Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 331/2016-T
Data da decisão: 2016-11-21  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.929,31
Tema: IMT/IS – Artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014) FIAH e SIIAH
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.                   Relatório

No dia 17 de junho de 2016, a sociedade A…, S. A., com o NIPC … e sede na Avenida …, n.º … –…, …-… – Lisboa, na qualidade de sociedade gestora do B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, com o NIPC … (doravante designada por Requerente), apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi a signatária designada árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo-se seguido os demais trâmites legais até à constituição do tribunal arbitral singular, em 8 de setembro de 2016, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

a)      Objeto do pedido

A Requerente pede ao tribunal que declare a nulidade dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º…, da quantia de € 1 114,06, e de Imposto do Selo (IS) n.º…, no valor de € 815,25, com fundamento em inconstitucionalidade ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, a sua anulação, assim como a condenação da Requerida na restituição do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

b)      Síntese da posição das Partes

a.       Da Requerente

O “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2009) estabeleceu, no seu artigo 8.º, o respetivo regime tributário, de acordo com o qual ficavam isentos de IMT “as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1” (artigo 8.º, n.º 7, alínea a) e de IS “todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.” (artigo 8.º, n.º 8).

O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aditou ao artigo 8.º, do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)” os n.ºs 14 a 16, consagrando ainda o n.º 2 do seu artigo 236.º uma norma de direito transitório, dispondo que as alterações introduzidas àquele artigo 8.º se aplicariam aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014 (n.º 1), sendo igualmente aplicáveis “aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.

 

Alega a Requerente que, tendo a aquisição da fração autónoma objeto das liquidações impugnadas sido efetuada no âmbito da redação inicial do artigo 8.º, do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, não poderia ocorrer a sua tributação à luz das alterações introduzidas àquela norma pelo artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, como veio a acontecer, sob pena de inconstitucionalidade, por se tratar de uma aplicação retroativa dos n.ºs 14 a 16 do citado artigo 8.º, em violação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Efetivamente, sustenta a Requerente, os n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do referido Regime, vieram estabelecer, ex novo, pressupostos de cujo cumprimento depende o direito à isenção de IMT e de IS, inexistentes à data da aquisição do imóvel tributado, concretizando o conceito de “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente”, bem como as circunstâncias em que os que integram o ativo dos FIIAH deixam de beneficiar da isenção prevista nos n.ºs 7, alínea a) e 8, do mesmo artigo.

 

Considera assim a Requerente que, tendo o artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduzido um novo regime de caducidade das isenções, a norma do n.º 2 do artigo 236.º, da mesma Lei, ao determinar a aplicação retroativa daquele novo regime a situações ocorridas ao abrigo da lei anterior e já consolidadas na ordem jurídica, padeceria de inconstitucionalidade, vício que inquinaria as liquidações impugnadas, efetuadas ao abrigo do disposto no n.º 16 do artigo 8.º, do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”.

 

b.      Da Requerida

Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17.º, do RJAT, veio a AT contestar, defendendo a legalidade das liquidações impugnadas.

 

Alega a AT que o n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu um período transitório de três anos para aplicação das alterações introduzidas ao “Regime Tributário dos FIIAH”, para que o novo requisito apenas seja aferido para o futuro, não se limitando a fazer caducar, de imediato, todas as isenções em curso, que não provassem possuir os requisitos legais.

 

Que, atendendo aos objetivos que presidiram à criação do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, não se pode considerar que as alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, se traduzam numa alteração dos pressupostos ou condições de atribuição dos benefícios fiscais inicialmente estabelecidos, mas tão somente na definição do período temporal para efeitos de comprovação de tais pressupostos – tratar-se-ia apenas da regulamentação dos procedimentos probatórios do direito aos benefícios fiscais, não se alterando a ratio das isenções já consagradas na redação inicial do artigo 8.º, “Regime Tributário dos FIIAH”.

 

Também não foi abalado o princípio da proteção da confiança, dado que tais alterações apenas são aplicáveis aos imóveis adquiridos pelos FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, decorridos três anos sobre a entrada em vigor da lei nova.

 

Por outro lado, segundo a Requerida, era já pressuposto da isenção de IMT na aquisição de imóveis pelos FIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes é entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que os mesmos se destinassem exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e que, caso lhes fosse dado destino diferente, a AT sempre disporia do poder de controlar a verificação dos pressupostos da isenção, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a fim de concluir pela permanência do benefício ou pela reposição do sistema de tributação-regra, conforme determina o n.º 1 do artigo 14.º, do EBF.

 

Finalmente, quanto à questão da invocada inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, vem a AT invocar jurisprudência e doutrina que unanimemente afirma não ter a Administração competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais se suscitem dúvidas de constitucionalidade, tarefa cometida aos Tribunais pelo artigo 204.º, da CRP.

 

As Partes apresentaram alegações escritas sucessivas, nas quais reiteraram e desenvolveram as posições assumidas nas peças processuais iniciais.

 

 

II.                SANEAMENTO

  1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. A cumulação de pedidos é admissível nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado e a respetiva procedência, dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

 

III.             FUNDAMENTAÇÃO

III.1 Matéria de facto

A matéria factual considerada relevante para a decisão, na sequência da análise efetuada à prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, fixa-se como segue:

A)               Factos provados

  1. À data das liquidações impugnadas, o imóvel tributado integrava o património do B…– FUNDO IMOBILIÁRIO FECHADO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL;
  2. Em 21 de março de 2016, foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em nome e a pedido do sujeito passivo identificado, as liquidações de IMT n.º…, pela quantia de € 1 114,06 e de IS n.º…, no montante de € 815,25;
  3. De ambos os termos de liquidação consta ter sido solicitada a sua emissão “nos termos do artigo 8.º, n.º 16 do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, relativamente à compra efetuada “em 18.12.2013 (…) com isenção nos termos do art. 8.º n.º 7 do referido regime, da fração … do artigo…, (…) destinado a habitação, (…) inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de…”.
  4. As liquidações impugnadas foram pagas em 22 de março de 2016.

 

B)                Factos não provados

Não existem factos com relevância para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

III.2 DO DIREITO

A)    – A questão a decidir:

A questão controvertida na presente ação arbitral consiste em saber se a aquisição de um imóvel por um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), em data anterior a 1 de janeiro de 2014, com as isenções previstas no artigo 8.º, n.ºs 7, alínea a) (IMT) e 8.º (IS), do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH)”, adiante, de forma simplificada, Regime Especial dos FIIAH, poderia ser tributada antes do decurso do prazo de três anos estabelecido pelo n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), se tal imóvel não tivesse sido objeto de contrato de arrendamento ou se tivesse sido alienado, fora das situações previstas no artigo 5.º daquele Regime Especial dos FIIAH.

 

B)  O direito aplicável

O artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, estabeleceu o regime tributário aplicável aos FIIAH que viessem a ser constituídos durante os cinco anos subsequentes à sua entrada em vigor, relativamente aos imóveis por aqueles adquiridos para arrendamento habitacional, naquele período.

Concretamente no que se refere ao IMT e ao IS, estatuíram os n.ºs 7 e 8 daquele artigo 8.º, que:

7 – Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.

8 – Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º.

 

O artigo 235.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio aditar ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, os n.ºs 14 a 16.º, com a seguinte redação:

Artigo 8.º - [...]

(…)

14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.

Concomitantemente, o n.º 2 do artigo 236.º, da citada Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, estabeleceu uma norma de direito transitório, definindo os termos da aplicabilidade dos novos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, aos imóveis por aqueles adquiridos em data anterior a 1 de janeiro de 2014.

É a seguinte a redação do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro:

Artigo 236.º - Norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH

1 – (…)

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.

Para além das normas acabadas de referir, cumpre ainda convocar o artigo 10.º, do Código do IMT (Reconhecimento das isenções), invocado pela Requerente e os artigos 7.º (Fiscalização) e 14.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) – (Extinção dos benefícios fiscais), invocados pela AT.

 

C – As liquidações de IMT e IS impugnadas

Como decorre do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a apreciação da legalidade das liquidações impugnadas, à luz da norma ao abrigo das quais foram efetuadas, isto é, do n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, e da norma de direito transitório do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (e não de quaisquer outras normas), considerando a sua inconstitucionalidade, por retroatividade na aplicação a uma situação ocorrida inteiramente no âmbito de lei anterior.

 

Invoca a Requerente, para tanto, a natureza de impostos de obrigação única quer do IMT, quer do IS, cujo facto tributário, temporalmente localizado, se esgota na prática do ato de aquisição do imóvel, e no facto de lhe ter sido reconhecida a isenção daqueles impostos aquando da aquisição da fração autónoma ora objeto de tributação, direito adquirido e já cristalizado na sua esfera jurídica à data das alterações ao Regime Especial dos FIIAH.

Contrapõe a AT que, desde o seu início, sempre o Regime Especial dos FIIAH definiu com clareza os pressupostos que condicionavam a atribuição das isenções de IMT e de IS aos FIIAH, com referência aos imóveis por aqueles adquiridos, “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, atendendo ao escopo que presidiu à criação daquele Regime e que, independentemente das alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, sempre a AT poderia, no âmbito do dever de fiscalização dos pressupostos dos benefícios fiscais a que se refere o artigo 7.º (atual n.º 1), do EBF, decidir pela manutenção das isenções ou pela reposição do regime da tributação-regra (artigo 14.º, n.º 1, do EBF).

Vejamos de que lado está a razão:

Cumpre, em primeiro lugar, assinalar que, no âmbito dos presentes autos, não está em causa a apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, ou das alterações introduzidas pela mesma Lei ao Regime Especial dos FIIAH, pela simples razão de que, não tendo o Fundo sido liquidado, as referidas alterações, ao abrigo daquela norma de direito transitório, ainda não se encontravam em vigor para os prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanos adquiridos pelos FIIAH, em data anterior a 1 de janeiro de 2014.

 

Ou seja, em 21 de março de 2016, data da emissão das liquidações impugnadas, não vigorava ainda, para a situação em análise, o n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, que apenas entraria em vigor em 1 de janeiro de 2017.

Trata-se, no entanto, de questão que não é abordada por nenhuma das Partes, que não é fundamento do pedido de pronúncia arbitral e que, de qualquer modo, não implicaria, como sugere a Requerente, a chamada “ilegalidade abstrata da liquidação”, definida jurisprudencialmente como a situação em que “ a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, decorrente da inexistência de lei em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação que preveja a sua liquidação ou da não autorização da sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação”[1], e que que constitui fundamento quer de oposição à execução fiscal, quer de impugnação judicial, nos termos dos artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e 99.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), respetivamente.

 

Ora, no caso concreto dos presentes autos, à data dos factos a que respeita a obrigação tributária, os impostos em questão (IMT e IS) encontravam-se em vigor, encontrando-se também prevista quer a sua liquidação, quer a cobrança da respetiva receita.

 

Não assiste, pois, razão à Requerente, ao afirmar que, tratando-se de impostos de obrigação única, o facto objeto de tributação é, quer em sede de IMT, quer em sede de IS, a aquisição da propriedade do prédio pelo Fundo (artigo 36.º, da p. i.), pois embora a aquisição onerosa do direito de propriedade sobre bens imóveis seja facto inserido nas normas de incidência objetiva de cada um daqueles impostos (cfr. respetivamente, o artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMT, o artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS e verba 1.1., da Tabela Geral a ela anexa), ela não determina, por si só, o nascimento da obrigação tributária, se o facto tributário ficar paralisado perante a existência de um requisito negativo da tributação[2], como é a isenção. Nestes casos, só com a extinção do benefício fiscal se produz o facto tributário ou, nas palavras do legislador do EBF, é reposto o regime da “tributação-regra”.

 

Assim como se não pode concordar com a Requerente no dizer que, por terem sido reconhecidas a pedido do Fundo e em data anterior à da aquisição da fração autónoma objeto das liquidações de IMT e de IS impugnadas, nos termos do artigo 10.º, do Código do IMT, as isenções constantes dos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial do FIIAH, tais isenções ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico-tributária (artigos 35.º e 36.º, da p. i.)

 

E não podemos concordar, uma vez que, como bem nota a AT, aquelas isenções sempre estiveram, desde a criação do Regime Especial dos FIIAH pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, condicionadas à verificação do requisito de os prédios urbanos ou frações autónomas dos prédios urbanos adquiridos pelos Fundos, se destinarem “exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

 

Porém, está-se em crer que tal destino não se satisfaça com a mera intenção de afetação a arrendamento para habitação permanente, sem que haja uma real afetação ao fim exclusivo a que se destinam os prédios. E, se a referência que é feita no termo das liquidações impugnadas ao n.º 16 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, pudesse constituir erro do declarante, vem a Requerente afirmar expressamente, no § 6.º das suas Alegações, que a emissão daquelas liquidações foi solicitada por requerimento verbal, relativamente “(…) à venda do imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral (…)”. Não restam, pois, dúvidas, de que, com a alienação do imóvel tributado, lhe foi dado destino diferente daquele que era pressuposto da manutenção da isenção reconhecida aquando da sua aquisição, em dezembro de 2013.

 

Nem se pode, por outro lado, invocar a especialidade do regime criado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que, na ótica da Requerente, determinaria a definitiva cristalização das isenções concedidas, pois na omissão do legislador quanto às causas da caducidade das isenções de IMT e de IS previstas nos n.ºs 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, deverá entender-se serem aplicáveis as constantes da Parte I, do EBF, extensíveis a todos os benefícios fiscais (artigo 1.º, do EBF).

 

Atendendo aos poderes de fiscalização da AT no que respeita ao “controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações impostas aos titulares do direito aos benefícios” (artigo 7.º, do EBF, na redação em vigor à data dos factos), sempre esta poderia, na ausência de verificação de tais pressupostos, determinar a reposição do regime da tributação regra.

 

Pelos motivos que antecedem e, muito embora as liquidações impugnadas tivessem sido emitidas ao abrigo de uma norma que ainda não se encontrava em vigor para a situação em apreço, o que não é invocado pela Requerente, as mesmas não representam um sacrifício patrimonial indevido para o contribuinte, por não terem determinado pagamento de prestação tributária em medida superior à legalmente devida.

 

Considerando-se devido o imposto liquidado, fica prejudicado o conhecimento da questão atinente ao direito a juros indemnizatórios.

 

D – Conclusões:

Em face de quanto tem vindo a ser exposto, é possível formular as seguintes conclusões:

  1. Consiste a pretensão da Requerente na declaração de nulidade ou na anulação das liquidações de IMT e de IS identificadas no pedido de constituição do tribunal arbitral;
  2. A causa de pedir é a inconstitucionalidade da norma de direito transitório constante do n.º 2 do artigo 236.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (O. E. para 2014), que determina a aplicação retroativa das alterações introduzidas pelo artigo 235.º, da mesma Lei, ao artigo 8.º, do Regime Especial dos FIIAH, em especial do seu n.º 16, ao abrigo do qual foram emitidas as liquidações impugnadas e não outra, como frisa a Requerente;
  3. A inconstitucionalidade das normas invocadas como causa de pedir é questão de conhecimento prejudicado, por tais normas não serem aplicáveis às liquidações impugnadas, à data em que foram efetuadas;
  4. Não pode o Tribunal substituir-se à Requerente e anular as liquidações impugnadas com fundamento diverso do que foi invocado no pedido de pronúncia arbitral, sob pena de excesso de pronúncia;
  5. Não se verificando os pressupostos em que assentou o benefício fiscal concedido aquando da aquisição do imóvel, por, ao ser alienado, lhe ter sido dado destino diferente do arrendamento para habitação permanente, sempre a AT poderia, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, liquidar o imposto que se mostrasse devido, por cessação da isenção;
  6. Não se justifica a anulação das liquidações impugnadas, porquanto as mesmas não configuram ato lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo (cfr. o n.º 1 do artigo 95.º, da LGT), não determinando o pagamento dos tributos em medida superior ao legalmente previsto.

 

 

IV.             DECISÃO:

De harmonia com os fundamentos de facto e de direito expostos, decide este Tribunal Arbitral julgar improcedentes os pedidos de declaração de nulidade e de anulação dos atos tributários de liquidação de IMT n.º…, da quantia de € 1 114,06, e de Imposto do Selo n.º …, no valor de € 815,25, objeto do pedido de pronúncia arbitral, determinando a sua manutenção na ordem jurídica.

 

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 47/2013, de 26 de junho, 97.º - A, n.º 1, alínea a) do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1929,31 (mil novecentos e vinte e nove euros e trinta e um cêntimos).

 

CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 2.º e 4.º, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária e Tabela I a ele anexa, fixa-se o montante das custas em € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 21 de novembro de 2016

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

 



[1] Cfr. a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/04/2014, no recurso n.º 076/14.

[2] - Considerando a isenção como “pressuposto negativo, [que] obstará que se constitua um vínculo jurídico de imposto”, cfr. MARTINEZ, Pedro Soares, “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1993, págs. 188 e 189.