Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 223/2016-T
Data da decisão: 2016-10-27  Selo  
Valor do pedido: € 32.347,50
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS. Prédios urbanos em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. RELATÓRIO

1. No dia 12 de abril de 2016, A…, NIF…, residente em …, …, B…, NIF…, residente na Rua…, …, …, Lisboa, C…, NIF…, residente na Rua…, …, …, Lisboa e D…, NIF…, (doravante, Requerentes), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade e a anulação das liquidações de Imposto do Selo [Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante, TGIS)] respeitantes aos anos de 2013, 2014 e 2015 e referentes ao prédio urbano, em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de …., concelho e distrito de Lisboa, de que os primeiro e segundo Requerentes são nu-proprietários e os restantes Requerentes são usufrutuários, no montante total de € 32.347,50.

Os Requerentes juntaram 176 (cento e setenta e seis) documentos e arrolaram 2 (duas) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

1.1. No essencial e em breve síntese, os Requerentes alegaram o seguinte:

- Os primeiro e segundo Requerentes são nu-proprietários, sendo os restantes usufrutuários de um prédio urbano, em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, composto por sub-cave, cave, r/c e 3 andares, com o valor patrimonial tributário de € 1.078.250,00;

- Desde o ano de 2013 até à atualidade que sobre aquele prédio urbano incide Imposto do Selo, à taxa de 1%, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS;

- Os Requerentes preconizam que a sujeição a Imposto de Selo deve ser aferida não pelo valor total do prédio – como entende a administração tributária – mas pelo valor atribuído a cada uma das partes, em função do respetivo valor patrimonial tributário, seguindo assim o mesmo critério da determinação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI);

- Atendendo a que o Código do Imposto do Selo remete para o Código do IMI, deve considerar-se que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal;

- Pelo que quer o IMI, quer o Imposto do Selo são liquidados individualmente em relação a cada uma das partes;

- A administração tributária apenas poderá fazer incidir aquele Imposto do Selo sobre os prédios com afetação habitacional e que tenham um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, o que não se verifica no caso concreto;

- O dito Imposto do Selo que vem sendo liquidado – no montante anual de € 10.782,50 – tem sido pago;

- As liquidações de Imposto do Selo efetuadas pela administração tributária são ilegais, por o critério adotado violar os princípios da legalidade fiscal e da igualdade fiscal;

- Os Requerentes pretendem, por isso, que lhes sejam devolvidas as quantias ilegalmente cobradas pela administração tributária, atinentes aos anos de 2013, 2014 e 2015.

Os Requerentes rematam o seu articulado inicial peticionando o seguinte:

«Termos em que, sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., devem:

a) Ser anuladas as liquidações levadas a efeito em termos de Imposto de Selo e os montantes em causa serem devolvidos aos Requerentes;

b) Que a Administração Fiscal se abstenha de futuro de cobrar o Imposto de Selo, nos moldes em que o mesmo vem sendo efetuado, na medida em que cada parte, andar ou divisão de um prédio (seja em propriedade horizontal ou não) não tem, individualmente, um valor patrimonial tributário (VPT) superior a 1 milhão de euros.»

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 28 de abril de 2016.

            3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 17 de junho de 2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 4 de julho de 2016.

6. No dia 14 de setembro de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção perentória de caducidade do direito de ação e impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pelos Requerentes, tendo concluído pela procedência daquela exceção, com a sua consequente absolvição do pedido ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da presente ação, igualmente com a sua absolvição do pedido.

A Requerida não juntou documentos, nem requereu a produção de quaisquer outras provas.

Na mesma ocasião, a Requerida juntou aos autos o respetivo processo administrativo (doravante, abreviadamente designado PA).

6.1. No essencial e também de forma breve, importa respigar os argumentos mais relevantes em que a Requerida alicerçou a sua Resposta:

A Requerida começa por invocar a exceção perentória de caducidade do direito de ação, esgrimindo a seguinte argumentação:

- Os Requerentes requerem a anulação as liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013, 2014 e 2015;

- Não houve reclamação graciosa referente aos ditos atos de liquidação;

- Relativamente à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2013, os termos dos prazos de pagamento voluntário ocorreram em 30.04.2014, 31.07.2014 e 30.11.2014;

- No tocante à liquidação de Imposto do Selo do ano de 2014, os termos dos prazos de pagamento voluntário ocorreram em 30.04.2015, 31.07.2015 e 30.11.2015;    

- O pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelos Requerentes deu entrada em 12.04.2016;

- Atento o que decorre das disposições conjugadas do artigo 10.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 102.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, o pedido dos Requerentes quer quanto ao ano de 2013, quer quanto ao ano de 2014 é extemporâneo;

- A extemporaneidade constitui exceção perentória, nos termos do artigo 576.º do CPC, que importa a absolvição da AT do pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pelos Requerentes;

- Pelo que deve a AT ser absolvida do pedido relativamente às liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013 e 2014;

- Sequentemente, o valor do pedido deve ser reduzido para o montante das liquidações de 2015. 

Em seguida, a Requerida passa a defender-se por impugnação, argumentando o seguinte que aqui destacamos:

- O que aqui está em causa são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal – a verba 28.1 da TGIS – e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

- Decorre da análise o artigo 2.º, n.ºs 1 e 4, do Código do IMI que um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é diferente de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, vários prédios;

- Relativamente à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total o valor patrimonial tributário que serve de base ao seu cálculo será o valor global do prédio;

- Apesar de a liquidação de Imposto do Selo, nas situações previstas na verba 28.1 da TGIS, se processar de acordo com as regras do Código do IMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, a saber, aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente) para efeitos de Imposto do Selo releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as frações autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI;

- A sujeição ao Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS resulta da conjugação de dois fatores: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;

- As liquidações de Imposto do Selo controvertidas foram efetuadas tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário (31.12.2013, 31.12.2014 e 31.12.2015), com base no valor patrimonial tributário e em relação aos sujeitos passivos que constavam da matriz em 31 de dezembro dos anos a que respeitam;

- Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possui frações autónomas, às quais a lei atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2.º do Código do IMI resulta que apenas as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios (n.º 4 daquele artigo); 

- O vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.

A Requerida remata assim o seu articulado:

«Nos termos supra expostos e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá, deve a Autoridade Tributária ser absolvida da instância face à manifesta extemporaneidade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, que ocorreu após 90 dias do termo do prazo de pagamento voluntário do valor reportado a Imposto de Selo – verba 28, dos anos 2013 e 2014.

Para além destas conclusões, e a ser diverso o entendimento do douto Tribunal Arbitral, deverá o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, dada a legalidade das liquidações de Imposto de Selo – anos 2013, 2014 e 2015, absolvendo a Autoridade Tributária do pedido.»

7. No dia 26 de setembro de 2016, os Requerentes, devidamente notificados para o efeito, vieram pronunciar-se relativamente à matéria de exceção alegada pela Requerida, bem como prescindir da produção de prova testemunhal, da realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e da apresentação de alegações.

8. Em 26 de setembro de 2016, atentas as posições convergentes assumidas pelas Partes, nesse sentido, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de quaisquer alegações e a fixar o dia 16 de dezembro de 2016 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

***

 

            II. SANEAMENTO

            O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

            As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, encontram-se devidamente representadas e são legítimas.

            Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação de Imposto do Selo, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles – em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelos Requerentes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto – radicadas na nua-propriedade dos primeiro e segundo Requerentes e no usufruto dos restantes Requerentes sobre um prédio urbano em propriedade vertical com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente – e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito – in casu, da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

*

II.1. DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL EM RAZÃO DA MATÉRIA

Os Requerentes, para além da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo controvertidos, peticionam ainda o seguinte:

«b) Que a Administração Fiscal se abstenha de futuro de cobrar o Imposto de Selo, nos moldes em que o mesmo vem sendo efetuado, na medida em que cada parte, andar ou divisão de um prédio (seja em propriedade horizontal ou não) não tem, individualmente, um valor patrimonial tributário (VPT) superior a 1 milhão de euros.»

Relativamente a este pedido, afigura-se necessário aquilatar se o mesmo se insere ou não dentro do âmbito da competência dos tribunais arbitrais, em razão da matéria, tal qual a mesma surge recortada no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que preceitua o seguinte: 

“Artigo 2.º

Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável

1. A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes questões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.”

Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do CPTA aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), importa apreciar, primacialmente, esta questão.

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos essa cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se ainda vindo pacificamente a entender que pese embora o processo de impugnação judicial ter por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011.

Atento este enquadramento legal, é mister concluir que não se prevê a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para se pronunciarem sobre pedidos como aquele que os Requerentes formulam na citada alínea b), o qual objetiva e inequivocamente nada tem a ver com a apreciação da legalidade dos atos dos tipos elencados no artigo 2.º do RJAT.

No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente – o formulado na alínea a) –, apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere sem efeito, como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que “um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal”.

Assim, julga-se verificada a incompetência material do Tribunal Arbitral quanto ao pedido formulado na alínea b)«Que a Administração fiscal se abstenha de futuro de cobrar o Imposto de Selo, nos moldes em que o mesmo vem sendo efetuado, na medida em que cada parte, andar ou divisão de um prédio (seja em propriedade horizontal ou não) não tem, individualmente, um valor patrimonial tributário (VPT) superior a 1 milhão de euros» –, o que acarreta a absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido (artigo 99.º, n.º 1, do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.

*

II.2. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO: REMISSÃO

            A Requerida arguiu a exceção perentória de caducidade do direito de ação relativamente às liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013 e 2014, para cujo conhecimento e decisão se torna, porém, necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, após o que se decidirá.

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            II.3. DO VALOR DA CAUSA

Na sequência da invocação da exceção de caducidade do direito de acção e prevendo a hipótese da respetiva procedência, a Requerida suscita a questão do valor do pedido, o qual, no seu entender, deve ser reduzido para o montante das liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2015.

Como decorre do disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT, no pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar, além de outros elementos, “a indicação do valor da utilidade económica do pedido”.

A determinação daquele valor deverá ser efetuada por apelo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), do qual decorre, naquilo que aqui importa reter, que quando seja impugnada a liquidação, o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários – estaduais ou arbitrais – é o da importância cuja anulação se pretende.

Por outro lado, importa ainda chamar à colação o artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), que estatui, na parte que aqui releva, que na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, e o artigo 306.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, que estabelece que compete ao juiz fixar o valor da causa, o que in casu deve ser feito na sentença.     

Voltando ao caso concreto, temos que os Requerentes peticionaram a anulação das aludidas liquidações de Imposto do Selo referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015, cujo somatório dos respetivos valores unitários ascende ao montante total de € 32.347,50, tendo a Requerida invocado a exceção de caducidade do direito de ação relativamente aos atos tributários atinentes aos anos de 2013 e 2014.

Como referido no precedente ponto desta decisão arbitral (II.2. Da caducidade do direito de ação: remissão), para o conhecimento e decisão da mencionada exceção afigura-se necessário fixar previamente a matéria de facto provada e não provada, após o que se decidirá.

Contudo, a eventual procedência daquela exceção – com a consequente redução quer do universo de atos de liquidação que podem ser objeto deste processo, quer do respetivo valor global em discussão – não terá qualquer incidência no valor da causa, atento o disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, ou seja, aquele valor permanecerá inalterado face ao atribuído pelos Requerentes no pedido de constituição de tribunal arbitral.  

Sendo certo que, sublinhe-se, não tem aqui aplicação o disposto no artigo 299.º, n.º 4, do CPC, o qual dispõe que "nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários". Efetivamente, os processos a que esta norma faz referência são aqueles em que se formule um pedido genérico, ao abrigo das alíneas a) e b) do artigo 556.º do CPC e que venha a ser objeto de liquidação através do incidente a que se reportam os artigos 358.º a 361.º do CPC.

Assim, o valor do presente processo é fixado em € 32.347,50 (trinta e dois mil trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).

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            Não há quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra, agora, conhecer.

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III. FUNDAMENTAÇÃO                     

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

a) Nos anos de 2013, 2014 e 2015, os Requerentes A… e B… eram nu-proprietários e os Requerentes C… e D… eram usufrutuários do prédio urbano, em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, sito na Avenida…, n.º…, freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo… . [cf. Docs. n.ºs 1 e 2 anexos à P. I.]   

b) Naqueles anos, o referido prédio urbano estava assim descrito na respetiva matriz predial [cf. Doc. n.º 2 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:   

c) Os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente integrantes daquele mesmo prédio urbano estão afetos à habitação e têm um valor patrimonial tributário próprio, apurado nos termos do Código do IMI, sendo que, em 2015, foram-lhes determinados os seguintes valores patrimoniais tributários unitários [cf. Doc. n.º 2 anexo à P. I. e PA junto aos autos]:

Andar ou divisão com utilização independente

Valor patrimonial tributário (€)

CV D

56.760,00

CV E

52.980,00

CAV EF

53.950,00

CV F

34.660,00

RC D

45.270,00

RC E

56.370,00

RC EF

34.890,00

RC F

42.940,00

S/CV

44.970,00

1.º D

57.080,00

1.º DF

50.950,00

1.º E

54.000,00

1.º EF

55.580,00

2.º D

57.080,00

2.º DF

51.060,00

2.º E

54.000,00

2.º EF

55.700,00

3.º D

57.650,00

3.º DF

51.570,00

3.º E

54.540,00

3.º EF

56.250,00

           

d) Em 17 de março de 2014, a AT liquidou Imposto do Selo, no montante total de € 10.782,50, reportado ao ano de 2013 e referente aos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado anterior. [cf. PA junto aos autos]

e) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado c). [cf. PA junto aos autos]

f) Em nome do Requerente C… foram então emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2013 [cf. PA junto aos autos]: 

g) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior, foram emitidas em nome do Requerente C… as respetivas notas de cobrança, com datas limite de pagamento voluntário em 30.04.2014, 31.07.2014 e 30.11.2014, as quais foram tempestiva e integralmente pagas. [cf. PA junto aos autos]

h) Em 20 de março de 2015, a AT liquidou Imposto do Selo, no montante total de € 10.782,50, reportado ao ano de 2014 e referente aos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado c). [cf. PA junto aos autos]

i) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado c). [cf. PA junto aos autos]

j) Em nome do Requerente C… foram então emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo referentes ao ano de 2014 [cf. PA junto aos autos]: 

k) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior, foram emitidas em nome do Requerente C… as respetivas notas de cobrança, com datas limite de pagamento voluntário em 30.04.2015, 31.07.2015 e 30.11.2015, as quais foram tempestiva e integralmente pagas. [cf. PA junto aos autos]

l) Em 5 de abril de 2016, a AT liquidou Imposto do Selo, no montante total de € 10.782,50, reportado ao ano de 2015 e referente aos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado c). [cf. PA junto aos autos]

m) As liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado anterior resultaram da aplicação da verba 28.1 da TGIS a todos e cada um dos andares ou divisões com utilização independente elencados no facto provado c). [cf. PA junto aos autos]

n) Em nome do Requerente C… foram então emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 5.391,25, referentes ao ano de 2015 [cf. PA junto aos autos]: 

o) Em nome da Requerente D… foram então emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 5.391,25, referentes ao ano de 2015 [cf. PA junto aos autos]: 

p) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado n), foram emitidas em nome do Requerente C… as notas de cobrança que seguidamente se discriminam [cf. PA junto aos autos]:

 

q) Na sequência das liquidações de Imposto do Selo referidas no facto provado o), foram emitidas em nome da Requerente D… as notas de cobrança que seguidamente se discriminam [cf. PA junto aos autos]:

   

r) Em 2 de junho de 2016, as notas de cobrança referidas nos factos provados p) e q), com data limite de pagamento em 30.04.2016, encontravam-se por pagar, tendo sido instaurados processos executivos para a sua cobrança coerciva no Serviço de Finanças de Lisboa-… . [cf. PA junto aos autos]

s) Em 12 de abril de 2016, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD]

*

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que os Requerentes tenham pago os montantes de Imposto do Selo resultantes das liquidações controvertidas e respetivas notas de cobrança referentes ao ano de 2015 (constantes dos factos provados n), o), p) e q)).

*

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, nos documentos e no processo administrativo juntos aos autos.

Relativamente à factualidade não provada, esta foi assim considerada em resultado da ausência de quaisquer elementos probatórios suscetíveis de, inequivocamente, a comprovarem.

*

III.2. DE DIREITO

III.2.1. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO

A Requerida arguiu esta exceção, invocando a seguinte argumentação que aqui recuperamos:

- Os Requerentes requerem a anulação as liquidações de Imposto do Selo dos anos de 2013, 2014 e 2015, relativamente às quais não apresentaram reclamação graciosa;

- Relativamente às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2013, os termos dos prazos de pagamento voluntário ocorreram em 30.04.2014, 31.07.2014 e 30.11.2014;

- No tocante às liquidações de Imposto do Selo do ano de 2014, os termos dos prazos de pagamento voluntário ocorreram em 30.04.2015, 31.07.2015 e 30.11.2015;    

- O pedido de constituição de tribunal arbitral apresentado pelos Requerentes deu entrada em 12.04.2016, pelo que, atento o que decorre das disposições conjugadas do artigo 10.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 102.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, o pedido dos Requerentes quer quanto ao ano de 2013, quer quanto ao ano de 2014 é extemporâneo.

A Requerente pronunciou-se sobre esta exceção, pugnando pela respetiva improcedência, nos seguintes termos que aqui importa respigar:

«Não obstante se tratarem de factos continuados, nunca os Requerentes, vieram a ser notificados do direito que lhes assistia, afim de eventualmente poderem apresentar caso o entendessem, a respectiva Impugnação Judicial ou Reclamação Graciosa (...)

Tão só porque nunca incumpriram, (...)

Sempre tendo liquidado os tributos a tempo e horas, (...)

Só quando tiveram conhecimento da faculdade que a Lei lhes confere, face aos argumentos já apresentados em sede de pedido de Constituição de Tribunal Arbitral, (...), vieram a exercer tal direito, (...)

Acresce o facto de os Requerentes, pretenderem ver além do ressarcimento das importâncias já liquidadas, pelo Direito que lhes assiste, pretendem também o reconhecimento de que no futuro, tal liquidação, lhes não seja imputada, também aqui pelos factos e fundamentos anteriormente apresentados, com o Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, (...)

Assiste no entender dos Requerentes, estarem perante um facto continuado, na medida em que se configura a existência de uma infração praticada pela Requerida, de natureza continuada, (...)

O que perante tal circunstancialismo, tal prescrição só se verifica decorridos três anos, contados do momento em que cada uma seja exigível ou conhecida. (...)

Razão pela qual pugnam os Requerentes que a excepção deduzida seja considerada improcedente pelos factos e fundamentos ora invocados e constantes da presente pronúncia ora deduzida por aqueles.» 

Apreciando e decidindo.

Os prazos para a propositura de ações são prazos substantivos, de caducidade, e integram a própria relação jurídica material controvertida. Visam determinar o período para o exercício de um direito e são perentórios, pois o seu decurso extingue o próprio direito (neste sentido, entre outros, o acórdão do TCA Norte, processo n.º 01811/09.7BEBRG, de 23 de setembro de 2010).

Antes de a ação dar entrada ainda não há processo; logo, não há prazos judiciais ou processuais antes de haver processo.

Com efeito, o prazo judicial ou adjetivo supõe que a ação está em juízo e assinala o lapso de tempo necessário, segundo a lei, para se produzir certo efeito processual ou, de acordo com outra definição, para a prática de um ato judicial. Não é isto que se verifica com o prazo fixado para a propositura de uma ação, quer em tribunais estaduais, quer arbitrais.

Deste modo, a contagem do prazo para deduzir a ação deve observar as regras do artigo 279.º do Código Civil, como de resto prevê expressamente o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, no que se refere à impugnação judicial. Por essa razão, a contagem de tal prazo é corrida e não se suspende durante as férias judiciais, sendo inaplicável o disposto no artigo 138.º do CPC, cujo âmbito se restringe aos prazos judiciais ou adjetivos.

A este respeito, salienta-se que a natureza arbitral deste tribunal e a aplicação do regime de arbitragem tributária não acarretam qualquer modificação relativa à natureza, modalidades e forma de contagem dos prazos, como se extrai da leitura do RJAT, e muito menos no tocante a prazos substantivos, que fazem parte integrante do estatuto material do próprio direito de crédito tributário.

E, se dúvidas houvesse, dispõe o artigo 29.º do RJAT a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo e do Código de Processo Civil.

O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT determina que o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT – termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte (n.º 1, alínea a)), notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação (n.º 1, alínea b)), citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal (n.º 1, alínea c)), formação da presunção de indeferimento tácito (n.º 1, alínea d)), notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos do CPPT (n.º 1, alínea e)) e conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores (n.º 1, alínea f)) –, “quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Na situação sub iudice a contagem do mencionado prazo de 90 dias inicia-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte, ou seja, iniciou-se a partir de 30.04.2014, 31.07.2014 e 30.11.2014, relativamente ao ano de 2013 (cf. facto provado g)), e a partir de 30.04.2015, 31.07.2015 e 30.11.2015, relativamente ao ano de 2014 (cf. facto provado k)).

O pedido de constituição do tribunal arbitral tinha de ser submetido, como acima se assinalou, no prazo máximo de 90 dias, o que ressalta à evidência que não sucedeu – sem que para tal seja necessário empreender uma aturada contagem temporal –, pois deu entrada no CAAD no dia 12 de abril de 2016 (cf. facto provado s)), ou seja, após o decurso do prazo legal de 90 dias.

Nestes termos, sem necessidade de maiores considerações, por o pedido de constituição de tribunal arbitral ter sido apresentado após o decurso do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição e pronúncia deste tribunal arbitral, relativamente às liquidações de Imposto do Selo referentes aos anos de 2013 e 2014 (ver, neste sentido, entre outras, as decisões proferidas por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, nos processos n.ºs 356/2014-T, 357/2014-T, 358/2014-T, 800/2014-T, 122/2015-T, 211/2015-T e 618/2015-T[1]).

Consequentemente, a exceção perentória deduzida pela Requerida é julgada procedente e, consequentemente, esta é absolvida do pedido quanto àqueles atos de liquidação de Imposto do Selo (artigo 576.º, n.º 3, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

*

III.2.2. DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA CAUSA

A questão essencial a resolver sobre o mérito do litígio atinente à pretensão de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo controvertidas, referentes ao ano de 2015, prende-se com determinar se, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, nos casos de um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, se deve atender ao valor total do prédio resultante da soma dos valores patrimoniais tributários dos diversos andares ou divisões com afetação habitacional, como subjaz às liquidações em causa, ou se se deve antes dar relevância ao valor patrimonial tributário da cada andar ou divisão com afetação habitacional.

Apreciando e decidindo.

*

§1. DA INTERPRETAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA OBJETIVA DA VERBA 28.1 DA TGIS

No epicentro do dissenso que opõe as Partes neste processo, está a norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, pelo que se impõe, naturalmente, começar por proceder à interpretação desta norma, tendo em vista aferir o seu escopo e, dessa forma, delimitar aquele que é o seu campo de aplicação.

 A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e aditou à TGIS a verba 28 (cf. artigo 4.º), com a seguinte redacção:

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional— 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (LOE 2014), alterou a redação da verba 28.1 da TGIS (cf. artigo 194.º), tendo esta passado a ter o seguinte teor [aplicável ratione temporis à situação sub iudice]: 

 “28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1 %”

A interpretação da norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS não poderá deixar de ser efetuada com base nas diretrizes hermenêuticas que dimanam do artigo 11.º da LGT e do artigo 9.º do Código Civil, normas que estatuem o seguinte:

“Artigo 11.º [LGT]

Interpretação

1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.”

“Artigo 9.º [CC]

Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

A propósito desta tarefa interpretativa, data venia, apropriamo-nos aqui dos seguintes considerandos vertidos na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD:

«A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»

Dito isto. Analisada a redação – quer a primitiva, quer a atual – da verba 28.1 da TGIS, verificamos que esta norma possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende da normatividade ad quam constante do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, o teor regulativo desta verba 28 da TGIS resulta da devolução – nos termos de uma remissão geral – para o conjunto regulativo que se encontra no Código do IMI.

Aliás, esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do artigo 67.º do CIS, que determina que às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Nesta parametria, cumpre então coligir as normas do Código do IMI que se afiguram pertinentes para a compreensão e, logo, para a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

No Código do IMI, o conceito de “prédio” surge assim definido no seu artigo 2.º:

1. Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2. Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3. Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4. Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Seguidamente, nos artigos 3.º a 5.º do CIMI, são enumeradas as espécies de prédios existentes, a saber:

Prédios rústicos (artigo 3.º):

“São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) Estejam afectos ou, na falta de concreta afectação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afectação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções directamente afectos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.”

Prédios urbanos (artigo 4.º):

“Prédios urbanos são todos aqueles que não devem ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

Prédios mistos (artigo 5.º):

“1. Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2. Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”

Posteriormente, no artigo 6.º do CIMI, são indicadas as espécies de prédios urbanos:

1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2. Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4. Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”

Sobre o “valor patrimonial tributário”, o artigo 7.º do CIMI estatui o seguinte:

 “1. O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior determina-se:

a) Caso uma das partes seja principal e a outra ou outras meramente acessórias, por aplicação das regras de avaliação da parte principal, tendo em atenção a valorização resultante da existência das partes acessórias;

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.

3. O valor patrimonial tributário dos prédios mistos corresponde à soma dos valores das suas partes rústica e urbana determinados por aplicação das correspondentes regras do presente Código.”

Sob a epígrafe “conceito de matrizes prediais”, o artigo 12.º do CIMI estatui o seguinte:

“1. As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários.

2. Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana.

3. Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

4. As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro.

4. As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade.”

 Ainda a propósito das matrizes prediais, importa atender ao n.º 1 do artigo 13.º do CIMI, do qual decorre que [a] inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo”.

No respeitante à determinação do valor patrimonial tributário, importa aqui convocar o artigo 38.º do CIMI, epigrafado “Determinação do valor patrimonial tributário”:

“1. A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = Coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2. O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.”

Como normas densificadoras dos valores e coeficientes referidos neste preceito legal, temos os artigos 39.º (“Valor base dos prédios edificados”), 40.º (“Tipos de áreas dos prédios edificados”), 40.º-A (“Coeficiente de ajustamento de áreas”), 41.º (“Coeficiente de afectação”), 42.º (“Coeficiente de localização”), 43.º (“Coeficiente de qualidade e conforto”) e 44.º (“Coeficiente de vetustez”) do CIMI. 

À face do teor literal da verba 28.1 da TGIS (redação aplicável ratione temporis à situação sub iudice), estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos habitacionais de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00.

Atentas as normas do CIMI acima citadas, temos que são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim ou, na falta de licenciamento, que tenham como destino normal essa utilização (artigo 6.º, n.º 2, do CIMI); assim, são prédios habitacionais os referidos edifícios ou construções, sendo, pois, estes que estão sujeitos à verba 28.1 da TGIS.  

A correção desta interpretação, quanto ao âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS é confirmada pela ratio legis percetível da restrição do campo de aplicação da norma aos prédios habitacionais – restrição que se manteve quanto à afetação (habitação) na alteração legislativa que veio alargar o âmbito de incidência aos terrenos para construção –, no contexto das “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, que o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil também consagra como elementos interpretativos.

Efetivamente, a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e, posteriormente, aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica. Sobre a ratio legis da introdução da verba 28 da TGIS, vejam-se, entre outras, as decisões proferidas nos processos n.ºs 50/2013-T, 132/2013-T 132/2013-T, 181/2013-T, 182/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 100/20114-T, 238/2014-T, 290/2014-T, 428/2014-T, 518/2014-T, 707/2014-T e 756/2014-T do CAAD.    

            Tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais.

            Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e, posteriormente, também os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação. 

A encerrar esta exegese da verba 28.1 da TGIS, importa, ainda, salientar que os citados artigos 38.º a 46.º do CIMI não têm qualquer relação com a classificação dos prédios urbanos, pois naquelas normas apenas são indicados os fatores a ponderar na respetiva avaliação (neste sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 53/2013-T do CAAD). 

Posto isto. Resulta da análise conjugada dos citados preceitos do CIMI que neste compêndio legal não é feita qualquer distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou total. Com efeito, pese embora o n.º 4 do artigo 2.º refira expressamente que as frações autónomas dos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal constituem, cada uma delas, um prédio, a verdade é que não exclui de tal classificação as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total ou vertical.

E, onde a lei não distinguiu, não pode o intérprete fazê-lo.

 Analisada, pois, a definição de prédio ínsita no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI, não vislumbramos qualquer razão para aqui não incluir as divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total, pois que estas constituem uma fração de território que faz parte integrante do património de uma pessoa singular ou coletiva e que tem valor económico.

Assinale-se que a cada uma dessas divisões ou frações é atribuído um valor patrimonial tributário.

Assente que está a classificação das divisões com utilização independente dos prédios constituídos em regime de propriedade total como “prédios”, nos termos e para os efeitos do CIMI, parece-nos evidente constituírem cada uma destas divisões, quando esse seja o fim a que se destinam, prédios habitacionais.

No caso dos autos, cada uma das divisões do prédio urbano em apreço são suscetíveis de utilização independente e são afetas à habitação. 

Aliás, não fossem as divisões em causa nos presentes autos individualmente classificadas como “prédios” e não teria qualquer sentido ou lógica a elaboração, no caso, de uma liquidação do Imposto do Selo por cada uma dessas unidades.

É certo que a aplicação subsidiária do CIMI poderia inculcar a ideia de que só as frações autónomas, no regime de propriedade horizontal, é que são havidas como prédios à luz do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI.

Todavia, se se atentar na redação dessa norma legal, logo se verificará que o pressuposto da constituição do regime de propriedade horizontal apenas é necessário para efeitos de tributação em IMI.

  Assinale-se, por outro lado, que, à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, “cada andar ou parte do prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário”.

Acresce ainda que, como acima já se disse, a introdução da verba 28 na TGIS teve como objetivo a tributação dos prédios urbanos de elevado valor com afetação habitacional, tributando a riqueza, exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície, de prédios urbanos de luxo, ou suas frações ou divisões autónomas, com afetação habitacional.

Ora, se o objetivo da lei foi adequar a tributação em sede de Imposto do Selo à capacidade contributiva dos contribuintes, parece não revestir qualquer relevância a distinção entre prédios constituídos em regime de propriedade horizontal ou vertical.

Manifestamente, não é por aí que se revela a maior ou menor capacidade contributiva, tanto mais que, como é sabido, a propriedade horizontal é um instituto jurídico relativamente recente, sendo certo que uma grande parte dos prédios antigos não se encontram sequer constituídos neste regime, apesar de, na prática, funcionarem como tal.

Ora, o princípio da prevalência da substância sobre a forma impõe que a AT deva valorizar a verdade material. E, no caso dos autos, a verdade material consiste na inexistência de qualquer diferença substantiva entre as divisões propriedade da Requerente e as frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.

Ou, dito doutro modo, sendo a constituição da propriedade horizontal operação meramente jurídica e não factual, não se descortinam razões para diferenças de tributação nesta sede, porquanto o que relevará é sempre o valor individual de cada uma das frações, esteja ou não o prédio constituído no regime de propriedade horizontal.

Em face de tudo quanto ficou exposto, dúvidas não restam de que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, das quais algumas com afetação habitacional, é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

Assim, em conclusão, relativamente aos prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, deve atender-se exclusivamente ao valor patrimonial tributário próprio de cada andar ou divisão com afetação habitacional, constante da matriz, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

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            §2. DO CASO SUB JUDICE

Como resultou provado, nenhum dos andares ou divisões com utilização independente, descritos na matriz predial como afetos à habitação, do prédio urbano em apreço, possui um valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 (cf. facto provado c)).

Nessa medida e atento o acima exposto, uma vez que o valor patrimonial tributário de cada um dos indicados andares ou divisões com utilização independente afetos à habitação é inferior àquele valor a que se reporta a verba 28.1 da TGIS, segue-se que tais andares ou divisões não se subsumem na norma de incidência tributária constante dessa verba 28.1, pelo que as liquidações controvertidas padecem de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e sequente anulação, com todas as inerentes consequências legais (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT).

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

a)      Julgar o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar o pedido formulado na alínea b)«Que a Administração Fiscal se abstenha de futuro de cobrar o Imposto de Selo, nos moldes em que o mesmo vem sendo efetuado, na medida em que cada parte, andar ou divisão de um prédio (seja em propriedade horizontal ou não) não tem, individualmente, um valor patrimonial tributário (VPT) superior a 1 milhão de euros.» – e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto a este pedido;

b)      Julgar procedente a excecão perentória de caducidade do direito de ação relativamente aos atos de liquidação de Imposto do Selo controvertidos, referentes aos anos de 2013 e 2014 e respeitantes ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, e, consequentemente, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido quanto àqueles atos tributários;   

c)      Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, declarar ilegais e anular as liquidações de Imposto do Selo impugnadas nos presentes autos, no valor total de € 10.782,50, respeitantes ao ano de 2015 e referentes ao prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de…, concelho e distrito de Lisboa, com as legais consequências; 

d)     Condenar ambas as Partes no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do processo é de 32.347,50 (trinta e dois mil trezentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo de Requerentes e Requerida, na proporção, respetivamente, de 67% e de 33%.

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Lisboa, 27 de outubro de 2016.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 



[1] Todas as decisões arbitrais citadas estão disponíveis em www.caad.org.pt/tributario/decisoes.