DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A. – PARTES
A…, casada no regime de separação de bens com B…, residente na Av. … n.º … –…Esq, …-…, na qualidade de cabeça de casal da Herança Indivisa aberta por óbito de C…, NIF…, por óbito de sua irmã D…, residente que foi na Rua … n.º … –…, …-… Lisboa, a seguir designada por Requerente, veio requerer em 4 de Abril de 2016 a constituição do tribunal arbitral singular em matéria tributária, ao abrigo do prescrito nos art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto – Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária -RJAT) e nos arts. 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de Março, com a finalidade de ser dirimido o litígio que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, que doravante será designada por Requerida.
B. – CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 05/04/2016 e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05/04/2016, tendo o Presidente do respectivo Conselho Deontológico designado o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, do RJAT, encargo este que foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.
2. Em 18/04/2016, as Partes foram notificadas dessa designação, nos termos das disposições combinadas do art. 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, nos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.
3. Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 20/06/2016, nos termos do preceituado na alínea c), do n.º 1, do art. 11.º do Decreto – Lei n.º 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.
C. – PRETENSÃO
A Requerente pretende que:
a) se reconheça à Requerente nos termos do n.º 3 do art.º 24.º do Regime Jurídico de Arbitragem em matéria Tributária o direito a vir suscitar nova pronúncia arbitral deste CAAD;
b) em consequência, se declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de Selo sobre a Verba 28.1 da Tabela
Geral, para o ano de 2014;
Ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente,
c) se proceda à anulação dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de selo sobre a Verba 28.1 da Tabela Geral, para o ano de 2014, com as demais legais consequências;
Em qualquer dos casos,
d) Sejam restituídas à Requerente as quantias pagas referentes às liquidações efectuadas relativamente a cada uma dos andares ou parte de utilização independente no valor total pago;
e) Seja a Administração Fiscal condenada a ressarcir a Requerente dos juros de tais quantias por si pagas, à taxa legal e até efectiva restituição e todas as custas que por este processo teve de suportar.
D. – TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 20/06/2016, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:
- Em 21/06/2016 – Foi notificada a Requerida para, nos termos dos n. ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, apresentar resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo, por via electrónica.
- Em 02/08/2016 – A Requerida apresentou resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, remeteu despacho de designação dos juristas representantes da Requerida e inseriu na “Plataforma” on line do CAAD o processo administrativo, tendo sido, de
tudo, notificada a Requerente.
- Em 05/08/2016 – O Tribunal notificou a Requerente para responder por escrito à excepção deduzida pela Requerida na Resposta.
- Em 12/09/2016 - A Requerente apresentou resposta à excepção invocada pela Requerida, que foi admitida em 13/09/2016, e notificada à Requerida.
- Em 13/09/2016 – O Tribunal designou o dia 26/09/2016 para a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, a fim de ser ouvida a testemunha arrolada pela Requerente, B….
- Em 26/10/2016 – Realizou-se a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, de que resultou, o seguinte:
- Foi prescindida a audição da testemunha B…, apresentada pela Requerente, uma vez que os factos a que foi arrolada foram reconhecidos como provados pelas Partes e pelo Tribunal.
- O Tribunal, ouvidas e com a concordância das Partes, prescindiu da apresentação de alegações finais.
- O Tribunal fixou a data de 06/10/2016 para a prolação da decisão arbitral.
- Em 06/10/2016 – Prolação da decisão arbitral.
E. – PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
Pretende a Requerente que:
a) Se reconheça à Requerente nos termos do n.º 3 do art.º 24.º do Regime Jurídico de Arbitragem em matéria Tributária o direito a vir suscitar nova pronúncia arbitral deste CAAD;
b) em consequência, se declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de Selo sobre a Verba 28.1 da Tabela Geral, para o ano de 2014;
Ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente,
c) Se proceda à anulação dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de selo sobre a Verba 28.1 da Tabela Geral, para o ano de 2014, com as demais legais consequências;
Em qualquer dos casos,
d) Sejam restituídas à Requerente as quantias pagas referentes às liquidações
efectuadas relativamente a cada uma dos andares ou parte de utilização independente no valor total pago;
e) Seja a Administração Fiscal condenada a ressarcir a Requerente dos juros de tais quantias por si pagas, à taxa legal e até efectiva restituição e todas as custas que por este processo teve de suportar.
Alegou para tanto que:
— A Requerente apresentou, em 24/7/15, neste Centro de Arbitragem pedido de constituição de Tribunal Arbitral, que tomou o n.º de processo 470/2015 T, concluindo com o seguinte pedido:
“Termos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a V. Exa., que sigam os ulteriores termos legais para que a final se:
a) declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de Selo sobre a Verba 28.1 da Tabela Geral, para o ano de 2014, da 1.ª e 2.ª prestações já liquidadas;
b) bem como de todas as liquidações que a ATA venha a liquidar reportado ao presente ano para o prédio dos autos e também dentro dos mesmos pressupostos e aplicação da mesma lei para os anos subsequentes;
Ou, caso assim não se entenda, subsidiariamente,
c) proceda à anulação dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de selo sobre a Verba 28.1 da Tabela Geral, para o ano de 2014, com as demais legais consequências;
Em qualquer dos casos,
d) Sejam restituídas à Requerente as quantias pagas referentes às liquidações efectuadas relativamente a cada uma dos andares ou parte de utilização independente no valor total até ao presente de € 11.554,68 ;
e) Seja a Administração Fiscal condenada a ressarcir a Requerente dos juros de tais quantias pagas pela requerente referentes à 1.ª e 2.ª prestação, à taxa legal e até efectiva restituição e todas as custas que por este processo teve de suportar.”;
— A Requerida — AT — respondeu deduzindo a excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, à qual a Requerente respondeu nos termos que constam da sua resposta que se anexa como doc. 1;
— O M.º Juiz Árbitro entendeu ter já todos os elementos para decidir e proferiu decisão julgando a excepção deduzida pela AT como procedente, e absolvendo a Requerida da instância, em consequência do que julgou prejudicado o conhecimento do mérito da causa;
— A Requerente pediu que fosse aclarada a aludida decisão por entender que do pedido final formulado não decorria dúvida sobre a sua pretensão;
— Tanto mais que, em pedido de constituição de Tribunal Arbitral elaborado no ano de 2014 no processo deste Centro de Arbitragem n.º 518/14-T, com exactamente iguais fundamentos mas relativamente às notas de liquidação elaboradas pela ATA em 2014 para as várias unidades que compõem o referido prédio, a decisão foi no sentido de julgar procedente o pedido e consequentemente anular as liquidações efectuadas;
— No entanto, se após apresentada resposta pela Requerente, não resultava claro para o M.º Juiz Árbitro que a pretensão da Requerente era impugnar as liquidações, sempre poderia lançar mão da faculdade que lhe é conferida por lei, notificando a Requerente para aperfeiçoar o seu requerimento inicial;
—Entende assim a Requerente que a decisão arbitral que absolveu a Requerida da instância, pondo termo ao processo sem conhecer de mérito, não foi devida a facto que lhe seja imputável;
— Razão por que está em tempo face ao disposto no art.º 24.º, n.º 3, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributaria (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na versão introduzida pelos art.ºs 228.º e 229.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro) que “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral”.
Alegou ainda que:
— A Requerente é, por morte de única irmã D…, ocorrida em 25/02/15, a actual cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito da mãe de ambas C…, como consta quer da escritura de habilitação de herdeiros cuja cópia se anexa e se dá por reproduzida como doc. 3, quer da certidão de óbito da aludida D…(doc.4);
— De acordo com as liquidações de Imposto de Selo supra referenciadas, o imposto constante das mesmas é referente ao prédio urbano sito na Av. … n.º … em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das …, sob o art.º matricial … e respeita ao período tributário do ano de 2014;
— As liquidações supra identificadas foram emitidas com data de 20 de Março de 2015;
— Nos termos do n.º 2 do art.º 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, “Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.”;
— Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”;
— Verifica-se assim a manifesta inexistência de um dos pressupostos legais do facto tributário nas liquidações em causa, enfermando as mesmas de nulidade;
— Nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos efeitos.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente,
— A liquidação de Imposto de Selo sobre a qual incide o presente pedido enferma de erro, quer quanto aos pressupostos de facto quer quanto à taxa aplicável ao imposto em causa;
— De facto, consta expressamente das liquidações supra referidas que cada uma destas se refere a andares ou divisões descritos como “arrecadação/ind.”, cave, r/c Esq., R/c Dto, 1.º Esq., 1.º Dto., 2.º Esq., 2.º Dto., 3.º Esq., 3.º Dto., 4.º Esq. e 4.º Dto. do prédio urbano acima mencionado;
— O prédio em causa não se encontra constituído em propriedade horizontal, conforme cópia da chave de acesso à certidão do registo predial que se junta como doc. 5;
— Não se encontrando sujeito a esse regime, portanto composto por fracções autónomas, não pode a liquidação incidir sobre cada uma destas, sob pena de erro sobre os pressupostos de facto;
— Pois que, não só o tributo em causa pretende incidir sobre uma realidade que não existe, sem a invocação de qualquer fundamento para o efeito;
— Como, a ser assim, não se encontraria preenchido o requisito legal relativo ao valor patrimonial tributário constante do art.º 4.º e da Lei 55-A/2012 e da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, porquanto nenhum dos fogos objecto de liquidação ascende ao valor patrimonial tributário de € 1.000.000,00, conforme prevêem as
citadas normas legais.
— Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS vai incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 - “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”;
— Deste modo a adopção de critério defendido pela AT viola manifestamente os princípio da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade juridico-formal.
— No caso dos autos o prédio composto por cave, r/c e 4 andares, encontra-se em propriedade vertical e contém 12 partes, andares ou divisões com utilização independente dos quais, uma grande parte (mas não a totalidade) se destina a habitação, sendo que nenhum dos andares destinados a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, razão pela qual terá de concluir-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 do TGIS.
— Ao ser introduzida esta alteração legislativa, perfeitamente inovadora, o legislador elegeu como elemento determinante de capacidade contributiva dos prédios urbanos, com afectação habitacional de valor elevado (de luxo) ou seja de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) com a manifesta intenção de tributar a riqueza manifestada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, sendo que a ele ficariam sujeitos todos os prédios nas condições atrás referidos e com valor patrimonial tributário igual ou superior àquele valor.
— Sucede que a AT em termos de CIMI, quer em imóveis de propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões, quer em imóveis constituídos em propriedade horizontal aplica as mesmas regras de isenção, sendo o Imposto Municipal sobre Imóveis bem como o actual IS liquidados de forma individual sobre cada uma das partes, pelo que o critério para aplicação deste novo imposto terá necessariamente de ser o mesmo, como realmente é;
— E se a lei obriga à emissão de liquidações individuais para as partes autónomas dos prédios quer em propriedade vertical quer em p.h. o critério para a incidência do novo
imposto tem de ser o mesmo, sendo que a presente norma só se aplicaria se alguma das partes, divisões ou andares com utilização independente (terminologia da própria AT) tivesse em VPT igual ou superior a um milhão de euros, o que no caso dos autos não sucede;
— Acresce que sendo este o critério estabelecido pelo IMI (parte, divisão ou andar com utilização independente) e sendo este Código aplicável às matérias não reguladas no que toca a verba n.º 28 do TAGIS, não pode manifestamente a AT considerar no caso em concreto, o valor total do prédio para a incidência deste novo imposto;
— A razão de ser do novo imposto considerada como “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” tem a sua origem na invocação dos princípios de equidade social e de justiça fiscal pedindo a contribuição mais intensa dos proprietários, usufrutuários ou superficiários de propriedade de elevado valor destinadas a habitação, fazendo recair esta taxa especial sobre “casas de valor igual ou superior a um milhão de euros”, na manifesta intenção de considerar este valor, quando referente a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) como indício de capacidade contributiva acima da média, passível de gerar um tributo especial para garantir maior e mais justa repartição do esforço fiscal;
— Constitui, assim, flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade considerar no cômputo do valor o somatório dos VPT atribuídos a cada andar ou divisão independente;
— Tal constituiria também flagrante violação do principio de igualdade e da proporcionalidade em matéria fiscal;
— Se o prédio se encontrasse em p.h. era certo que nenhuma das fracções habitacionais seria sujeita ao novo imposto, sendo que nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do CIMI “Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.“;
— Tal dispositivo legal não se harmoniza com a interpretação que a AT de tributar as partes do prédio em propriedade vertical em razão do VPT global do prédio;
— A maioria dos prédios em propriedade vertical são antigos (1942), onde se mantêm inquilinos com contratos também bastante antigos com rendas bastante desajustadas apesar da legislação recente sobre rendas e das actualizações delas decorrentes, já que muitos deles com baixas reformas ou idade superior a 65 anos não permitem a actualização para valores de mercado;
— Apesar disso esses senhorios passam a pagar um imposto como se de um prédio de luxo se tratasse (moradia ou fracção autónoma);
— Conclui-se assim que a AT não pode distinguir entre duas situações (p.h. ou p. vertical) onde o próprio legislador não o fe
z sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o principio da legalidade fiscal previstos no art.º 103.º, n.º 2 do C.R.P. e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal;
— Dispõe o n.º 2 do art.º 67.º do CIS que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”
— Não tendo a Lei 55-A/12 procedido à definição do conceito que consta da referida verba n.º 28, nomeadamente do conceito de “prédio com afectação habitacional” terá necessariamente de se observar o que diz o CIMI.
—E este remete naturalmente para o conceito de “prédio urbano” definido no art.º 2.º e 4.º sendo que a determinação do VPT, tem em conta o disposto nos art.º 38.º e ss. do mesmo diploma.
— E apesar de cada fracção autónoma em regime de p.h. ser considerada um prédio, não é menos certo que nada na lei faz discriminação entre prédios em p.h. e prédios em p. vertical;
— Fiscalmente devem pois as partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional ser consideradas como prédios urbanos habitacionais já que assim são considerados pela AT;
— Donde decorre que só quando o valor de uma dessas partes autónomas fosse superior a um milhão de euros deveria ser tributada em sede do IS (vide a este propósito decisões arbitrais DA n.º 48/2013 T e DA 50/2013 T);
— Não pode ser a mera transformação em p.h., para um certo e determinado prédio a distinguir a subordinação do seu proprietário, usufrutuário ou superficiário à aplicação deste imposto;
— No caso dos autos qualquer das VPTS dos andares (unidades autónomas) do prédio com afectação habitacional é inferior a um milhão de euros, pelo que sobre os mesmos não pode incidir o imposto de selo a que se refere a verba 28 do TGIS, sendo, em consequência, ilegais os actos de liquidação impugnados.
F. – RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta, na qual, em síntese, alegou o seguinte:
POR EXCEPÇÃO
Na resposta apresentada a Requerida excepcionou a intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, pois apenas quando o conhecimento do mérito não for imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou novo pedido de constituição de tribunal arbitral dos mesmos actos objecto da pretensão arbitral antes deduzida, se contam a partir da notificação da decisão arbitral (art.º 24.º, n.º 3, do RJAT);
— Neste caso, a arbitragem opera como uma causa de interrupção daqueles prazos;
— Caso o não conhecimento do mérito seja imputável ao sujeito passivo, aplica-se o disposto no artigo 13.º, n.º 4, do RJAT;
— Sobre o significado de “imputável ao sujeito passivo”, refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9/12/2014, Proc. 1010/06.0TBLMG.P, no seu sumário, que: “II-A definição do conceito “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve fundar-se na ideia de culpa. III-O conceito de culpa na origem da decisão de absolvição da instância deve, porém, ser interpretado de forma razoável, de modo a afastar os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte, designadamente porque a falta do pressuposto processual que ditou essa absolvição da instância decorre de dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia – ou devia saber – que era inviável, em termos de virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito.”
— E, para suportar a sua pretensão, a Requerida destaca algumas passagens da decisão arbitral que decretou a sua absolvição da instância:
— “A Requerente pronunciou-se sobre esta excepção, pugnando pela respectiva improcedência, nos seguintes termos que importa respigar:
«Cotejando o requerimento da Requerente verifica-se que a mesma pede a declaração de nulidade dos actos tributários relativos à liquidação do I.S. sobre a verba 28.1 da Tabela geral.
Obviamente que a liquidação daquele imposto de selo se consubstancia posteriormente na notificação ao contribuinte para o pagamento do imposto que no caso é dividido em 3 prestações tudo isto reportado a cada um dos andares do edifício, porquanto são efectuadas tantas liquidações quantos os andares para habitação existentes no prédio.
Inclusive no ponto d) do seu petitório a Requerente pede que “lhe sejam restituídas as quantias pagas referentes às liquidações (no valor de 17 331,83€ - correspondentes às 3 prestações já pagas) efectuadas relativas a cada um dos andares ou parte de utilização independente…»"
— “Em face destes trechos do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se meridianamente evidente que a Requerente expressamente cingiu o objecto deste processo à apreciação da pretensão de declaração de ilegalidade das 1.ª e 2.ª prestações do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS), no valor total de € 11 554,68, respeitante ao ano de 2014 e ao referenciado prédio urbano.
Na verdade, ao enunciar o objecto do processo e depois ao desenvolver a respectiva causa de pedir, a Requerente não alude nunca à liquidação (total) do Imposto do Selo, feita ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, respeitante ao ano de 2014 e ao referenciado prédio urbano (apenas menciona as 1.ª e 2.ª prestações), nem faz qualquer menção ao valor total da respectiva colecta de imposto (apenas menciona o valor das 1.ª e 2.ª prestações)"
—“Assim, não existem tantas liquidações quantas as prestações em que a colecta de imposto deva ser paga (contrariamente ao entendimento evidenciado pela Requerente ao apelidar de “documentos de liquidação” cada uma das indicadas notas de cobrança de Imposto do selo que lhe foram notificadas), pois a divisão de uma liquidação em prestações não passa de uma mera técnica de arrecadação de receitas. Como é referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 205/2013-T (disponível em www.caad.org.pt/tributario/decisoes), “da circunstância do valor da liquidação [de Imposto do Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações (…) tratando-se, de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações”.
— Conclui a Requerida que o motivo processual pelo qual se determinou a absolvição da instância na acção arbitral, é imputável à Requerente a título de culpa, pelo que não se lhe poderá aplicar o regime previsto no artigo 24.º, n.º 3 do RJAT, e consequente intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
POR IMPUGNAÇÃO
Alegou ainda a Requerida:
— O art. 44.º, n.º 5, do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, dispõe que, havendo lugar à liquidação, o imposto a que se refere a verba 28 da TGIS é pago, nos prazos, termos e condições definidos no art. 120.º, do CIMI, em três prestações;
— O que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária;
— O conceito de prédio encontra-se definido no art. 2.º, n.º 1, do CIMI, estando estatuído no seu n.º 4 que no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio;
— Decorre da análise do preceito normativo que um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente” é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios;
— O artigo 12.º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, sendo que o seu n.º 3 respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais;
— Quanto à liquidação de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VTP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o valor global do prédio;
— Em cumprimento do disposto no art. 119.º, n.º 1, do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da coleta;
— E estando correta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos juros indemnizatórios, desde logo por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a atuar, como deviam, no estrito cumprimento das normas legais;
— Desde logo, a Requerente coloca em causa o valor patrimonial tributário do prédio, pelo facto de o mesmo se caracterizar por ser prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e como tal não possuírem valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00;
— A Requerente entende que não existe qualquer norma que estipule que o VPT de um prédio composto por vários andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, corresponda à soma das respectivas partes, defendendo que as liquidações de Imposto do selo enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
— Muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba 28.1 da TGIS, seja efectuada de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações, a saber aqueles em que, como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (muito embora o IMI seja liquidado relativamente a casa parte susceptível de utilização independente) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme n.º 4 do art. 2.º do CIMI;
— O que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1, os prédios enquanto uma única realidade jurídica-tributária;
— A sujeição ao imposto do selo da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, resulta da conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
— Da caderneta predial consta que o prédio se encontra em propriedade total, composto por várias partes susceptíveis de utilização independente;
— Sendo esta a informação matricial, de acordo com o art. 23.º, n.º 7, do CIS, as liquidações de imposto do selo reportadas ao ano de 2014, foram efectuadas, pela administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário (31/12/2014), aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI;
— De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113.º, n.º 1, a liquidação efetua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2014);
— Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possui fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do art. 2.º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo. 39.º;
— Assim, o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito deve ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos;
— Acresce ainda que a Requerente entende que estamos perante a violação do princípio constitucional da igualdade tributária;
—Importa ainda salientar que a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado;
— Na verdade, a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes;
— Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável;
— Não é esta a situação, porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00;
— Tudo o que agora se defende em sede arbitral já foi objecto de informação vinculativa por parte da AT, com despacho de concordância de 11/02/2013 do substituto legal do Diretor Geral da Autoridade Tributária, que se junta, e da qual consta como conclusão: “Deste modo, se o edifício for constituído em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente (propriedade dita total), integra o conceito jurídico tributário de “prédio”, ou seja, uma única unidade, e o valor patrimonial tributário do mesmo é determinado pela soma das partes com afetação habitacional, e sendo este igual ou superior a € 1 000 000,00, há sujeição ao imposto de Selo da verba 28 da Tabela Geral anexa ao CIS.”;
— Donde se conclui, necessariamente, que os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, pelo que devem ser mantidos.
Do pedido de juros indemnizatórios;
— A Requerente invoca ainda o direito a juros indemnizatórios, em virtude de ter optado por efectuar os pagamentos dos documentos de cobrança respeitante à liquidação em apreço, apesar de os considerar indevidos, pelo que, em caso de precedência do presente pedido de pronúncia arbitral, entende serem-lhe devidos tais juros desde a data do pagamento até à restituição, calculados à taxa legalmente estipulada no artigo 43.º da LGT;
— O artigo 43.º, sob a epígrafe “pagamento indevido da prestação tributária”, tem como pressuposto a intenção de compensar o sujeito passivo pela privação da quantia que pagou indevidamente;
— O mesmo determina no seu n.º 1 que são “…devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”;
— Tais juros enquadram-se na teoria da responsabilidade civil extracontratual, com fundamento constitucional no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, que reconhece aos cidadãos o direito de serem indemnizados pelo Estado e as demais entidades públicas por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício pelos seus órgãos, funcionários e agentes, que lhes causem prejuízos;
— Sendo que, o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;
— Atendendo a que a liquidação foi efectuada com base na lei aplicável, à qual a Administração está vinculada, visando a Administração Tributária, nos termos do artigo 55.º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266.º n.º 1 e 2 da CRP, “… a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e estando os seus “… órgãos e agentes administrativos … subordinados à Constituição e à lei …” e devendo ”actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”;
— Estando assim, a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico e também por força do disposto no artigo 55.º da LGT;
— O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, derivado da anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária;
— O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais;
— Uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT;
RESPOSTA DA REQUERENTE À EXCEPÇÃO
Na resposta à excepção invocada pela Requerida, alega a Requerente o seguinte:
- A situação em apreciação nestes autos resume-se, essencialmente, ao facto de apurar sobre se a decisão de mérito proferida foi ou não imputável ao sujeito passivo;
-Como diz e bem, Carla Castelo Trindade no seu “Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária”, pág. 464 “A concretização do que entender por “imputável ao sujeito passivo” revela-se, porém, dificil”.
E continua a ilustre jurista,
-“No limite, poder-se-ia afirmar que a ocorrência de qualquer excepção dilatória seria imputável ao sujeito passivo na medida em que foi ele que não configurou correctamente a competência do Tribunal, a legalidade da coligação ou da cumulação, a não verificação da litispendência ou caso julgado, etc. Julga-se, porém, que caberá ao Tribunal Arbitral aferir a desculpabilidade desse “erro” do sujeito passivo. Dito de outro modo, e tomando por referência os casos de incompetância do Tribunal Arbitral, há questões de tal maneira dúbias que determinam na Doutrina e na própria jurisprudência posições contraditórias que, caso seja procedente uma excepção de incompetência, o não conhecimento do mérito poderá não ser imputável ao sujeito passivo”.
-Atente-se a que o pedido era formulado relativamente às doze liquidações referentes aos tantos andares ou divisões com utilização independente de que é constituído o prédio dos autos;
-Daí que o pedido final é de que se declare a nulidade dos actos tributários que constituem o seu objecto, relativos à liquidação de Imposto de Selo sobre a verba 28.1 da Tabela Geral para o ano de 2014, da 1.ª e 2.ª prestação já liquidadas;
-Invoca a AT em sua defesa o Acórdão do TRP de 9/12/14 e o seu sumário (II e III);
-Contudo, no ponto III refere-se expressamente que o conceito de culpa na origem da decisão de absolvição da instância deve, porém ser interpretado de forma razoável , de forma a afastar os casos em que nenhuma culpa pode ser imputada à parte, designadamente porque a falta do pressuposto processual que ditou essa absolvição da instância decorre da dúvida fundada e razoável sobre a interpretação da lei e não de erro indesculpável da parte que injustificadamente iniciou uma acção que bem sabia – ou devia saber – que era inviável, em termos da virtualidade para nela se obter uma decisão de mérito;
-Ora, no caso dos autos nada disto ocorreu já que, além do pedido formulado ser perfeitamente entendível, também o facto de um anterior processo (o tal processo n.º 518/2014-T) ter sido julgado o pedido procedente favoravelmente à Requerente com a mesma precisa formulação a convenceu de que o modo como o pedido foi formulado permitia interpretá-lo no sentido que era o pretendido pela Requerente.
-Decorre, pois, desse antecedente que nada conduziria a Requerente à ideia de que neste anterior processo ocorreria o reconhecimento por parte deste Tribunal Arbitral da existência da excepção de incompetência absoluta desse Tribunal, prejudicando o conhecimento do mérito da causa;
-Sendo que, em todo o caso, se entendesse que a formulação do pedido não resultava clara, sempre poderia o M.º Juiz Árbitro, usando da faculdade que a lei lhe reconhece, notificar a Requerente para, nessa parte, proceder ao aperfeiçoamento do seu pedido constante do requerimento inicial;
-Resulta, pois, de todo o exposto que o motivo processual pelo qual naquele processo 470/2015-T se determinou a absolvição da instância não é imputável à Requerente a título de culpa, pelo que haverá que aplicar-se-lhe o regime previsto no n.º 3 do art.º 24.º, do RJAT.
G. – QUESTÕES A DECIDIR
Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:
1 – Excepção invocada pela Requerida de extemporaneidade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, por inaplicabilidade do art. 24.º, n.º 3, do RJAT;
2 – Quanto ao mérito:
2.1 – Declaração de nulidade dos actos tributários que constituem o objecto do processo relativos à liquidação do Imposto de Selo sobre a verba 28.1 da Tabela Geral para o ano de 2014 ou, caso assim se não entenda, anulação desses actos tributários;
2.2 – Juros – Existência, ou não, do direito a juros, ao abrigo do art. 43.º da LGT, no caso de serem anuladas as liquidações e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga à taxa legal e até efectiva restituição;
3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.
H. – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é materialmente competente, de acordo com o disposto na alínea a), do n.º 1, do art. 2.º, do RJAT (Decreto – Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março.
Considerada a identidade do facto tributado, do Tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o Tribunal admite a cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos actos tributários que são objecto deste processo, uma vez que estão cumpridos os requisitos estabelecidos no art. 3.º, n.º 1, do RJAT.
4. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.
I. – MATÉRIA DE FACTO
I. 1 – FACTOS PROVADOS
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:
1. A Requerente é, por morte de única irmã D…, ocorrida em 25/02/15, a actual cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito da mãe de ambas, C…, como consta quer da escritura de habilitação de herdeiros cuja cópia se anexa e se dá por reproduzida como doc. 3.
2. A herança indivisa supra referida integra o prédio urbano sito na Av…, n.º…, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia das…, sob o art.º matricial…, conforme consta da respectiva caderneta predial.
3. O referido prédio urbano constitui um “prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente”, com o valor patrimonial total de € 1.799.126,98, sendo composto por 14 divisões com utilização independente, nomeadamente:
— arrecadação, com afectação a serviços;
— C/V, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 51.301,52;
—IND, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 52.969,96;
— L 104B, com afectação a comércio;
— R/C Dto, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 149.728,11;
— R/C ESQ, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 122.204,41;
— 1.º Dto, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 175.927,84;
— 1.º ESQ, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 163.312,36;
— 2.º Dto, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 175.927,84;
— 2.º ESQ, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 163.312,36;
— 3.º Dto, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 175.927,84;
— 3.º ESQ, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 163.312,36;
— 4.º Dto, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 175.927,84;
— 4.º ESQ, com afectação a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 163.312,36, tudo conforme consta da caderneta predial.
4. Com referência ao período tributário de 2014, foram emitidas, em 20 de Março de 2015, as liquidações de Imposto do Selo objecto das notas de cobrança respeitantes à 1.ª prestação, no montante total de € 5.777,34, relativamente às doze divisões susceptíveis de utilização independente destinadas a habitação acima identificadas em 3., tendo por base o total do valor patrimonial dos doze andares com afectação habitacional, correspondente a € 1.733.164,80, mediante a aplicação da taxa de 1% estabelecida pela verba 28.1 da TGIS ao valor patrimonial tributário de cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente.
5. Posteriormente, a Requerente foi notificada das notas de cobrança relativas à 2.ª prestação, no montante total de € 5.777,15.
6. E ainda das notas de cobrança relativas à 3.ª prestação, no montante total de € 5.777,15.
7. Em todas as notas de cobrança acima indicadas consta a menção: “Valor Patrimonial do prédio - total sujeito a imposto: 1.733.164,80”.
8. A Requerente procedeu em 28/04/2015 ao pagamento da 1.ª prestação do imposto resultante das liquidações objecto das notas de cobrança identificadas no n. º 4, no montante total de € 5.777,34.
9. A Requerente procedeu em 14/07/2015 ao pagamento da 2.ª prestação do imposto resultante das liquidações objecto das indicadas notas de cobrança identificadas no n. º 5, no montante total de € 5.777,15.
10. A Requerente procedeu em ao pagamento da 3.ª prestação do imposto resultante das liquidações objecto das indicadas notas de cobrança identificadas no n. º 6, no montante total de € 5.777,15.
11. Resulta, assim, que o montante total pago pela Requerente à Requerida, a este título, é de 17.331,64 euros.
I. 2 – FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles, e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada.
I. 3 – FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões a
decidir.
J. – MATÉRIA DE DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.
Quanto à excepção aduzida pela Requerida
A argumentação da decisão arbitral que absolveu a Requerida da instância no Processo n.º 470/2015 T, considerou que a Requerente não impugnou o acto tributário de liquidação, mas sim o pagamento de uma prestação de um acto de liquidação constante de uma nota de cobrança, o que não cabe na competência dos Tribunais Arbitrais.
A decisão em causa invocou o princípio da indivisibilidade da liquidação, dizendo existir apenas uma liquidação anual (art.ºs 113.º, n.º 2, e 120.º, n.º 1, do Código do IMI), e que a divisão em prestações corresponde a uma técnica de arrecadação de receitas.
Não se questionando o princípio supra enunciado, discorda-se da consequência que lhe foi associada — a absolvição da Requerida da instância.
Com efeito, aos articulados, como actos jurídicos que são, aplicam-se as regras de interpretação do negócio jurídico (cfr. art.ºs 236.º e ss., ex vi art.º 295.º, todos do Código Civil).
Analisando o articulado apresentado pela Requerente naquele processo em que foi decretada a absolvição da Requerida da instância, verifica-se que, não existindo a figura da “declaração de ilegalidade e anulação dos documentos de liquidação”, a pretensão da Requerente reconduzia-se, em última análise, à declaração de ilegalidade do acto de liquidação do imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A argumentação deduzida pela Requerente é típica dos processos de declaração de ilegalidade do acto de liquidação do imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo nos casos de prédios em propriedade vertical, em que alguns fogos se destinam à habitação, nenhum deles atingindo o valor de € 1.000.000,00.
A Requerente questionava a “liquidação” das 1.ª e 2.ª prestações já pagas, e das que viessem a ser “liquidadas”, resultando claro que pretendia pôr em causa a liquidação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo que deu origem à emissão dos “documentos de liquidação” impugnados naquele processo.
Apesar de o pedido não ter sido exemplarmente formulado, foi-o em termos suficientemente claros para permitir a apreciação de mérito.
Só assim se salvaguarda o princípio constitucional do acesso ao direito e se cumpre o desiderato da prevalência do mérito sobre a forma que tem sido reiteradamente afirmado pelo legislador.
No limite, caso houvesse dúvidas sobre o alcance do pedido, deveria ter sido proferido um despacho de aperfeiçoamento, na lógica do princípio do máximo aproveitamento dos actos.
Como se lê no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16-12-2015, Processo:01508/14, Relator FRANCISCO ROTHES,
II - Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.
Embora reportado a uma questão diversa da versada nestes autos, os princípios ali defendidos logram aplicação no caso vertente, obtendo a nossa total adesão.
Assim, segundo o referido Acórdão,
«… a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem usado um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica (Vide, entre muitos outros e para além dos citados pelo Recorrente, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 1803/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 490 a 495, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dfd44cc00100a3f480257c7b005c72ed;
- de 28 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1086/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2061 a 2067, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1db08870f2199f46
80257cec005730b7;
- de 4 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1271/13, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/14092ff76574164c80257e0000438409.).
Ou seja, de acordo com o entendimento que tem vindo a ser adoptado por este Supremo Tribunal Administrativo, na interpretação do pedido não deve o juiz ficar-se pela redacção que lhe foi dada; há que ir um pouco mais longe, não olvidando que nesta tarefa hermenêutica não podem ignorar-se as concretas causas de pedir invocadas, na medida em que permitam descortinar a verdadeira pretensão de tutela jurídica, ainda que com recurso à figura do pedido implícito (Dando conta desta posição e subscrevendo-a, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, últimos três parágrafo da anotação 10 d) ao art. 98.º, pág. 92.).
Na verdade, a nossa lei processual procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão na lei adjectiva, que procura afastar o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cfr. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».).
Note-se que, na interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do Código Civil («Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente».) (CC), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC («A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».), o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado (Por outro lado, vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – denominado do mínimo de correspondência verbal –, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238.º, n.º 1 do CC).), para além de que não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão (Neste sentido, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 2010 a 2012, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071eab7780257b7f0054b163;
- de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 32/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32210.pdf), págs. 2 a 9, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05f925c2f9dbfb7e80257c62005ae50a.).
Tendo presente esta doutrina de “interpretação flexível do pedido”, o pedido formulado – de extinção da execução – pode interpretar-se como contendo um pedido implícito no sentido da anulação dos actos tributários (liquidações de IVA) que deram origem às dívidas exequendas, pois é com base na ilegalidade destes actos, designadamente por erro nos pressupostos de facto, designadamente quanto à incidência subjectiva do imposto, que o Oponente sustenta que não deve o IVA em causa.».
Por todo o exposto, importa concluir que a absolvição da Requerida da instância não se pode imputar a culpa da Requerente, aproveitando-lhe, por isso, o regime estabelecido no art.º 24.º, n.º 3, do Regime Jurídico de Arbitragem em matéria Tributária, que dispõe:
Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.
Embora se desconheça a data da notificação da decisão de absolvição da instância, estando a mesma datada de 27/01/2016, quando foi formulado o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em 05/04/2016, ainda não estavam esgotados os 90 dias previstos no art.º 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
Improcede, por isso, a alegada excepção da intempestividade.
Quanto à questão de mérito
A questão em apreço que respeita, em resumo, à aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo aos casos da chamada “propriedade vertical”, já foi apreciada bastas vezes por este CAAD, tendo sido tiradas decisões arbitrais proferidas sobre a mesma no sentido da sua inaplicabilidade, naqueles casos em que nenhum dos andares, ou divisões com utilização independente, embora com afectação habitacional, tenha um valor patrimonial igual, ou superior a um milhão de euros, citando-se, a título de exemplo, as decisões proferidas nos processos n.ºs 206/2016-T, 272/2013-T, 30/2014-T, 26/2014-T e 518/2014-T.
No caso da decisão arbitral proferida em 20/02/2015 no processo que indicámos em último lugar, o n.º 518/2014-T, ocorre que a mesma apreciou a situação relativa ao imóvel objecto destes autos, relativamente ao ano de 2013.
Ora, no processo sub judice, o imóvel é o mesmo, com a diferença das liquidações respeitarem agora ao ano de 2014, colocando-se, portanto, questão substantivamente idêntica à já apreciada e decidida por este CAAD.
Assim sendo, e revendo-nos na fundamentação da decisão tomada no processo n.º 518/2014-T, sempre se dirá o seguinte:
O art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, que tem o seguinte teor:
“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território, ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministério das Finanças – 7,5%.”
Convém ter presente, que esta Lei também aditou ao Código do Imposto do Selo o art. 67.º, n.º 2, que dispõe expressamente que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI”.
Relativamente à questão sobre que cabe decidir e que respeita à determinação do valor relevante para a incidência do Imposto do Selo sobre um prédio em propriedade vertical, a interpretação utilizada pela Requerida de considerar como um todo as partes autónomas para habitação, com utilização independente, quando o valor somado destas ultrapassa € 1.000.000,00, não tem suporte legal e não merece ser acolhida.
Com efeito, sendo por força da Lei n.º 55-A/22 as matérias não reguladas no Código do Imposto do Selo, disciplinadas pelas normas do CIMI, nos termos do seu art. 67.º, n.º 2, forçoso é concluir que o critério legal para definir a incidência do novo imposto deverá ser o mesmo do CIMI.
Ora, o cotejo das normas do CIMI leva-nos a considerar que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, quando constituídas por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, obedece às mesmas regras dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI liquidado relativamente a cada uma das partes.
Designadamente, o art. 12, n.º 3, do CIMI, estabelece que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário”
Assim sendo, é também este o critério legal para definir a incidência do novo imposto de selo, pelo que só haverá lugar a essa incidência se no prédio em propriedade vertical alguma das partes, andares, ou divisões com utilização independente apresente um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 e relativamente a essa.
Acresce que o segmento final da verba 28 da TGIS expressamente estabelece que é o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, que será considerado para aplicação da verba 28; isto é, para a incidência do imposto do selo.
Assim sendo, e sem mais delongas, mostrando-se provado que o imóvel objecto dos autos se encontra em propriedade vertical e que nenhum dos andares destinados à habitação tem um valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela inexistência de pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Deste modo, por as liquidações em apreciação terem sido fundadas na consideração que o valor de referência para aplicação da verba 28 da TGIS é o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, padecem as mesmas de vício de violação da lei, por erro sobre os pressupostos de direito, quanto ao disposto na verba 28 da TGIS, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação, nos termos do art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo.
Nestes termos, e com a fundamentação que se deixa expressa, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação dos actos de liquidação impugnados.
Quanto aos juros indemnizatórios
Esta matéria está regulada no art. 24.º do RJAT, o qual expressamente determina no seu n.º 1, alínea b) que a decisão arbitral obriga a Administração Tributária, nos casos aí consignados, a “Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, e preceitua, ainda, no seu n.º 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
Também o art. 100.º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.
Por seu lado, o art. 43.º, n.º 1, da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, coloca-se a questão de saber se, face ao teor do disposto na verba 28 da LGIS, pode-se considerar ter havido, ou não, um erro imputável aos serviços na situação vertente.
Ora, conforme se referiu anteriormente, as liquidações em apreço são ilegais por estarem inquinadas de erro nos pressupostos de direito, em consequência de resultarem de uma incorrecta interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS.
Assim, dúvidas não há que está preenchido o requisito estabelecido no art. 43.º, n.º 1, da LGT, ou seja, a ilegalidade das liquidações resultou de um erro cometido pelos serviços tributários, condição para serem exigíveis juros indemnizatórios.
Tem assim a Requerente direito não só ao reembolso das prestações pagas, mas também a receber juros indemnizatórios, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT, 100.º e 43.º, n.º 1, ambos da LGT, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT.
Quanto à responsabilidade pelas custas arbitrais
A lei é taxativa na imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas à parte que for condenada, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2, do art. 527.º do Código do Processo Civil, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
Assim sendo, a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais é da Requerida.
L. – DECISÃO
Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
1) - Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;
2) - Julgar procedente, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, e, em consequência
3) - Anular os actos tributários de liquidação correspondentes;
4) - Reconhecer o direito ao reembolso do montante que lhes respeita;
5) - Julgar procedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, desde as datas dos pagamentos das respectivas prestações até à data do seu integral reembolso, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT;
6) - Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Valor do processo: Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC (ex vi 315.º, n.º 2) e 97.º - A, n.º 1, do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 17.331,64.
Custas: De harmonia com o n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Outubro de 2016
O Árbitro
José Nunes Barata
(Redacção pela ortografia antiga)