Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2016-T
Data da decisão: 2016-10-22  IRC  
Valor do pedido: € 468.007,00
Tema: IRC - Circular n.º 7/2004. Pressupostos da utilização de métodos indirectos de determinação da matéria tributável.
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Decisão Arbitral

 

 

         

Os árbitros Conselheiro Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), (designado pelos outros Árbitros), Prof. Doutor Tomás Castro Tavares e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A…SGPS, S. A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Avenida…, n.º…, …-……, (doravante designada como "Requerente"), veio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea b), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional IRC e juros compensatórios referente ao exercício de 2012, emitida sob o n.º 2016…, com data de 07-01-2016, de que resulta um valor a pagar de € 468.007,00.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Tomás Castro Tavares, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro a Dra. Maria Manuela do Nascimento Roseiro.

Os Árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 18-05-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 03-06-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral e defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

A Requerente respondeu por escrito à excepção.

Por despacho de 08-07-2016, foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

É necessário apreciar prioritariamente a excepção da incompetência material.

 

 

2. Excepção da incompetência do Tribunal Arbitral para o pedido de concretização da decisão arbitral proferida no Processo do CAAD nº 231/2015-T

 

A Requerente defende no pedido de pronúncia arbitral, além do mais, que «ao desconsiderar o trânsito em julgado da decisão arbitral proferida no processo n.º 231/2015-T a liquidação sob impugnação será sempre ilegal na parte em que, partindo do valor do lucro tributável apurado pela Requerente na declaração modelo 22, desconsidera em violação do disposto no artigo 100.º da LGT, os efeitos da redução em €4.418.350,78 peticionada pela requerente na reclamação graciosa da autoliquidação, e sancionada na referida decisão».

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que «o Tribunal Arbitral não tem competência para determinar ou impor a concretização de uma outra decisão arbitral, e isto ainda que a mesma já tivesse transitado em julgado», por não se enquadrar nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD definidas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT a execução de julgados cabe, em primeira linha, à AT que deve “nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários…” promover os actos jurídicos e materiais necessários à execução do julgado.

A Requerente defende que «o que se peticiona, sublinhe-se, não é o reembolso do imposto em resultado da correcção à matéria colectável determinada pela indicada Decisão arbitral - o que, efectivamente, constituiria matéria para execução de julgados - mas tão somente que o imposto em excesso resultante da aplicação da colecta à matéria colectável já julgada excessiva, seja expurgado, por ilegal, da liquidação adicional emitida na sequência das correcções adicionais efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária».

A Requerente pretende, essencialmente, é que o Tribunal Arbitral considere excessiva a matéria colectável que serviu de base ao cálculo do imposto, por isso ter sido decidido num outro processo arbitral, cuja decisão foi impugnada com fundamentos que não afectam a parte que em que o excesso da matéria colectável foi reconhecido nesse outro processo.

 A impugnação parcial de uma decisão arbitral suspende os seus efeitos apenas na parte impugnada como se depreende dos artigos 28.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1, do RJAT, a fazer referência a efeito suspensivo «no todo ou em parte».

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira expressamente restringiu a sua impugnação à parte da decisão arbitral referida em que foi condenada a restituir à Requerente parte da quantia autoliquidada.

No entanto, a determinação dos efeitos da referida decisão arbitral deverá ser efectuada no processo respectivo e subsequente execução a levar a cabo ela Autoridade Tributária e Aduaneira, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir se os efeitos são ou não os que a Requerente pretende.

Na verdade, o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT prevê várias possibilidades de execução de julgado, inclusivamente a prática de novos actos em substituição de anteriores, não tendo este Tribunal Arbitral competência para decidir quais os efeitos que essa decisão arbitral deve ter, nomeadamente afastar a possibilidade de renovação total ou parcial do acto impugnado nesse outro processo.

Assim, interpretando conjugadamente as normas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 24.º, n.º 1, do RJAT, conclui-se que nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não se inclui a declaração de ilegalidade de actos com fundamento em ilegalidades conexionadas com a execução de decisões arbitrais, pelo menos enquanto não estiverem assentes os termos da execução.

Procede, assim, a excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar a questão de ilegalidade colocada pela Requerente.

 

3. Matéria de facto

 

3.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente encontra-se enquadrada no regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), desde 01-01-2008;

b)    A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção a Requerente ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2014…;

c)    Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

I. CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA

Como resultado da ação de inspeção externa efetuada ao sujeito passivo A…SGPS, S.A. -NIPC …foram delatadas irregularidades relacionadas com a dedutibilidade dos encargos financeiros de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 32º do EBF. Os factos apurados traduzem-se nas correções meramente aritméticas ao resultado tributável, de acordo com a fundamentação apresentada no capítulo III e descritas na folha antecedente 'Conclusões da Ação de Inspeção", bem como no quadro seguinte

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Da análise das demonstrações financeiras, constatou-se que o sujeito passivo declarou gastos financeiros, sem proceder à correção dos mesmos na declaração de rendimentos Mod. 22, nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Mais se refere que o suje to passivo declarou a aquisição de partes sociais, valorizadas ao custo de aquisição conforme relevado nas demonstrações financeiras, não constando qualquer referência, quer no Anexo, quer na Certificação Legal de Contas, à não correção dos encargos financeiros em conformidade com o normativo referido.

1) Sobre a norma em vigor à data dos factos

O regime jurídico das SGPS, previsto no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de dezembro, define no seu artigo 1.º, n.º 1, que o objeto típico de tais sociedades é "a gestão de participações sociais como forma indireta do exercício da atividade económica". Acrescenta o n.º 2 deste artigo, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/04, de 24 de dezembro, que a participação numa sociedade é considerada forma indireta de exercício da atividade económica desta quando não tenha caráter ocasional e represente, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da saciedade participada, quer por si só, quer conjuntamente com participações de outras entidades em que a SGPS seja dominante.

Desta forma o legislador procurou limitar a atividade das SGPS à gestão de participações sociais com caráter estruturante, evitando que estas sociedades se assumissem como veículo de especulação mobiliária ou de evasão à tributação dos ganhos resultantes da alienação de partes sociais.

Neste contexto a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, corporizada na Lei do Orçamento de Estado para 2003, introduziu uma alteração significativa ao regime fiscal aplicável as SGPS, centrada no objeto típico da sua atividade, tendo para o efeito inserido o artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (à data da alteração legislativa referida, correspondia ao artigo 31.º do EBF), em vigor nos exercícios em análise.

Em conformidade, preceitua o n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que "[a]s mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, (...) de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não Inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com B sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".

O artigo 32.º do EBF, e em particular o n.º 2 do relendo articulado, traduz-se num benefício, que contudo foi compensado pela não dedutibilidade, para efeitos de apuramento do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados, instituindo um "ambiente de neutralidade fiscal" entre os ganhos com determinados ativos financeiros e os gastos associados ao passivo necessário para a detenção de tais ativos, os quais no futuro iriam gerar, ganhos, excluídos de tributação.

Compreende-se que o propósito do legislador foi obstar que as SGPS acumulassem dois benefícios, primeiro, a isenção de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais e, depois, a inclusão dos gastos financeiros relevantes relacionados com a obtenção de tais rendimentos no apuramento do lucro tributável. Resulta que os encargos financeiros relacionados com as partes sociais detidas pelas SGPS, que poderiam (antes da Lei 83-C/2013, 31/12 - em vigor a partir de 01/01/2014) vir a beneficiar, no momento da alienação, do regime de exclusão, não podiam ser deduzidos ao lucro tributável, ou seja, se os ganhos não eram tributados, os correspondentes gastos que estavam ligados a tais rendimentos não poderiam ser igualmente considerados para efeitos de apuramento do lucro tributável.

A desconsideração como gasto dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consagrado na redação do artigo 32.º n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), consubstancia um corolário do principio geral de Indispensabilidade dos gastos, segundo o qual a dedução final destes é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto, e do qual resulta que 'se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a impostos, não são fiscalmente dedutíveis - cfr Freitas Pereira, "A Periodização do Lucro Tributável', in Ciência e Técnica Fiscal n.º 360, janeiro - março de 1988, pág. 140 - principio que informa o disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Esta norma pressupõe assim uma correspondência entre a não tributação dos resultados obtidos com a alienação das partes sociais e a dedutibilidade dos gastos associados à detenção destes ativos.

Assim sendo, deve-se proceder ao ajustamento do lucro tributável relativo aos encargos financeiros imputados à detenção de partes sociais que sejam suscetíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido à data no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

ii) Sobre o apuramento dos encargos financeiros não aceites fiscalmente à luz do preceituado na redação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (à data dos factos)

A natureza fungível que assiste aos meios financeiros e, concomitantemente, a dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financeiros, a Autoridade Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular 7/2004 de 30 de março da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), onde, "para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação dos resultados que o mesmo permitiria (...)", define uma forma de cálculo, permitindo identificar o montante dos encargos financeiros associados às partes de capital e por isso não deduziu fiscalmente, consistindo esta, na imputação "dos passivos remunerados das SGPS (...), em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

III.A. DETERMINAÇÃO DOS ENCARGOS FINANCEIROS NÃO ACEITES FISCALMENTE NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 32º DO EBF

Atendendo ao disposto nos artigos 15º e 17.º do Código do IRC a determinação do lucro tributável tem por base a contabilidade organizada de acordo com o referencial contabilístico releva-se que no caso em concreto o sujeito passivo optou pelas IFRS.

Assim, da análise do balancete antes do apuramento de resultados, verificou-se a contabilização de encargos financeiros - identificados no quadro seguinte, contudo, ao quadro 07 da declaração de rendimentos de IRC Mod. 22 não foi efetuada qualquer correção relacionada com estes encargos financeiros a luz do normativo referenciado - n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

A. Notificação do sujeito passivo

Face ao exposto, procedeu-se à notificação do sujeito passivo no sentido deste esclarecer o facto de não ter sido acrescido ao quadro 07 da Declaração de Rendimentos Mod. 22 os encargos financeiros - viela Anexo 1 fl. 2.

Na resposta formulada - vide Anexo 1 fl. 1, o sujeito enaltece que os empréstimos bancários obtidos Junto do C… e B…, nos respetivos montantes de 100.300.000,00€ e de 9.000.000.00€, foram canalizados para a aquisição das ações do … nos anos de 2007 e 2008.

Por outro lado, refere o sujeito passivo que: “(...) com a transição do antigo normativo contabilístico POC/DC para o novo normativo, passaram estas ações a serem mensuradas ao justo valor por via de resultados, sendo que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor são considerados ganhos, pelo aumento do justo valor, e perdas, pala redução do justo valor. Defende o sujeito passivo, que atendendo ao facto da mensuração em causa se fazer"(...) pelo justo valor através de resultados, das ações se tratarem de Instrumentos da capital próprio, que têm preço formado em mercado regulamentado e cuja detenção das mesmas se traduz numa participação inferior a 5%, estes ajustamentos de justo valor são aceites fiscalmente nos termos do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, pelo que, de acordo com o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 46.º do Código do IRC não é aplicável o regime das mais e menos valias aos ganhos e perdas realizadas (...)" mediante a eventual transmissão onerosa das mesmas.

Conclui-se assim, face aos esclarecimentos prestados pelo sujeito passivo, replicado no Anexo 1, quer pela informação recolhida no âmbito dos atos externos promovidos, que é entendimento do sujeito passivo, que deve ser efetuada uma imputação direta dos encargos financeiros às ações do…, pelo que não será aplicável o regime estabelecido no artigo 32.º n.º 2 do EBF (redação à data), uma vez que o mesmo só se aplica às mais ou menos-valias realizadas. Por conseguinte, entende o sujeito passivo que não há lugar à correção do lucro tributável relativa ao montante dos pastos financeiros suportados com a detenção das participações sociais relevadas ao custo de aquisição.

Ou seja, o sujeito passivo procedeu à imputação direta de todos os encargos financeiros à aquisição das ações do…, justificando que estas ações são Instrumentos de capital próprio, representando uma participação acionista Inferior a 5% e encontrando-se esta participação reconhecida nas demonstrações financeiras ao justo valor por resultados, os ajustamentos de valor são aceites fiscalmente nos termos do artigo 18.º n.º 9 al. a) do Código do IRC, e como tal, numa eventual transmissão dessas acues resultam perdas ou ganhos, ficando a determinação da mais ou menos-valias fiscais afastada do disposto no artigo 46.º n.º 1 al. b) do Código do IRC Entende assim o sujeito passivo, que não se aplicando o regime especial para as mais e menos-valias, previsto na n" 2 ao artigo 32º do EBF, os encargos financeiros são totalmente dedutíveis. Para o efeito invoca o sujeito passivo a Informação Vinculativa de 24/02/2011, relativo ao processo n.º 39/11.

B. Análise das pretensões do sujeito passivo

Da análise dos argumentos apresentados pelo sujeito passivo e dos elementos recolhidos no âmbito dos atos externos de inspeção, concluímos que este, a partir do exercício de 2010, passa a efetuar uma imputação direta de todos os encargos financeiros suportados às ações do …, valorizadas ao justo valor em resultados cujos ajustamentos concorrem para o resultado tributável nos termos do artigo 18.º n.º 9 al. a) do Código do IRC, afastando a aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF (redação à data). O sujeito passivo sustenta a sua defesa na Ficha Doutrinária proferida para o processo 39/2011, com Despacho de 24/02/2011 do Diretor Geral.

Releva-se que o sujeito passivo, até ao exercício de 2009, inclusive, procede à determinação dos encargos financeiros não aceites fiscalmente através da aplicação do método de imputação indireta, divulgado através da Circular 7/2004.

Ora, a Ficha Doutrinária invocada pelo sujeito passivo trata uma situação concreta relacionada com uma entidade, SGPS, que adquiriu, em 2007 ações de sociedades cotadas na Bolsa de Valores, representativas de menos de 5% do respetivo capital social. Até 31 de Dezembro de 2009, estas participações sociais encontravam-se mensuradas ao custo de aquisição, nos termos dos princípios contabilísticos geralmente aceites definidos no POC, passando, na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilista (SNC), mais concretamente da NCRF 27, a ser mensuradas ao justo valor através de resultados. Refere este entendimento, que para estas ações em concreto não se aplica o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, por força do disposto no artigo 46.º n.º 1 al. b) do Código do IRC conjugado com o artigo 18.º n.º 9 al. b) do Código do IRC, que determina que não se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos ou perdas sofridas mediante a transmissão onerosa de Instrumentos financeiros relevados ao justo valor nos termos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC.

Consta ainda desta Ficha Doutrinaria que este entendimento é igualmente aplicável, nos termos do n.º 5 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13 de julho, ao regime transitório em sede de IRC previsto para efeitos da adoção pela primeira vez das Normas Internacionais de Contabilidade (NIC).

Ora importa relevar que estes serviços não colocam em causa a aplicação deste entendimento, pelo que, porque, no caso em apreço o sujeito passivo não apresenta apenas participações valoradas ao justo valor com os ajustamentos relevados em resultados, continua a ter participações mensuradas ao custo de aquisição, as quais beneficiam nos exercícios em análise do disposto do artigo 32.º do EBF (redação à data), mantém-se a imputação de encargos financeiros, ainda que parcial, às referidas partes de capital.

E mais, porque o sujeito passivo optou pela aplicação das IFRS, e como tal na mensuração dos ativos financeiros aplica a IAS 39, bem como as IFRS's 7 e 9 (após a sua entrada em vigor) fez a opção para mensurar alguns investimentos financeiros ao justo valor mas com os ajustamentos refletidos nas contas de capital próprio, como é o caso das participações nos Fundos … e Eurofundo (no exercício de 2010), sendo que, no caso das ações do…, tivesse efetuado igual opção, estas poderiam beneficiar do regime especial previsto no artigo 32.º do EBF.

A questão central é que a carteira de participações da SGPS em análise não se restringe às ações do…, mensuradas ao justo valor em resultados, cujos ajustamentos concorrem para o resultado tributável nos termos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, afastando apenas para estes ativos, a aplicação do regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF. Tal, impossibilita uma imputação direta dos encargos financeiros a estas participações sociais.

E, em parte alguma nesta Ficha Doutrinária é referido que se passa a efetuar uma imputação direta dos encargos financeiros a estas participações, sendo que é de conhecimento que o entendimento versado na Circular 7/2004 não foi revogado.

Embora o entendimento desta Ficha Doutrinária verse sobre um caso concreto, que não é a situação do sujeito passivo em análise, esta releva, como naturalmente decorre do novo enquadramento contabilístico e fiscal em vigor a partir do exercício de 2010, que a limitação dos encargos financeiros prevista n.º 2 do artigo 32.º do EBF não se aplica às participações valoradas ao justo valor. Isto é, na determinação dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, estes ativos, não sendo partes de capital que se enquadram no disposto do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, passam a fazer parte dos "restantes ativos detidos pela empresa" que permitem a dedução de encargos financeiros.

Caso fosse possível, tal como pretendido pelo sujeito passivo, passar a efetuar uma imputação direta dos encargos financeiros, estaríamos a permitir que uma opção contabilista do sujeito passivo interferisse de forma determinante no resultado fiscal. Pois, não podemos esquecer, tal como referido no ponto 11.3.6. (Enquadramento Contabilístico do Sujeito Passivo), que o sujeito passivo optou pela aplicação das IFRS, ou seja, no concernente à mensuração das ações do…, o sujeito passivo aplicou a IAS 39, alternativamente à NCRF 27, sendo que estas ações poderiam ter sido mensuradas ao justo valor por capital próprio, podendo neste caso, ficar enquadradas no regime especial previsto no artigo 32.º n.º 2 do EBF (em vigor à data), tal como efetuou para as participações nas Fundos …e Eurofundo.

Mas, perante as condições verificadas na situação em apreço, a opção do sujeito passivo relevou-se sem dúvida a mais benéfica, na medida que, estando estas ações a sofrer grandes desvalorizações, passou a influenciar os resultados tributáveis através das reduções de justo valor, ainda que com a limitação prevista no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC (redação a data). No concernente aos encargos financeiros poderá também aproveitar de uma parte excluída da limitação prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, mas não como pretendido pelo sujeito passivo, isto é, fazendo uma imputação direta dos encargos financeiros. Aliás, é precisamente para evitar a possibilidade de manipulação de resultados, que se determina, que na afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, deve-se atender a uma repartição proporcional, consistindo esta na imputação "dos passivos remunerados das SGPS (...), em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição".

Pretende-se com este entendimento, afastar a possibilidade de planeamento fiscal, tendo presente, que uma empresa tem de ser vista como um todo, não podendo haver tratamento isolado de um elemento ou factor que influencia direta e/ou indiretamente a atividade, como é o caso dos meios financeiros, realçando-se a sua natureza fungível.

Atente-se que estamos perante uma sociedade gestora de participações sociais, cujo objeto contratual é a gestão de participações noutras empresas como forma indireta do exercício de atividade económica, pelo que, parece adequado concluir que todas as participações detidas, no momento da alienação, deveriam reunir os requisitos necessários à aplicabilidade do regime especial em causa, em vigor nos exercícios em análise. Isto é, a atividade de excelência desta sociedade é a gestão de partes sociais que lhe conferiu a possibilidade de usufruir de um regime de exclusão de tributação dos ganhos provenientes da alienação das partes sociais, que aliás naturalmente, representa a rubrica de maior peso nos ativos desta sociedade.

Ainda, há que salientar que o sujeito passivo não só contraiu empréstimos bancários para efeitos de aquisição de ações do…, como também contraiu empréstimos para apoio de tesouraria, possui contas caucionadas e é outorgante de contratos de leasing financeiro, ou seja, produtos pela sua natureza financeira acarreta ao titular encargos financeiros.

E por fim, releva-se que as decisões de gestão, quer de investimento, quer de financiamento, nomeadamente no concernente à gestão de participações sociais, à aquisição de participações sociais e ao pagamento de despesas correntes, são tomadas considerando o total dos fundos gerados, pois simultaneamente a empresa recebe dividendos, efetua pagamentos referentes aos seus encargos correntes, aliena ativos, efetua empréstimos às suas participadas, recebe fundos dos seus detentores do capital sob a forma de suprimentos ou prestações suplementares, pelo que, ainda que determinado passivo, conforme é o empréstimo do C… esteja formalmente associado a um determinado ativo, não é possível garantir a aplicação específica/concreta dos capitais obtidos.

A corroborar esta conclusão, importa relevar que na conta bancária do C… n.º … - vide Anexo 1 fl. 3 e Anexo 2 - na qual foi depositada a quantia associada ao empréstimo bancário do C… no montante de 100.300.000,00€, o sujeito passivo apresenta, antes da utilização do empréstimo um saldo no montante de 8.000.000,006 - vide Anexo 2. Face ao exposto é adequado questionar, como pode o sujeito passivo garantir, que o valor aplicado na aquisição das ações foi de facto o valor do empréstimo e não teve antes em consideração o saldo existente. A tangibilidade do dinheiro impede esta associação direta.

Assim, mais uma vez se refere, que perante a necessidade de determinar os encargos que concorrem para a determinação do lucro tributável, em cumprimento do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, e dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte:

Os passivos remunerados das SGPS deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos as empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição, conforme previsto na Circular 7/2004.

Concluímos assim, que de acordo com o enquadramento contabilístico e fiscal em vigor a partir do exercício de 2010, os encargos financeiros imputados às partes de capital relevadas ao justo valor, cujos ajustamentos são aceites fiscalmente nos termos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, passam a ser dedutíveis fiscalmente, mas não deixando de aplicar a formula já enunciada, baseada numa imputação indireta e proporcional, porquanto continuam a existir nesta empresa outras partes de capital que beneficiavam à data do disposta no n.º 2 do artigo 32 º do EBF.

No caso em concreto importa salientar que a correção dos encargos financeiros não aceites fiscalmente nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, incide sobre:

(l) Os encargos financeiros relevados em cada um dos exercícios em análise, porquanto o sujeito passivo procede a uma imputação direta de todos encargos financeiros à aquisição de ações do …, relevadas ao justo valor em resultados cujos ajustamentos são aceites fiscalmente nos termos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC; e

(II) O valor da variação patrimonial negativa, relevada no campo 705 da declaração de rendimentos Mod. 22, na medida que o sujeito passivo, fazendo uma imputação direta de todos os encargos financeiros às ações do…, aplica o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009 ao montante total dos encargos financeiros acrescidos no quadro 07 da declaração de rendimentos Mod. 22 referentes aos exercícios de 2008 e 2009, por força da aplicação nesses exercícios da Circular 7/2004 no apuramento dos encargos financeiras não aceites fiscalmente.

III.A.1 DETERMINAÇÃO DOS ENCARGOS FINANCEIROS RELEVADOS COMO GASTOS NOS EXERCÍCIOS EM ANÁLISE NÃO ACEITES FISCALMENTE NOS TERMOS DO N.º 2 DO ARTIGO 32º DO EBF

Comecemos por verificar o valor total dos empréstimos obtidos pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade, confirmando-se que para além do empréstimo do C…, existem outros emprestamos bancários.

Vejamos de seguida, o valor total das partes de capital, que beneficiam do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, de acordo com o relevado nas demonstrações financeiras:

Assim, como o artigo 32.º do EBF, no seu n.º 2, prevê a não tributação das mais-valias geradas com a alienação de partes de capital por SGPS, contra a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a detenção das partes de capital, abrangidas pelo regime especial das SGPS, na determinação dos encargos financeiros não dedutíveis, atende-se ao disposto na Circular 7/2004 de 30/03. Isto quer dizer, que deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidas às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

No caso em concreto, e conforme já referido, por força da mensuração das ações do… ao justo valor relevado em resultados, aceite fiscalmente, nos termos da al. a) do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, na determinação dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital às quais é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o valor destas participações será naturalmente excluído, na medida que os encargos financeiros imputáveis a estas participações serão aceites fiscalmente, pelo que no cálculo de seguida explanado, o seu valor surge relevada na rubrica outros ativos.

III.A.2 DETERMINAÇÃO DA CORREÇÃO AOS ENCARGOS FINANCEIROS RELEVADOS NO CAMPO 705 (regime transitório) DO QUADRO 07 DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS DE IRC MOD. 22 NOS EXERCÍCIOS DE 2010, 2011 E 2012

Com referência às declarações de rendimentos de IRC Mod. 22 dos exercícios de 2010, 2011 e 2012 constatou-se que o sujeito passivo declarou no correspondente quadro 07 - campo 705, variações patrimoniais negativas (VPN) no âmbito da aplicação do Regime Transitório in artigo 5º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 159/2009, no montante de 7 708 308,136 vide Anexo 4.

Verificou-se que destas variações patrimoniais, 2.317.789,33€ correspondem a um quinto (1/5) dos encargos financeiros suportados relacionados com os empréstimos bancários obtidos, que o sujeito passiva refere que se destinaram à aquisição das ações do …

No concernente aos encargos financeiros, salienta-se que nos exercícios de 2008 e 2009 o sujeito passivo, por aplicação da Circular 7/2004, determinou encargos financeiros não dedutíveis nos termos do artigo 32.º n.º 2 do EBF, os quais foram acrescidos no quadro 07 da Declaração de Rendimentos Mod. 22, respetivamente nos montantes de 6.353.655,85€ e 5.235.290,79€, o que totalizou 11.508.946,65€ - vide Anexo 5

Contudo, o sujeito passivo, nas declarações Mod. 22 dos anos de 2010, 2011 e 2012, na rubrica de variações patrimoniais negativas considerou a dedutibilidade total destes encargos, na proporção de 1/5, ao abrigo do artigo 5.º n.º 1 do regime de transição do POC para o novo normativo contabilístico (IFRS/SNC) previsto no Decreto- Lei n.º 159/2009, procedendo a uma imputação direta de todos os encargos financeiros às participações valoradas ao justo valor relevados em resultados, as quais ficam afastadas do regime previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Ou seja, conforme já referido, o sujeito passivo, a partir do exercício de 2010, passa a defender uma imputação direta dos encargos financeiros, tal reflete-se no facto de não corrigir os encargos financeiros não dedutíveis, relevados como gastas dos exercícios em análise, como também na consideração como variação patrimonial negativa da totalidade dos encargos financeiros acrescidas no quadro 07 nos exercícios de 2007 e 2008, na proporção de 1/5, conforme determinam as regras do regime transitório

No entanto, conforme já debatido atrás para os encargos financeiros suportados nos exercícios 2010, 2011 e 2012, também no cálculo da variação patrimonial negativa referente ao regime transitório, não pode o sujeito passivo considerar que o valor dos encargos financeiros acrescidos nos exercícios anteriores (2008 e 2009) passam a ser dedutíveis na totalidade, na medida que, pelas razões já invocadas, se impõe sempre a aplicação de um método indireto, onde os encargos financeiros deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

Isto é, conforme já referido anteriormente, de acordo com o espelhado na Ficha Doutrinária referida, por forca da mensuração de algumas participações ao justo valor (ações do…), o sujeito passivo passa a poder deduzir os encargos financeiros imputados a estas participações na parte que decorre da aplicação do método indireto já referido, e não na totalidade conforme defendido por este.

Tal determina que sejam recalculados para os exercícios de 2008 e 2009 os encargos financeiros que seriam aceites fiscalmente, excluindo, do valor de aquisição das participações financeiras o montante das ações do….

Assim, o valor da variação patrimonial negativa, relevada no campo 705, por força da aplicação do regime transitório, apenas deverá refletir 1/5 dos encargos financeiros, que por força da nova afetação dos encargos financeiros passam a ser dedutíveis.

Vejamos:

Da análise do balancete antes do apuramento de resultados dos anos de 2008 e 2009 e da análise documental efetuada, verificou-se a contabilização de encargos financeiros, a identificação de empréstimos obtidos e das participações financeiras valorizadas ao custo de aquisição conforme explanado nos quadros seguintes:

Assim, de acordo com os cálculos abaixo descritos, para os exercícios de 2008 e 2009, determinou-se o montante dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não dedutíveis nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, à luz da Circular 7/2004 de 30 de março, excluindo das partes de capital relevadas ao custo de aquisição, o montante das ações do …relevadas ao justo valor.

De acordo com o exposto, tendo em conta os encargos financeiros imputáveis às partes de capital, não dedutíveis dos exercícios de 2008 e 2009, resulta uma correção ao valor declarado como variação patrimonial negativa no montante de 1.675.125,22 €, conforme determinado no seguinte quadro

IV. MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

(Não aplicável ao caso em apreciação)

 

d)    A Requerente não se pronunciou no exercício do direito de audição;

e)    No dia 08-01-2016, a Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2016…, relativa ao exercício de 2012, e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016…, que constituem o objecto do presente pedido arbitral (documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

f)     Em 31-12-2011, a Requerente detinha partes de capital com o valor total de € 158.352.847.00, a maior das quais foram adquiridas por entradas em espécie, nos termos que constam do quadro que consta da página 52 do Anexo III ao Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido:

g)   Em 14-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Questão da verificação ou não dos pressupostos da utilização de métodos indirectos

 

4.1.1. Posições das Partes

 

A Requerente «reconhece a dificuldade (que não impossibilidade) de, em certos casos, se proceder a uma imputação directa dos encargos financeiros para efeitos da aplicação da norma vertida então no n.º 2 do artigo 32.º do EBF» (artigo 54.º do pedido de pronúncia arbitral) mas entende que, no seu caso específico, tal dificuldade não a impediu de o fazer relativamente à quase totalidade da carteira de participações e créditos contratados (artigo 54.º do pedido de pronúncia arbitral).

Defende a Requerente que

– da letra do artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, «ao referir-se única e exclusivamente aos “encargos financeiros suportados com a sua (das partes sociais) aquisição” é manifesto que o legislador se visou referir aos encargos directa e efectivamente suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de partes sociais a que respeitam as mais e menos-valias realizadas, a que se refere a primeira parte do preceito»;

– a indicada interpretação da lei é a que melhor se coaduna com o princípio ancilar do ordenamento jus tributário português enunciado nos artigos 81.º, n.º 1, e 85.º, n.º 1, da LGT, (os quais constituem corolário lógico da aplicação do principio constitucional da prevalência da tributação pelo lucro real e efectivo previsto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como dos elementares princípios da segurança e certeza da definição das relações jurídicas), segundo o qual a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo,

– só podendo a Administração Tributária proceder a avaliação indirecta, a título excepcional, e subsidiariamente, nos casos e nas condições expressamente previstas no artigo 87.º e seguintes do mesmo corpo normativo;

– não sendo esse o caso, e não tendo a ATA demonstrado ou sequer invocado a verificação dos pressupostos que legitimariam o recurso a métodos indirectos de quantificação da matéria colectável no caso vertente, é ainda o acto tributário sindicado manifestamente ilegal, por violação dos indicados preceitos e princípios constitucionais.

 

Sobre esta questão da aplicação dos pressupostos de métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, não alude ao artigo 81.º, referindo, sobre os artigos 85.º e seguintes da LGT, que «estando-se no âmbito de aplicação/controle de um benefício fiscal não faz, efectivamente, sentido falar-se na aplicação de um método indirecto tal como ele se encontra consagrado nos artigos 85º e segs. da LGT, uma vez que a aplicação de um método indirecto visa a determinação da matéria tributável de qualquer imposto, e, no caso dos encargos financeiros, é óbvio que não está em causa a determinação total da matéria colectável mas apenas e só o cálculo de um determinado custo que se visa expurgar da determinação da matéria colectável tendo em conta o fim da neutralidade entre proveitos e custos visado pelo benefício fiscal», «custo que tem uma função instrumental face ao rendimento-acréscimo não sujeito a tributação (isento)».

 

4.1.2. Decisão da questão da violação das regras sobre a utilização de métodos indirectos

 

Os artigos 81.º, 85.º e 87.º da LGT, invocados pela Requerente, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 81.º

 

1. A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.

 

Artigo 85.º

 

1. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa.

2. À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.

 

 

Artigo 87.º

 

Realização da avaliação indirecta

 

1. A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:

 

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.

f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.


 

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, da DSIRC, tem o seguinte teor:

 

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

 

 

Resulta destas normas que a utilização de métodos indirectos de determinação da matéria tributável apenas pode ter lugar nas situações previstas no artigo 87.º, n.º 1, da LGT e, mesmo nelas, apenas pode ser efectuada na medida em que não for viável a utilização de métodos directos, como decorre da regra da subsidiariedade, imposta pelo artigo 85.º.

            De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem contesta que a aplicação desta regra da subsidiariedade, dizendo que o regime previsto na Circular n.º 7/2004, «garante uma uniformidade na tributação aplicável a todas as SGPS's que não procedam ou não sejam capazes de realizar tal afectação específica» e que «portanto, a questão só assume realce quando não seja possível realizar a tal afectação específica ou directa» (artigos 42.º e 43.º da Resposta).

            Assim, a divergência entre as Partes limita-se à questão de estas normas da LGT serem aplicáveis para determinação dos encargos financeiros que não concorrem para a formação do lucro tributável, à face do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

            Esta norma, na redacção vigente em 2012 (introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), estabelece o seguinte:

 

2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

 

            Em primeiro lugar, há que notar que desta norma pode nem resultar qualquer benefício para as SGPS, pois nos casos em que sejam realizadas menos-valias dela só resultam consequências negativas para estas sociedades, quando comparado este regime com o aplicável às restantes sociedades de outros tipos.

Na verdade, se forem realizadas menos-valias com a alienação de participações sociais, elas não concorrem como gastos para a formação do lucro tributável das SGPS, ao contrário do que sucede com a generalidade das sociedades de outros tipos, nos termos da alínea l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, pelo que que o referido n.º 2 do artigo 32.º não se configura como uma medida que impede tributação, antes a acentua e, por isso, não constitui benefício fiscal, à face da definição que consta do n.º 1 do artigo 2.º do EBF.

Para além disso, mesmo nos casos em que sejam realizadas mais-valias com a alienação de participações sociais, o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF nem sempre se reconduzirá a um benefício fiscal, pois os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais que não relevam como gastos para a formação do lucro tributável podem ser de montante às mais-valias.

Assim, o n.º 2 do artigo 32.º rege sobre «a formação do lucro tributável» das SGPS, como se refere expressamente na sua parte final, impondo a aplicação à determinação da sua matéria tributável três regras especiais em relação ao regime geral:

– uma regra que as favorece em relação ao regime geral, que é a da irrelevância para a formação do lucro tributável das mais-valias realizadas com partes de capital detidas há mais de um ano, afastando a regra de determinação da matéria tributável que consta do artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do CIRC;

– duas que as desfavorecem, que são a da irrelevância para a formação do lucro tributável das menos-valias realizadas e dos encargos financeiro suportados com a aquisição de partes de capital, que afastam a aplicação das regras de determinação da matéria tributável previstas nas alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC (na redacção vigente em 2012).

 

Tanto são regras de determinação da matéria tributável de IRC as que indicam os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que relevam para a formação do lucro tributável como as que indicam e os rendimentos, variações patrimoniais e gastos que não têm relevância para esse efeito.

Tanto é norma de determinação da matéria tributável de IRC a alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC, que prevê a relevância para esse efeito das mais-valias realizadas como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que a afasta relativamente obtidas com partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Tanto são normas de determinação da matéria tributável de IRC as das alíneas c) e l) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que prevêem a relevância dos encargos financeiros e das menos-valias realizadas como é a do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que afasta essa relevância no caso de partes de capital detidas por SGPS durante mais de um ano.

Por isso, não há qualquer razão para não atribuir às três regras previstas no artigo 32.º, n.º 2, do EBF que qualificação de regras especiais de determinação da matéria tributável das SGPS, que, por serem especiais, prevalecem, no seu domínio de aplicação, sobre as regras gerais sobre esta matéria.

Sendo assim, são aplicáveis nesta matéria as regras procedimentais previstas na LGT sobre a determinação da matéria tributável, designadamente as da subsidiariedade de métodos indirectos e situações em que é autorizada a sua utilização, previstas nos artigos 81.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, da LGT invocados pela Requerente.

A regra da subsidiariedade da utilização de métodos indirectos tem como corolário que, na medida em que for viável a utilização de método directo, a determinação da matéria tributável deverá ser efectuada com a sua utilização, só podendo utilizar-se métodos indirectos quanto à determinação da matéria tributável que não possa ser efectuada directamente. É esse o alcance daquela regra que está explicitado no n.º 2 do artigo 85.º da LGT, em que estabelece que «à avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa».

Isto é, mesmo que se esteja perante uma situação em que não seja viável efectuar a determinação da matéria tributável na sua totalidade por métodos directos e haja necessidade de recorrer à utilização de métodos indirectos, os métodos directos têm de ser utilizados na medida em que tal for possível, só podendo utilizar-se métodos indirectos à parte residual da determinação da matéria tributável. ( [1] )

Está-se perante utilização de métodos directos de determinação da matéria tributável quando se visa determinar o valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e utilização de métodos indirectos quando se visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (artigo 83.º da LGT).

No que concerne à determinação dos encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital, está-se perante a utilização de método directo quando se visa determinar a real afectação de encargos financeiros à aquisição de partes de capital, designadamente apurando exactamente se houve financiamentos para adquirir cada uma das partes de capital adquiridas e os encargos financeiros que deles advieram. E está-se perante utilização de métodos indirectos quando não se visa atingir essa afectação real, mas sim uma afectação presumível, tendo por base as partes de capital detidas pelas SGPS e a totalidade dos encargos financeiros suportados.

A esta luz, o ponto 7 da Circular n.º 7/2004 de 30 de Março, da DSIRC (Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), ao estabelecer que «... dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula...» prevê manifestamente um método indirecto de determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, pois com ele não se visa determinar a exactamente se houve financiamentos conexionados com a aquisição de partes de capital e os encargos efectivamente suportados com esses financiamentos, mas antes se visa determinar tais encargos com base numa presunção de que os financiamentos (passivos remunerados) das SGPS são afectados prioritariamente a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Consubstanciando a aplicação do método previsto neste ponto 7 da Circular n.º 7/2004 a utilização de um método indirecto de determinação da matéria tributável, ele só pode ser aplicado se se estiver perante uma situação incluída na lista taxativa que consta do artigo 87.º, n.º 1, da LGT («a avaliação indirecta pode efectuar-se...»).

Examinado as situações arroladas nesta norma, apenas se entrevê a possibilidade de enquadramento da situação dos autos na alínea b) que permite a avaliação indirecta em caso de «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto».

No caso em apreço, a Requerente defende que não se está perante uma situação deste tipo, pois a dificuldade de proceder a uma imputação directa dos encargos financeiros não a impediu de o fazer relativamente à quase totalidade da carteira de participações e créditos contratados e que «não tendo a ATA demonstrado ou sequer invocado a verificação dos pressupostos que legitimariam o recurso a métodos indirectos de quantificação da matéria colectável no caso vertente, é ainda o acto tributário sindicado manifestamente ilegal».

É manifesto que no Relatório da Inspecção Tributária não se faz qualquer demonstração da necessidade de utilização de métodos indirectos, e até se diz expressamente, na parte IV do Relatório da Inspecção Tributária, relativa a «MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS», que «Não aplicável ao caso em apreciação».

Aliás, em sintonia com esta afirmação sobre não haver factos que impliquem o recurso a métodos indirectos, a Autoridade Tributária e Aduaneira explica no Relatório da Inspecção Tributária as razões por que utilizou o método indirecto previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, sem fazer qualquer alusão à «impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável», exigida na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT para utilização de tais métodos.

Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere com fundamento da utilização do método indirecto previsto na Circular n.º 7/2004:

 

 A natureza fungível que assiste aos meios financeiros e, concomitantemente, a dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financeiros, a Autoridade Tributária, interpretando e aplicando a lei, fez divulgar a Circular 7/2004 de 30 de março da Direcão de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC), onde, "para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação dos resultados que o mesmo permitiria (...)", define uma forma de cálculo, permitindo identificar o montante dos encargos financeiros associados às partes de capital e por isso não deduziu fiscalmente, consistindo esta, na imputação "dos passivos remunerados das SGPS (,,.), em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.

 

            Como se vê por esta fundamentação, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou o método indirecto previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/20o4, perante a constatação da «dificuldade em estabelecer uma relação direta entre os empréstimos obtidos e os ativos financeiros», o que, à face da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º não é suficiente para viabilizar a utilização de métodos indirectos, pois apenas a permite em situações de impossibilidade de não de mera dificuldade.

            Por outro lado, na inspecção tributária apurou-se que a maioria das partes de capital que a Requerente detinha no início do exercício de 2012 tinham sido adquiridas através de entradas em espécie (página 52 do Anexo III do Relatório da Inspecção Tributária), pelo que, pelo menos quanto a essas, é demonstrável que para a sua aquisição não foram efectuados quaisquer financiamentos geradores de encargos financeiros.

            Por isso, pelo menos nesta medida em que é possível demonstrar directamente que não houve encargos financeiros suportados para aquisição de partes de capital, não era viável utilizar métodos indirectos para determinar hipotéticos encargos conexionados com tal L

Por outro lado, por força do em princípio da hierarquia das normas, enunciado no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, um acto de natureza regulamentar, como é a Circular n.º 7/2004, não pode, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer norma de natureza legislativa, como são as da LGT.

Conclui-se, assim, que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei por utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável previsto no n.º 7 da Circular n.º 7/2004 ao considerar para o cálculo efectuado partes de capital adquiridas através de entradas em espécie, relativamente às quais era possível demonstrar directamente que não foram suportados no ano de 2012 encargos financeiros com a sua aquisição.

Pelo exposto, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação das normas dos artigos 81.º, 85.º e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

O vício afecta também a liquidação de juros compensatórios, que tem como pressuposto a liquidação de IRC.

 

 

4.2. Questões de conhecimento prejudicado

 

            Afectando o vício referido o próprio cálculo da matéria tributável subjacente à liquidação impugnada, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios que a Requerente invoca, designadamente os de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

           

 

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

A)                Julgar procedente a excepção da incompetência parcial do Tribunal Arbitral, nos termos definidos no ponto 2 deste acórdão;

B)                Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios referente ao exercício de 2012, emitida sob o n.º 2016…, com data de 07-01-2016, de que resultou um valor a pagar de € 468.007,00.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC de 2013, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 468.007,00.

 

 

 Lisboa, 24-10-2016                                  

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Tomás Cantista Tavares)

 

 

 

(Maria Manuela do Nascimento Roseiro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Apesar de sustentar diferente perspectiva relativamente a alguns dos considerandos[2], votei favoravelmente a presente decisão arbitral.

É que considero que, no presente caso, a Requerente procedeu, efectivamente, à imputação directa dos encargos financeiros relativamente à quase totalidade da carteira de participações, pelo que a AT não poderia ter aplicado o método indirecto de cálculo de como se não resultasse da contabilidade a evidência de imputação de encargos em relação a grande parte dos investimentos.

 

Lisboa, 26 de Outubro de 2016

 

Manuela Roseiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto:

1. Em relação à matéria da exceção – incompetência do tribunal para analisar a repercussão na liquidação impugnada de uma Sentença arbitral (favorável ao contribuinte) relativa ao ano precedente – concordo com o sentido da decisão, mas com uma fundamentação totalmente diversa.

2. O cumprimento das Sentenças transitadas em julgado pode passar, alternativa ou cumulativamente, consoante os casos, por atos materiais (restituição de verbas, pagamento de juros, retirada de cadastro informático da Autoridade Tributária, reformulação de contas, etc.) ou por meros atos jurídicos (anulação de atos administrativos [fiscais] específicos e consequentes).

A Autoridade Tributária – na sua obrigação de cumprimento da legalidade – tem de executar espontaneamente as Sentenças, efetuando, de moto próprio, os atos materiais e jurídicos de execução da Sentença. Essa é uma obrigação relevantíssima. A AT não é uma parte privada, que defenda interesses particulares. É uma entidade pública, que defende o interesse coletivo, pautada exclusivamente pelo cumprimento da lei e obediência estrita e escrupulosa das decisões judicias.

Perante o princípio da separação de poderes, o poder judicial não pode praticar os atos materiais de execução de Sentenças – entregar o cheque, retirar o devedor da lista informática das finanças, fazer recálculos matemáticos associados... Mas entendo que poderá anular os atos jurídicos consequentes, por ilegalidade e violação do caso julgado, quando o seu objeto consista apenas numa declaração jurídica (sem atos materiais de execução) de anulação da liquidação consequente, envolvida num litígio também com esse objeto.

Coloco um exemplo: se numa impugnação judicial do ano X se discute a aceitação fiscal (ou não) de custos no valor de 1000, a qual se traduz apenas nas correções de prejuízos fiscais desse exercício – o caso julgado (com a anulação da liquidação do ano X) pressuporá o aumento nesse valor dos prejuízos fiscais em 1000 do ano seguinte (que haviam sido entretanto diminuídos na liquidação no ano X+1), porque esse crédito do ano X migra para o ano X+1, por decorrência da lei geral e do caso julgado.

A ilegalidade do ato (liquidação) antecedente provoca a ilegalidade do ato (liquidação) consequente (nessa parte) – que pode ser decretada na Sentença do ano X+1. É evidente que a questão nem se deveria colocar no processo do ano X+1, porque a AT, em execução espontânea de Sentença, teria de proceder, por sua iniciativa, à revogação do ato do ano X+1 (ou anulação parcial). Mas se o não fizer – numa atitude censurável – o juiz que analisa a liquidação do ano X+1 poderá anular a liquidação com base no caso julgado do ato antecedente?

Entendo que sim: o juiz pode (deve) anular a liquidação do ano X+1 (na parte em que define um valor de prejuízos fiscais excessivos), com base na ilegalidade da liquidação consequente, por violação do caso julgado; está a proceder à anulação da liquidação (o objeto da impugnação); entra em matéria de execução meramente jurídica (sem atos materiais) e, por isso, não se interfere com competências exclusivas de execução a cargo da Autoridade Tributária; e – não menos relevante – porque o tribunal não pode pactuar com comportamentos da AT que não procedam à revogação (anulação) oficiosa da liquidação, em execução da Sentença, sob pena, com a sua abstenção, de comprometer o poder judicial e os efeitos externos das Sentenças.

3. O facto de se curar de Sentenças arbitrais (e não dos tribunais fiscais) – em nada compromete o que se vem dizendo: o poder decisório das Sentenças do CAAD é igual ao dos tribunais fiscais – o caso julgado tem o mesmo valor (não há um caso julgado de “primeira” e outro de “segunda”); o objeto do litígio no ano subsequente é a anulação da liquidação do ano X+1, por ofensa do caso julgado – e essa é a competência dos tribunais arbitrais: a declaração de ilegalidade das liquidações de imposto [art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT].

4. Entendo, no caso concreto, que a Sentença do processo arbitral 231/2015-T (transitada em julgado, com conteúdo favorável ao Requerente) projeta-se também na liquidação de imposto agora em causa. O imposto da liquidação em análise é excessivo, também porque parte de uma matéria coletável – que deve ser diminuída por efeito da decisão arbitral anterior. Mas, na minha opinião, a exata concretização e quantificação deste efeito exige um conjunto complexo de contas e atos materiais de execução – como aliás o requerente o indica nos artigos 47.º e 49.º da sua PI. Ora, esta tarefa está vedada ao poder judicial, como referi supra (ponto 2). E, apenas por isso, entendo que o Tribunal não tem competência para a decisão.

5. Poder-se-ia objetar dizendo que a Sentença poderia apenas afirmar o raciocínio jurídico: a liquidação em causa deveria ser anulada, na medida e na parte em que se sustenta numa matéria coletável excessiva, por efeito da Sentença arbitral anterior. Mas isso, convenhamos, pouco ou nada de novo traria face à sentença anterior e sobretudo continuaria a exigir uma execução de Sentença, a qual a AT já está absolutamente vinculada por efeito da decisão arbitral anterior.

 

Lisboa, 22 de Outubro de 2016

Tomás Cantista Tavares

 



[1]              Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02-04-2014, processo n.º 01510/13, em que se refere que «no caso de a impossibilidade de avaliação directa ser meramente parcial (...), o recurso à avaliação indirecta deve limitar-se também à parte da matéria tributável que não é viável determinar através de avaliação directa», «em cumprimento da regra fundamental que radica no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (art. 104º nº 2 da CRP)».

[2] Tal como entender que “o nº 2 do artigo 32º do EBF consagra um benefício fiscal - a não consideração das mais-valias para a formação do lucro tributável – sendo indissociável da sua aplicação a desconsideração das menos valias e dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes pelo que a apreciação sobre a afectação dos encargos é componente da própria aplicação do benefício no seu todo, aplicando-se-lhe a regra do ónus da prova de acordo com os artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT.” (declaração de voto no Processo 69/2016-T).