2.11. Reitera o Requerente que “a adopção do critério defendido pela AT, que tem em conta a soma das partes, com o argumento de que o prédio não se encontraria constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta do CIMI e que se aplica por remissão, em sede de Imposto de Selo, pelo que viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal; bem como, viola o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal”.
2.12. Nestes termos, segundo o Requerente, “no caso sub judice, o prédio em questão encontra-se em propriedade vertical e contém vários andares e divisões com utilização independente, destinados a habitação”, sendo que, “nenhum dos andares, destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a 1.000.000,00€, (…)” pelo que entende o Requerente que se pode concluir “(…) pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na Verba 28 da TGIS”.
2.13. Por outro lado, alega o Requerente que “a fundamentação da medida designada por taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, concluindo que “(…) é ilegal e inconstitucional considerar como valor de referência o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão”, porquanto “(…) a tributação das partes com utilização independente de valor inferior a um milhão de euros não se encontra abrangida pela norma de incidência”.
2.14. Assim, entende o Requerente que “a sua tributação viola efectivamente o princípio da igualdade, mais concretamente nos seus corolários de capacidade contributiva e proporcionalidade fiscal”.[4]
2.15. Nestes termos, “na linha da jurisprudência do TC e do CAAD (…)”, conclui o Requerente no sentido de existir “(…) a violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva”, requerendo deste modo “(…) a anulação dos referidos actos de liquidação de Imposto de Selo por erro nos pressupostos de facto e de direito e falta de fundamento legal”.
2.16. Adicionalmente, o “Requerente apesar de não concordar, pelos motivos supra expostos, com a cobrança de tal imposto (…)” alega que “(…) foi tentando (…) proceder ao pagamento do referido imposto”, mas refere, ainda, que “nem sempre tal pagamento foi possível (…)”, razão pela qual o Requerente “(…) viu o imóvel de que é proprietária (…) ser penhorado consecutivamente pela AT, devido à falta de pagamento, nomeadamente, do Imposto de Selo (…)”.
2.17. Neste âmbito, refere ainda o Requerente que “com vista a impedir a venda do imóvel (…) viu-se compelida a celebrar acordos de pagamento a prestações, que tem vindo a cumprir (…)”.
2.18. Nestes termos, conclui o Requerente o pedido peticionando, nomeadamente, que a Requerida seja condenada “(…) a reembolsar (…) os valores dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tais pagamentos foram efectuados, até à data do integral reembolso dos mesmos”.[5]
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida, na resposta apresentada, começa por esclarecer que o Requerente submeteu “(…) o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral que incide sobre a 1ª prestação, do ano de 2015 (…) e 2ª prestação, do ano de 2014, do que designa por liquidação de Imposto de Selo (…) referente ao prédio urbano constante do artigo … da matriz predial urbana da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, com fundamento em ilegalidade (erro sobre os pressupostos de facto e de direito)”, tendo-se defendido por excepção e por impugnação nos termos a seguir descritos:
POR EXCEPÇÃO
Da “dupla” extemporaneidade do pedido
3.2. A Requerida começa por alegar que “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral é, manifestamente, extemporâneo”, porquanto “a data da liquidação do imposto do ano de 2014 é de 20.03.2015 (…)” e “nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (…) e do art.º 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto”.
3.3. “Ou seja, o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral para apreciação da legalidade da liquidação do imposto de selo, já terminou, ao contrário do alegado pelo Requerente (…)”, porquanto “tendo este Pedido sido apresentado em
2016-06-27, é manifestamente extemporâneo”.
3.4. Assim, segundo a Requerida, “de acordo com as disposições legais combinadas do n.º 1 do art. 10.º RJAT e os n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, o termo do prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral há muito que terminou”, “donde se conclui a extemporaneidade do pedido apresentado pelo Requerente”, pelo que entende a Requerida que “(…) deve (…) ser absolvida do pedido, relativamente à 2ª prestação do ano de 2014” e, “nessa sequência deve o valor do pedido do Requerente ser reduzido, para o montante da 1.ª prestação de 2015”.
Da incompetência absoluta do tribunal arbitral
3.5. Neste âmbito, refere a Requerida que “(…) o Requerente não impugna um acto tributário, mas impugna, antes, o pagamento da 2.ª prestação do ano de 2014 e da 1.ª prestação do ano de 2015, de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, isto é, o objecto do processo é a anulação, não de um acto tributário (ou de 1/3 de um acto tributário, o que não seria legalmente possível), mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de 2014 e da 1.ª prestação de 2015 do imposto (…)”, “matéria esta que não consta (…) do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT”.
3.6. Assim, entende a Requerida que “(…) o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança”.
POR IMPUGNAÇÃO
3.7. Em matéria de defesa por impugnação, invoca a Requerida que “o que está aqui em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”.
3.8. Com efeito, segunda a Requerida, “à data, o Requerente detinha a propriedade plena do prédio urbano em análise, avaliado nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, constante do artigo … da matriz predial urbana da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, descrito como prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, composto por 8 pisos e 19 andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com valor patrimonial tributário (VP) superior a € 1.000.000,00”.
3.9. “Com referência aos anos em apreciação, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 (…), com a alteração efectuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e (...) afectação habilitacional, procedeu a AT à liquidação de 2014 e 2015, de que resultaram as notas de cobrança, objecto do presente pedido de pronúncia arbitral”.
3.10. Segundo a Requerida, “o conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2º, n.º 1 do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fracção autónoma é havida como constituindo um prédio”, decorrendo “da análise do preceito normativo que um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios”.
3.11. Refere a Requerida que “quanto à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que o ora Requerente define como valor global do prédio”, “e estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal”.
3.12. Entende a Requerida que “falece (…) de sustentação legal a tese defendida pelo Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações (…), como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (…) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI”.
3.13. Prossegue a Requerida referindo que “a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral (…) resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a
€ 1.000.000,00” e, “na verdade, consta da caderneta predial que o prédio se encontra em regime de propriedade total, compostos por várias partes susceptíveis de utilização independente”.
3.14. Assim, segundo a Requerida, “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária (…)” pelo que “sendo esta a informação matricial (…) as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2015, foram efectuadas, pela Administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.
3.15. Ora, segundo a Requerida, “encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios (…)”, entende a Requerida que “deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos”.
3.16. Já no que diz respeito à alegada violação do princípio da igualdade tributária alegada pelo Requerente, entende a Requerida que “não se vislumbra como é que a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade”, porquanto “(…) entende que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações”, tendo em consideração que “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”.
3.17. Deste modo, defende a Requerida que “(…) não se pode concluir por uma alegada discriminação em violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente”.
3.18. Por outro lado, argumenta a Requerida que “(…) a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado”, sendo que “a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes”.
3.19. Nestes termos, entende a Requerida que se encontra “(…) legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”.
3.20. Assim, reitera a Requerida que “tudo o que está agora a ser defendido nesta sede arbitral já foi objecto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância de 11.2.2013 do Substituto Legal do Director-Geral da Autoridade Tributária”, pelo que “(…) se mantêm integralmente válidas e legais as notas de cobrança referentes à 2.ª prestação de 2014 e 1.ª prestação de 2015 do imposto de selo (…) impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas”.
DO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
3.21. Neste âmbito, refere a Requerida que o “Requerente invoca (…) o direito a juros indemnizatórios, pese embora não constar qualquer prova do pagamento das notas de cobrança em apreciação”.
3.22. Ora, “atendendo a que a liquidação efectuada, o foi com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada (…)” defende a Requerida que “(…) não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55º da LGT”, pelo que entende que “(…) não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT”.
4. SANEADOR
4.1. No que diz respeito à alegada intempestividade do pedido, vide análise efectuada no Capítulo 6 desta Decisão, sob a epígrafe “Questões Prévias”.
4.2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. O Tribunal é competente quanto à apreciação de parte do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, conforme análise efectuada no Capítulo 6 desta Decisão (“Questões Prévias”), para a qual aqui se remete.
4.4. No que diz respeito à cumulação de pedidos efectuada pelo Requerente, remete-se aqui também para a análise efectuada no Capítulo 6 desta Decisão.
4.5. No que diz respeito ao valor do Pedido de Pronúncia Arbitral, não pode este Tribunal Arbitral, atento o teor do pedido apresentado, concordar com o valor indicado pelo Requerente de EUR 7.815,29.
4.6. Com efeito, tendo em consideração:
4.6.1. Que o Requerente peticiona a declaração de “(…) ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (…) impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, determinando a sua anulação, com as consequências legais”, referindo-se às liquidações de imposto referentes ao ano 2015, no montante total de EUR 10.928,10 e, alegadamente, à 2º prestação do imposto respeitante ao ano 2014, constante das cópias das notas de cobrança anexadas com o pedido (doc. nº 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 35 e 37), no montante de total de EUR 3.674,76), bem como,[6]
4.6.2. O disposto no artigo 306º e no artigo 297º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), nos termos do qual “cumulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles” (ou seja, EUR 14.702,76).
fixa-se o valor do processo em EUR 14.602,76 (e não em EUR 7.815,29, conforme indicado pelo Requerente), com implicações no montante de custas finais do processo, as quais de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem, serão fixadas pelo Tribunal Arbitral, no capítulo da Decisão.
4.7. Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer para além das suscitadas pela Requerida (vide análise no Capítulo 6 desta Decisão).
4.8. Não se verificam nulidades processuais.
5. MATÉRIA DE FACTO
Dos factos provados
5.1. Consideram-se como provados os seguintes factos (suportados pelos documentos a seguir identificados, anexados pelo Requerente, bem como pelo processo administrativo, anexado pela Requerida):
5.1.1. O Requerente é proprietário do prédio urbano sito na Rua…, nº…, … e … e Rua do…, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº…, da freguesia de … (extinta freguesia de …), conforme cópia de Certidão Permanente do Registo Predial, anexada com o pedido (doc. nº 1).
5.1.2. O referido prédio urbano encontra-se constituído em regime de propriedade vertical (ou total), sendo composto por cave, rés-do-chão, seis andares, direito e esquerdo (excepto o 4º andar), destinando-se a comércio e habitação, num total de dezanove andares ou divisões com utilização independente, conforme cópia da Caderneta Predial Urbana, anexada com o pedido (doc. nº 2).
5.1.3. O VPT total do referido prédio urbano era de EUR 1.384.440,00, determinado no âmbito de avaliação realizada em 17 de Janeiro de 2013, sendo que o somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente destinadas à habitação era, no ano de 2015, de EUR 1.092.810,00 [conforme resulta do somatório dos VPT individualmente considerados para efeitos de emissão das notas de liquidação, cujas cópias das notas de cobrança (para pagamento da primeira prestação) foram anexadas com o pedido (doc. nº 3 a 16)].
5.1.4. O VPT de cada uma das divisões (ou partes susceptíveis de utilização independente) destinadas à habitação situa-se entre os EUR 30.740,00 (valor atribuído ao andar denominado por “cave frente”) e os EUR 174.840,00 (valor atribuído ao “4º andar”), conforme cópia da Caderneta Predial Urbana, anexada com o pedido (doc. nº 2) e docs. nº 4 e 12 também anexados com o pedido.
5.1.5. O Requerente foi notificado das notas de cobrança para pagamento da 1ª prestação de Imposto do Selo, que a seguir se identificam (cujas liquidações que lhe deram origem são datadas de 5 de Abril de 2016), referentes ao ano 2015 (cuja data limite de pagamento era “Abril/2016”), respeitantes ao imóvel acima identificado (vide pontos 5.1.1. e 5.1.2.), conforme cópias dos respectivos documentos de cobrança anexados com o pedido (docs. nº 3 a 16) [os montantes estão expressos em Euro (EUR)]:
Nº DOCUMENTO
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ANDAR
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VPT
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COLECTA
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1ª PRESTAÇÃO
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DOC. ANEXO AO PEDIDO
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2016 …
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CV DT
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31.380,00
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313,80
|
156,90
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3
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2016 …
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CV FRT
|
30.740,00
|
307,40
|
153,70
|
4
|
2016 …
|
R/C
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31.050,00
|
310,50
|
155,25
|
5
|
2016 …
|
1º DT
|
101.760,00
|
1.017,60
|
339,20
|
6
|
2016 …
|
1º ESQ
|
81.920,00
|
819,20
|
273,08
|
7
|
2016 …
|
2º DT
|
101.760,00
|
1.017,60
|
339,20
|
8
|
2016 …
|
2º ESQ
|
81.920,00
|
819,20
|
273,08
|
9
|
2016 …
|
3º DT
|
102,770,00
|
102,770,00
|
342,58
|
10
|
2016 …
|
3º ESQ
|
82.740,00
|
827,40
|
275,80
|
11
|
2016 …
|
4º
|
174.840,00
|
1.748,40
|
582,80
|
12
|
2016 …
|
5º DT
|
103.790,00
|
1.037,90
|
345,98
|
13
|
2016 …
|
5º ESQ
|
83.560,00
|
835,60
|
278,54
|
14
|
2016 …
|
6º DT
|
103.790,00
|
1.037,90
|
345,98
|
15
|
2016 …
|
6º ESQ
|
83.560,00
|
835,60
|
278,54
|
16
|
TOTAL
|
1.092.810,00
|
10.928,10
|
|
|
5.1.6. Para efeitos de determinação da incidência de Imposto do Selo da verba 28 sobre diversas partes autónomas do imóvel (acima identificadas), foi considerado pela Requerida (i) o somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional (o qual ascendia, em 31 de Dezembro de 2015, a EUR 1.092.810,00, ou seja, era superior a EUR 1.000.000,00) e (ii) a afectação habitacional das referidas partes autónomas.
5.1.7. Para efeitos de liquidação do imposto, a Requerida aplicou a taxa de 1% de Imposto do Selo sobre o VPT individual de cada uma das fracções destinadas à habitação acima identificadas no ponto 5.1.5.
5.1.8. O Requerente foi notificado das notas de cobrança para pagamento da 2ª prestação de Imposto do Selo, que a seguir se identificam (cujas liquidações que lhe deram origem são datadas de 20 de Março de 2015), referentes ao ano 2014 (cuja data limite de pagamento era “Julho/2015”), respeitantes ao 1º andar (esquerdo e direito), 2º andar (esquerdo e direito), 3º andar (esquerdo e direito), 4º andar, 5º andar (esquerdo e direito) e sexto andar (esquerdo e direito) do imóvel acima identificado (vide pontos 5.1.1. e 5.1.2.), no montante total de EUR 3.674,76, conforme cópias dos respectivos documentos de cobrança, anexados com o pedido (doc. nº 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 35 e 37).
5.1.9. Foi obtida evidência do pagamento do Imposto do Selo respeitante às notas de cobrança referidas no ponto anterior, conforme cópias dos respectivos documentos de transferência bancária “C…”, anexados com o pedido (doc. nº 18, 20, 22, 24, 26, 28 30, 32, 34, 36 e 38).
5.2. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
Dos factos não provados
5.3. Não foi obtida evidência do pagamento do Imposto do Selo respeitante à liquidação do ano 2015 (objecto do pedido de pronúncia arbitral), nomeadamente, da 1º prestação de imposto, cujas notas de cobrança foram anexadas ao pedido (docs. nº 3 a 16).
5.4. Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. QUESTÕES PRÉVIAS
Da apreciação das excepções deduzidas pela Requerida
6.1. De acordo com o disposto no artigo 608º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).
6.2. Tendo a Requerida invocado as excepções a seguir identificadas:
6.2.1. “Da dupla extemporaneidade do pedido” e;
6.2.2. “Da incompetência absoluta do tribunal arbitral” para aprecia o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelo Requerente;
impõe-se que este Tribunal Arbitral se pronuncie, previamente, sobre as mesmas, analisando, em primeiro lugar, a excepção da alegada incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de pronúncia arbitral deduzido pelo Requerente.
Da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral
6.3. Neste âmbito, e conforme já referido no Capítulo 3 desta Decisão, a Requerida alega que “(…) o Requerente não impugna um acto tributário, mas impugna, antes, o pagamento da 2.ª prestação do ano de 2014 e da 1.ª prestação do ano de 2015, de um acto tributário constante de um documento que é uma nota de cobrança, isto é, o objecto do processo é a anulação, não de um acto tributário (…), mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 2.ª prestação de 2014 e da 1.ª prestação de 2015 do imposto (…)”, “matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT” pelo que entende a Requerida que “(…) o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança”.
6.4. Ora, sendo a determinação da competência dos tribunais uma matéria de ordem pública e o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria, [conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do 13º do CPTA e do 96º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29º do RJAT], deverá esta excepção ser analisada desde logo pois, caso seja julgada procedente, ficará prejudicado o conhecimento do mérito da causa (ou de parte dele), justificado com uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].
6.5. Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso). [7]
6.6. Por outro lado, determina o artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT) que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”, podendo ser lesivos, nomeadamente, “a liquidação de tributos (…)”.
6.7. Nesta matéria, resulta do quadro normativo acima transcrito que, em termos gerais, a pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação poderá ser objecto, quer de impugnação judicial, quer de pedido de pronúncia arbitral
6.8. No caso em análise, o Requerente peticiona que sejam declaradas ilegais “as liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2015” (ainda que consubstanciadas, via documental, através de cópia das notas de cobrança respeitantes à primeira prestação de imposto) e, segundo defende a Requerida (posição que não foi contrariada pelo Requerente, dado que não usou da prerrogativa de resposta às excepções, no prazo de 10 dias que lhe foi concedido para o fazer), a segunda prestação de imposto relativa ao ano de 2014.
6.9. Neste âmbito, e no que diz respeito ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2015, não se vislumbra qualquer incompetência por parte do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido, tendo em consideração o teor do artigo 2º do RJAT, acima transcrito no ponto 6.5.
6.10. Já no que diz respeito ao pedido de anulação da segunda prestação de Imposto do Selo respeitante ao ano de 2014, importa referir que, para cada facto tributário, haverá, em princípio, uma única liquidação pela qual se determinará a colecta a pagar, entendimento este que decorre do disposto no artigo 23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo, nos termos do qual se dispõe que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI”.[8]
6.11. Por sua vez, decorre do disposto no artigo 113º, nº 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que, ainda que a liquidação possa ser paga em várias prestações, não decorre deste facto que tenham ocorrido várias liquidações. [9]
6.12. Na verdade, a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação [10], pelo que quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros compensatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.
6.13. O que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de processo de impugnação judicial é a pretensão anulatória de pagamento de prestações de imposto isoladas uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do acto tributário de liquidação que, como vimos, consiste na quantificação do montante total a pagar e que é, apenas e tão só, um único acto tributário.
6.14. Assim, do acima exposto resulta que as notas de cobrança de Imposto do Selo, relativas à segunda prestação de imposto do ano de 2014 não são impugnáveis de per si porquanto não constituem actos de liquidação de tributos, mas apenas uma das prestações em que o pagamento do tributo pode ser realizado. [11] [12]
6.15. Neste âmbito, refira-se uma vez mais que, tendo em consideração o facto de o Requerente não se ter pronunciado nesta matéria, quanto à excepção deduzida pela Requerida, no que diz respeito à inclusão no pedido de pronúncia arbitral apresentado, do pedido de sindicância da 2ª prestação do Imposto do Selo relativo ao ano de 2014, deu-se como provado que o Requerente pretende também sindicar essa prestação.
6.16. Nestes termos, quanto a este pedido de pronúncia arbitral relativo à segunda prestação de Imposto do Selo do ano 2014, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido, porquanto as diversas prestações em que se pode arrecadar um tributo não são, de per si, individualmente impugnáveis, conforme acima concluído no ponto 6.14.
Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
6.17. Neste matéria, alega a Requerida a “dupla extemporaneidade do pedido” porquanto “a data da liquidação do imposto do ano de 2014 é de 20.03.2015 (…)” e “(…) o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto”, pelo que entende a Requerida que “o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral para apreciação da legalidade da liquidação do imposto de selo já terminou (…)”, sendo “(…) este Pedido (…) manifestamente extemporâneo”.
6.18. Ora, em termos gerais, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte”.
6.19. Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT (...)”.
6.20. Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos (como se extrai da leitura do RJAT) e, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.
6.21. No caso em análise, o Requerente solicita em primeiro lugar no seu pedido de pronúncia arbitral que seja declarada a “(…) a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (…) impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito (…), determinando a sua anulação”, referindo no artigo 3º do pedido apresentado que “(…) foi notificada das (…) liquidações de Imposto de Selo do ano de 2015 (1.ª prestação), relativas a parte dos andares ou divisões com utilização independente existentes no prédio (…) identificado no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário (…)”.
6.22. Ora, tendo o Requerente sido notificado, em 2016, das liquidações de Imposto do Selo do ano 2015, cujas notas de cobrança da primeira prestação de imposto tinham como data limite para pagamento voluntário finais de Abril de 2016 (ou seja, 30 de Abril), a contagem do prazo referido para apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral iniciar-se-ia no dia no dia seguinte ao termo daquele prazo para pagamento voluntário, ou seja, a partir de 1 de Maio de 2016.
6.23. Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido interposto em 27 de Junho de 2016, considera-se o mesmo tempestivo quanto à sindicância da legalidade das liquidações respeitantes ao ano 2015.
6.24. No que diz respeito aos restantes pedido formulados pelo Requerente (incluídos no pedido de pronúncia arbitral), a Requerida entende que o Requerente, conforme acima já foi referido (vide pontos 6.3. a 6.16., supra), também solicita a sindicância da segunda prestação de Imposto do Selo referente às liquidações daquele imposto respeitantes ao ano de 2014, porquanto este faz referência, no artigo 57º e seguintes do pedido, à liquidação de Imposto do Selo de 2014 (devido em 2015), anexando cópias das notas de cobrança relativas à segunda prestação de imposto daquele ano de 2014.
6.25. Contudo, e conforme já analisado (vide pontos 6.3. a 6.16., supra), tendo em consideração:
6.25.1. Que o pagamento em prestações não é mais do que uma técnica de arrecadação do imposto (e não um pagamento parcial propriamente dito), bem como;
6.25.2. O acima exposto quanto à procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral nesta matéria (porquanto cada uma das referidas prestações se trata de um acto inimpugnável), com a consequente absolvição da Requerida da instância;
fica aqui prejudicado o conhecimento, quanto a estas notas de cobrança do Imposto do Selo do ano de 2014, da alegada excepção da intempestividade do pedido, porquanto tal se revelaria inútil.
Dos restantes pedidos incluídos no pedido de pronúncia arbitral
6.26. Neste âmbito, recorde-se que o Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, vem peticionar, para além do pedido acima já identificado (declaração da “(…) a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (…) impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, determinando a sua anulação, com as consequências legais”), que o Tribunal Arbitral:
6.26.1. Condene “(…) a Autoridade Tributária e Aduaneira (…) a reembolsar (…) o valor dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tais pagamentos foram efectuados até à data do integral reembolso dos mesmos”;
6.26.2. Declare “(…) o presente julgado procedente, sejam extintos os todos os processos executivos instaurados (…) com origem no Imposto de Selo, calculado de acordo com o critério defendido pela AT (…)”;
6.26.3. “Que, sendo o presente julgado procedente, seja a Autoridade Tributária (…) condenada a, rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-as ou substituindo-as, total ou parcialmente”;
6.26.4. “Que sendo presente julgado procedente, seja a Autoridade Tributária (…) condenada a, de futuro liquidar as prestações tributárias de imposto de selo, em conformidade com a decisão arbitral, sem incorrer no vício que justificou a declaração de ilegalidade ou de se abster de liquidar, caso não lhe seja possível elaborar uma nova liquidação, sem incorrer na ilegalidade declarada na decisão arbitral”;
6.26.5. “Que, sendo o presente julgado procedente, sejam fixadas as custas a cargo da Requerida (…)”.
6.27. Neste âmbito, tendo em consideração o acima exposto (no ponto 6.5.) quanto à competência dos tribunais arbitrais, em conformidade com o disposto no artigo 2º e no artigo 24º do RJAT, entende este Tribunal que os pedidos acima identificados nos pontos 6.26.2., 6.26.3. e 6.26.4. dizem respeito a implicações directas que podem decorrer da decisão final que conheça o mérito do pedido, caso este venha a ser julgado procedente, pelo que aqui se remete para os Capítulos seguintes desta Decisão (análise da “Matéria de Direito” e “Decisão” propriamente dita).
6.28. No que diz respeito ao pedido apresentado pelo Requerente e acima identificado no ponto 6.26.5., relativo à fixação das custas, tendo em consideração o disposto no artigo 22º, nº 4 do RJAT, remete-se aqui para o Capítulo seguinte desta Decisão, onde se fixará a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
6.29. Quanto aos pedidos apresentados pelo Requerente, acima identificados no ponto 1.2.1. e 6.26. [declaração da “(…) ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (…) impugnadas, por erro nos pressupostos de Direito, determinando a sua anulação, com as consequências legais”] e no ponto 1.2.2. e 6.26.1. [condenação da “(…) Autoridade Tributária e Aduaneira (…) a reembolsar (…) o valor dos impostos indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tais pagamentos foram efectuados até à data do integral reembolso dos mesmos”], sendo competente o Tribunal Arbitral para deles conhecer e tendo sido o pedido considerado tempestivo quanto à sindicância das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2015, remete-se a sua análise também para o Capítulo seguinte desta decisão.
7. MATÉRIA DE DIREITO
7.1. No caso em análise, de modo a aferir a legalidade das liquidações de Imposto do Selo notificadas ao Requerente, por referência ao ano de 2015, será importante dar resposta a uma questão de direito controvertida, subjacente ao Pedido de Pronúncia Arbitral:
7.1.1. A sujeição a Imposto do Selo, nos termos do que dispõe a verba nº 28.1. da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares (com aquele tipo de afectação), que dele fazem parte?
7.2. Neste âmbito, o Requerente defende que “o valor patrimonial relevante para efeitos da aplicação da verba 28.1. da TGIS é o VPT da parte, andar ou divisão com utilização independente com afectação habitacional (…)” sendo que, para a Requerida, “(…) o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto (…)” é “(…) o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”.
7.3. Ora, para efeitos de responder à questão acima enunciada, será importante analisar as alterações decorrentes da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro (ou seja, o aditamento à TGIS da verba 28) porquanto aquele diploma “introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental”. [13][14]
7.4. Assim, “invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias (…)”, tendo sido introduzidas “(…) medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal (…) a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (…), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescidos, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes” (sublinhado nosso).[15]
7.5. E se dúvidas houvesse quanto à alegada inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, por alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, nesta matéria pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão de 11 de Novembro de 2015 (no âmbito do processo nº 542/14), nos temos do qual decidiu “(…) não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”, “não se verificando a violação de parâmetros de constitucionalidade (…), nem quaisquer outros (…)” (sublinhado nosso).[16][17]
7.6. Com efeito, e no que diz respeito ao princípio da igualdade tributária e capacidade contributiva, afasta aquele Tribunal a “névoa” da inconstitucionalidade, porquanto:
7.6.1. “Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao (…) da generalidade dos prédios urbanos com afectação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido princípio da equidade social na austeridade” (sublinhado nosso).
7.6.2. Por outro lado, esclarece ainda aquele Acórdão que “o princípio constitucional da igualdade tributária (…) encontra concretização na generalidade e na uniformidade dos impostos”, sendo que “generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…)” e “uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (sublinhado nosso).[18]
7.7. E tal critério, como sublinha Casalta Nabais, citado naquele Acórdão, encontra-se no princípio da capacidade contributiva, ao implicar “(…) igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)”.[19]
7.8. Ora, “como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva (…) afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários se atenha a revelações de capacidade contributiva (…)” (sublinhado nosso).[20] [21]
7.9. Por outro lado, o mesmo Acórdão refere que “o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais”, ou seja, “o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também ao cumprimento das finalidades do sistema fiscal”.[22]
7.10. Assim, e em suma, “(…) o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas”, seja “na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem excepção”, seja “na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontram em situações iguais e de modo diferente os contribuintes que se encontram em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva”, seja ainda “na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional” (sublinhado nosso).[23]
7.11. Nestes termos, “a incidência do Imposto do Selo (…) remete aqui, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo (…) para a regulação constante do Código do IMI (…)”, sendo que “a doutrina atribui-lhe mesmo a condição de taxa adicional de IMI, dirigido a discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes (…) explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que o reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado” (sublinhado nosso).[24]
7.12. Por outro lado, e no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, afasta também aquele Tribunal qualquer inconstitucionalidade porquanto (e cite-se):
7.12.1. “O legislador não visou apenas por este meio o objectivo de reequilíbrio das contas públicas (…) pretendeu (…) alargar a base tributável à riqueza exteriorizada na propriedade de prédios urbanos destinados à habitação de elevado valor e (…) como instrumento de obtenção de mais receita e (…) de alívio do esforço que pudesse vir a incidir sobre outras fontes de receita ou sobre a redução da despesa pública, com vista a cumprir as metas do défice público, não sofre dúvidas que as verbas de Imposto do Selo arrecadadas por via da incidência prevista na verba nº 28, qualquer que seja o seu montante, são aptas e idóneas a realizar as finalidades de repartição ampliada do esforço em período de sacrifícios fiscais e financeiros adicionais que o legislador procurou atingir” (sublinhado nosso).
7.12.2. Assim, “enquanto medida fiscal dirigida a afectar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos com vocação habitacional e de mais alto valor, não se vislumbram razões para concluir pelo desrespeito das dimensões da necessidade ou da justa medida, contidas no princípio da proporcionalidade” (sublinhado nosso).
7.13. Nestes termos, fica aqui afastada, pelas razões acima expostas, qualquer dúvida quanto a uma eventual inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, no que diz respeito aos princípios constitucionais supra referidos.
Da incidência do imposto
7.14. Neste âmbito, conforme acima já referido, importa analisar a essência da verba nº 28 da TGIS (aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro).
7.15. Não obstante a Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se for observado o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei nº 55-A/2012), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da TGIS se aplica, subsidiariamente, o Código do IMI”.
7.16. Ora, da leitura do Código do IMI, facilmente é perceptível que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.
7.17. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).
7.18. Ainda de acordo com o nº 2 e o nº 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.
7.19. Para efeitos de IMI, “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio” e, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código daquele imposto “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” (sublinhado nosso).
7.20 Entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “prédios urbanos habitacionais” [nº1, alínea a)], acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".
7.21 Por outro lado, se é certo que o nº 4 do artigo 2º do Código do IMI refere que "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio" também é certo que não há nada na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”.
7.22 Assim, daqui pode concluir-se que as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afectação habitacional, devem ser consideradas como “prédios urbanos habitacionais”.
7.23 Conforme defendido em diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente, na que foi proferida no âmbito do Processo nº 88/2013-T, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina”, pelo que, “há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização” (sublinhado nosso).
7.24 Com efeito, na interpretação do texto legal, não faz sentido distinguir aquilo que a própria lei não distingue pois distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios constituídos em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado.
7.25 Na verdade, nem na verba nº 28 da TGIS, nem no disposto no Código do IMI, nada indicia uma justificação para essa diferenciação sendo hoje entendimento pacífico que as leis fiscais se interpretam através da determinação do seu verdadeiro sentido, apurado de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT).[25] [26]
7.26 Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[27]
7.27 Nestes termos, o critério uniforme que se impõe é o que determina que a incidência do preceituado na norma em causa (verba 28 da TGIS) apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal (ou total), com afectação habitacional, possua um VPT superior a EUR 1.000.000,00.
7.28 Assim “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu um critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1. da TGIS” [28], pelo que fixar como valor de referência para esse objectivo, o VPT global do prédio em causa (como pretende a Requerida), não encontra base na legislação aplicável (sublinhado nosso).[29]
7.29 Por último, importará ainda reforçar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS (em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[30]), tendo em consideração as circunstâncias em que a norma foi elaborada, bem como as condições específicas do tempo em que a mesma foi e é aplicada.
7.30 Com efeito, e como acima já foi referido (vide ponto 7.6., 7.11. e 7.12.), à data da alteração, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.
7.31 Na verdade, entendemos ser isso mesmo que se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[31], não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[32]
7.32. Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta pois, como vimos, na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhado nosso).
7.33. Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação” (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não faria qualquer sentido se aplicada “unidade a unidade” para, através do somatório dos VPT individuais das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo), apurar o tal valor igual ou superior a um milhão de euros (sublinhado nosso).
7.34. Acresce ainda que, admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis e discriminatórios do ponto de vista jurídico, porquanto contrários aos objectivos (de promoção da equidade social e da justiça fiscal) que o legislador defendia ter ao aditar a referida verba nº 28.
7.35. Assim, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.
7.36. Inversamente, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei, ou seja, a EUR 1.000.000,00.
7.37. Deste modo, e conforme defende o Requerente, é ilegal (e inconstitucional) considerar que o valor de referência para a liquidação do imposto seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, desde logo porque estaríamos perante uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, porquanto o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente, em função de estarmos ou não perante um prédio em propriedade horizontal ou em propriedade vertical.
7.38. Ora, se o prédio em análise se encontrasse em regime de propriedade horizontal, era claro que nenhuma das divisões habitacionais passíveis de utilização independente, que dele fazem parte, estaria sujeita à incidência do novo imposto, porquanto em nenhuma delas o VPT, individualmente considerado, ultrapassaria o limite de
EUR 1.000.000,00 definido pela lei (vide ponto 5.1.4., supra).
7.39. Será por isso mesmo, que o artigo 12º, nº 3 do Código do IMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo VPT” para não gerar situações de violação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (sublinhado nosso).
7.40. Dado que a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo sequer uma nova avaliação, será a verdade material a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio pelo que, em consequência, a discriminação operada pela Requerida traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.[33]
7.41. E, tendo em conta toda a realidade social e económica muitas vezes subjacente em muitos dos prédios em propriedade vertical, o próprio legislador fiscal no Código do IMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.
7.42. Com efeito, reitere-se que não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.
7.43. Analisando a situação sub judice, e como já referido no ponto 7.38., supra,
constata-se que o VPT dos andares (unidades autónomas) com afectação habitacional no imóvel acima descrito (ponto 5.1.1. e 5.1.2., supra) varia entre o valor mais baixo de EUR 30.740,00 (CV/FRT, conforme doc. nº 1 e 4, anexados com o pedido) e o valor mais alto de EUR 174.840,00 (4º andar, conforme doc. nº 1 e 12, anexados com o pedido) pelo que, em qualquer um deles, individualmente considerado, o referido VPT é sempre inferior a EUR 1.000.000,00.
7.44. Assim, face ao acima exposto, a resposta a dar à questão acima colocada (vide ponto 7.1.1.) será a de que a sujeição a Imposto do Selo, para efeitos da verba 28º da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional e não pelo VPT global do prédio, pelo que será de concluir que sobre os andares com afectação habitacional (do prédio identificado nos autos) não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28 da TGIS sendo assim ilegais os actos de liquidação, relativos ao ano 2015, objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente. [34][35]
Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios
7.45. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
7.46. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
7.47. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[36] [37]
7.48. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7.49. Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7.50. Na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados (vide pontos 5.1.5. e 7.44.) e, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelo Requerente, relativos ao Imposto do Selo do ano de 2015, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
7.51. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre as quantias pagas, no âmbito das liquidações de Imposto do Selo respeitantes ao ano de 2015 (objecto do pedido de pronúncia arbitral), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
7.52. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.53. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
7.54. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.55. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade por custas ao Requerente e à Requerida na proporção do respectivo decaimento (25%% e 75%%, respectivamente), de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
8. DECISÃO
8.1. Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar procedente a excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral quanto ao pedido de sindicância da segunda prestação de Imposto do Selo respeitante à liquidação de imposto do ano 2014, absolvendo-se a Requerida da instância nesta matéria;
8.1.2. Julgar improcedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de Imposto do Selo respeitantes ao ano 2015;
8.1.3. Julgar improcedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral quanto à segunda prestação de Imposto do Selo respeitante às liquidações de imposto do ano 2014, porque prejudicada pela procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral;
8.1.4. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, condenando a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, datadas de 5 de Abril de 2016 (respeitantes ao ano de 2015) anulando-se, em consequência, todos os respectivos actos tributários de liquidação, com a consequente devolução das quantias que tenham sido indevidamente pagas relativamente ao imposto do ano de 2015, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;
8.1.5. Condenar o Requerente e a Requerida no pagamento das custas do presente processo, na proporção do respectivo decaimento (25% e 75%, respectivamente).
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como o acima exposto no ponto 4.6. (Capítulo 4 desta decisão), fixa-se o valor do processo em EUR 14.602,76.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo do Requerente (25%) e da Requerida (75%), de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Novembro de 2016
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Nesta matéria, cita o Requerente as Decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos nº 280/2013-T, 26/2014-T, 88/2014-T, 206/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 451/2014-T, 457/2014-T, 458/2014-T, 567/2014-T, 724/2014-T, 152/2015-T, 174/2015-T, 236/2015-T, 311/2015-T, 411/2015-T, 431/2015-T, 449/2015-T, 461/2015-T, 463/2015-T, 474/2015-T e ainda, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 047/15, de 09/09/2015, processo nº 01354/15, de 02/03/2016 e processo nº 01534/15, de 27/04/2015.
[3] Neste sentido, cita o Requerente a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 50/2013-T, segundo o qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1 da TGIS”.
[4] Cita o Requerente uma vez mais a Decisão Arbitral nº 50/2013-T, segundo o qual “o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente. Ora, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto”.
[5] Nesta matéria, remete-se aqui para a transcrição integral do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente acima efectuada no ponto 1.2. desta Decisão.
[6] Estas notas de cobrança dizem respeito ao 1º DT, 1º ESQ., 2º DT, 2º ESQ., 3º DT, 3º ESQ., 4º, 5º DT,
5º ESQ., 6º DT e 6º ESQ. do prédio urbano sito na Rua …, nº…, … e … e Rua do…, … e…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº…, da freguesia de …(vide pontos 5.1.1.e 5.1.2.).
[7] O disposto no referido preceito deverá ser entendido em conjugação com o disposto no artigo 97º do CPPT, no qual estão indicadas as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do seu nº 1 que o processo judicial tributário compreenda “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais (…)”.
[8] Nesta matéria, conforme defende José Casalta Nabais (In “Direito Fiscal”, 3ª Edição, Almedina, 2005, página 318), “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto (e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas)” enquanto “a liquidação stricto sensu” se traduz “na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável e as (eventuais) deduções à colecta” (sublinhado nosso).
[9] Neste sentido, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 205/2013, de 7 de Março de 2014, nos termos da qual se escreve que “da circunstância do valor da liquidação [de Imposto de Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações (…) tratando-se, diferentemente, de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações”.
[10] Neste âmbito, embora a proferido sob a égide de análise de outro tributo (e quanto a actos interlocutórios do procedimento tributário), deverá atentar-se no vertido no AC TCAN nº 00264/10.1BEBRG, de 16 de Outubro de 2014, nos termos do qual se refere que “por força do princípio da impugnação unitária, plasmado no artigo 54º do CPPT, só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento tributário” (liquidação) “dado que só esse acto atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte” [ou seja, qualquer outro tipo de acto que não seja o da liquidação “(…) é efectivamente impugnável (…) através do acto de liquidação (…) praticado, pelo que fica, desta forma, assegurada a possibilidade de controlo judicial da sua legalidade”.
[11] Nesta matéria, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 726/2014, de 10 de Março de 2014, no sentido de que “uma prestação não equivale a uma liquidação de imposto, porquanto, nos termos do nº 7, do artigo 23º, do Código do Imposto do Selo (…), tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI. Ora, a expressão o imposto é liquidado anualmente indicia que é efetuada uma única liquidação anual e (…) a divisão de uma liquidação em prestações não passará, assim, de uma mera técnica de arrecadação de receitas. As prestações de pagamento de uma liquidação de (…) Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual” (sublinhado nosso)
[12] Neste sentido, vide também Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 137/2015, de 30 de Junho de 2015.
[13] De acordo com alteração introduzida pelo referido diploma, a verba 28 da TGIS passou a ter a seguinte redacção (negrito nosso):
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%.
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%"
[14] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 11 de Novembro (processo nº 542/14) - ponto 9.
[15] Vide nota de rodapé anterior.
[16] E já se referindo às alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/20123 de 31 de Dezembro.
[17] Com efeito, conclui o Tribunal Constitucional que “(…) a verba 28 da TGIS não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (…)”.
[18] Neste sentido, é citado Teixeira Ribeiro, in “Lições de Finanças Públicas”, 5ª Edição, pág. 261.
[19] In “Direito Fiscal”, 7ª Edição, 2012, pág. 155.
[20] Vide Casalta Nabais, obra citada na nota de rodapé anterior, pág. 157.
[21] Neste mesmo sentido, vide AC TC nº 84/20103, citado no AC TC nº 590/2015, de 11 de Novembro.
[22] Neste sentido, vide AC TC nº 84/2003.
[23] Neste sentido, vide AC TC nº 695/2014.
[24] Vide José Maria Fernando Pires, in “Lições de Imposto sobre o Património”, Coimbra, 3ª Edição, 2015, pág. 504 e pág. 506.
[25] Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 12º, nº 3, do Código do IMI, ao referir que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.
[26] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho de 2014.
[27] Cfr. AC TCAS processo 5320/12, de 2 de Outubro de 2012, AC TCAS processo 7073/13, de 12 de Dezembro de 2013 e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.
[28] Vide Decisão Arbitral nº 50/2013-T, de 29 de Outubro de 2013.
[29] Que é o Código do IMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo.
[30] Segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
[31] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.
[32] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (vide processo nº 48/2013-T e processo nº 50/2013-T).
[33] Uma vez que a lei não impõe a obrigação de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal.
[34] Neste sentido, vide nomeadamente, Decisão Arbitral nº 368/2014-T, de 18 de Dezembro de 2014, emitida pela signatária.
[35] Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do STA nº 01354/15, de 2 de Março de 2016, nos termos do qual “relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (…), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”.
No mesmo sentido, vide também Acórdão do STA nº 047/15, de 9 de Setembro de 2015.
[36] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).
[37] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).