Acórdão Arbitral
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Carlos Lobo e Nuno Miguel Morujão, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20/5/2016, acordam o seguinte:
I. Relatório
1. O contribuinte A…, com o NIPC … (doravante “Requerente”), apresentou, no dia 9/3/2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos arts 2.º e 10.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
2. O Requerente solicita a pronúncia arbitral sobre o pedido de declaração da ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA referente à declaração periódica de dezembro de 2010, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente a declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do subsequente recurso hierárquico apresentados pelo Requerente, a condenação da AT ao reembolso de IVA na quantia de € 114.406,63 e correspondentes juros indemnizatórios, e a condenação da AT em ressarcir o Requerente das despesas resultantes da lide, com honorários de mandatários judiciais a liquidar em execução de julgados.
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 10/3/2016.
a. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 6.º e da al. b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo art. 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
b. Em 4/5/2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
c. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20/5/2016.
d. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alega, em síntese:
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Os Municípios realizam operações fora do âmbito de incidência do IVA (v.g. atividades de polícia), operações sujeitas a IVA, mas isentas deste imposto, as quais não concedem o direito à dedução do imposto (v.g. locação de bens imóveis), e ainda operações sujeitas e não isentas de IVA (designadamente a atividade de distribuição de água aos munícipes).
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Em 2010, por manifesta complexidade do regime de IVA, o Requerente inadvertidamente adotou uma interpretação errada da lei aplicável, pelo que i) não deduziu qualquer IVA quanto aos recursos de utilização mista e ii) deduziu unicamente o IVA dos recursos afetos de forma exclusiva a operações tributadas, recorrendo à imputação direta (à data apelidado erroneamente de afetação real), prevista nos artigos 20.º do Código do IVA (doravante CIVA) e 168.º da Diretiva IVA (doravante “DIVA”) (79.º PI).
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Assim, em 2014, na sequência de um serviço de revisão de procedimentos efetuado por entidade especializada, o Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa referente à entrega de prestação tributária em excesso, derivada da não dedução de IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista (no ano 2010), que veio a ser indeferido na totalidade. Não se conformando com o indeferimento que recaiu sobre o Pedido de Revisão Oficiosa, o Requerente submeteu Recurso Hierárquico, nos termos do art. 80.º LGT. Em 14/12/2015, foi o Requerente notificado do indeferimento do recurso hierárquico apresentado com referência ao ano de 2010 (2.º a 4.º PI).
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“A situação vertente deriva de um erro efetuado no apuramento de imposto autoliquidado pelo Requerente, pois este não reportou, como lhe assistia, montantes de imposto a deduzir” (80.º PI).
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“Assim, o apuramento do IVA efetuado na declaração periódica referente a dezembro de 2010 resultou no pagamento de imposto em excesso, pois não foram abatidos ao imposto liquidado nas operações ativas, os montantes de imposto que deviam ser deduzidos ao abrigo do artigo 23.º do CIVA e da Diretiva do IVA, com recurso ao método do pro rata”. Ou seja, “este erro originou a entrega da prestação tributária em excesso ao Estado, ou seja, de imposto que, face às normas legais aplicáveis, não devia ter sido pago pelo Requerente” (82.º PI).
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A esse respeito, o art. 78.º n.º 2 LGT dispõe que “sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação” (83.º PI).
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Pelo que, “tendo-se verificado um erro na autoliquidação do imposto referente ao ano 2010 – que originou a entrega de imposto em excesso ao Estado por parte do Requerente – este erro será, por disposição expressa, assente em ficção legal, imputável aos serviços” (84.º PI).
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Ora “o direito à dedução do IVA deve ser exercido no âmbito das regras do artigo 22.º do Código do IVA, nascendo, nos termos do n.º 1, “no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”” (87.º PI), mas “quando se revele que o imposto efetivamente deduzido é inferior ou superior ao montante que seria devido, pode o sujeito passivo proceder à sua correção” (88.º PI), nos termos do art. 184.º DIVA, segundo o qual “a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”. “E é exatamente por esta faculdade que é concedida ao sujeito passivo que se estabelecem prazos, dentro dos quais aquele corrige o seu direito à dedução, constituindo o artigo 98.º n.º 2 do Código do IVA – de acordo com o qual o direito à dedução pode ser exercido no prazo de quatro anos…” (89.º PI).
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Também o art. 78.º CIVA “se ocupa da possibilidade de exercício do direito à dedução, estabelecendo distintas regras e prazos para o exercício desse direito, consoante estejamos perante a concessão de descontos, a emissão de faturas inexatas, a correção de erros materiais ou de cálculo ou a existência de créditos incobráveis” (90.º PI).
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No caso em análise, durante o ano de 2010 “o Requerente não exerceu o direito à dedução do IVA respeitante a bens e serviços adquiridos simultaneamente para a realização de operações que conferem direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, acrescido de situações residuais relacionadas com bens e serviços integralmente utilizados em operações que conferem direito à dedução do IVA” (93.º PI).
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“Não obstante, as faturas correspondentes foram registadas na contabilidade do Requerente” (94.º PI). Com efeito, “não ocorreu um erro na contabilidade/escrita (uma vez que as faturas foram correta e tempestivamente registadas) nem qualquer inexatidão das faturas (já que foram emitidas em consonância com as regras do artigo 36.º CIVA). Ao Requerente não é, deste modo, imputável um comportamento negligente ou intempestivo” (97.º PI). “Contrariamente, trata-se de um erro na determinação do regime de IVA (erro de direito) aplicável à dedução do imposto nas operações passivas, à luz das orientações da AT, pelo que, na falta de melhor designação, constitui um erro de enquadramento ou de direito” (98.º PI).
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“A opção pela não dedução do IVA nos custos promíscuos ficou a dever-se à manifesta complexidade do regime, induzindo a uma inadvertida interpretação errada” (95.º PI); “…com receio de estar a deduzir mais do que seria admitido, o Requerente, com parcos recursos administrativos, optou por não deduzir, de todo, o IVA suportado em recursos de utilização mista” (96.º PI).”
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“O erro no enquadramento é, pois, o que resulta de uma incorreta interpretação ou aplicação da lei dando origem a erróneo apuramento do imposto. No caso concreto, o IVA não deduzido converteu-se em imposto pago em excesso pelo facto do Requerente ter guiado a sua conduta tributária em conformidade com uma incorreta interpretação da redação do artigo 23.º, não tendo, desse modo, deduzido o IVA nos custos comuns (contrariamente ao que deveria ter feito à luz da Diretiva e da correta interpretação do artigo 23.º do Código do IVA). É, pois, um erro nos pressupostos quanto ao regime de dedução que seria aplicável” (99.º PI).
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Erro esse que foi prejudicial para o Requerente “durante muito mais do que quatro anos (que é o prazo de caducidade do exercício do direito à dedução, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA), uma vez que … só veio a deduzir o IVA, a partir do ano de 2010, com o apoio de uma entidade externa especializada, tendo, por essa razão, sofrido prejuízos (para anos anteriores) que nunca lhe irão ser devidamente compensados” (100.º PI).
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Ainda que se entendesse que o erro no enquadramento do Requerente estaria abrangido pelo regime do n.º 6 do art. 78.º do CIVA, aplicável em caso de erros materiais e de cálculo, a limitação de dois anos estabelecida nessa norma para o exercício do direito à dedução está restringido à regularização por via declarativa (através da submissão de uma declaração de substituição de IVA, que é objeto de tratamento automático por via informática, desprovido de qualquer verificação da AT, que não seja a da congruência formal dos elementos declarados), permanecendo o prazo de quatro anos do art. 98.º n.º 2 do CIVA para os casos de revisão por via administrativa (106.º PI).
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É “neste contexto que surge o mecanismo de Revisão Oficiosa enquanto garantia adicional dos contribuintes quando todos os restantes meios processuais normais (v.g. reclamação graciosa, recurso hierárquico) se encontram esgotados, sem que fique comprometido o princípio da segurança jurídica, pois prevê-se um prazo razoável de caducidade, de quatro anos, findo o qual se estabiliza definitivamente a situação jurídico-tributária” (107.º PI).
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E é uma garantia adicional que se justifica pelo princípio da igualdade e do tratamento equitativo e justo, num contexto em que o ónus das tarefas de auto-liquidar o imposto foi transferido para o contribuinte (que age assim, materialmente, como se da AT se tratasse) e em que é permitida à AT a correção de tal autoliquidação justamente dentro de um prazo de quatro anos (108.º PI).
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No âmbito do Acórdão do CAAD de 6/12/2013 (Proc. n.º 117/2013-T), o coletivo de árbitros refere, a respeito de um sujeito passivo que por lapso não havia procedido à correta dedução do IVA, com base num pro rata errado (uma vez que havia incluído no denominador desse pro rata proveitos não decorrentes do exercício de uma atividade económica, como é o caso da alienação de participações sociais) que “o erro quanto à aplicação de determinados regimes jurídicos não constitui nem erro material nem erro de cálculo, pelo que é manifesto que não pode ser-lhe aplicado o regime referido no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA. Designadamente, o erro de cálculo do pro rata não é um erro de cálculo enquadrável nesta norma porque consubstancia um erro de direito sobre o regime jurídico aplicável e não um erro de natureza aritmética”. Concluindo-se, em face de todo o exposto, que “não sendo aplicável o regime do referido artigo 78.º n.º 6, nem existindo qualquer limite temporal especial para exercício do direito à dedução com fundamento em erro de direito, será aplicável o regime geral sobre esta matéria que consta do artigo 98.º n.º 2 do CIVA que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-5-2011, proferido no processo n.º 966/10, fixa um limite máximo de quatro anos que não pode ser excedido em nenhum caso” (sublinhado do Requerente) (114.º e 115.º PI).
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“Em suma, e seguindo a jurisprudência citada, o pedido de Revisão Oficiosa é o meio idóneo e correto para o sujeito passivo vir recuperar o IVA que não havia sido anteriormente deduzido, quando tenha decorrido o prazo de dois anos para efetuar essa dedução por via declarativa, estando a AT obrigada a analisar essa revisão (submetida dentro do prazo – de quatro anos) quando tenha havido lugar a arrecadação de imposto superior ao devido” (122.º PI).
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“Em face de todo o exposto, não poderá ser outro o entendimento do Requerente que não o de ver garantido o seu direito à dedução do IVA, no valor de € 114.406,63 a respeito do ano de 2010, por solicitado dentro do prazo limite de quatro anos, previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA e no artigo 78.º da LGT, através do mecanismo de Revisão Oficiosa” (124.º PI).
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“Não pode ser compreensível que o sujeito passivo, por um erro de enquadramento das suas operações, com origem em erróneas orientações da AT fique impedido de, num prazo estipulado na lei, corrigir o imposto pago em excesso” (125.º PI).
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Quanto ao regime de Direito Comunitário, importa salientar o teor das decisões do TJUE nos casos Ecotrade SpA (Ac. de 8/5/ 2008, proc. apensos C-95/07 e C-96/07) e EMS Bulgaria (Ac. de 12/7/2012, proc. C-284/11).
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Em ambos os casos o TJUE começa por sancionar o prazo de caducidade do direito à dedução dos contribuintes, para então proceder ao seu afastamento na aplicação aos casos concretos, por considerar que o mesmo constitui uma punição inadmissível à luz da Diretiva e do princípio da neutralidade (148 PI).“Uma análise mais detalhada, todavia, permite identificar diferenças relevantes entre ambos os casos: no primeiro (Ecotrade), deparamo-nos com um sujeito passivo que, por ter enquadrado incorretamente a operação do ponto de vista contabilístico, deixou de liquidar o imposto devido e, concomitantemente, de deduzi-lo. No segundo (EMS Bulgaria), temos um sujeito passivo que, pelo contrário, conhecia o enquadramento contabilístico-fiscal da operação que praticara e, consequentemente, o facto de a mesma dar lugar à obrigação de liquidar IVA, assim como ao direito a deduzi-lo, não o tendo feito em prazo” (146.º PI).
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Mas “o que importa reter é que o Tribunal acaba sempre por confirmar esse direito à dedução para além dos prazos nacionais de caducidade em situações incomparavelmente menos sólidas do que a do Requerente” (148.º PI).
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“Perante tal posição do TJUE, por maioria de razão na situação vertente, em que não ocorreu qualquer atropelo de requisitos formais e em que a conduta tributária do Requerente derivou tão-só (com seu prejuízo e nenhum para o Estado) das incorretas orientações administrativas emanadas pela AT, se impõe que seja aceite a regularização do seu direito à dedução” (149.º PI).
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“Se por mais não fosse – e é (…) – isso é uma exigência, elementar até, atentas as circunstâncias do caso, do princípio da boa fé. Ou seja, esta solução é igualmente (ou adicionalmente) recomendada pelo princípio da proteção da confiança” (150.º PI).
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“À face do exposto, tal restrição não podia prevalecer por incompatibilidade com o princípio da neutralidade e com o Direito Comunitário, em concreto com o artigo 168.º e seguintes da Diretiva IVA” (151.º PI).
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“Acresce referir que a AT em situações equiparáveis às do Requerente tem deferido os pedidos de revisão oficiosa e autorizado a dedução de IVA, sob o mesmo quadro legal que, aliás, se tem mantido estável nos últimos anos, pelo que apenas a razão fiscal (por si, inválida) e não outra pode estar por trás da inexplicável mudança de posição” (152.º).
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“Neste sentido, não pode o Tribunal deixar de considerar que a posição agora preconizada pela AT, refugiando-se na intempestividade dos pedidos apresentados, ignora o seu próprio enquadramento quanto à metodologia de dedução dos recursos de utilização “mista” e, bem assim, o meio através do qual foi divulgado o Relatório do Grupo de Trabalho com as clarificações relativamente a esta matéria, traduzindo tal comportamento, uma clara violação do princípio da tutela da confiança e do dever administrativo de proceder legalmente e de boa fé” (153.º PI).
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“De facto, a AT, deve, no exercício das suas funções, atuar com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua atuação e o objetivo a alcançar” (154.º PI).
5. Em 21/5/2015, o tribunal arbitral proferiu um despacho de notificação ao Sr. Diretor Geral da AT para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
6. A AT ofereceu Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, alegando, em síntese:
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Exceção por incompetência da Jurisdição Arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido deduzida, previamente, reclamação graciosa:
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Segundo o art. 2.º, al. a) da portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais arbitrais tem por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do art. 2.º do RJAT (declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta), “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
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“…A jurisprudência tem provido o entendimento de que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto no artigo 131.º, n.º 1 do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento” (18.º Resposta), “todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º do CPPT, mas tão só de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT” (19.º Resposta).
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Adicionalmente, “verifica-se que, na situação em apreço, os alegados “atos de autoliquidação” não foram efetuados de acordo com instruções genéricas emitidas pela AT, pelo que sempre se imporia a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT” (48.º Resposta).
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Por outro lado “o entendimento supra pugnado, (de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT), impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT” (50.º Resposta).
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“A vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento” (53.º Resposta).
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Incompetência da Jurisdição Arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de qualquer ato tributário:
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A decisão de indeferimento ora impugnada limitou-se a apreciar o requisito da tempestividade, ou seja, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação (63.º e 65.º Resposta).
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“…Apenas em sede arbitral, a Requerente conclui pela «ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA referente à declaração periódica de Dezembro de 2010», pedindo, em consequência, a anulação das decisões administrativas e a restituição do IVA liquidado” (67.º Resposta).
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Ora “o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento quer da revisão oficiosa, quer do recurso hierárquico, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação” (68.º Resposta; destaque da Requerida).
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“Como tal, estamos perante atos administrativos em matéria tributária que, por não apreciarem ou discutirem a legalidade do ato de liquidação, não podem ser sindicáveis através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT” (76.º Resposta).
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Intempestividade:
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Admitindo-se que o objeto do pedido é a autoliquidação referente ao período de dezembro de 2010, acontece que se mostra ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de tal ato em sede arbitral (85.º Resposta).
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“O art. 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)” (86.º Resposta).
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“Logo, o pedido em apreço, formulado apenas em 2016, é intempestivo e não pode o tribunal dele conhecer” (87.º Resposta).
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Quanto à disciplina legal especificamente aplicável e ao tipo de erro ocorrido:
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“As deduções de imposto efetuadas por um sujeito passivo de IVA apresentam, em princípio carácter definitivo, podendo, contudo, em certos casos expressamente previstos no artigo 78.º do Código do IVA, ser objeto de alteração” (103.º Resposta).
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Dispõe-se no n.º 6 do art. 78.º CIVA “A correção de erros materiais ou de cálculo no registo … só pode ser efetuada no prazo de dois anos…” (104.º Resposta).
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Não obstante, “o Requerente pretende fazer-se valer, no caso sub judice, do prazo de quatro anos para proceder à correção do IVA que conforme alega suportou em excesso, o qual decorre, em seu entender, do n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA” (105.º Resposta), “argumentando ter incorrido em erro de direito não subsumível à disciplina do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA” (106.º Resposta).
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O art. 78.º é especial face ao art. 98.º, ambos do CIVA (109.º a 115.º Resposta).
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Neste caso, ocorrem as duas circunstâncias que nos levam à aplicação do artigo 78.º CIVA e não do respetivo art. 98º: “(i) Por um lado, estamos perante documentos (faturas) já registados na contabilidade, pelo que o IVA nelas incorrido foi considerado como gasto nos termos do artigo 23º, nº 1, alínea f) do Código do IRC. Ora, se foi considerado como gasto, tal é incompatível com a pretensão do ora Requerente de tornar esse imposto dedutível nos termos do artigo 98º do Código do IVA, já que, de acordo com o disposto no e artigo 45º, nº1, alínea c) do Código do IRC tal não se mostraria dedutível para efeitos da determinação do lucro tributável. Assim, o prazo mais alargado do artigo 98º só poder ser aplicado a documentos não registados na contabilidade porque o IVA neles incorridos não é tido como gasto para efeitos de IRC; (ii) Por outro lado, no caso dos presentes autos sempre tal erro se reconduz a um erro material já que se reporta ao cálculo do pro rata de dedução do imposto, relativamente a um sujeito passivo misto” (116.º Resposta).
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“Pelo que, face à legislação aplicável ao caso concreto, não pode deixar de se entender, como bem se decidiu na decisão de indeferimento sub judice, que o prazo de quatro anos estatuído no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA não pode ser aplicável ao caso concreto…” (117.º Resposta).
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Acresce que, do exposto pela Requerente (não obstante o previsto no art. 23.º CIVA não ter deduzido o IVA suportado em custos comuns), resulta estarmos perante “um erro de registo do Requerente e não um erro de direito, ao contrário do que este alega no seu pedido de pronúncia arbitral” (123.º Resposta).
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“Por assim ser, apenas seria possível reconhecer ao Requerente o direito à dedução do IVA, através do recurso ao mecanismo previsto no artigo 78.º, n.º 6 do Código do IVA” (124.º Resposta).
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Quanto aos Acórdãos citados pela Requerente, no âmbito da jurisdição do TJUE:
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“No caso Ecotrade referido pelo Requerente, a principal ilação que dali se pode retirar é que a Diretiva IVA legitima que o prazo para os sujeitos passivos procederem a correções ao imposto seja inferior ao prazo de caducidade do direito à liquidação, desde que os princípios da equivalência e da eficácia sejam respeitados” (137.º Resposta). “Deste modo, parece-nos óbvio que o prazo de dois anos para proceder à alegada correção da autoliquidação realizada não torna esse direito excessivamente difícil de cumprir para sujeitos passivos normalmente diligentes” (138.º Resposta).
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No processo SEM Bulgária, “o TJUE nem sequer considerou que o prazo de dedução fixado pela legislação desse Estado membro violava o direito comunitário” (141.º Resposta). “Na realidade, o que acabou por ser discutido e decidido, em concreto, é que “a falta de registo para efeitos de IVA não pode privar o sujeito passivo do seu direito à dedução” e que “o princípio da neutralidade fiscal se opõe a uma sanção que consiste em recusar o direito a dedução em caso de pagamento tardio do IVA”. Matéria esta que em nada releva para efeitos da pretensão do Requerente” (142.º Resposta). “Ou seja, em jeito de conclusão, o direito à dedução é sempre qualificado pelo TJUE como um direito e não como um poder-dever” (143.º Resposta).
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“Caso o Tribunal venha a considerar que, no caso sub judice, o Requerente podia, no prazo de quatro anos, proceder à regularização do imposto liquidado … então sempre se impõe que seja promovida a apreciação, fundamentando de facto e de direito, da legalidade de tal regularização” (144.º Resposta). “Em suma, se … o … Tribunal decidir pela aplicação do artigo 98.º do Código do IVA ao caso concreto, não pode, sem mais, decidir pela dedução do IVA…” (146.º Resposta). Antes “…deve o Tribunal determinar que o processo seja devolvido à Autoridade Tributária e esta se pronuncie pela regularização peticionada” (147.º Resposta).
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“Caso assim não entenda…, avocando o Tribunal a si a decisão de tal questão, cumpre, então, salientar que da factualidade exposta constata-se que a Requerente não logrou identificar com precisão as operações em causa e demonstrar a validade dos cálculos efetuados com vista à quantificação dos montantes exigidos, até porque nos presentes autos apenas está em causa o pedido de ilegalidade parcial” (148.º Resposta), sendo sobre si que recai o ónus da prova nos termos do n.º 1 do art. 74.º LGT e 342.º CC (149.º e 150.º Resposta).
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“…Caso assim não se entenda … e o Tribunal considere improcedente o exposto, deve, então, sob pena de nulidade, fixar os factos e o direito, bem como a prova relevantes para a apreciação do pedido” (152.º Resposta), sendo “necessário que a Requerente seja chamada a fazer tal prova e, em obediência ao princípio do contraditório, a Requerida seja convocada a pronunciar-se sobre a mesma” (153.º Resposta), sendo “…concedida à AT a oportunidade para apreciar o montante indicado pela Requerente” (154.º Resposta).
7. Em 27/6/2016, ante as questões de exceção suscitadas pela Requerida, o Tribunal notificou a Requerente para, querendo, exercer contraditório no prazo de dez dias.
8. Em 24/7/2016 o Tribunal proferiu despacho dispensando a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, cfr. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. Designou-se o dia 20/11/2016 como prazo limite para prolação da decisão arbitral.
9. As partes prescindiram da realização de alegações finais.
II. Saneamento
10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, bem como são beneficiárias de legitimidade processual (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
11. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.
12. O processo não enferma de nulidades.
13. São suscitadas pela AT as seguintes exceções:
a. Da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido deduzida, previamente, reclamação graciosa.
b. Da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de qualquer ato tributário.
c. Da intempestividade.
III. Matéria de facto
14. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas quanto ao mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a. O Requerente é uma pessoa coletiva de direito público, concretamente um Município, sujeito passivo misto para efeitos de IVA, porquanto a sua atividade compreende por um lado i) operações tributáveis, que conferem o direito de dedução do imposto (e.g. distribuição de água aos munícipes), e por outro ii) operações não sujeitas a IVA (e.g. operações de polícia), bem como (iii) operações sujeitas a IVA mas isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA (e.g. locação de imóveis).
b. Em 7/2/2014 o Requerente apresentou, “nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 78.º e 98.º do CIVA, e ao abrigo do art. 78.º LGT”, um Pedido de Revisão Oficiosa “da (auto)liquidação de IVA efetuada em excesso nas declarações periódicas deste imposto, relativamente aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2010, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso, no valor de € 114.406,63…”, que inclui em anexo o documento 1 de “demonstração do cálculo do pro rata”, onde consta na última linha “Pro rata 61%”. Nesse Pedido de Revisão, o Requerente alegou que:
i. “No âmbito de uma revisão de procedimentos interna efetuada pelo Requerente, foi revisto o método de dedução utilizado com referência ao ano de 2010, tendo procedido à determinação da percentagem de dedução aplicável aos inputs de afetação mista” (7.º Pedido)”;
ii. “Adicionalmente, no decurso da revisão efetuada, o Requerente identificou inputs relativamente aos quais, por erro de enquadramento, não houve dedução de IVA. Contudo, constatando-se que acabaram por ser integralmente afetos à realização de operações tributáveis[,] subsiste o respetivo direito à dedução…” (8.º Pedido);
iii. “Tendo por base o acima exposto, o Requerente vem exercer o direito à dedução do IVA adicional em causa, no valor de € 114.406,63” (9.º Pedido);
iv. Sustenta que lhe assiste um período de quatro anos para exercer o direito à dedução, nos termos dos n.º 1 e 2 do art. 98.º CIVA, bem como n.º 1 e 2 do art. 78.º LGT (16.º e 17.º Pedido);
v. Requer ainda que, ao abrigo do art. 52.º CPPT, caso se entenda que o Pedido de Revisão Oficiosa “não constitui o meio próprio para alcançar a finalidade visada... a convolação do … requerimento para a forma procedimental adequada” (18.º Pedido).
c. Em 20/8/2014 a AT respondeu ao Requerente, com indeferimento do Pedido de Revisão. Nessa resposta a AT alegou que:
i. O n.º 2 do art. 78.º LGT invocado pelo Requerente remete para o recurso obrigatório para o “procedimento previsto no art. 131.º CPPT, com o limite temporal de 2 anos após apresentação da liquidação”;
ii. Concluindo que “não poderá deixar de se considerar como extemporâneo o pedido de revisão supramencionado, atendendo a que … o art. 23.º n.º do CIVA limite à última declaração periódica de cada ano, a dedução com os coeficientes definitivos de dedução, preconizados pelo método pró rata, logo, a regularização a favor do sujeito passivo teve como prazo o mês de Fevereiro … do ano seguinte”. Assim, “o prazo de reclamação, por se estar perante um erro na autoliquidação, é, nos termos do n.º 1 do art. 131.º do CPPT, de 2 anos”;
iii. Vindo o sujeito passivo “só agora, em 2014, … reclamar o direito à dedução de IVA, deitando mão à figura do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT, quando, em nossa opinião… a reivindicação aqui em análise teria obrigatoriamente que passar pela figura da reclamação graciosa a que alude o art. 131.º do CPPT, dentro dos prazos aí previstos…”;
iv. “Nesse sentido, não se procede, por evidente inutilidade, à análise do mérito da regularização pretendida pelo sujeito passivo”.
d. Em 10/12/2015 o Requerente apresentou Recurso Hierárquico ao indeferimento da AT. Nesse Recurso, além de pugnar no essencial pelo exposto no Pedido de Revisão Oficiosa inicial, são de salientar as suas seguintes alegações:
i. No passado o regime de dedução de IVA era complexo, suscitando aos diversos intervenientes – designadamente o Requerente – dúvidas sobre a dedutibilidade do Imposto nos custos mistos (11.º e 12.º do Recurso). Até que com o Orçamento de Estado para 2008 surgiu uma “maior definição por parte da AT de algumas regras quanto ao exercício do direito à dedução nos Municípios” (14.º Recurso);
ii. Até então, “tratando-se [o Requerente] de um município de pequenas dimensões e com parcos recursos, e atentas as incertezas quanto à aplicabilidade de um regime de grande complexidade, não procedeu à dedução do IVA nesse tipo de recursos de utilização mista” (13.º Recurso);
iii. Relativamente ao IVA dos inputs cuja dedução é pretendida pelo sujeito passivo, “as faturas correspondentes foram registadas na contabilidade do Recorrente” (40.º Recurso); “de facto, a opção pela não dedução do IVA nos custos promíscuos ficou a dever-se às erradas orientações emanadas pela AT e à incorreta aplicação das regras portuguesas (v.g. artigo 23.º do CIVA) à luz do sistema comunitário, quanto ao método de dedução a adotar em relação a estes custos” (41.º Recurso). “Assim, com receio de estar a deduzir mais do que seria admitido, o Recorrente, com parcos recursos administrativos, optou por não deduzir, de todo, o IVA suportado em recursos de utilização mista” (42.º Recurso);
iv. É este o contexto em “que surge o mecanismo de Revisão Oficiosa, considerando o Recorrente ser esta a única garantia adicional quando todos os restantes meios processuais normais (v.g. reclamação graciosa, recurso hierárquico) se encontram esgotados” (44.º Recurso), citando o Requerente jurisprudência do STA (47.º a 51.º Recurso) para sustentar que “o Pedido de Revisão Oficiosa é o meio idóneo e correto para o sujeito passivo vir recuperar o IVA que não havia sido anteriormente deduzido, quando tenha decorrido o prazo de dois anos para efetuar essa dedução por via declarativa, estando a AT obrigada a analisar essa revisão (submetida dentro do prazo – de 4 anos) quando tenha havido lugar a arrecadação de imposto superior ao devido” (52.º Recurso);
v. “No caso vertente, o Recorrente pagou imposto em excesso em consequência de um incorreto enquadramento do seu direito de dedução do IVA à luz do artigo 23.º do Código do IVA, em virtude de erróneas orientações transmitidas pela AT” (53.º Recurso), e “por conseguinte, não só a AT está obrigada a rever atos de cobrança ilegal de impostos como essa responsabilidade será acrescida quanto tenha sido, com base nas suas orientações, que o sujeito passivo não tenha procedido à dedução do imposto” (54.º Recurso);
vi. “Além do mais, do procedimento adotado, não resultou qualquer prejuízo para o Estado, pois o atraso na dedução a ter prejudicado alguém foi o Recorrente …” (57.º Recurso);
vii. Para concluir com o pedido de anulação da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa, e em consequência, considerar dedutível o montante de autoliquidação de IVA de € 114.406,63, referente ao exercício de 2010, consubstanciado nas 12 declarações periódicas mensais submetidas (após 57º. Recurso).
e. Em 14/12/2015 o Requerente foi notificado do indeferimento do Recurso Hierárquico, após decurso de período de audição prévia que lhe foi concedido e que não exerceu (54.º da Resposta ao Recurso). Na resposta ao Recurso Hierárquico são de salientar os seguintes aspetos alegados pela AT:
i. “Entende-se que, na situação apresentada, não é aplicável o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA e no n.º 1 do art. 78.º da LGT, nem sequer o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do art. 131.º do CPPT ou no n.º 6 do art. 78.º do CIVA” (12.º da Resposta ao Recurso), visto que a “omissão de dedução do imposto suportado com custos comuns, não configura um erro, mas uma opção legítima e comum entre os sujeitos passivos mistos… evitando assim os custos administrativos, económicos, técnicos e logísticos necessários ou inerentes à indagação do imposto passível de dedução” (13.º da Resposta ao Recurso), realçando ainda que a justificação desse alegado erro é “insuficiente e até contraditória” (26.º da Resposta ao Recurso). “Desta forma, nestes casos, não é legítimo que o sujeito passivo venha invocar que ocorreu um erro quando as declarações periódicas apresentadas materializam uma opção por não deduzir IVA que podia eventualmente deduzir”, citando para sustentar esse entendimento um ofício-circulado de 2005 e um parecer do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros de 2013 (14.º a 16.º da Resposta ao Recurso);
ii. A AT considera que “a aplicação retroativa de um método de dedução só pode ser efetuada, nos termos do n.º 6 do art. 23.º CIVA, até à declaração do último período do ano a que respeita, sem que seja viável a reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art. 131.º CPPT, atenta a inexistência de um erro na autoliquidação” (18.º da Resposta ao Recurso);
iii. Concluindo-se que não existe erro na autoliquidação, revela-se inviável pretender a revisão do imposto de acordo com o n.º 1 do art. 98.º CIVA e n.º 1 do art. 78.º LGT, nem existe fundamento para a reclamação graciosa prevista no n.º 1 do art. 131.º CPPT (22.º da Resposta ao Recurso);
iv. Ainda que existisse erro, a situação só poderia ser tutelada pelo pedido de reclamação graciosa, nos termos do art. 131.º CPPT (29.º e 30.º da Resposta ao Recurso);
v. Adicionalmente, o erro alegado pelo contribuinte não pode ser qualificado como “erro de autoliquidação”, para efeitos de n.º 2 do art. 78.º LGT, pois é prévio à autoliquidação, atinente às operações praticadas a montante (31.º a 34.º da Resposta ao Recurso). A autoliquidação nem sequer está errada, pois está em conformidade com os registos contabilísticos da Recorrente; para se tratar de erros de autoliquidação, estes só ocorreriam na declaração periódica “como é o caso típico de erros de transcrição das faturas ou dos registos para os campos das declarações periódicas de imposto” (35.º a 36.º da Resposta ao Recurso);
vi. O n.º 2 do art. 78.º da LGT prende-se com a imputabilidade aos serviços devido à transferência de funções de liquidação de impostos para os particulares, já que de outro modo os contribuintes não poderiam reagir contra um ato a sua autoria (37.º a 39.º da Resposta ao Recurso). Mas no caso em apreço, “mesmo que o imposto tivesse sido liquidado pelo Estado e não autoliquidado pelo sujeito passivo, refletiria, de igual modo, os registos contabilísticos do direito à dedução elaborados pelo Recorrente. Ou seja, a liquidação de IVA aqui contestada teria sido efetuada com o mesmo conteúdo, ainda que não houvesse um ónus de autoliquidação”. “Assim o erro na autoliquidação aludido no n.º 2 do art. 78.º da LGT é o erro que só ocorre na operação de autoliquidação de imposto, não sendo o conceito extensível a erros prévios que vêm a repercutir-se no preenchimento da declaração periódica de imposto apresentada pelo sujeito passivo” (40.º e 41.º da Resposta ao Recurso);
vii. Sustenta que a dedução do Imposto é um direito na inteira disponibilidade do contribuinte, e que a AT não pode substituir o contribuinte no exercício desse direito, citando a esse respeito jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (23.º a 25.º da Resposta ao Recurso);
viii. Assim, sendo “de salientar que, tendo sido considerado que, tal como alegadas, as pretensões do Requerente não tinham viabilidade jurídica, não se procedeu a qualquer diligência instrutória tendente ao apuramento dos factos que suportam os pedidos, designadamente no que concerne à metodologia de apuramento dos valores que pretende regularizar”, conclui pelo indeferimento do Recurso Hierárquico (53.º e 55.º da Resposta ao Recurso).
15. Inexistem factos, com relevo para apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
16. Fundamentação da matéria de facto:
A factualidade provada teve por base a apreciação crítica da posição assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
Os documentos juntos ao processo pelo Requerente não demonstram – isoladamente considerados, ou em conjugação com as suas alegações – que tenha existido qualquer ilegalidade na autoliquidação.
Para além de quatro documentos atinentes às impugnações que antecederam o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou ao processo os seguintes documentos:
i) Documento5: Listagem de “inputs de utilização mista e IVA dedutível 2010” contendo o detalhe “das despesas com inputs de utilização mista, bem como o respetivo IVA dedutível, resultante da aplicação do método de dedução do pro rata” (10.º PI), no qual se verificam os seguintes totais:
Base tributável: 1.260.089,50 €;
IVA: 174.310,20 €;
IVA a deduzir: 106.329,22 €.
ii) Documento6: “Mapa de apuramento pro rata 2010”, “considerando, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, as receitas de licenciamento e taxas, bem como os proveitos auferidos pela gestão de resíduos e realização de serviços de loteamento e obras” (cfr. 11º PI), onde na última linha consta:
Pro rata: 61%.
iii) Documento7: “Listagem inputs exclusivamente afetos à realização de operações tributáveis e IVA dedutível 2010”, “relativamente aos quais, por erro de enquadramento, não havia procedido à dedução de IVA” (12.º PI), no qual se verificam os seguintes totais:
Base tributável: 40.278,69 €;
IVA: 8.077,41 €;
IVA a deduzir: 8.077,41 €.
As listagens preparadas pelo Requerente (Documentos 5, 6 e 7), não são aptas para, por si só, servir como prova documental pertinente, da ilegalidade da autoliquidação.
Com efeito os Documentos 5 e 7 não podem fazer prova sem serem acompanhados de cópias dos correspondentes documentos de suporte dos fornecedores (faturas ou equivalentes), e de registos contabilísticos e declarações periódicas de IVA, que permitissem verificar o tratamento de IVA conferido. De igual modo, o mapa do Documento 6 teria de ser corroborado pela contabilidade (balancete) do Requerente.
Por outro lado, tais elementos – que não foram juntos ao processo – apenas permitiriam julgar provado que houve IVA suportado e que não foi deduzido. Deles não decorreriam, assim, quaisquer elementos de prova que permitissem concluir no sentido da ilegalidade da autoliquidação.
IV. Exceções:
17. De acordo com o disposto no art. 608.º do CPC em vigor, aplicável por força do disposto no art. 22.º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
18. Nestes termos, torna-se necessário apreciar e decidir previamente, no presente processo arbitral, as questões prévias de exceção, começando-se pelas atinentes à competência do Tribunal, conforme preceituado pelo art. 13.º do CPTA.
III.1 Da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido deduzida, previamente, reclamação graciosa.
A AT sustenta, em suma, que o art. 2.º, al. a) da portaria 112-A/2011, de 22/3, mediante a qual ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos previstos nos art. 131.º a 133.º do CPPT. Entendimento que, para a AT, além do elemento literal, se impõe “por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT” (50.º Resposta). “Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento” (53.º Resposta).
O Requerente não exerceu o contraditório que lhe foi concedido quanto à exceção, mas na questão prévia exposta na PI fundamenta a competência do tribunal arbitral para a apreciação da situação sub judice invocando o art. 2.º n.º 1 al. a) do RAT “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, descrevendo sumariamente o desenrolar dos acontecimentos, desde a declaração de autoliquidação em 2010, à revisão de procedimentos, pedido de revisão oficiosa (indeferido expressamente) e seus fundamentos, e recurso hierárquico subsequente (indeferido expressamente) e seus fundamento.
Vejamos.
I. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 10/2011, de 20/1 (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, já que o art. 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.
Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. Ou seja, “o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º [do RJAT] que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011 (…)”, cfr. Ac. TCAS de 28/4/2016 (proc. 09286/16, relatora: Anabela Russo).
II. Sucede que na al. a) do art. 2.º da portaria n.º 112-A/2011, são expressamente excluídos do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ou seja, comparando a portaria de vinculação com o RJAT, aquela é mais exigente do que este, por acrescentar um requisito para delimitar abstratamente o objeto da vinculação da AT à jurisdição arbitral.
III. A respeito da natureza da portaria, há quem entenda que aí reside fundamentalmente um ato decisório da Administração, de manifestação voluntária de consentimento à vinculação ao RJAT, e nas restrições ao objeto uma “limitação concreta”, ainda que “manifestada em termos de disposição genérica” (cfr. foi entendimento maioritário no Ac. 236/2013 de 22/4/2014, ou 364/2014 de 19/12/2014, ambos do CAAD). Há por outro lado quem deixe transparecer um entendimento mais regulamentar (normativo) da portaria (jurisprudência maioritária).
Não obstante existirem elementos sugestivos para ambos as posições, e apesar da portaria conter diferentes partes com distintas naturezas (o art. 1.º da vinculação ao CAAD mais concreto, e o art. 2.º do objeto da vinculação com pendor mais geral e indeterminado), consideramos que sobressai o caráter regulamentar da portaria, sobretudo quanto ao objeto da vinculação, que se projeta em todos os litígios a dirimir por via da arbitragem tributária. E nessa medida, essa parte da portaria configura-se como um regulamento administrativo, que se integra no RJAT.
IV. O que antes se disse serve para parametrizar a seleção de critérios interpretativos. Dada a natureza da portaria, deverá ser adotada uma orientação subjetivista, sendo de prevalecer a aceção do texto normativo que melhor corresponda ao pensamento real do “legislador”, em que se privilegie o elemento teleológico, a finalidade da disposição estatuída.
Ora o que carece de especial labor interpretativo é a exigência de “via administrativa” necessária (prévia), “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Desde logo, em obediência a esses mesmos “termos”, previstos no art. 131.º CPPT, o requisito de via administrativa prévia será apenas aplicável aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa. De facto, no caso de autoliquidações, exige-se a reclamação graciosa, mas apenas em casos de erros que não se fundem exclusivamente em matéria de direito, e em que as autoliquidações hajam sido efetuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (cfr. n.º 1 e n.º 3 do art. 131.º CPPT)[1].
O sentido útil da portaria, face ao estabelecido no RJAT, a vontade do legislador, foi o de assegurar que o contribuinte não recorre ao Tribunal “(…) antes de qualquer tomada de posição da administração sobre a situação gerada com o ato do contribuinte (…) pois não é detetável, ainda, qualquer litígio”[2]|[3]. Assim se percebe que sejam excluídos da exigência de reclamação os casos previstos no art. 131.º n.º 3 CPPT, visto que nesses a AT já se pronunciou, a priori, através de “orientações genéricas”.
V. Regressando ao pedido de pronúncia arbitral, o mesmo surge como culminar de um processo iniciado com um pedido de revisão oficiosa, expressamente indeferido, seguido de um recurso hierárquico, que também foi expressamente indeferido.
No caso sub judice o contribuinte não recorreu, portanto, a uma “reclamação graciosa”, antes recorreu diretamente ao pedido de revisão, e fê-lo mais de dois anos após a declaração de autoliquidação. Mas o que verdadeiramente importa é que, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, é igualmente proporcionada à AT, com esse pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do contribuinte, antes de este recorrer à via jurisdicional.
Logo, por “coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do art. 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa[4] (…) não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa” [5].
VI. Face ao exposto, conclui-se[6] que a portaria n.º 112-A/2011, ao referir expressamente o art. 131.º do CPPT quanto a pedidos de declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, disse imperfeitamente o que pretendia. Querendo impor a apreciação administrativa necessária à impugnação contenciosa de atos de autoliquidação, acabou por fazer referência expressa ao artigo 131.º, esquecendo-se que esta via não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses atos. A interpretação sufragada é a interpretação a que melhor traduz a vontade do “legislador” e que não colide quaisquer princípios constitucionais, nem põe em crise a “indisponibilidade dos créditos tributários”.
Aliás a invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários será possivelmente um lapso, já que ao decidir sobre a sua competência, relevante apenas enquanto pressuposto processual, o Tribunal Arbitral não está seguramente a praticar qualquer ato de disposição de um crédito tributário, no sentido do invocado art. 30.º n.º 2 LGT.
De resto, nem sequer se vislumbra qual o crédito a que a AT se refere, uma vez que, no presente processo estão em causa apenas atos de autoliquidação de IVA que já foi pago pelo contribuinte, e não a pretensão de cobrança de qualquer crédito tributário. Com efeito, estão já extintos, pelo pagamento, os créditos que justificaram as autoliquidações, e não se alega existir qualquer outro crédito da AT sobre a Requerente, relacionado com as autoliquidações em causa.
Improcede, assim, esta exceção de incompetência.
III.2 Da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de qualquer ato tributário.
A AT suscita ainda a exceção de incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar a legalidade de atos de autoliquidação subjacentes ao pedido de revisão oficiosa e de recurso hierárquico, por não se ter antes apreciado a legalidade daqueles atos de autoliquidação.
Segundo a AT, “o ato objeto de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do recurso hierárquico subsequente ao pedido de revisão oficiosa, nos quais o Requerente solicitou, apenas, a recuperação do IVA liquidado em excesso” (61.º da Resposta). “Efetivamente, da factualidade exposta, resulta que o Requerente, no pedido de revisão oficiosa e no recurso hierárquico posterior, não solicitou a anulação de qualquer ato de autoliquidação” (62.º da Resposta). “Sendo que a decisão de indeferimento ora impugnada limitou-se a apreciar o requisito da tempestividade do pedido à luz dos diversos argumentos do ali Recorrente (…), tendo-se, concluído pela não aplicação de qualquer um dos prazos ali previstos” (63.º da Resposta). “No caso em apreço, o fundamento para o indeferimento foi, pois, a caducidade do direito a efetuar as correções facultativas previstas naquela norma” (64.º da Resposta). “Ou seja, não foi apreciada a legalidade de qualquer ato tributário de liquidação” (65.º da Resposta). Salienta que “(…) apenas em sede arbitral, a Requerente conclui pela «ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA referente à declaração periódica de dezembro de 2010», pedindo, em consequência, a anulação das decisões administrativas e a restituição do IVA liquidado” (67.º da Resposta), pelo que, “(…) o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento quer da revisão oficiosa, quer do recurso hierárquico, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação” (68.º da Resposta; sublinhados da AT).
Vejamos.
I. Inicialmente, o contribuinte pediu[7] para “ser confirmada a dedução de IVA no montante total de € 114.406,63”, e para tanto a “revisão oficiosa do ato tributário de auto-apuramento do IVA efetuado na declaração periódica referente a dezembro de 2010”[8], pedido que veio a ser expressamente indeferido, por a AT considerar a pretensão intempestiva. De seguida, o contribuinte apresentou um recurso hierárquico, cujo pedido[9] consistiu em “anular a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa” e “considerar dedutível o montante de autoliquidação de IVA de € 114.406,63, referente ao exercício de 2010, consubstanciado nas 12 declarações periódicas mensais submetidas”. Após o indeferimento expresso do recurso hierárquico, em virtude da AT ter mantido a sua posição quanto à intempestividade do pedido de revisão oficiosa e sem a Administração ter procedido a “qualquer diligência instrutória tendente ao apuramento dos factos que suportam os pedidos, designadamente no que concerne à metodologia de apuramento dos valores que pretende regularizar”[10], o contribuinte requereu pronúncia arbitral, pedindo para[11]:
“I) Ser declarada a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao exercício de 2010 consubstanciado na declaração periódica submetidas [sic][12] pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010, com a sua consequente anulação parcial, com todas as consequências legais, designadamente:
II) Ser declarada a ilegalidade e anulado o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do subsequente recurso hierárquico;
III) Ser a AT condenada a reembolsar o Requerente no valor de € 114.406,63, em imposto indevidamente pago e a pagar os correspondentes juros indemnizatórios;
IV) Ser a AT condenada a ressarcir o Requerente das despesas resultantes da lide (…)”.
II. A comparação dos diferentes pedidos do contribuinte revela diferentes abordagens ao mesmo problema: a recuperação de IVA suportado com custos comuns. Sendo certo porém, que em última análise, o contribuinte atua sempre motivado pela vontade de obter da Fazenda Pública esse imposto suportado.
III. Segundo a AT, “o ato objeto de pronúncia arbitral consubstancia-se na decisão de indeferimento do recurso hierárquico subsequente ao pedido de revisão oficiosa, nos quais o Requerente solicitou, apenas, a recuperação do IVA liquidado em excesso” (61.º da Resposta) e “(…) o pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento quer da revisão oficiosa, quer do recurso hierárquico, não tendo como objeto mediato qualquer ato tributário de liquidação” (68.º da Resposta; sublinhados da AT), mas como já ficou demonstrado, esta afirmação é incorreta. Com efeito, o que é diretamente atacado pelo contribuinte no pedido de pronúncia arbitral é o ato de autoliquidação original, e não qualquer decisão da AT relativa ao pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico.
E esta precisão releva, pois que estando em causa o ato de autoliquidação, somos primacialmente compelidos para a análise desse ato e seus eventuais vícios, e não para os atos decisórios das impugnações administrativas e seus eventuais vícios. Nesse sentido, se pronunciou já o STA, afirmando que “o objeto real da impugnação é o ato de liquidação e não o ato que decidiu a reclamação, pelo que são os vícios daquela e não deste despacho que estão verdadeiramente em crise”, cfr. Ac. STA de 18/5/2011 (proc. 0156/11, relator: António Calhau).
IV. Ora a apreciação da “ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao exercício de 2010 consubstanciado na declaração periódica submetidas [sic][13] pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010” não depende – em termos lógicos – do teor do peticionado pelo contribuinte e decidido pela AT, nas impugnações administrativas anteriores. Dada a relação dos assuntos, a apreciação pela AT a essas impugnações é que teria incluído a análise aos atos de autoliquidação, caso a esse ponto tivesse chegado, se as impugnações tivessem sido consideradas tempestivas.
Mas se da putativa ilegalidade do ato de autoliquidação podem resultar as consequências peticionadas pela Requerente – anulação das decisões proferidas pela AT atinentes ao pedido de revisão oficiosa e recurso hierárquico – é uma questão distinta.
Uma coisa é apreciar a validade do indeferimento expresso da pretensão de recuperar certo imposto no âmbito do pedido de revisão oficiosa, o que a partir da petição inicial nos remete para esse pedido, outra bem distinta é saber se é (ou não) legal o ato de autoliquidação, o que a partir da petição inicial nos remete apenas para a declaração de IVA.
V. Concorda-se com a AT quando afirma que, nas suas decisões às impugnações administrativas, não houve qualquer concreta apreciação de legalidade do ato de autoliquidação, designadamente uma apreciação da correspondência à realidade dos valores indicados pelo Requerente, ou um qualquer juízo, em sentido positivo ou negativo, sobre o mérito substancial das pretensões do contribuinte, tomando-se apenas posição sobre a tempestividade do pedido, face ao art. 78.º LGT e arts 23.º, 78.º e 98.º CIVA.
Mas essa circunstância não prejudica que tal apreciação seja agora feita, em sede arbitral. É que, tanto no pedido de revisão oficiosa como no recurso hierárquico, o contribuinte invoca por diversas vezes o art. 78.º LGT (ex vi art. 98.º CIVA), alegando que houve erro da autoliquidação, o qual terá conduzido à arrecadação pela Fazenda Pública de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei, havendo por esse motivo o dever de revogar o ato ilegal, ainda que com limitações temporais, por razões de segurança jurídica[14]. Sobre esse alegado erro, que precisamente – na ótica do contribuinte – torna ilegal o ato de autoliquidação, tanto na resposta ao pedido de revisão oficiosa como na resposta ao recurso hierárquico, a AT fez a sua análise e desenvolveu considerações, precisamente pela relevância que tal alegado erro tem, para o prazo de atuação do contribuinte.
Ao invocar repetidamente o art. 78.º LGT, onde consta logo no n.º 1 (transcrito em 12.º do pedido de revisão, p. 3) “a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo…com fundamento em qualquer ilegalidade” (sublinhado nosso), o Requerente põe, assim, claramente, em crise a legalidade da autoliquidação.
Nestes termos, nem o pedido de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação é inesperado, nem se pode dizer que não foi dada à AT a oportunidade de acerca do assunto se pronunciar. Aliás, cumpre reiterar e salientar que de facto, a AT já veio a fazê-lo, designadamente na Resposta ao Recurso Hierárquico[15], onde em função das alegações do contribuinte, desenvolveu juridicamente o problema do erro em conexão com o prazo de dedução do IVA.
Ora se é verdade que no contexto em que foi feita, a análise da AT ao erro invocado pelo Requerente foi instrumental para a apreciação da tempestividade, não é menos verdade que a mesma questão tem relevância autónoma para efeitos do mérito da causa.
VI. No indeferimento ao pedido de revisão a conclusão da AT foi de que o mesmo era intempestivo e “nesse sentido, não se procede[u], por evidente inutilidade, à análise do mérito da regularização pretendida pelo sujeito passivo”[16]. No indeferimento ao recurso hierárquico considerou que “tal como alegadas, as pretensões do contribuinte não tinham viabilidade jurídica”, e como tal “não se procedeu a qualquer diligência instrutória tendente ao apuramento dos factos que suportam os pedidos” do contribuinte, “designadamente no que concerne à metodologia de apuramento dos valores que pretende regularizar”[17]. Se não foi mais exaustiva e conclusiva na sua apreciação, foi por opção, influenciada pelo seu juízo de intempestividade do pedido.
VII. A fundamentação do pedido de apreciação arbitral não é inteiramente coincidente com a das impugnações administrativas, designadamente quanto aos princípios e jurisprudência do direito da união europeia, mas aquela não está limitada pelos fundamentos invocados nestas, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do ato tributário, cfr. Ac. STA de 18/5/2011 (proc. 0156/11, relator: António Calhau).
Face ao antes exposto, improcede também esta exceção de incompetência.
III.3 Da intempestividade
Por fim, a AT suscita ainda a exceção da intempestividade. A AT sustenta, em suma, que vindo o contribuinte requerer a declaração de ilegalidade “do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado consubstanciado na declaração periódica submetida pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010, com a sua consequente anulação parcial, com todas as consequências legais (…)”, dado que respeita a 2010 e considerando que o pedido de apreciação arbitral data de 2016, mostra-se “(claramente) ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de tal ato em sede arbitral” (85.ª Resposta), face ao prazo de 90 dias definido no art. 10.º do RJAT.
O Requerente não exerceu o contraditório que lhe foi concedido quanto à exceção, mas na questão prévia exposta na PI fundamenta a tempestividade dizendo que o pedido de pronúncia arbitral surge na sequência do pedido de revisão oficiosa, “referente à entrega da prestação tributária em excesso, derivada da não dedução de IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista, no ano 2010, que veio a ser indeferido na totalidade”[18], o qual foi sucedido por um recurso hierárquico, que veio igualmente a ser expressamente indeferido, e notificado ao contribuinte em 14/12/2015. Assim, contando o prazo de 90 dias a partir “da notificação da decisão (…) de recurso hierárquico” (cfr. al. a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT), o pedido de pronúncia arbitral apresentado em 9/3/2016 é tempestivo[19].
Vejamos.
O objeto de um processo é composto pelo respetivo pedido e pela causa de pedir, que se relacionam de forma indissociável. Na situação sub judice, o objeto do processo transita do objeto do pedido de revisão oficiosa e recurso hierárquico subsequente, nos quais se inclui. Ou seja, apesar de autonomizável, o objeto deste processo arbitral é extraído do pedido de revisão oficiosa e posterior recurso hierárquico, dando-lhes continuidade no que fundamentalmente constitui a pretensão última da Requerente: anular a autoliquidação e recuperar o IVA alegadamente pago em excesso.
Verifica-se, assim, que o prazo de 90 dias para recorrer ao Tribunal Arbitral é iniciado com a notificação de indeferimento do recurso hierárquico, notificada ao contribuinte em 14/12/2015.
Termos em que improcede a exceção de intempestividade.
19. Não tendo sido suscitadas questões subsequentes que obstem à apreciação do mérito da causa, mostram-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
V. Mérito:
A questão central a decidir gira em torno de apurar se são procedentes os fundamentos subjacentes aos pedidos da Requerente, de:
i. Ser declarada a ilegalidade parcial do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao exercício de 2010 consubstanciado na declaração periódica submetida pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010, com a sua consequente anulação parcial, com todas as consequências legais, designadamente:
ii. Ser declarada a ilegalidade e anulado o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do subsequente recurso hierárquico;
iii. Ser a AT condenada a reembolsar o Requerente no valor de € 114.406,63, em imposto indevidamente pago e a pagar os correspondentes juros indemnizatórios;
iv. Ser a AT condenada a ressarcir o Requerente das despesas resultantes da lide.
Vejamos.
i. Quanto à ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA
A Requerente fundamenta o pedido de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA com um argumento essencial.
No ano de 2010, devido à “manifesta complexidade do regime em apreço”, o Requerente “acabou por inadvertidamente adotar uma interpretação errada, pelo que i) não deduziu qualquer IVA quanto aos recursos de utilização mista e ii) deduziu unicamente o IVA dos recursos afetos de forma exclusiva a operações tributadas, recorrendo à imputação direta (à data apelidado erroneamente de afetação real), prevista nos artigos 20.º do Código do IVA e 168.º da Diretiva IVA” (79.º PI). Assim sendo, o Requerente deduziu menos IVA do que lhe assistia. Ora sustentando o Requerente que “a dedução em causa não é configurável como uma opção ou faculdade do Requerente, sujeito passivo, mas trata-se de um verdadeiro poder-dever inerente à caracterização fundamental da estrutura e natureza do IVA” (81.º PI) (sublinhado nosso), temos então a violação de um dever, que torna ilegal a autoliquidação feita pelo contribuinte. Desse modo, o “apuramento do IVA efetuado na declaração periódica referente a Dezembro de 2010 resultou no pagamento de imposto em excesso, pois não foram abatidos ao imposto liquidado nas operações ativas, os montantes de imposto que deviam ser deduzidos ao abrigo do artigo 23.º do CIVA e da Diretiva do IVA, com recurso ao método do pro rata. Este erro originou a entrega da prestação tributária em excesso ao Estado, ou seja, de imposto que, face às normas legais aplicáveis, não devia ter sido pago pelo Requerente”.
Em suma, segundo o Requerente, foi cometido um erro na autoliquidação, imputável aos serviços (83º. e 84.º PI), erro esse que se fez sentir na determinação do regime de IVA aplicável – erro de qualificação ou “erro de direito” (98.º, 99.º e 101.º PI) – o que conjugado com o aludido “poder-dever” de dedução de imposto, torna a autoliquidação ilegal.
Analisemos.
I. O Sujeito Passivo não só não invoca factualidade concreta suscetível de consubstanciar a comissão de erro na autoliquidação, como a alegação abstrata que desenvolve a este propósito no pedido arbitral se revela contraditória.
Com efeito, em tal alegação apenas vaga e genericamente se refere a alegadas contradições e informações incorretas da AT, as quais ficaram por concretizar.
Assim expõe o Requerente no Recurso Hierárquico: “de facto, a opção pela não dedução do IVA nos custos promíscuos ficou a dever-se às erradas orientações emanadas pela AT e à incorreta aplicação das regras portuguesas (v.g. artigo 23.º do CIVA) à luz do sistema comunitário, quanto ao método de dedução a adotar em relação a estes custos” (41.º Recurso; sublinhado nosso). No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente afirma também vagamente que “…trata-se de um erro na determinação do regime de IVA (erro de direito) aplicável à dedução do imposto nas operações passivas, à luz das orientações da AT, pelo que, na falta de melhor designação, constitui um erro de enquadramento ou de direito” (98.º PI; sublinhado nosso).
Por outro lado, também a própria justificação apresentada pelo Requerente se revela contraditória quanto à escolha dos procedimentos adotados. Consta nos documentos junto aos autos que “no âmbito de uma revisão de procedimentos interna efetuada pelo Requerente, foi revisto o método de dedução utilizado com referência ao ano de 2010, tendo procedido à determinação da percentagem de dedução aplicável aos inputs de afetação mista” (7.º Pedido de Revisão Oficiosa)”. Também se afirma que “tratando-se [o Requerente] de um município de pequenas dimensão e com parcos recursos, e atentas as incertezas quanto à aplicabilidade de um regime de grande complexidade, não procedeu à dedução do IVA nesse tipo de recursos de utilização mista” (13.º Recurso Hierárquico), “…com receio de estar a deduzir mais do que seria admitido, o Requerente, com parcos recursos administrativos, optou por não deduzir, de todo, o IVA suportado em recursos de utilização mista” (96.º PI).
Nestes termos, do exposto resulta que a alegação do erro pelo Requerente foi “insuficiente e até contraditória” (cfr. 26.º da Resposta ao Recurso): se de um lado, o Requerente sustenta haver um “erro na determinação do regime de IVA (erro de direito) aplicável à dedução do imposto nas operações passivas”, reitera, por outro, que a sua conduta resultou de uma escolha motivada pela escassez de recursos e pela prudência na abordagem ao regime fiscal aplicável.
II. Por outro lado, no caso sub judice[20] o Requerente não identifica em concreto o(s) preceito(s) que aplicou mal, para além de breves referências ao teor de alguns arts. (19.º a 23.º CIVA), optou antes por invocar, repetidamente e em geral, isto é, de forma difusa, a complexidade de todo o regime inerente ao direito à dedução, sem indicar concretamente onde consiste essa dificuldade, nem como ela foi causa de erro na aplicação do direito, o que permanece nubloso.
Assim como não identifica o iter lógico onde errou na aplicação do regime legal, a norma ou normas de onde emerge essa sua alegada dificuldade.
Nem se vislumbra que o regime vigente seja dotado de complexidade tal que induzisse em erro na possibilidade de dedução de IVA atinente aos custos comuns dos sujeitos passivos mistos.
Não tendo, a dificuldade concreta na aplicação do regime, sido claramente identificada e ou justificada, não se julga procedente o argumento invocado pelo Requerente.
III. Cabe adicionalmente apreciar o alegado “poder-dever” de dedução de IVA.
A dedução é um direito, não um dever, especialmente no que respeita à dedução de IVA em custos comuns por sujeitos passivos mistos de Imposto, em que o contribuinte pondera a pertinência da afetação de recursos à gestão e à dedução do Imposto, em função da complexidade das operações em concreto.
Como direito – e não como poder-dever – se lhe refere a lei[21], a jurisprudência nacional[22], a jurisprudência comunitária[23] e a doutrina[24]. Quando os autores se referem à importância do princípio da neutralidade, fazem-no para salientar as cautelas com quaisquer restrições ao direito, sem propriamente sugerir que a faculdade se converta, como nos parece irrazoável, em “poder-dever”. Não existe um “poder-dever”, mas antes um direito de dedução de IVA, que permitiria mas não obrigaria o Requerente, enquanto sujeito passivo misto, a deduzir o IVA dos custos comuns, segundo o método escolhido, de entre os legalmente previstos. Por conseguinte, a opção voluntária de não deduzir IVA atinente aos custos comuns não é suscetível de tornar ilegal a autoliquidação de IVA correspondente, nem de tornar errado o ato de autoliquidação.
Por tudo quanto vai exposto, improcede a declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de IVA referente ao exercício de 2010, consubstanciado na declaração periódica submetida pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010.
ii. Quanto à ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do subsequente recurso hierárquico
Tendo ficado assente que inexiste erro na autoliquidação, não se revela viável a pretensão veiculada no pedido de revisão oficiosa e subsequente recurso hierárquico, razões pelas quais fica prejudicado o conhecimento desta questão.
iii. Quanto à condenação da AT em reembolsar o Requerente no valor de € 114.406,63, em imposto indevidamente pago e a pagar os correspondentes juros indemnizatórios
Não tendo o Requerente logrado demonstrar a ilegalidade da autoliquidação, por precedência lógica fica prejudicado o conhecimento desta questão.
iv. Quanto à condenação da AT em ressarcir o Requerente das despesas resultantes da lide.
O Requerente peticiona ainda que a AT seja condenada a ressarci-lo das despesas resultantes do presente processo, com honorários de mandatários judiciais.
Vejamos.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está limitada, nos termos do disposto no art. 2.º do RJAT, à declaração da ilegalidade de atos dos tipos ali indicados e atos que conheçam da legalidade de atos desses tipos.
Adicionalmente, também é possível nesta jurisdição arbitral reconhecer o direito a juros indemnizatórios e proferir condenações nessa matéria.
Tem sido também entendido, como base no art. 171.º do CPPT, que o processo arbitral constitui um meio adequado para proferir condenações em indemnização por garantia indevida. No entanto, inexiste qualquer suporte legal que permita incluir no âmbito das competências dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD as condenações por despesas com honorários de mandatários.
Nesta medida, o Tribunal abstém-se de conhecer este pedido.
VI. Decisão
Considerando as diversas razões vindas de expor em sede de fundamentação, decide o Tribunal:
a) Julgar improcedente a exceção da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido deduzida, previamente, reclamação graciosa;
b) Julgar improcedente a exceção da incompetência da jurisdição arbitral em razão da matéria, em virtude de não ter sido apreciada a legalidade de qualquer ato tributário;
c) Julgar improcedente a exceção da intempestividade;
d) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao exercício de 2010 consubstanciado na declaração periódica submetida pelo Requerente relativamente a dezembro de 2010 e, consequentemente, julgar prejudicada a apreciação dos demais pedidos;
e) Não tomar conhecimento do pedido de condenação da AT a ressarcir o Requerente das despesas resultantes da lide, por despesas com honorários de mandatários.
VII. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do CPC, do art. 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 114.406,63.
VIII. Custas
De acordo com o previsto nos arts. 22.º, n.º 4 e 12.º, n.º 2, do RJAT, no art. 2.º, no n.º 1 do art. 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do art. 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas, a cargo da Requerente, em € 3.060,00.
Notifique.
Lisboa, 15 de novembro de 2016.
O Árbitro-Presidente,
Fernanda Maçãs
Os Co-Árbitros,
Carlos Lobo
Nuno Miguel Morujão (Relator)
[1] Além disso, como se afirma no Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016, “nem se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, tida como desnecessária, não ter sido efetuada”.
[2] Cfr. Lopes de Sousa, Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Ed., p.407.
[3] Adicionalmente, como se refere no Ac. 617/2015 CAAD já citado, “além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária”.
[4] Cfr. Ac. STA de 12/6/2006 (proc. 0402/06, relator: Jorge de Sousa).
[5] Cfr. Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016.
[6] Cfr. no mesmo sentido Ac. 117/2013, 244/2013, 299/2013, 613/2014, 56/2015, 203/2015 e 617/2015, todos do CAAD.
[7] Pedido de revisão oficiosa junto aos autos, p. 5.
[8] Cfr. art. 17.º do pedido de revisão oficiosa junto aos autos, p. 4.
[9] Recurso hierárquico junto aos autos, p. 14.
[10] Cfr. art. 53.º do indeferimento expresso da AT ao recurso hierárquico, p. 7.
[12] Quando acima o contribuinte refere “declaração periódica submetidas” parece querer dizer “submetida”, comparando com o escrito no 2.º parágrafo do pedido de pronúncia arbitral, onde escreveu “referente à declaração periódica de dezembro de 2010”.
[13] Quando acima o contribuinte refere “declaração periódica submetidas” parece querer dizer “submetida”, comparando com o escrito no 2.º parágrafo do pedido de pronúncia arbitral, onde escreveu “referente à declaração periódica de dezembro de 2010”.
[14] Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, Encontro da Escrita, 4.ª Ed. 2012, p. 704.
[15] Cfr. 12.º a 16.º e 26.º da Resposta ao Recurso.
[16] Cfr. resposta ao pedido de revisão oficiosa, p. 3.
[17] Cfr. art. 53.º da resposta ao recurso hierárquico, p. 7.
[20] Tal como se verificou no processo 468/2014-T do CAAD de 24/2/2015.
[21] Tanto o CIVA no plano nacional (art. 19.º e ss do CIVA) como a Diretiva de IVA no plano Comunitário (art. 167.º e ss da Diretiva de IVA, cfr. Diretiva 2006/112/CE, de 28/11/2006. Anteriormente este regime estava plasmado no artigo 17.º da 6.ª Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, de 17/5/1977).
[22] Designadamente Ac. de 9/2/2005 do STA (proc. 0860/04, relator: Brandão de Pinho), Ac. de 20/12/2012 do STA (proc. 04855/11, relator: Joaquim Condesso) e Ac. de 28/4/2016 do STA (proc. 09230, relator: Joaquim Condesso).
[23] Designadamente Ac. Ecotrade SpA de 8/5/2008 do TJUE (proc. apensos C‑95/07 e C‑96/07), Ac. EMS-Bulgaria Transport OOD de 12/7/2012 do TJUE (proc. C-284/11).
[24] Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do IDEFF nº.1, 2ª.ed., Almedina, 2005, pp.157 e segs, bem como Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA. O caso particular dos inputs de utilização mista, Cadernos IDEFF n.º 15, Almedina, 2014.