Decisão Arbitral
Os árbitros, José Baeta de Queiroz (árbitro-presidente), Marcolino Pisão Pedreiro e Luísa Anacoreta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 3 de junho de 2016, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A) As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral
1. A… Sgps, S.A. (doravante “A…” ou “Requerente”), pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, nº…, …, …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, nº1 do artigo 3º, nº1, artigo 6º, nº1 e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT”, para impugnação de dez liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “AT”. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas e consequente anulação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-04-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou, em 18-05-2016, o coletivo de árbitros composto pelo Sr. Juiz Conselheiro José Baeta de Queiroz (Presidente), o Sr. Dr. Marcolino Pisão Pedreiro a Sra. Prof.ª Doutora Luísa Anacoreta a integrar o tribunal arbitral coletivo. De imediato, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros indicados, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 03-06-2016. Nesta mesma data foi proferido despacho arbitral e notificada a AT para apresentar a sua contestação no prazo legal.
2. A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu em 31-08-2016, contestou o pedido arbitral, por exceção, invocando a incompetência do tribunal arbitral e por impugnação, defendendo que o mesmo seja julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos constantes da Resposta, junta aos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Em 01-09-2016, foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, fixando em dez dias, sucessivos, o prazo para alegações escritas, começando o da Requerida a contar-se após a notificação das alegações da Requerente.
As partes apresentaram as suas alegações, respetivamente, a Requerente em 09-09-2016 e a requerida em 19-09-2016. Por despacho arbitral de 19-09-2016 foi fixada data para prolação do Acórdão arbitral até 2-12-2016.
B) PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
3. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
- Quanto à alegada exceção de incompetência do tribunal arbitral:
4. A Requerida AT veio invocar a exceção de incompetência do tribunal arbitral, porquanto entende que, conforme consta do artigo 9º do pedido, a Requerente não vem impugnar atos de liquidação adicional mas sim montantes de correção que lhe foram efetuados no âmbito e na sequência de um pedido de reembolso que solicitou, na declaração periódica de tributação de 15/03T. Sendo assim, alega a Requerida AT que o Tribunal arbitral não tem competência para conhecer do pedido, que configura como um pedido de reembolso que a final redundou num deferimento parcial do referido pedido.
Quanto à invocada exceção, questão necessariamente prévia ao conhecimento do mérito da decisão, não assiste razão à AT. A mesma questão foi já objeto de análise apreciação por Tribunal do CAAD no Processo 177/2016, pelo que, dada a semelhança, se opta por aqui reproduzir o teor do Acórdão: “Afigura-se absolutamente claro que o pedido em causa nos presentes autos se delimita na questão de saber se as liquidações adicionais de IVA padecem ou não de vício de ilegalidade. Não está em causa aferir sobre o alegado direito de reembolso mas sim da (i)legalidade das correções meramente aritméticas que foram efetuadas e que estão na base das liquidações impugnadas. Estamos, pois, perante um pedido de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.
A seguir-se o entendimento alegado pela AT, resultaria excluída a competência de qualquer tribunal arbitral para poder conhecer da ilegalidade de atos de liquidação de imposto quando em causa estivesse alguma liquidação de IVA, o que é totalmente descabido face à própria letra da lei, devida e claramente expressa no artigo 2º e 10º do RJAT, bem assim como no artigo 2º da Portaria de vinculação.
O objeto dos autos não é uma questão de reconhecimento de um direito de reembolso, embora este estivesse na origem da inspeção realizada à Requerente, no seguimento da qual se processaram as ditas correções aritméticas que geraram as liquidações adicionais de imposto aqui objetivamente impugnadas. Daí que, o que a Requerente questiona no presente pedido arbitral, ou dito de outro modo, o objeto do pedido, são os atos de liquidação decorrentes da alegada desconsideração, por parte da AT, de um certo conjunto de deduções de imposto a que a Requerente considera ter direito. Estamos, pois, no âmago do processo de impugnação de atos de liquidação, da competência da jurisdição arbitral.
Por último, citando a jurisprudência vertida no Acórdão arbitral proferido no processo nº 354/2015-T, de 10 de dezembro, não há qualquer proibição legal de apreciação de matérias relativas à existência ou não de direitos subjacentes às liquidações ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos dos tipos referidos no artigo 2º do RJAT. Idêntico entendimento tem sido seguido noutras decisões arbitrais, das quais se destaca, ainda, a proferida no processo arbitral nº 764/2014-T, de 29-05-2015.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se considera improcedente a exceção invocada. Nesta conformidade, considera-se o Tribunal arbitral competente face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa”.
5. O processo, não enferma de nulidades que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.
II. Matéria de facto
A) Factos provados
6. Com base nos elementos que constam do processo, juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a apreciação do mérito da causa:
a) A Requerente é uma é SGPS constituída nos termos do estipulado no Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (Decreto-lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, sucessivamente alterado, abreviadamente “RJSGPS”) que detém participações nas sociedades B…, SGPS, S.A. (NIPC…), C…, SGPS, S.A. (NIPC…) e D…, SGPS, S.A. na percentagem de 95% do respetivo capital social, todas inseridas no conjunto empresarial denominado Grupo E… .
b) A A… iniciou a sua atividade em 24 de setembro de 2012, estando enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA (regime de dedução misto com afetação real de todos os bens).
c) A Requerente é controlada pelo Fundo F… (“F…”) (NIPC…), que detém 100% do seu capital social.
d) Após a negociação de um acordo global de reestruturação do Grupo E…, que incluiu acordos extrajudiciais de recuperação, acordos quadro de reestruturação, contratos promessa e contratos de opção de compra de ações e de créditos de acionistas, a Requerente concentrou-se na gestão da relação entre as entidades financeiras e as sociedades do grupo, para a concessão de financiamentos específicos que permitissem a reestruturação do mesmo
e) A Requerente celebrou com cada uma das sociedades acima indicadas contratos de prestação de serviços de gestão, assessorando “na definição do posicionamento estratégico e de negócio, assessoria financeira, na relação com entidades bancárias e elaboração de planos de negócio, e assessoria jurídica”.
f) A Requerente tem prestado numa base contínua diversos serviços de gestão no mercado nacional.
g) No primeiro trimestre de 2015 a Requerente solicitou o reembolso de € 103.967,96, tendo reportado para o período seguinte € 2.780,70, do seu crédito de IVA cujo valor total ascendia a € 106.748,66, que corresponde a crédito formado desde o início da sua atividade (24-09-2012), dado que apresentava constantemente um montante superior de imposto a deduzir do que de imposto a entregar ao Estado;
h) A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva, no seguimento da apresentação do seu pedido de reembolso de IVA, apresentado na declaração periódica de tributação referente ao período de 15/03T;
i) Como resulta do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a inspeção foi realizada ao abrigo da ordem de serviço nº OI2015…, com extensão ao primeiro trimestre do exercício de 2015, tendo sido posteriormente abertas as ordens de serviço n.ºs OI 2015…, OI2015… e OI2015… .
j) Como resultado desta inspeção foram efetuadas correções que deram origem às liquidações aqui impugnadas, porquanto a AT considerou existir irregularidades que conduziram a correções em todos os períodos de 2012, 2013, 2014 e 2015, no montante global de Eur 105.290,46.
k) As correções conduziram à anulação do reporte de Eur 2.780,70, à correção do crédito solicitado em Eur 102.509,76, conduzindo a deferimento parcial do pedido em Eur 1.458,20.
l) O somatório de todas as correções efetuadas é de € 105.290,46.
m) As liquidações adicionais de IVA, impugnadas nos presentes autos, são as seguintes:
(i) n.º…, com o valor de correção de € 3.917,57, correspondente ao período de tributação de 12/12T;
(ii) n.º…, com valor de correção de € 31.066,02, correspondente ao período de tributação de 13/03T;
(iii) n.º…, com valor de correção de € 8.970,57, correspondente ao período de tributação de 13/06T;
(iv) n.º…, com valor de correção de € 213,21, correspondente ao período de tributação de 13/09T;
(v) n.º…, com valor de correção de € 111,44, correspondente ao período de tributação de 13/12T;
(vi) n.º…, com valor de correção de € 90,17, correspondente ao período de tributação de 14/03T;
(vii) n.º…, com valor de correção de € 5.034,59, correspondente ao período de tributação de 14/06T;
(viii) n.º…, com valor de correção de €24.257,99, correspondente ao período de tributação de 14/09T;
(ix) n.º…, com valor de correção de €2.404,16, correspondente ao período de tributação de 14/12T; e
(x) n.º…, com o valor de correção de €29.224,74, correspondente ao período de tributação de 15/03T,
B) Factos não provados
7. Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
C) Fundamentação da fixação da matéria de facto
8. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida no PA junto aos autos, bem assim como no acordo das partes, que só divergem quanto à questão de direito subjacente às liquidações impugnadas.
III - Matéria de direito
9. Resulta dos autos, como se constata pela síntese da matéria de facto enunciada e do Relatório, que Requerente e Requerida divergem apenas quanto à questão de saber se assiste ou não à Requerente o direito à dedução de IVA suportado atendendo à liquidação de IVA nos serviços que presta às suas participadas. Em concreto, a divergência de enquadramento fiscal radica no facto de a Requerente considerar que a sua atividade é essencialmente uma atividade sujeita e não isenta de IVA (prestação de serviços às participadas) que dá direito à dedução generalizada do IVA das aquisições, enquanto a Requerida considera que a diversidade de bens e serviços adquiridos se relacionam com a gestão de participações sociais, atividade que, por não se considerar abrangida pelo conceito de atividade económica, não origina dedução de IVA.
De acordo com a AT, a Requerente não provou nem discriminou quais os serviços que prestou às suas associadas e nessa medida ficou por demonstrar o nexo de causalidade entre os serviços prestados às suas associadas e a realização das despesas em que incorreu, nexo este que pudesse legitimar o exercício do seu direito à dedução. Não sendo possível efetuar a separação entre as despesas conexas com os serviços prestados pela ora Requerente, considera a AT que não pode ser deduzido o IVA suportado na sua totalidade.
Atentou ainda a AT que, não se verificando a tal relação direta e imediata, não se está perante uma despesa geral da Requerente, incluída no preço das operações realizadas a jusante que conferem direito à dedução. Fundamentou a AT que se está perante despesas que respeitam à própria sociedade e são realizadas no seu interesse exclusivo, não se conseguindo estabelecer qualquer relação de utilização entre estes recursos e a atividade tributada, uma vez que eles seriam incorridos independentemente do facto da Requerente prestar quaisquer serviços acessórios às suas participadas, não apresentando um nexo direto, imediato ou inequívoco, ou sequer reflexo, com essas mesmas atividades tributadas.
10. Interessa, então, analisar, se a interpretação que a AT fez é ou não conforme aos preceitos legais aplicáveis contidos no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e na Diretiva Europeia de suporte, em concreto no que respeita à definição e enquadramento das denominadas despesas gerais como suscetíveis de originar direito à dedução quando suportadas por uma SGPS.
As SGPS, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro (alterado pelos Decretos-Lei n.º 318/94, de 24 de dezembro, e n.º 378/98, de 27 de novembro), têm por objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (artigo 1.º, n.º 1). Para além destas atividades, as SGPS podem prestar, a título de atividade acessória da gestão de participações sociais, serviços técnicos de gestão às suas participadas.
É já suficientemente divulgado e aceite quer pela jurisprudência do CAAD, quer pela academia, que as SGPS não são necessariamente holdings puras, podendo exercer intervenção direta e ativa na gestão das participadas. Entende-se que as SGPS podem não ser meras detentoras passivas de partes de capital com o único intuito de obtenção de dividendos.
Conforme refere Xavier de Basto e Oliveira 1, a holding pura “não se imiscui nas atividades das sociedades em cujo capital participa”. Nas holdings puras a simples receção de dividendos e de juros não reflete o exercício de uma atividade económica, pelo que não se admite o direito à dedução dos inputs utilizados nessas atividades. Mas nas holdings não puras tal não se verifica necessariamente.
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1 XAVIER DE BASTO e MARIA ODETE OLIVEIRA (2008) Desfazendo mal-entendidos em matéria de direito à dedução de Imposto sobre o Valor Acrescentado: As recentes alterações do artigo 23. ° do Código do IVA. Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 1, Nº 1. Almedina.
Não se estando perante uma holding pura, interessa analisar a atividade por ela desenvolvida, enquadrando-a ou não no conceito de atividade económica e identificando a sua relevância no todo da atividade que a SGPS desenvolve. Só avaliando a relevância da atividade económica desenvolvida, face à restante atividade (não económica) da SGPS, se pode concluir sobre a finalidade das despesas gerais suportadas pela entidade, justificando ou não a sua elegibilidade para efeitos de dedução do IVA com elas suportado. Ora, no caso concreto a relevância da atividade desenvolvida pela requerente é, em exclusivo, conduzir as atividades que visam a recuperação económica do Grupo E… . E para isso envolveu-se em determinadas atividades, que originaram serviços a liquidar às suas participadas.
Interessa, assim, analisar e enquadrar a atividade desenvolvida pela A… dirigida exclusivamente, desde o momento da sua criação, à reestruturação e recuperação económica dos negócios do Grupo E…. De referir que, no caso concreto, a A… exerce, ainda que de forma indireta, atividades que visam a reestruturação e recuperação económica do Grupo E…, já que as suas participadas são, elas próprias, holdings não puras que interferem na gestão das suas próprias participadas, conforme devidamente analisado e suportado no Acórdão do CAAD 177/2016-T.
11. É posição dominante e suficientemente invocada a Jurisprudência Comunitária (Acórdão SKF[1], Cibo[2] e Polysar[3], por exemplo) que defende que o envolvimento direto de uma sociedade participante na gestão das participadas, prestando-lhe diversos serviços técnicos a título oneroso, incluídos no perímetro de incidência de IVA, permite concluir pela existência de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica. Isso mesmo se verifica no caso que agora se analisa, ainda que a atividade com efeitos diretos na gestão das empresas do grupo seja realizada pela Requerente através da prestação de serviços às suas participadas, as quais posteriormente os utilizam no exercício de serviços de gestão às por elas próprias participadas.
Com efeito, o n.º 30 do Acórdão da TJUE relativo ao processo SKF refere que: “(…) o Tribunal de Justiça já decidiu que a situação é diferente quando a participação financeira numa sociedade é acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participação, sem prejuízo dos direitos que o detentor da participação tenha na qualidade de acionista ou de sócio (v. acórdãos de 20 de Junho de 1991, Polysar Investments Netherlands, C-60/90, Colect., p. I-3111, n.° 14; de 14 de Novembro de 2000, Floridienne e Berginvest, C-142/99, Colect., p. I-9567, n.° 18; despacho de 12 de Julho de 2001, Welthgrove, C-102/00, Colect., p. I-5679, n.° 15; e acórdão de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C-16/00, Colect., p. I-6663, n.° 20), na medida em que tal interferência implique a realização de transações sujeitas ao IVA nos termos do artigo 2.° da Sexta Diretiva, tais como o fornecimento de serviços administrativos, contabilísticos e informáticos (acórdão Floridienne e Berginvest, já referido, n.° 19; despacho Welthgrove, já referido, n.° 16; acórdãos Cibo Participations, já referido, n.° 21, e de 26 de Junho de 2003, MKG-Kraftfahrzeuge-Factoring, C-305/01, Colect., p. I-6729, n.° 46)”.
No mesmo sentido vem o Acórdão do TJUE relativo ao caso Larentia and Minerva + Marenave[4] ao defender que “a mera aquisição e a mera detenção de partes sociais não devem ser consideradas atividades económicas na aceção da Sexta Diretiva, que confiram ao seu autor a qualidade de sujeito passivo, … a situação é diferente quando a participação for acompanhada pela interferência direta ou indireta na gestão das sociedades em que se verificou a tomada de participações, sem prejuízo dos direitos que o detentor das participações tenha na qualidade de acionista ou de sócio”.
Atente-se, por fim, ao Acórdão do TJUE[5] no caso Portugal Telecom que estabelece que “caso seja de considerar que todos os serviços adquiridos a montante têm um nexo directo e imediato com operações económicas a jusante com direito a dedução, o sujeito passivo em causa teria o direito, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2, da Sexta Directiva, de deduzir a integralidade do IVA que tenha onerado a aquisição a montante dos serviços em causa no processo principal. Este direito à dedução não pode ser limitado pelo simples facto de a regulamentação nacional, em razão do objecto social das referidas sociedades ou da sua actividade geral, qualificar as operações tributadas de acessórias da sua actividade principal”.
Segundo este mesmo Acórdão: «admite-se igualmente um direito a dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direto e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo».
O Tribunal concluiu, assim, que tem cobertura legal a dedução de todo o IVA suportado com serviços e bens adquiridos que tenham nexo direto e imediato com os serviços prestados às suas participadas com direito a dedução ou que, não tendo nexo direto e imediato com determinados serviços, seja IVA suportado com custos que fazem parte das despesas gerais da entidade que tenham nexo direto e imediato com o conjunto da sua atividade económica.
12. Decorre, assim, que o TJUE, no que se refere à detenção de partes de capital noutras entidades, já decidiu que se insere no âmbito do exercício de uma atividade económica o caso dessa detenção ser acompanhada pela “ (…) interferência direta ou indireta na gestão das sociedades (…)”[6] na medida em que tal interferência implique a prestação de serviços sujeitos ao IVA O TJUE distingue, nesta medida, as holdings que interferem, direta ou indiretamente, na gestão das participadas, daquelas que não o façam.
Assim, no âmbito da aquisição e detenção de participações sociais, a existência, pela participante, de uma interferência direta ou indireta na gestão da participada condiciona o enquadramento no âmbito da atividade económica das holding, suscitando o direito à dedução do IVA suportado com as despesas relacionadas a montante.
Nesta medida, sendo a mera aquisição de participação financeira uma operação passiva, a dedutibilidade do IVA de despesas associadas está condicionada à forma como a titularidade será exercida no futuro, ou seja, de forma meramente passiva, limitando-se ao recebimento dos lucros a ela associados ou, alternativamente, de forma ativa, com interferência direta ou indireta na gestão da mesma, dela resultando o exercício recorrente de uma atividade tributada.
Como salienta Rui Bastos[7], “Não se deverá ver condicionado o direito à dedução das despesas gerais suscetíveis de ser imputadas à componente tributada da atividade económica do sujeito passivo (serviços de apoio à gestão), como poderá acontecer com assistência jurídica contratada a terceiros, estudos em matéria de internacionalização do grupo, gastos administrativos, etc., desde que se comprove a afetação de recursos, como poderão ser os recursos humanos, à referida atividade tributada, qualificando-se aqueles encargos como gastos gerais da atividade e, como tal, repercutíveis no preço das operações tributadas e, portanto, suscetíveis de conferirem integral dedução do IVA, sendo que não se vislumbra, a este nível, nenhuma razão para um tratamento diferenciado de uma holding mista de uma sociedade operacional”.
Como nota o autor, seja numa holding mista, seja numa sociedade-mãe, seja ao nível da aquisição, durante a detenção, ou aquando da alienação, o enquadramento do IVA das aquisições deve ser o mesmo. Tratar de forma diferente a dedutibilidade do IVA das aquisições consoante a opção estratégia estruturação das operações, seja ou não através da constituição de uma filial, ou de uma mera sucursal, por oposição ao exercício direto da gestão, conduziria a um tratamento discriminatório de situações objetivamente idênticas.
Por sua vez, como o TJUE notou no Caso Abbey[8], “os custos destes serviços fazem parte das despesas gerais do sujeito passivo e, como tais, são elementos constitutivos do preço dos produtos de uma empresa. Com efeito, mesmo no caso de transferência de uma universalidade de bens, quando o sujeito passivo não realiza mais operações após a utilização dos referidos serviços, os custos destes últimos devem ser considerados inerentes ao conjunto da atividade económica da empresa antes da transmissão.” (
“qualquer outra interpretação (…) seria contrária ao princípio que exige que o sistema do IVA seja de uma perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas da empresa, na condição de estas estarem elas próprias sujeitas ao IVA, e poria a cargo do operador económico o custo do IVA no âmbito da sua atividade económica sem lhe dar a possibilidade de o deduzir (ver neste sentido, acórdão Gabalfrisa (…)). Assim, proceder-se-ia a uma distinção arbitrária entre, por um lado as despesas efetuadas para os fins de uma empresa antes da exploração efetiva desta e das efetuadas no decurso da referida exploração e, por outro lado, as despesas efetuadas para pôr termo a esta exploração. Os diversos serviços utilizados (…) para os fins da transferência duma universalidade de bens ou de partigoe dela mantêm portanto, em princípio, uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica deste sujeito passivo.”.
13. Pelas razões expostas, o exercício da atividade permanente e regular de prestação de serviços de gestão às suas participadas pela A… SGPS, S.A. subsume-se ao conceito de atividade económica, sujeita e não isenta de IVA, pelo que o IVA por si suportado nas aquisições de bens e serviços é dedutível.
Assim, no caso concreto, não está em causa a segregação de inputs entre atividade não sujeita e atividade sujeita e não isenta de IVA. Note-se que a dedução do IVA numa operação exclusivamente alocada a uma operação tributada resulta apenas da disciplina geral do direito à dedução prevista nos artigos 19.º e 20.º do CIVA.
Conforme se saliente no processo do CAAD 177-2016, “o direito à dedução dos serviços adquiridos não preclude se não for feita uma alocação direta e imediata dos serviços prestados a cada uma das sociedades participadas individualmente consideradas. A falta de uma imputação individualizada não implica que os inputs estejam desconetados da prestação de serviços às subsidiárias, ou do conjunto da atividade económica da SGPS. De facto, a dedutibilidade do IVA dos inputs assenta na respetiva utilização para a realização de operações tributáveis, ou, nas palavras do artigo 168.º da Diretiva, “quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas (…)”. Naturalmente, o artigo 20.º do CIVA adere a este entendimento, aceitando a dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações elencadas no mesmo preceito, incluindo as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. Trata-se, pois, como conclui a Decisão Arbitral de 27-12-2012, relativa ao Processo n.º 77/2012-T, “de uma relação de utilização””.
14. No caso em análise, a AT limitou fortemente qualquer exercício de compreensão sobre a participação ativa da Requerente na gestão do grupo empresarial, ou de ligação dos inputs suportados, ainda que a título de despesas gerais, a esta atividade, considerando que os serviços adquiridos foram exclusivamente utilizados na atividade de detenção de participações sociais e concluindo que o imposto suportado não seria dedutível. Com efeito, a AT desconsiderou as razões que estiveram na constituição e no início de atividade da Requerente, razões estas determinadas pela necessidade de recuperar e reestruturar toda a atividade do Grupo E… .
A questão objeto de decisão, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se uma sociedade gestora de participações sociais que presta serviços, no caso serviços de assessoria estratégica, jurídica, operacionalização e segurança, às suas participadas pode deduzir o IVA suportado a montante com a aquisição de bens e serviços conexos com a generalidade da atividade económica desenvolvida pelo Grupo, em fase de reestruturação e recuperação.
Como referido acima, resulta da jurisprudência do TJUE que, caso seja de considerar que todos os bens e serviços adquiridos a montante ainda que não apresentem um nexo direto e imediato com uma ou mais determinadas operações económicas a jusante que originem direito à dedução, não fica em causa o direito à dedução da integralidade do IVA pelo sujeito passivo se o conjunto de bens e serviços adquiridos fizer parte das suas despesas gerais, apresentando por essa via um nexo direto e imediato com a generalidade da atividade económica por si desenvolvida, e forem, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos serviços que presta. Este direito à dedução não pode ser limitado pela regulamentação nacional ou pela interpretação que a autoridade administrativa interna faça sobre a aplicação destes princípios.
Acresce, ainda, que a legislação nacional está em sintonia com a legislação e a jurisprudência europeia, ao estabelecer no artigo 20.º do CIVA, que pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações que aí se indicam, entre as quais se incluem as transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas. No caso da Requerente, pela matéria provada supra enunciada, a sua interferência na gestão das sociedades do grupo desenvolveu-se através da prestação de serviços da assessoria estratégica, jurídica e de segurança indispensáveis à recuperação extrajudicial desse mesmo grupo de empresas, pelo que não subsiste dúvidas de que a sua atuação consubstancia uma atividade económica, para efeitos de tributação em IVA, estando a Requerente autorizada a deduzir o IVA suportado. Acresce ainda que, no caso em apreço, a AT não logrou demonstrar que a Requerente não pudesse deduzir o IVA que deduziu, limitando-se a tecer uma conclusão apenas e só por se tratar de uma SGPS.
15. Sendo assim, forçoso é concluir que as liquidações impugnadas são ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que consubstancia um vício de violação de lei, pelo que se impõe a sua anulação com todas a as consequências legais.
IV. QUANTO AO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
16. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).
Face à procedência do pedido anulatório, deverão ser restituídos à Requerente os valores indevidamente pagos. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou por compensação com créditos que tinha a receber da AT, é imputável à AT, mercê da incorreta interpretação e aplicação da lei. Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).
V. DECISÃO
Nestes termos decide este Tribunal arbitral:
a) julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação impugnados nos presentes autos por vício de violação de lei;
b) Anular as liquidações impugnadas, com as legais consequências, nomeadamente o reembolso à Requerente dos valores indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, a contabilizar até integral pagamento.
c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 105.290,46 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 22 de novembro de 2016.
O Tribunal Coletivo,
José Baeta de Queiroz
(Árbitro Presidente)
Marcolino Pisão Pedreiro
(Árbitro Vogal)
Luísa Anacoreta
(Árbitro Vogal)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revisto).
[1] Acórdão de 29 de outubro de 2009, Caso SKF, Proc. C-29/08,.
[2] Acórdão de 27 de setembro de 2001, Caso Cibo, Proc. C‑16/00.
[3] Acórdão de 20 de junho de 1991, Caso Polysar, Proc. C-60/90.
[4] Acórdão de 16 de julho de 2015, Caso Larentia and Minerva + Marenave, Proc. apensos C‑108/14 e C‑109/14.
[5] Acórdão de 6 de setembro de 2012, Caso Portugal Telecom, Proc. C‑496/11.
[6] Expressão utilizada pela primeira vez por parte do TJUE no Caso Polysar, que viria a ser delimitada no Caso Floridienne.
[7] Cfr. RUI BASTOS, O direito à dedução do IVA, O caso particular dos inputs de utilização mista, op. cit., pp. 79 e 80.
[8] Acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, Proc. C-408/98.