Decisão Arbitral
Os árbitros Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-05-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SGPS, S. A., NIPC …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral nos termos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante apenas designado por RJAT).
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos actos de autoliquidação relativos aos exercícios de 2010 e 2011 e a consequente redução dos prejuízos fiscais de 2010 e 2011, dada a não dedução fiscal das despesas sujeitas a tributação autónoma e ordenada a restituição do montante de tributação autónoma pago no montante global de € 1.595.494,53 em 2010 e 2011, quantia essa acrescida, se for o caso, de juros indemnizatórios à taxa legal, com as devidas consequências legais.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 15-03-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 10-05-2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 25-05-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 04-07-2016 foi decidido dispensar a reunião e que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas excepções, pelo que inexiste qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente A… entregou, nos dias 31 de Maio de 2011 e 2012, as suas declarações agregadas de IRC Modelo 22 referente aos exercícios de 2010 e 2011, respectivamente, tendo, nesses momentos, procedido à autoliquidação do referido imposto, incluindo tributações autónomas (documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
b) O valor do IRC, incluindo tributação autónoma, e da derrama consequente, autoliquidados, nos valores de € 90.979,65 e € 1.113.170,94, respectivamente, encontram-se pagos (documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):
c) Com respeito ao exercício de 2010, a requerente autoliquidou tributações autónomas no montante total de € 100.375,10, conforme campo 365 do quadro 10 da declaração modelo 22 e conforme discriminação das mesmas que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
d) O montante das tributações autónomas, subtraído da tributação autónoma sobre despesas não documentadas (que não é objecto da presente acção arbitral, como não o foi do pedido de revisão oficiosa), ascende a € 77.654,95 (€ 100.375,10 - € 22.720,15);
e) Relativamente ao exercício de 2011, a Requerente autoliquidou tributações autónomas no montante total de € 1.906.358,08, conforme campo 365 do quadro 10 da declaração modelo 22 e conforme discriminação das mesmas que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
f) Ainda com respeito ao exercício de 2011 a tributação autónoma sobre remunerações variáveis de administradores, gerentes e gestores [artigo 88.º, n.º 13 e 14 do Código do IRC), inicialmente no valor de € 1.688.959,80 (€ 3.753.244,00 x 45%), foi entretanto anulada pela AT no que respeita ao montante resultante do agravamento em 10 pontos percentuais da respectiva taxa, previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC [taxa inicial de 45% passou para 35%), pelas razões que constam do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
g) Pelo que esta parte da tributação autónoma autoliquidada por referência ao exercício de 2011 sobre remunerações variáveis, baixou em € 375.324,40 para € 1.313.635,40 (€ 1.688.959,80 - € 375.324,40), e o total das tributações autónomas do mesmo exercício de 2011 reduziu-se consequentemente também, para € 1.531.033,68 [€ 1.906.358,08 - € 375.324,40);
h) Este montante, subtraído da tributação autónoma sobre despesas não documentadas (que não é objecto da presente acção arbitral, como não o foi do pedido de revisão oficiosa), ascende a € 1.517.839,58 (€ 1.531.033,68 - € 13.194,10);
i) A Requerente procedeu nos termos gerais à dedução em sede de apuramento do lucro tributável em IRC das despesas, gastos e encargos sobre as quais incidiram as referidas tributações autónomas autoliquidadas quer com respeito ao exercício de 2010 quer com respeito ao exercício de 2011, com excepção das despesas não documentadas, documentos n.º 6 e 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral;
j) Relativamente às tributações autónomas do exercício de 2011, os encargos com remunerações variáveis a administradores, gerentes ou gestores, no montante de € 3.753.244,00, foram, quanto a € 1.731.551,00, deduzidos para efeitos fiscais na declaração modelo 22 do exercício de 2010, uma vez que muito embora as remunerações só tenham sido pagas e sujeitas a tributação autónoma em 2011, diziam respeito ao desempenho em 2010 e na parte remanescente, quanto a € 2.021.693 (€ 3.753.244,00 - € 1.731.551,00), foram deduzidos para efeitos fiscais na declaração modelo 22 do exercício de 2011;
k) A Requerente tomou conhecimento da decisão arbitral proferida em 24-04-2015, no processo n.º 659/2014-T, em que foi Requerente (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
l) A Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu decisões com a fundamentação que consta dos projectos de decisão juntos com o pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 10 e 11, cujos teores se dão como reproduzidos;
m) Em 26-05-2015, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das autoliquidações relativas aos anos de 2010 e 2011 (documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
n) O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho da Senhora Subdirectora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 03-12-2015 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) que se baseou numa informação em que, além do mais, se refere:
2.4-DOS EFEITOS
No caso em apreço, a matéria de facto e de direito em causa prende-se com a seguinte questão:
- Não haverá lugar a tributação autónoma em caso de não dedução dos encargos e gastos que constituem a base de incidência dessa tributação autónoma[1] para efeitos de apuramento do resultado tributável de IRC?
Tendo em vista a resposta a esta questão devemos ter bem presente, além da forma como se processa a liquidação do IRC, a natureza e génese das tributações autónomas.
Ora o legislador no CIRC estabelece na al. a) do art.º 89º do CIRC, que a competência para liquidação do IRC é do próprio sujeito passivo, cabendo a este determinar a matéria coletável e proceder à autoliquidação na declaração periódica de rendimentos a que se referem os artigos 120º e/ou 122º do mesmo diploma. No caso das entidades residentes em território nacional (pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português) o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos incluindo os obtidos fora do território nacional.
No caso em apreço, o apuramento da matéria coletável do grupo de sociedades foi efetuado pela ora recorrente, por opção, enquanto sociedade dominante na declaração de rendimentos referente ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, e corresponde ao lucro tributável do grupo, resultante da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo nos termos do n.º 1 do art.º 70.º do CIRC, corrigido dos lucros distribuídos entre sociedades do grupo que se encontrem incluídos nas bases tributáveis individuais (n.º 2 do mesmo art.º 70 º), líquido dos prejuízos fiscais dedutíveis conforme artigo 52.º e art.º 71.º ambos do CIRC e dos benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções àquele lucro.
A determinação do resultado tributável individual de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, pelo regime geral, é realizada seguindo o disposto pelo artigo 17º e seguintes do CIRC e tem como ponto de partida o resultado líquido do exercício apurado pelo sujeito passivo de acordo com os princípios contabilísticos. A este valor serão acrescidas ou deduzidas as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado sendo aquelas parcelas eventualmente corrigidas nos termos do CIRC que acolhe o princípio constitucionalmente consagrado no art.º 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que se consubstancia, no caso das empresas, na tributação do rendimento real efetivo.
Diz-nos o artigo 17º do CIRC nos seus nºs 1 e 3 que:
"1. O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste código.
3, De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste código:
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes."
Contabilisticamente, a partir de 2010, entrou em vigor do novo modelo contabilístico nacional que sucedeu ao POC - o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), publicado através Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, que revogou o POC e a legislação complementar, bem como as Diretrizes contabilísticas n.ºs 1 a 29, e que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2010.
Ora, a contabilidade enquanto sistema de informação em que através das demonstrações financeiras é dada uma imagem fiel da empresa, do seu património, situação financeira e resultados para a tomada de decisões dos seus órgãos e dos destinatários desta em geral (investidores, financiadores, trabalhadores, fornecedores e outros credores, Administração Pública, público em geral...) deve fazer refletir, no apuramento do resultado líquido do período, o resultado das diversas operações em que a empresa se envolveu nomeadamente e entre muitas outras, as relativas à assunção de gastos e encargos que, atendendo à sua substância, foram contabilisticamente classificados como, por exemplo, despesas não documentadas, despesas de representação, encargos com viaturas (depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização), despesas com ajudas de custo e com compensações pela deslocação de trabalhadores em viatura própria, gastos ou encargos relativos a indemnizações e quaisquer compensações devidas a gestor, administrador ou gerente, entre muitos outros.
Conforme o previsto no referido art.º 17.º do CIRC, o resultado líquido apurado individualmente de acordo com a normalização contabilística em vigor é o ponto de partida para o apuramento do resultado tributável de cada uma das sociedades do grupo, consequência da adopção em Portugal do regime da dependência parcial do resultado fiscal face ao resultado contabilístico.
Ora, a desconsideração de gastos e encargos que afetaram o resultado líquido do sujeito passivo para efeitos de apuramento do resultado tributável está cuidadosamente circunscrita ao previsto no Código do IRC. Este determina todos os elementos necessários à tributação, e uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estreitamente vinculada, estando vedada tanto à administração como aos sujeitos passivos introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação concreta sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade da tributação (por sua vez, emanação do principio da segurança jurídica).
Assim, e contrariamente ao requerido pela requerente e ao que parece ressaltar do teor das decisões arbitrais aludidas, com o devido respeito, consideramos que, a partir do momento em que os sujeitos passivos optam, sendo de facto uma opção de gestão, por suportar aquela tipologia de despesas, gastos e encargos enumerados no art.º 88.º do CIRC, procedimento que o legislador, ao criar a tributação autónoma, visou desencorajar porquanto encerram um elevado potencial anti-social traduzido em práticas de alguma forma evasivas, abusivas e camufladas tendo em vista evitar a tributação nas mais diversas vertentes (quer em sede de impostos sobre o rendimento e ou contribuições para o sistema de segurança social ou outro imposto), propiciadoras em última análise de censuráveis mecanismos de fraude e evasão fiscal, não existe sustentáculo legal para um afastamento desses gastos e encargos comprovadamente suportados para efeitos de apuramento resultado líquido e consequentemente para o apuramento do resultado tributável do período de tributação em que foram suportados.
Sob pena de, além de estarmos perante a produção de informação financeira não fiável decorrente da grave violação de uma das caraterísticas qualitativas que a informação financeira deve apresentar - a fiabilidade e mais concretamente a plenitude, pois a omissão daqueles gastos ao resultado líquido traduzir-se-á em informação financeira enganadora, também se frustrarem os objetivos do legislador ao criar a tributação autónoma.
Tal conclusão prende-se ainda com a própria natureza da tributação autónoma. É entendimento destes serviços que as tributações autónomas integram o regime do IRC e são devidas a título deste imposto. Pois, e conforme refere o acórdão de 24 de fevereiro de 2014 (Proc. n.º 209/2013 - T) do CAAD referido pela requerente e ainda não transitado em julgado, «(...) embora aceitando-se como materialmente distinta, no sentido estatuído pelo TC, quanto à forma de imposição fiscal (sendo uma através de um facto instantâneo e outra através de um facto continuado), a tributação quer em sede das tributações autónomas que ora nos ocupam, quer em sede de IRC tout court, ocorram no âmbito e a título de IRC, do mesmo modo que, por exemplo, as tributações autónomas em sede de IRS (e as próprias taxas liberatórias que, salvo melhor opinião, integrarão elas próprias uma espécie de tributação autónoma), apesar de poderem ter por base factos instantâneos, são liquidadas e pagas a título de IRS.
Entende-se, assim, em suma, que uma coisa é o tipo de facto tributário que está na base de determinada imposição. Outra coisa é o título a que tal imposição é devida, no fundo, a obrigação de imposto. E no caso das tributações autónomas em sede de IRC, essa causa, o título a que o imposto é exigido, será, ainda, o IRC.
Neste sentido, dever-se-á atentar, desde logo, que o regime legal das tribulações autónomas em questão apenas faz sentido no contexto da tributação em sede de IRC. Ou seja, desligado do regime legal deste imposto, carecerão aquelas, por completo, de sentido. A sua existência, o seu propósito, a sua explicação, no fundo, a sua juridicidade, apenas é compreensível e aceitável no quadro do regime legal do IRC.
De facto (...),as tributações autónomas ora em análise pertencem, sistematicamente ao IRC, e não ao IVA (como se viu), ao IS, ou a um qualquer novo imposto.
É que, embora se possa aceitar que o facto tributário impositivo é cada uma das singulares despesas legalmente tipificadas, o certo é que não são estas, qua tale, o objecto final da tributação, a realidade que se pretende agravar com o imposto. Se assim fosse, seriam, obviamente taxadas, todas as despesas realizadas por todos os sujeitos, e não apenas por alguns deles. Ou seja, as tributações autónomas do género que ora nos ocupam estão fortemente ligadas aos sujeitos do imposto sobre o rendimento respectivo, e, mais especificamente, à atividade económica por eles levada a cabo.»
Não obstante se puder considerar que as tributações autónomas revestem a mesma natureza do IRC, torna-se essencial ter presente o espírito que as determinou sendo imprescindível avaliar a intenção do legislador, expressa no texto legislativo, compreendido como um todo.
Ora, a tributação autónoma, conforme conclui a doutrina dominante e a Jurisprudência, foi criada pelo legislador com o objetivo, por um lado, de incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que concorrem negativamente, para a formação do lucro tributável e como tal afetam negativamente a receita fiscal, e por outro, evitar que, através destas despesas as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, que não seriam assim tributados, bem como combater a fraude e a evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRC ou IRS, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social (não raras vezes, tais despesas mais não são também do que pagamento de salários dissimuladas).
Fazemos notar que a redução das despesas, gastos e encargos sujeitas a tributação autónoma visada pelo legislador com a sua criação implica obviamente que estes gastos sequer sejam suportados a priori pelos sujeitos passivos. O sujeito passivo exerce a sua opção: não incorre nas despesas tipificadas no art.º 88.º do CIRC obviando a liquidação da tributação autónoma legalmente fixada ou suporta essas despesas e a consequente tributação autónoma atendendo a que já ocorreu o comportamento mais ou menos censurável que o legislador pretendeu desencorajar. Cada ato de despesa suportado pelos sujeitos passivos que está sujeito a tributação autónoma conforma um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não matéria tributável em sede de IRC no final do período tributário respetivo. De notar que a taxa da tributação autónoma a aplicar pode variar, não só em função da natureza da despesa incorrida a que se aplica (e.g. despesas não documentadas, ajudas de custo não faturadas a clientes, encargos com viaturas ligeiras de passageiros), como do tipo de sujeito passivo (e.g. entidade sem fins lucrativos, entidades isentas, entidade que desenvolva a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola) que a suportou bem como do próprio desempenho fiscal do sujeito passivo de IRC, ao assumirem percentagens diferentes quando se apura lucro ou prejuízo fiscal.
Ou seja, facilmente se conclui que a razão de ser, por assim dizer, da tributação autónoma não está tão só no simples arrecadar de mais imposto, tem antes um carácter anti-abuso fortemente vincado, no sentido de desincentivar o recurso ao tipo de despesas e encargos específicos que tributa, as quais, pela sua natureza nomeadamente despesas suportadas que se situam numa zona cinzenta que separa aquilo que é despesa empresarial (produção) daquilo que é despesa privada (consumo) facilmente desviadas para consumo privado, ou seja de empresarialidade à partida não evidente, são propiciadoras de pagamento de rendimentos camuflados, e em última análise, até, permitir reaver algum do imposto que deixou de ser pago pelo beneficiário dos rendimentos, transferindo a responsabilidade tributária deste para a esfera de quem paga esse rendimento. Tal como todas as normas anti abuso, a tributação autónoma deve a sua existência aos comportamentos evasivos e fraudatórios dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reação adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas (cfr.art.103, nº.1, da CRP)
No caso em apreço, as tributações autónomas autoliquidadas pela requerente incidiram sobre gastos incorridos pelas sociedades pertencentes ao grupo e fiscalmente dedutíveis nos termos da legislação fiscal aplicável.
Como referimos anteriormente, além de não existir suporte legal para que os gastos em causa, que afetaram negativamente os resultados contabilísticos individuais das sociedades pertencentes ao grupo relativos aos períodos de tributação de 2010 e 2011 e cujas contas se encontram encerradas, aprovadas e depositadas, sejam agora desconsiderados tanto para efeitos contabilísticos como para efeitos de apuramento do resultado fiscal destas sociedades e consequentemente do resultado tributável do grupo, também não se vislumbra argumentação capaz de suportar, técnica e legalmente, tal desconsideração.
III - CONCLUSÃO E PROPOSTA DE DECISÃO
Em face do exposto, o presente pedido de revisão oficiosa do ato tributário com base em erro na autoliquidação, deve ser indeferido por não se verificarem os respetivos pressupostos.
o) Em 14-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e, posteriormente, em requerimento de 19-09-2016.
3. Matéria de direito
A questão essencial que é objecto deste processo é a que a Requerente coloca nestes termos: ‹não haverá lugar a tributação autónoma caso em sede do IRC que tributa o lucro tributável não forem deduzidos os encargos e gastos que constituem a base de incidência dessa tributação autónoma».
A Requerente afirma que desconhecia que existia «esta inovadora interpretação do quadro legal» e que, detectado o erro, solicitou o exercício da opção, que lhe foi negado pela decisão do pedido de revisão oficiosa e em contradição com a posição anteriormente adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente entende que a Autoridade Tributária e Aduaneira age com má-fé, violando os princípio da boa-fé e da proibição de «venire contra factum proprium», dizendo que «não pode, num processo porque lhe é então favorável para a sua argumentação, afirmar à Autora a propósito das despesas sujeitas a tributação autónoma que «está legalmente conferida a opção de as considerarem fiscalmente não dedutíveis e depois dizer laconicamente no seu acto de indeferimento que ‹‹não existe sustentáculo legal para afastamento desses gastos e encargos››.
3.1. Questão da existência ou não de um «erro de interpretação» da Requerente
A tese defendida pela Requerente, na esteira de uma interpretação possível de alguma jurisprudência arbitral, que indica, reconduz-se a depender de opção do contribuinte a sujeição a tributações autónomas de despesas indicadas no artigo 88.º do CIRC.
Não há qualquer norma que estabeleça a possibilidade de opção, nem a Requerente aventa suporte textual para sua posição quer no artigo 88.º quer em qualquer outra norma.
A possibilidade de opção, em matéria de dedução de despesas, reduz-se à possibilidade de as deduzir ou não, para efeitos do artigo 23.º do CIRC, já que é ao contribuinte que cabe, em primeira linha, formular e aplicar um juízo sobre a sua indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Mas, esse juízo está sujeito ao controle da Autoridade Tributária e Aduaneira que pode e deve efectuar as correcções adequadas, quer sejam favoráveis quer sejam desfavoráveis ao contribuinte, no exercício das suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade (artigo 55.º da LGT).
Assim, mesmo que o contribuinte opte por não deduzir determinadas despesas, por entender não formular um juízo no sentido daquela indispensabilidade, essas despesas contabilizadas não deixam de ter sido realizadas e serem qualificadas como dedutíveis, caso seja essa a qualificação que lhes deve ser dada à face do artigo 23.º do CIRC.
E, por isso, se forem de qualificar como dedutíveis e preencherem os pressupostos da aplicação de tributações autónomas aplicáveis a despesas dedutíveis, estarão a elas sujeitos.
Não é reconhecido, assim, ao contribuinte um direito a considerar não dedutíveis despesas dedutíveis para efeito de afastar a aplicação das tributações autónomas.
Aliás, é essencialmente isto que é expressamente esclarecido na nota de rodapé n.º 6 do acórdão arbitral de 02-02-2015, proferido no processo n.º 628/2014-T, em que, depois de se referir que o contribuinte pode optar por «não deduzir a despesa» se esclarece:
Não se está aqui a sustentar, evidentemente, que as tributações autónomas são optativas. Antes, o que o será (num certo sentido, pelo menos) é a classificação ou não de determinado encargo como dedutível, na medida em que o mesmo pressupõe a sua necessidade para a manutenção da fonte produtora, e tal juízo compete ao sujeito passivo (neste sentido, cfr. p. ex. o Ac. do STA de 30-11-2011, proferido no processo 0107/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não se trata aqui, de igual modo, de sugerir que se possam “omitir despesas”. Efetivamente, a contabilização de determinado encargo como não dedutível implica, justamente, a sua relevância na contabilidade, que é, precisamente, o oposto da sua omissão.
Por esta nota, que visa especificamente esclarecer o alcance da afirmação sobre a opção de «não deduzir a despesa», vê-se que a jurisprudência arbitral que a Requerente invoca não é pacífica e até se considera que, «evidentemente», as tributações autónomas são optativas.
De resto, a letra às referências que no artigo 88.º do CIRC se fazem a «encargos dedutíveis» e não a «encargos deduzidos» aponta no sentido de que o que releva para efeitos das tributações autónomas em que se usa aquela expressão é a natureza dos encargos e não a opção do contribuinte por os deduzir ou não.
Por isso, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), só poderia afastar-se esta interpretação que resulta linearmente do teor literal se se constatasse a existência de outros elementos interpretativos legalmente admissíveis. Mas, isso não sucede pois, pelo contrário, a razão primacial das tributações autónomas relativas a fringe benefits, é incentivar os contribuintes a absterem-se de realizar essas despesas, «seja por razões de transparência nas práticas remuneratórias das empresas, seja por razões de evasão fiscal» ( [2] ), razões estas que não deixam de valer nos casos em que o contribuinte opta por não deduzir as despesas.
Assim, no caso em apreço, não sendo questionada a sua qualificação das despesas em causa como «encargos dedutíveis», à face dos critérios do artigo 23.º do CIRC, não se pode deixar de se concluir que são aplicáveis as tributações autónomas estatuídas para o preenchimento das hipóteses normativas que constam do artigo 88.º do CIRC.
Na verdade, como entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira na decisão do pedido de revisão oficiosa, se o contribuinte incorre nas despesas que estão previstas no artigo 88.º do CIRC, há lugar a aplicação da correspondente tributação, independentemente da relevância fiscal das despesas como gastos para efeitos de apuramento do lucro tributável, como decorre da natureza autónoma daquelas tributações: «Cada acto de despesa suportado pelos sujeitos passivos que está sujeito a tributação autónoma conforma um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não matéria tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo».
Por isso, tem de se concluir que a Requerente não incorreu em erro de interpretação ao considerar os encargos referidos nas suas declarações modelo 22 de 2010 e 2011 como sujeitos a tributações autónomas e que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não enferma de erro de interpretação e aplicação daquele artigo 88.º. De resto, o erro que constitui vício do acto administrativo ou tributário e tem eficácia anulatória, é apenas o que incide sobre os pressupostos de facto (dissonância entre os pressupostos do acto e a realidade) ou sobre os pressupostos de direito (errada aplicação da lei), o que não se verifica no caso em apreço.
De qualquer forma, se se entendesse, incorrectamente, que a aplicação das tributações autónomas dependia de uma opção do contribuinte sobre a dedução das despesas, o certo é que a Requerente a fez nas declarações de 2010 e 2011 e, por isso, também desta perspectiva estarão preenchidos os pressupostos da aplicação das tributações autónomas.
3.2. Questão da auto-vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à interpretação do regime jurídico-fiscal das tributações autónomas
A Requerente refere decisões da Autoridade Tributária e Aduaneira, que constam dos documentos n.ºs 10 e 11 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos pontos 19 e 20 respectivamente, afirma que «aos contribuintes, com referência às despesas sujeitas a tributação autónoma, está legalmente conferida a opção de as considerarem fiscalmente não dedutíveis, não as submetendo, dessa forma, à tributação autónoma, ou, de as considerarem relevantes para efeitos de determinação do lucro tributável, suportando, neste caso, a tributação em causa».
A primeira daquelas decisões refere-se a um processo de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente relativo ao exercício de 2010, e a segunda foi proferida num processo de reclamação graciosa deduzida pela Requerente relativamente a IRC dos exercícios de 2011 e 2012.
A Requerente defende que «a AT não pode, num processo porque lhe é então favorável para a sua argumentação, afirmar à Autora a propósito das despesas sujeitas a tributação autónoma que «está legalmente conferida a opção de as considerarem fiscalmente não dedutíveis e depois dizer laconicamente no seu acto de indeferimento que ‹‹não existe sustentáculo legal para afastamento desses gastos e encargos››.
Os termos e limites da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pelas posições adoptadas anteriormente estão especialmente previstos nos artigos 68.º (informações vinculativas) e 68.º-A da LGT (orientações genéricas).
No âmbito das informações vinculativas, «a administração tributária, em relação ao objecto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial» (n.º 14 do artigo 68.º da LGT).
No caso em apreço, a Requerente não pediu nem foi proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira qualquer informação vinculativa, pelo que não há suporte nesta norma para concluir pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pela fundamentação anteriormente adoptada.
No que concerne às orientações genéricas, «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias» (artigo 68.º-A, n.º 1).
Neste caso, não foi emitida qualquer orientação genérica sobre esta matéria, pelo que também não ocorre qualquer vinculação por esta via.
Estando expressamente previstos na lei os limites da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira pelas posições assumidas são apenas esses os limites a atender.
3.3. Questão da violação do princípio da boa-fé, da proibição de «venire contra factum proprium» e da segurança jurídica
A Requerente imputa à Autoridade Tributária e Aduaneira violação do princípio da boa-fé e da proibição de «venire contra factum proprium», por adoptar na decisão do pedido de revisão oficiosa uma posição em contradição com fundamentação de decisões anteriores.
A prolação pela Administração Tributária de uma decisão com fundamento dissonante em relação a outras não revela, só por si, má-fé, nem viola a proibição de «venire contra factum proprium» nem afecta de forma intolerável a segurança jurídica. As posições jurídicas podem evoluir, como evoluem frequentemente, a nível administrativo e jurisprudencial e dos próprios contribuintes, como se vê pelo pedido de pronúncia arbitral, em que a Requerente fala, repetidamente, de um inovador entendimento.
A LGT prevê explicitamente, no n.º 2 do artigo 68.º-A, essa possibilidade de a Administração Tributária alterar as suas posições jurídicas ao prever a alteração de orientações genéricas e ao estabelecer a dimensão da protecção dos contribuintes contra tais alterações.
Para além disso, o referido artigo 68.º da LGT, que estabelece o regime das informações vinculativas, apenas proíbe à Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu n.º 14, agir em desconformidade com as informações prestadas no âmbito dos procedimentos aí previstos, o que tem ínsito que fora desses casos, a Autoridade Tributária e Aduaneira não só pode como deve, em observância do princípio da legalidade, alterar os seus entendimentos sobre a interpretação das normas que tem de aplicar, quando entenda que as posições anteriormente adoptadas são erradas.
No caso em apreço, não se está perante qualquer das limitações legais à alteração pela Administração Tributária, pelo que não se encontra obstáculo nas leis tributárias a que fosse adoptada na decisão do pedido de revisão oficiosa que considerou correcto, o que lhe é imposto pela subordinação da sua globalidade da sua actividade ao princípio da legalidade (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).
É certo, no entanto, que a legalidade estrita, resultante de normas tributárias específicas aplicáveis a situações determinadas, pode ser afastada pela aplicação dos princípios constitucionais e legais, de natureza geral, entre os quais se inclui o da protecção da boa-fé, que também se integra no bloco de legalidade aplicável e que tem cobertura legal, para além do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, nos artigos 10.º e 11.º do Código do Procedimento Administrativo e também nos artigos 59.º, n.º 1 e n.º 3, alínea f) da LGT, invocados pela Requerente.
Mas, a eficácia invalidante do princípio da boa-fé, no âmbito de actos praticados no exercício de poder não discricionário, sujeitos ao princípio da legalidade, limita-se a situações em que numa adequada ponderação de valores se justifique que a protecção da boa-fé se sobreponha à legalidade estrita.
São casos desse tipo aqueles que a aplicação estrita da lei a uma determinada situação se traduza na criação de uma situação flagrantemente injusta, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 28-01-2009, proferido no processo n.º 0699/08: «no confronto entre os princípios da legalidade e da boa-fé deve ser ponderada cada situação em concreto por forma a poder concluir-se se da prevalência do primeiro, em sentido estrito, resulta uma flagrante injustiça para o contribuinte, acarretando-lhe um desproporcionado e intolerável prejuízo». «Só, neste último caso, a violação do princípio da boa-fé, na sua dimensão de protecção de confiança dos particulares e enquanto integrante do bloco de legalidade, em sentido lato, deve revestir efeitos invalidantes do acto tributário praticado».
No caso dos autos, não se está perante qualquer situação deste tipo.
Na verdade, como se disse, por um lado as tributações autónomas têm suporte textual no artigo 88.º do CIRC e valem no caso em apreço as razões que as justificam, pelo que a sua aplicação não pode ser qualificada como injusta, nem pode entender-se que provoque um desproporcionado e intolerável prejuízo à Requerente. Pelo contrário, a não aplicação das tributações autónomas à Requerente, sem que se conheça qualquer outra situação anterior semelhante em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não as tenha aplicado, é que geraria uma situação de injustiça e desigualdade favorável à Requerente em relação à generalidade dos contribuintes. Na verdade, nas duas situações que a Requerente refere como sendo as que a Autoridade Tributária e Aduaneira adoptou o entendimento que propugna, esta não proferiu qualquer decisão no sentido de não aplicação das tributações autónomas por opção do contribuinte, pois o objecto das decisões era outro.
Por outro lado, as situações em que o princípio da boa-fé ou da protecção da confiança e segurança jurídica se deve sobrepor à legalidade, sendo fundamento de anulação dos actos de liquidação, são apenas aquelas em que uma actuação da administração tributária influenciou o comportamento do contribuinte gerador de relações jurídicas tributárias, levando-o a praticar actos tributários na convicção de que lhe seria dado um determinado tratamento tributário.
No caso em apreço, não se verifica nenhuma situação desse tipo, os actos da Requerente que geraram as tributações autónomas (as despesas efectuadas, que constituem factos tributários) ocorreram em 2010 e 2011, antes de qualquer posição da Administração Tributária que pudesse influenciar o seu comportamento.
Aliás, a Requerente insistentemente refere que considera inovador o entendimento que propugna e que só em 2014, através de decisões arbitrais, se apercebeu dele, o que revela que, quando efectuou as despesas, esperava que lhes seriam aplicáveis as tributações autónomas, como ela própria assumiu ao preencher em conformidade com esse entendimento as declarações modelo 22 de 2010 e 2011.
Sendo assim, não ocorre qualquer violação do princípio da boa-fé ou da segurança jurídica, pois a decisão do pedido de revisão oficiosa vem confirmar o entendimento a que a Requerente esperava que viesse a ser dado aos factos tributários que gerou, quando os praticou.
Além disso, no caso dos autos, a decisão da revisão oficiosa impugnada não versa sobre a mesma questão que foi apreciada nas decisões administrativas referidas pela Requerente, que versam sobre a questão da dedutibilidade do benefício fiscal relativo ao SIFIDE à colecta de derrama estadual e tributações autónomas, pelo que nem sequer foi praticado pela Administração Tributária na decisão do pedido de revisão oficiosa um acto que esteja em contradição com anteriores quanto à decisão da mesma questão de direito, que seja susceptível de consubstanciar «venire contra factum proprium».
Está-se, assim, fora do âmbito de protecção do princípio da boa-fé e da segurança jurídica e da sua eficácia invalidante de actos tributários sujeitos ao princípio da legalidade, como são os de autoliquidação.
Por outro lado, no específico âmbito dos pedidos de revisão oficiosa, quando são apresentados fora do prazo da reclamação administrativa, está-se perante um meio de impugnação de actos de liquidação e autoliquidação de alcance limitado, pois esses actos apenas podem ser invalidados com fundamento em erro imputável aos serviços, como resulta do teor expresso do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e não com fundamento em qualquer ilegalidade, como sucede com os meios impugnatórios utilizados dentro do prazo normal de impugnação de actos de liquidação, cfr. artigo 99.º do CPPT.
A expressão «erro» utilizada no n.º 1 do artigo 78.º da LGT reporta-se aos vícios dos actos tributários que na dogmática administrativa têm tal designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. O que exclui, como fundamento da revisão que não é apresentada no prazo de reclamação administrativa (caso em que pode ser invocada «qualquer ilegalidade») todos os vícios a que naquela dogmática não é atribuída a designação de «erro». ( [3] )
Daqui decorre que, não estando os actos de autoliquidação afectados de qualquer vício qualificável como erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito, a decisão do pedido de revisão, mesmo que enferme de vícios próprios, nunca pode levar à anulação daqueles actos.
Os vícios que não sejam qualificáveis como «erro» de que enfermem os actos de liquidação ou autoliquidação, bem como os vícios autónomos da decisão do pedido de revisão, não podem ser fundamento da anulação daqueles actos de liquidação ou autoliquidação, embora as ilegalidades possam eventualmente ter outras consequências, o que não cabe aqui apreciar, pois trata-se de matéria estranha às competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. [4]
Pelo exposto, não ocorre violação do princípio da boa-fé que justifique a anulação dos actos de autoliquidação nem o acto que decidiu o pedido de revisão oficiosa.
4. Juros indemnizatórios
Improcedendo os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação dos actos de autoliquidação improcede o pedido de juros indemnizatórios, pois não se verifica qualquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.595.494,53.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 21.114,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 03-10-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Rui Ferreira Rodrigues)
(Ana Maria Rodrigues)
[1] Com excepção para as despesas não documentadas.
[2] Relatório do Orçamento do Estado para 2011.
[3] Essencialmente neste sentido podem ver-se a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente os seguintes acórdãos: de 5-5-1999, processo n.º 05557-A, publicado no BMJ n.º 487, página 181; de 17-11-2004, processo n.º 0772/04; de 1-10-2008, processo n.º 0244/08; de 29-10-2008, processo n.º 0622/08; de 21-1-2009, processo n.º 0945/08; de 4-2-2009, processo n.º 0766/08; de 9-9-2009, processo n.º 0369/09; de 4-11-2009, processo n.º 0665/09; de 12-11-2009, processo n.º 0822/09; de 2-12-2009, processo n.º 0892/09; de 24-2-2010, processo n.º 022/10; de 7-9-2011, processo n.º 0416/11.
[4] A título de obiter dictum, pode acrescentar-se que, estando as competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD limitadas à declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, a apreciação da legalidade de actos que decidiram pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas pode ser apreciada pelos tribunais arbitrais na medida em que essas decisões incorporem os vícios que afectem os actos que delas são objecto, pois, nessas situações, estar-se-á a apreciar mediatamente a ilegalidade do acto cuja revisão foi pedida.
Isto é, a ilegalidade de um acto de autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto proferido em processo de revisão oficiosa que o confirme, incorporando a sua ilegalidade. Mas, em situações deste tipo, a apreciação da legalidade da decisão da revisão oficiosa apenas se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD porque a ilegalidade do acto de autoliquidação é incorporada naquela decisão e, por isso, a apreciação da ilegalidade desta reconduz-se a apreciar a mesma legalidade do anterior acto de liquidação.
Mas, já não tem a ver com a legalidade de actos de autoliquidação apreciar a ilegalidade de vícios autónomos desses actos de apreciação da legalidade das autoliquidações.