Decisão Arbitral [1]
Requerente –A…, S.A.
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 14 de Julho de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, S.A., Pessoa Colectiva nº…, com sede na Rua …, nº…, … andar, no Porto (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 9 de Maio de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente, “(…) tendo sido notificada do indeferimento total da reclamação graciosa interposta com respeito às liquidações que (…) se identificam, vem (…) solicitar a constituição de tribunal arbitral”, e pretende “com o (…) pedido (…) a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (…) com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, nos montantes de, respetivamente, € 18038,73, € 28534,83 e € 6586,62, bem como, dos respetivos juros compensatórios (…)”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 10 de Maio de 2016 e notificado à Requerida na mesma data.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 29 de Junho de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14 de Julho de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, “(…) em 30 dias, responder, juntar cópia do processo administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional”
1.7. Em 29 de Setembro de 2016 a Requerida anexou aos autos o processo administrativo e em 30 de Setembro de 2016 apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que “(…) deverá ser julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção arbitral, com a absolvição da entidade Requerida da instância, ou caso assim não se entenda, deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.
1.8. Na resposta apresentada, a Requerida requereu ainda “(…) a dispensa da produção de prova testemunhal, porquanto a inquirição de testemunhas constituirá um acto manifestamente inútil”.
1.9. Por despacho arbitral de 3 de Outubro de 2016, foi a Requerente notificada para, no prazo de dez dias, querendo, se pronunciaram sobre a matéria de excepção deduzida, pela Requerida, na Resposta apresentada em 30 de Setembro de 2016.
1.10. A Requerente, em 13 de Outubro de 2016, pronunciou-se quanto à excepção deduzida pela Requerida na sua Resposta, no sentido de “tendo a decisão da reclamação graciosa sido notificada ao requerente por ofício datado de 2016-02-03, recepcionado em 2016-02-08, e tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido efectuado em 2016-05-09 (…), foi o mesmo tempestivo”, pelo que entende a Requerente que “não se verifica (…) a excepção de intempestividade invocada”, concluindo que “(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada, com todas as devidas e legais consequências (…)”.
1.11. Por despacho arbitral, de 13 de Outubro de 2016, mandou o Tribunal Arbitral notificar:
1.11.1. “Ambas as Partes para se pronunciarem, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e sobre a possibilidade de dispensa da apresentação de alegações”;
1.11.2. “A Requerente para, no referido prazo de 5 dias, se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa da inquirição das testemunhas arroladas” e, caso não prescindisse da inquirição das testemunhas indicadas no Pedido, ficaria desde logo “(…) notificada para, no prazo referido (…), indicar os factos sobre os quais (…)” pretenderia que a prova testemunhal incidisse.
1.12. Em 14 de Outubro de 2016, a Requerida apresentou requerimento no sentido de nada ter “(…) a opor à dispensa da realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, e, pela, mesma ordem de razões, à dispensa da realização de alegações”.
1.13. A Requerente, em 18 de Outubro de 2016 apresentou requerimento no sentido de “(…) informar que nada tem a opor à dispensa da reunião a que alude o art. 18.º RJAT, bem como nada tem a opor à dispensa de apresentação de alegações”, mais informando que “(…) dispensa a inquirição das testemunhas arroladas no Pedido”.
1.14. Por despacho arbitral de 18 de Outubro de 2016, tendo em consideração o despacho arbitral de 13 de Outubro de 2016 (vide ponto 1.11., supra) e os requerimentos apresentados pelas Partes, em 14 e 18 de Outubro de 2016 (vide pontos anteriores), decidiu o Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT:
1.14.1. Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.14.2. Prescindir da inquirição das testemunhas arroladas no processo;
1.14.3. Prescindir da apresentação de alegações;
1.14.4. Designar o dia 18 de Novembro de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.15. Por último, o Tribunal advertiu ainda a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 26 de Outubro de 2016).
2. CAUSA DE PEDIR
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
OBJECTO DO PEDIDO
2.1. Neste âmbito, esclarece a Requerente que “com o presente pedido pretende-se a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (…) com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, nos montantes de, respetivamente, € 18038,73, € 28534,83 e € 6586,62, bem como, dos respetivos juros compensatórios (…)”.
2.2. Mais adianta a Requerente que “tais liquidações respeitam a supostos adiantamentos por conta de lucros, relativamente aos quais (…) não teria efetuado a retenção na fonte de IRS (…), nem a correspondente entrega nos cofres do Estado do imposto (…) devido (…)”.
DOS FACTOS
2.3. Nesta matéria, esclarece a Requerente que “iniciou a sua atividade de compra e venda e construção de edifícios em 07/05/2009 e com o capital social de € 5 000,00”, nomeadamente, elencando informação relativa a compras efectuadas nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, bem como os proveitos facturados nos referidos anos.
2.4. Ora, segundo a Requerente, tendo em consideração que “os dados apresentados denunciam um forte desequilíbrio financeiro a exigir o recurso a capitais externos, designadamente, para concretizar as aquisições de imóveis (…)”, esclarece que “(…) o pagamento das aquisições de imóveis (…)”, efectuadas nos anos 2009 e 2010 foram realizados “(…) diretamente pelo sócio Adriano Correia Cardoso com recurso a meios próprios”.
2.5. Com efeito, segundo a Requerente, “(…) tal desequilíbrio financeiro foi compensado por entregas efectuadas pelo sócio (…)” porquanto, “o pacto social não prevê a possibilidade de serem realizadas Prestações Suplementares, acrescendo que nunca foi concretizada qualquer deliberação social sobre a necessidade ou determinação da sua efetivação (…)”.
2.6. Refere a Requerente que, neste âmbito, “a AT identificou, através dos extratos bancários a que teve acesso (…), como movimentos que deveriam corresponder a benefícios do sócio a título de adiantamento por conta de lucros (…)”, os montantes que indica no pedido de pronúncia arbitral.
2.7. Adicionalmente, segundo a Requerente, “(…) a AT detetou na contabilidade do requerente o registo de despesas, contabilizadas como Compras (…) e Fornecimentos e Serviços Externos (…), que foram consumidas no desenvolvimento de prestações de serviços em edifícios de terceiros, designadamente, imóvel de habitação do sócio (…) e imóveis de outras sociedades, concluindo que tais encargos corresponderiam a benefícios do sócio passíveis de enquadramento como adiantamentos por conta de lucros”.
2.8. Reconhece a Requerente que “(…) a contabilidade revelava que o sócio (…) se apresentava credor do requerente em consequência das entregas registadas como Prestações Suplementares”.
2.9. Por outro lado, reconhece ainda que “no decurso do procedimento de inspeção o requerente admitiu deficiências na contabilidade ao nível do registo das operações financeiras”.
DOS FUNDAMENTOS DAS LIQUIDAÇÕES
2.10. Assim, segundo a Requerente, “a AT, no seu Relatório de Inspeção Tributária, vem referir que não foram efetuadas pelo requerente conciliações bancárias entre os registos contabilísticos e os dados que constam dos extratos bancários respetivos, concluindo-se pela existência de uma total discrepância na informação fornecida por aqueles elementos”.
2.11. Nestes termos, “(…) a AT conclui que não existindo na contabilidade evidências de que os valores em causa pudessem corresponder a reembolso de mútuo efetuado ou a pagamento de trabalho dependente, os valores pagos respeitam a lucros ou adiantamento de lucros (…)”.
ANTECEDENTES PROCESSUAIS
2.12. Nesta matéria, esclarece a Requerente que “(…) apresentou, em 16/10/2014, reclamação graciosa na qual (…) argumentava que o sócio B… se apresentava credor do requerente, pelo que resultava desprovido de qualquer sentido considerar que o mesmo (…) deliberasse distribuir verbas por conta de lucros quando podia decidir fazer-se reembolsar dos valores que havia entregado à sociedade (…)”.
2.13. “Em consequência, a AT., com data de 24/04/2015, concretiza projeto de decisão da reclamação graciosa (…)”, tendo o mesmo merecido “(…) em 15/05/2015, por parte do requerente a competente resposta, nela se dando conta de que o pacto social não admite a possibilidade de serem solicitadas Prestações Suplementares e de que nunca foi deliberada a sua realização (…)” pelo que “(…) não configurando os créditos Prestações Suplementares, as verbas em causa sempre estariam disponíveis para devolução ao sócio credor (…)”.
2.14. Contudo, segundo a Requerente, “numa clara demonstração da falta de fundamentos para sustentar as liquidações (…)”, “(…) a AT (…) decide sem se pronunciar sobre os fundamentos apresentados na reclamação graciosa”.
DOS FUNDAMENTOS DO PEDIDO DE PRONÚNCIA
Inexistência de facto tributário
2.15. Neste âmbito, entende a Requerente que “a AT entendeu servir-se da presunção legal estabelecida no (…) CIRS, sem cuidar de demonstrar a verificação dos respetivos pressupostos, designadamente, provar que as importâncias em causa se encontravam lançadas na conta-corrente do sócio, bem como, que a sua atribuição não poderia corresponder a reembolso de mútuo, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais” porquanto, segundo a Requerente, “(…) a AT verificou que de todas as verbas envolvidas, apenas a respeitante à transferência bancária datada de 03/12/2010 (…), se encontrava relevada contabilisticamente em conta-corrente do sócio”.
2.16. Por outro lado, entende a Requerente que, quanto às verbas “(…) contabilizadas como compras e fornecimento e serviços externos (…)”, “(…) não estando verificada a escrituração (…) em conta-corrente do sócio, não se encontra preenchida a base da presunção legal estabelecida no (…) CIRS” pelo que, “neste capítulo, não se pode pretender ver legitimado recurso a tal presunção ao invocar uma aplicação analógica da lei, considerando que aquele normativo poderá ter aplicação a todas as situações que, embora não escrituradas em conta-corrente do sócio, deveriam
tê-lo sido no cumprimento das normas de contabilidade”, “o que representaria uma violação do princípio da legalidade tributária que decorre da CRP e se encontra plasmado (…)” na Lei Geral Tributária (LGT).
2.17. Assim, nesta matéria, conclui a Requerente que “(…) não poderá colher esse fundamento como sustentação dos atos tributários de que aqui se pede a anulação”.
Irrelevância dos factos invocados
2.18. Segundo a Requerente, “invoca a AT, através do Relatório de Inspecção Tributária, como factos com relevância para estabelecer a presunção de que os custos suportados pelo requerente, e contabilizados como tal, correspondem a distribuição de lucros ou adiantamento por conta dos mesmos, a sua afetação ao desenvolvimento de obras em edifícios que não integram o património ou o negócio da empresa”, argumentos com os quais a Requerente não concorda.
2.19. Ora, “sendo que só parte desses custos foram consumidos em obras na habitação do sócio (…), o que não surge devidamente quantificado no Relatório (…), os restantes foram afetos a obras em edifícios pertencentes a outras sociedades” pelo que, no entender da Requerente, não podem ser considerados “(…) como distribuição de lucros ou adiantamento por conta dos mesmos, em virtude de não corresponderem a benefícios diretos ou indiretos de que este possa ter aproveitado”.
Violação do princípio do ónus da prova
2.20. Nesta matéria, entende a Requerente que “(…) aos agentes da AT não assiste o direito de aproveitar, apenas, parte dos factos e circunstâncias que envolvem e definem o enquadramento tributário (…)” pelo que conclui a Requerente que as tributações por “(…) IRS não retido deverão ser anuladas na sua totalidade”.
DA CONCLUSÃO
2.21. Nestes termos, conclui a Requerente o pedido de pronúncia arbitral entendendo que “face a tudo quanto foi exposto, os atos tributários de liquidação de IRS
apresentam-se feridos de ilegalidade (…) pelo que deverão ser anulados na sua totalidade”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu, defendendo-se por excepção e por impugnação, concluindo que “(…) deverá ser julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção arbitral, com a absolvição da entidade Requerida da instância, ou caso assim não se entenda, deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências”.
Por Excepção
3.2. Neste âmbito, refere a Requerida que “a Requerente (…) peticiona no seu pedido de pronúncia arbitral a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), desenvolvidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, nos montantes de, respectivamente, € 18.038,73, € 28.534,83 e € 6.586,62, bem como dos respectivos juros compensatórios”, sendo que “o objecto do pedido são, portanto, as liquidações de IRS acima referidas e identificadas no presente processo”, pelo que “(…) a Requerente peticiona que o Tribunal se digne apreciar a legalidade dos actos de liquidação de IRS, identificados no processo”.
3.3. Ora, segundo a Requerida, “(…) o objecto imediato do processo deveria ser o indeferimento da reclamação graciosa (…) indeferida por despacho notificado a 8 de Fevereiro de 2016 (…)”, mas “(…) do teor do pedido formulado (…) verifica-se que os actos tributários sindicados e que são de facto objecto do pedido de pronúncia arbitral não são o de indeferimento da reclamação graciosa (…) mas sim, como refere a Requerente, os actos de liquidação de IRS identificados no pedido arbitral”.
3.4. Prossegue a Requerida referindo que, neste âmbito, “(…) pretendendo a Requerente reagir dos actos de liquidação, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral deveria ter sido apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo para pagamento voluntário (…)” pelo que, “tendo a Requerente apresentado o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em 9 de Maio de 2016 (…) verifica-se que nesta data havia já sido ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação em sede arbitral, dos actos de liquidação em apreço (…)”, concluindo a Requerida que o pedido “(…) é intempestivo, não podendo o Tribunal conhecer o mesmo (…)” “(…) porquanto a caducidade do direito de acção consubstancia uma excepção (…) impeditiva do conhecimento do mérito da causa (…)”.
Por Impugnação
3.5. Não obstante, neste âmbito, alega a Requerida que “em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2013…, foi realizada acção inspectiva à (…) ora requerente arbitral, de âmbito geral e incidente sobre os exercícios de 2010, 2011 e 2012”, tendo resultado da referida acção inspectiva “(…) correcções em sede de IRS/retenções na fonte à taxa liberatória, por adiantamento por conta de lucros (…)”, as quais se traduziram “(…) em correcções à matéria tributável em sede de IRS, que por sua vez constitui o objecto da presente lide”.
3.6. Estas correcções em sede de IRS, resultaram “(…) do facto de a Requerente ter incorrido em despesas com imóveis não afectos à actividade da A… e da detecção de transferências de fundos da sociedade para o sócio-gerente, caracterizadas como adiantamento dos lucros, sujeitas à taxa liberatória (…)”.
Fundos da Requerente aplicados em bens não afectos à actividade - Retenções na Fonte de
IRS em falta
3.7. Com efeito, refere a Requerida que “(…) de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, pelo que “(…) as importâncias despendidas pela sociedade em despesas ou gastos não aceites fiscalmente, sendo imputáveis, pela sua natureza, à esfera particular do sócio/accionista deveriam ter sido relevadas contabilisticamente na conta-corrente do próprio de forma a repor a verdade material dos factos, o que não se verificou”.
3.8. E prossegue a Requerida, referindo que “nesta conformidade, não existindo evidências na contabilidade de que resultou de reembolso de mútuo efectuado ou da prestação de trabalho dependente, como gerente [caso em que as mesmas importâncias seriam consideradas rendimentos tributáveis em sede de IRS (…)], presume-se que os valores pagos respeitam a lucros ou adiantamento dos lucros, embora pagos em espécie (…)”.
3.9. Ora, “uma vez que para os anos em causa (2010, 2011 e 2012) os lucros ou adiantamentos por conta de lucros (…) são sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 21,5% (2010 e 2011) e 25% (2012) (…) e o sujeito passivo não efectuou a retenção na fonte devida, encontra-se em falta imposto (…) para os anos de 2010, 2011 e 2012 (…)”.
Fundos da sociedade transferidos para o sócio-gerente - Retenções na fonte de IRS em falta
3.10. Neste âmbito, refere a Requerida que “(…) os serviços de Inspecção Tributária verificaram, relativamente aos anos de 2010 e 2011, a existência de débitos (saídas de fundos por transferências) que foram lançadas numa conta (…) Outros devedores e credores (2010) ou não foram alvo de qualquer registo contabilístico (2011)”, sendo que “(…) os SITA apuraram que a conta beneficiária dessas mesmas transferências é titulada pelo próprio B…”.
3.11. Tendo em consideração que “verificaram ainda os SIT que nos anos em questão não foram processadas e pagas quaisquer remunerações (…) aos órgãos sociais (…)” e que “a acta nº 1 da Requerente, datada de 2009-06-01, refere que o sócio-gerente não auferirá qualquer remuneração nem efectuará quaisquer descontos de contribuições para a Segurança Social, dado exercer as suas funções (…)” noutra sociedade, entende a Requerida que “de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 6º do Código do IRS, os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.
3.12. Assim, presume a Requerida que “(…) os valores das transferências identificadas (…) no total de € 177.000,00 respeitam a lucros ou adiantamento dos lucros”, “(…) sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória (…) para os anos em questão (…)”, pelo que “uma vez que o sujeito passivo não efectuou a devida retenção na fonte de IRS, encontra-se em falta imposto (…)”.[2]
3.13. Refere ainda a Requerida que “no exercício do direito de audição a Requerente não contestou as correcções propostas (…) em sede de retenções na fonte de IRS (…)”, sendo que “a matéria contestada reportou-se às correcções propostas em sede de retenções na fonte de IRS a título de adiantamentos por conta de lucros, de dois movimentos de transferência bancária para a conta particular do sócio-gerente (…) cujo montante ascendeu a € 117.000,00”, tendo a Requerente alegado, em síntese que os “ditos movimentos financeiros foram alvo de incorrecta relevação contabilística e que a decisão sobre as correcções em causa se baseou, fundamentalmente, na confusão criada pela própria contabilidade”.
3.14. Neste âmbito, entendeu a Requerida que “tão pouco pode ser alegada incorrecta relevação contabilística, pois a transferência bancária no valor de € 117.000,00, não foi objecto que qualquer relevação contabilística” e “quanto à transferência bancária no valor de € 60.000, o movimento contabilístico demonstra que o sócio é devedor da sociedade e não credor” pelo que conclui a Requerida que “não acolheram os argumentos da Requerente em sede de audição prévia (…)” tendo-se convolado “(…) o projecto de relatório (…) em definitivo”.
3.15. Confirma ainda a Requerida que “em 16-10-2014, a Requerente deduziu reclamação graciosa, contra os actos de liquidação (…)” em crise, sendo que se concluiu no âmbito daquele “(…) processo de reclamação graciosa, que para os mesmos factos, foram apresentadas justificações contraditórias por parte do sócio da requerente, consoante estejamos no âmbito do procedimento inspectivo à sociedade ou no âmbito da sua esfera pessoal, situação que não se mostra admissível, nem coerente”, pelo que “o projecto de decisão da reclamação graciosa converteu-se em decisão definitiva, tendo sido indeferida a pretensão da (…) Requerente”.
3.16. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) as liquidações sub judice, bem como a decisão proferida no âmbito da Reclamação Graciosa, como vimos ao longo de toda a exposição, estão de acordo com a lei vigente e a tributação encetada não viola, antes concretiza, os princípios do inquisitório e da verdade tributária”, pelo que “(…) falecem integralmente as razões e argumentos expendidas pela Requerente em prol da (…) anulação dos actos tributários”.
3.17. Nestes termos, termina a Requerida o seu pedido, entendendo que “(…) decaem os argumentos invocados pela Requerente do pedido de pronúncia arbitral, aqui expressa e integralmente impugnados, bem como os documentos juntos, por não corresponderem à verdade ou deles não se poder extrair os efeitos jurídicos por si almejados”.
4. RESPOSTA À EXCEPÇÃO DEDUZIDA PELA REQUERIDA
4.1. A Requerente, em 13 de Outubro de 2016, pronunciou-se quanto à excepção deduzida pela Requerida na sua Resposta.
4.2. Neste âmbito, alega a Requerente que não pode concordar com o entendimento manifestado pela Requerida de que:
4.2.1. “(…) o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo porquanto a requerente peticiona exclusivamente que seja declarada a ilegalidade dos actos de liquidação, pelo que o prazo de 90 dias concedido (…) teria como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária, em 19 de Junho de 2014 (…)” e,
4.2.2. “(…) tendo sido ultrapassado tal prazo de impugnação directa dos actos de liquidação do imposto, a tempestividade do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação graciosa dos actos de liquidação onde tivesse sido prolatada decisão a indeferir (…) as pretensões aí formuladas pelo sujeito passive de imposto (…), sendo que o requerente, apesar de ter reclamado graciosamente das liquidações, ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez qualquer referência à impugnação do acto de indeferimento da reclamação graciosa, pelo que, não tendo sido pedida a apreciação da legalidade do acto de segundo grau, não existe o apoio que poderia defender a tempestividade do pedido e, consequentemente, a possibilidade do tribunal arbitral apreciar o mesmo relativamente aos actos de liquidação que a Requerente pretende sindicar”.
4.3. Para sustentar a sua posição, a Requerente começa por alegar que “(…) o pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo porquanto foi efectuado dentro do prazo de 90 dias a contar do indeferimento da reclamação graciosa (…)” e que “(…) não podia ter requerido a constituição do tribunal arbitral findo o prazo de pagamento voluntário dos tributos porquanto, se o fizesse, ficava preterida toda a fase administrativa do processo tributário, nomeadamente, ficava precludida a possibilidade de reclamar graciosamente e recorrer hierarquicamente das liquidações efectuadas, ficando coarctados meios de defesa do contribuinte”.
4.4. Por outro lado, entende a Requerente que “(…) não procede a alegação da requerida de que a requerente ao identificar e formular o seu pedido arbitral não fez qualquer referência à impugnação do acto de indeferimento da RG, porquanto, nos arts. 18º a 26º da sua p.i. a requerente invoca (…) a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa (…)” mas admite que “(…) mesmo que não o tivesse feito, ainda assim o pedido de constituição do tribunal arbitral seria tempestivo porquanto a decisão da reclamação graciosa podia não encerrar qualquer ilegalidade e ter apenas indeferido a pretensão do requerente de declaração de ilegalidade das liquidações dos tributos, podendo (…) o requerente reagir a este indeferimento, dentro do prazo de 90 dias (…)”.
4.5. Assim, conclui a Requerente a resposta à excepção no sentido de “tendo a decisão da reclamação graciosa sido notificada ao requerente por ofício datado de 2016-02-03, recepcionado em 2016-02-08, e tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido efectuado em 2016-05-09 (…), foi o mesmo tempestivo”, pelo que entende a Requerente que “não se verifica (…) a excepção de intempestividade invocada”, concluindo que “(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada, com todas as devidas e legais consequências (…)”.
5. SANEADOR
5.1. No que diz respeito à alegada intempestividade do pedido, vide Capítulo 7 desta Decisão, sob a epígrafe “Questão prévia – apreciação da excepção deduzida pela Requerida”
5.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
5.3. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
5.4. Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer para além da intempestividade do pedido (vide análise no Capítulo 7 desta Decisão).
5.5. No que diz respeito ao valor do pedido de pronúncia arbitral (EUR 58.847,17, relativo ao total das liquidações de IRS em crise), o mesmo não foi quantificado e indicado no Pedido de Pronúncia Arbitral.
5.6. Não obstante, foi considerado para efeitos de cálculo do valor da taxa de arbitragem inicial (EUR 1.071,00), paga pela Requerente em 6 de Maio de 2016, o valor de
EUR 58.817,17, pelo que existe uma diferença imaterial de EUR 0,30 entre os dois valores acima referidos.
5.7. Neste âmbito, tendo em consideração:
5.7.1. O pedido formulado pela Requerente [que o Tribunal Arbitral declare “(…) a anulação das liquidações de (…) IRS, desenvolvidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (…) com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012 (…), bem como dos respetivos juros compensatórios (…)”], conforme identificado no ponto 2.1., desta Decisão;
5.7.2. O disposto no artigo 296º do CPC de que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”;
De acordo com o disposto no artigo 306º, nº 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em EUR 58.847,17, com as normais implicações no montante de custas finais do processo (cujo montante e responsabilidade pelas mesmas, de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem, serão fixados no último capítulo desta Decisão)].
5.8. Não se verificam nulidades processuais.
6. MATÉRIA DE FACTO
6.1. Dos factos provados
6.2. Consideram-se como provados os seguintes factos (com base nos documentos a seguir identificados, anexados pela Requerente, bem como com base nos documentos que fazem parte do processo administrativo anexado pela Requerida):
6.2.1. A Requerente é uma sociedade comercial, constituída em 28 de Abril de 2009, que adopta o tipo unipessoal por quotas e tem por objecto a construção de edifícios, a compra e venda de bens imobiliários e a revenda dos adquiridos para esse fim, conforme cópia do pacto social anexada pela Requerente (Anexo 11).
6.2.2. A Requerente tem capital social de EUR 5.000,00, pertencente ao único sócio, B…, conforme cópia do pacto social anexada pela Requerente (Anexo 11).
6.2.3. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2013…, foi realizada uma acção inspectiva à Requerente, de âmbito geral, incidente sobre os exercícios de 2010, 2011 e 2012, conforme cópia do Relatório de Inspecção constante do processo administrativo anexado pela Requerida e parcialmente anexado pela Requerente (Anexo 4).
6.2.4. A Requerente foi notificada do Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção (Ofício nº …/…, de 24 de Fevereiro de 2014), para no prazo de 15 dias, poder exercer o direito à audição sobre o referido Projecto de Conclusões, conforme cópia do constante do processo administrativo anexado pela Requerida e parcialmente anexado pela Requerente (Anexo 4).
6.2.5. Em 12 de Março de 2014, a Requerente exerceu o respectivo direito de audição sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, conforme cópia do constante do processo administrativo anexado pela Requerida e parcialmente anexado pela Requerente (Anexo 4).
6.2.6. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção (Ofício nº …/…, de 24 de Março de 2014) e das suas correcções, conforme cópia do constante do processo administrativo anexado pela Requerida e parcialmente anexado pela Requerente (Anexo 4).
6.2.7. Das correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) decorreram as seguintes liquidações adicionais de IRS, conforme cópias anexas pela Requerente (Anexo 1 a 3):
ANO
|
LIQUIDAÇÃO Nº
|
MONTANTE
|
DATA LIMITE DE PAGAMENTO
|
IMPOSTO
|
JUROS
|
TOTAL
|
2010
|
2014…
|
18.038,73
|
2.376,83
|
20.415,56
|
19-06-2014
|
2011
|
2014 …
|
28.534,83
|
2.852,34
|
31.387,17
|
2102
|
2014 …
|
6.586,62
|
457,82
|
7.044,44
|
TOTAL
|
53.160,18
|
5.686,99
|
58.847,17
|
|
6.2.8. Em 16 de Outubro de 2014, a Requerente deduziu reclamação graciosa (nº …2014…), contra os actos de liquidação de IRS identificados no ponto anterior, conforme cópia anexada pela Requerente (Anexo 13) e processo administrativo anexado pela Requerida.
6.2.9. Em 4 de Maio de 2015, a Requerente foi notificada, por carta registada, do Ofício nº …/…, datado de 27 de Abril de 2015, relativo ao teor do projecto de despacho respeitante à decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, para exercer, querendo, o respectivo direito de audição, conforme cópia anexada pela Requerente (Anexo 14) e o processo administrativo anexado pela Requerida.
6.2.10. A Requerente exerceu, dentro do prazo fixado para o efeito, o direito de audição por escrito, conforme processo administrativo anexado pela Requerida.
6.2.11. Em 22 de Dezembro de 2015, os SIT produziram informação que se encontra anexa ao processo administrativo, na qual concluem que “quanto ao enquadramento efectuado pela sociedade no que respeita ao valor de
€ 430.000,00 (…) não existe qualquer evidência na contabilidade de que as entregas feitas pela sociedade ao sócio, resultaram de reembolso de mútuo”, conforme documento anexo ao processo administrativo junto pela Requerida.
6.2.12. A Requerente foi notificada do Ofício nº…/…, de 3 de Fevereiro de 2016 (e recebido em 8 de Fevereiro de 2016), relativo ao teor do despacho de 1 de Fevereiro de 2016, no sentido de indeferir a reclamação graciosa identificada no ponto 6.2.8, supra, conforme cópia anexada pela Requerente (Anexo 16) e o processo administrativo anexado pela Requerida.
6.3. Dos factos não provados
6.4. Não ficou provado que a Requerente tenha efectuado o pagamento das liquidações de IRS identificadas no ponto 6.2.7., supra.
7. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Questão prévia – apreciação da excepção deduzida pela Requerida
7.1. De acordo com o disposto no artigo 608º, nº 1 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (…)”, devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).
7.2. Nestes termos, tendo em consideração a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, suscitada pela Requerida, torna-se necessário apreciar e decidir, previamente, a excepção suscitada porquanto, segundo a Requerida, “(…) a caducidade do direito de acção consubstancia uma excepção (…) impeditiva do conhecimento do mérito da causa (…)”, determinando “(…) a absolvição da entidade Requerida da instância (…)”.
Da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
7.3. Em termos gerais, tendo em consideração o disposto no n° l do artigo 102° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, do “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” ou da “da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.
7.4. Por outro lado, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”.[3]
7.5. Nesta matéria, saliente-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT.
7.6. E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e do CPC.
7.7. No caso em análise, tendo a Requerente sido notificada das liquidações identificadas no ponto 6.2.7., supra, e tendo delas interposto reclamação graciosa, em 16 de Outubro de 2014, da decisão de indeferimento desta reclamação (notificada pelo Ofício nº…, de 3 de Fevereiro de 2016), iniciar-se-ia a partir do dia seguinte ao da notificação deste a contagem do prazo referido nos pontos 7.3. e 7.4., supra (porquanto a decisão notificada se pronunciou sobre a legalidade das liquidações de IRS objecto do pedido).
7.8. Nestes âmbito, tendo sido ultrapassado (à data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa), o prazo de três meses previsto no artigo 102º, nº 1 (contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, ou seja, contado desde 20 de Junho de 2014), em termos gerais, o pedido de constituição do tribunal arbitral para ser tempestivo (e como tal válido), tinha de ser submetido, no prazo máximo de três meses (90 dias) a contar da data da referida notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente (ou seja, a contar do dia 9 de Fevereiro de 2016, dia seguinte ao recebimento daquela notificação).
7.9. Ora, tendo em consideração que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado, no CAAD, a 9 de Maio de 2016, poder-se-ia afirmar que, aparentemente, face ao genericamente disposto na lei, o prazo de 90 dias referido no ponto anterior estaria a ser cumprido pela Requerente.
7.10. Não obstante, para decidir nesta matéria, será necessário analisar o teor do pedido apresentado.
7.11. De acordo com o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 9 de Maio de 2016 (e identificado sob a designação “Objeto do Pedido”), a Requerente refere que “com o presente pedido pretende-se a anulação de liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), desenvolvidas pelas Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com referência aos anos de 2010, 2011 e 2012, nos montantes de, respetivamente, € 18 028,73, € 28 534,83 e € 6.586,62, bem como, dos respetivos juros compensatórios”, no montante de EUR 2.376,83, EUR 2.852,34 e EUR 457,82, respectivamente (sublinhado nosso).
7.12. Assim, no objeto do pedido, expressamente delimitado pela Requerente, é claramente referido que o objecto (único) do pedido de pronúncia arbitral é o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IRS dos anos identificados no ponto anterior, peticionando a Requerente que os mesmos sejam anulados na totalidade (vide artigo 53º do pedido), não sendo pedida a sindicância do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.[4]
7.13. Contudo, para que fosse possível sindicar somente as liquidações de imposto em crise, o prazo previsto para esse efeito deveria ser contado desde o “termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte” (ou seja, tendo as liquidações de IRS objecto do pedido um prazo para pagamento voluntário até 19 de Junho de 2014, aquele prazo seria contado desde 20 de Junho de 2014), pelo que o pedido de pronúncia arbitral em análise se revelaria, desde logo, como intempestivo face à data da sua interposição (9 de Maio de 2016).
7.14. Não obstante, tal intempestividade não se verificaria se a Requerente tivesse enunciado de forma clara que o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral era a ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa (oportunamente apresentada), sendo a ilegalidade dos actos de liquidação de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012 o objecto mediato daquele pedido de pronúncia arbitral.
7.15. Com efeito, a forma como o pedido se apresenta, e tendo em consideração as explicações dadas pela Requerente em sede de Resposta à excepção deduzida pela Requerida, aquela em nenhum momento do seu articulado pede a sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apesar de referir que “(…) tendo sido notificado do indeferimento total da reclamação graciosa interposta com respeito às liquidações (…) vem (…) solicitar a constituição de tribunal arbitral”, numa lógica de sequência cronológica de acontecimentos.
7.16. Este entendimento do Tribunal é também reforçado, contrariamente ao alegado pela Requerente (na sua Resposta à excepção), através do que nos artigos 18º a 26º do pedido enuncia sob o a designação de “Antecedentes Processuais”, uma vez mais apresentando naqueles artigos uma referência cronológica ao que aconteceu em sede graciosa, desde a interposição da reclamação identificada até à notificação da decisão de indeferimento da mesma.
7.17. Não obstante, apesar de no artigo 24º do pedido, a Requerente referir que “(…) não devem restar dúvidas sobre a ilegalidade da decisão proferida (…)” (numa alusão à decisão de indeferimento da reclamação graciosa), uma vez mais não dá forma a qualquer pedido de sindicância dessa alegada ilegalidade, entende o Tribunal tratar-se apenas da manifestação do entendimento da própria Requerente, mas cuja sindicância da alegada ilegalidade, repita-se, em lado nenhum do pedido apresentado (nem na Resposta apresentada relativamente à excepção deduzida pela Requerida) é formulada.
7.18. Assim, resta concluir que, no caso em análise, decorrido o prazo contado desde o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas, a ilegalidade destes actos apenas poderia ser apreciada através da apreciação da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa (identificada no ponto 6.2.8., supra) e, para este efeito, o prazo previsto seria contado a partir da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, porquanto este comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em crise.
7.19. Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral não está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012 (como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de IRS objecto do pedido), o pedido de pronúncia arbitral deve pois ser considerado intempestivo porquanto apenas se demonstra querer sindicar a legalidade das liquidações de IRS acima referidas.
7.20. Sendo impeditiva do exercício do respectivo direito, a intempestividade, traduzida na caducidade do direito de pedir a pronúncia arbitral, implica a absolvição da Requerida do pedido.[5]
Questões de conhecimento prejudicado
7.21. De harmonia com o acima exposto, procedendo a excepção da intempestividade do pedido (suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira), verifica-se que existe um obstáculo à apreciação do próprio pedido formulado pela Requerente, absolvendo-se a Requerida do pedido e ficando prejudicado o conhecimento do mérito do mesmo.[6]
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
7.22. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.23. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
7.24. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.25. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
8. DECISÃO
8.1. Tendo em consideração a análise efectuada, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar procedente a excepção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, com as consequências legais daí decorrentes;
8.1.2. Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 58.847,17.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 18 de Novembro de 2016
O Árbitro
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Mais refere a Requerida que “os Serviços de Inspecção Tributária verificaram ainda, através da análise à declaração Modelo 10 (…) relativa aos anos em questão, apresentada pela Requerente, bem como às guias de retenção na fonte pagas no mesmo período, que não foi declarado o pagamento de quaisquer rendimentos da categoria E do IRS, nem foi efectuada a retenção na fonte sobre os mesmos rendimentos”.
[3] No que respeita aos processos arbitrais, há que ter em conta que “a competência dos tribunais arbitrais se limita à declaração de ilegalidade de actos de liquidação abrangendo apenas os actos de indeferimento de actos de segundo grau (reclamações ou recursos hierárquicos) que conheceram efectivamente da legalidade dos actos de primeiro grau” (Jorge Lopes de Sousa, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Almedina, 2013, p. 120 a 123).
[4] Neste âmbito, mesmo que se pretendesse que “em impugnação judicial a competência do tribunal se estenda para além do conhecimento da ilegalidade da liquidação ao conhecimento dos vícios da própria decisão administrativa (de 2º grau) que analisou a legalidade do acto de 1º grau”, o tribunal está limitado pelo pedido que é formulado pela Requerente (de anulação das liquidações de IRS em crise) porquanto, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC (aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT); “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”, sob pena de incorrer em pronúncia indevida.
Neste sentido, vide também Acórdão do TCAS de 27 de Outubro de 2016 (processo nº 09711/16), nos termos do qual se refere que “é nula a sentença quando o juiz (…) conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”, sendo que “(…) o vício que afecta a decisão advém (…) de um excesso de pronúncia (…)”. “Ora, como se infere (…), o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. (…). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. (…) Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, questões e, por outro, razões ou argumentos para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das questões) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág. 37) (sublinhado nosso).
[5] Neste sentido, vide Acórdão do STA nº 340/13, de 22-05-2013, ao referir que “a caducidade do direito de acção, uma vez que obsta à produção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, constitui uma excepção peremptória. Na verdade, a caducidade do direito de acção configura uma causa a que a lei substantiva atribui a cessação do direito que o autor invoca como já validamente constituído e, desta perspectiva, integra o domínio das excepções peremptórias que são as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção – a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhe teriam alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir” (Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs.130/131).
E prossegue o mesmo Acórdão referindo que “é certo que a questão pode ser observada sob um prisma diferente, tal como no Código de Processo dos Tribunais Administrativos (…), no âmbito da acção administrativa especial, onde a caducidade do direito de acção foi qualificada como excepção dilatória. (…) Do ponto de vista dos resultados práticos, esta diversidade de opções doutrinárias não terá repercussões: em ambas o tribunal não prossegue com a apreciação do mérito da causa e, mesmo para os que sustentam que a consequência da caducidade do direito de acção é a absolvição da instância, sempre o autor ficará impedido de apresentar nova petição inicial na sequência da absolvição da instância (nos termos do n.º 1 do art. 289.º do CPC), uma vez que essa faculdade só lhe assiste quando a violação que deu origem à absolvição da instância for susceptível de sanação. No caso sub judice, porque a lei subsidiariamente aplicável é o CPC, entendemos que o efeito jurídico será a absolvição do pedido (…)”.
[6] Neste sentido, conforme já referido, vide artigo 608º, nº 2 do CPC (aplicável por força do disposto no artigo 29º do RJAT), “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).