Decisão Arbitral [1]
O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Maio de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A A…, S.A., Pessoa Colectiva nº…, com sede na Rua …, nº…, … andar, …, em … (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 26 de Fevereiro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
1.2. A Requerente “(…) pede que a presente acção seja julgada inteiramente provada e procedente, e por via disso declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de imposto do selo nela impugnado, com todas as consequências de lei, designadamente a condenação do ora impugnado a restituir à ora impugnante o valor do imposto pago de € 22.587,20 acrescido de juros indemnizatórios desde o pagamento até à data da sua integral restituição”.
1.3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29 de Fevereiro de 2016 e notificado à Requerida na mesma data.
1.4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 27 de Abril de 2016, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
1.5. Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
1.6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12 de Maio de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
1.7. Em 13 de Maio de 2016, a Requerente apresentou requerimento no sentido solicitar a ampliação do pedido de pronúncia arbitral apresentado, tendo em consideração que foi “(…) notificada na pendência do pedido de constituição do presente tribunal arbitral de outro acto de liquidação entretanto emitido por referência ao ano de 2015, com o mesmo fundamento e valor (…)”, requerendo que “(…) seja admitida a ampliação do pedido para que o processo prossiga para declaração de ilegalidade e consequente anulação deste, conjuntamente com aquele que integrou o seu objecto primitivo, nos mesmos termos e com idênticos fundamentos de facto e de direito oportunamente indicados na petição inicial destes autos (…), visando deste modo salvaguardar os princípios da economia processual e uniformidade de decisões (…)”.
1.8. Por despacho arbitral de 16 de Maio de 2016, foi a Requerida notificada “(…) em consonância com o princípio do contraditório consignado no artigo 16º, alínea a) do RJAT, para no prazo da Resposta se pronunciar sobre o requerimento de ampliação do pedido (…)” apresentado pela Requerente.
1.9. Em 20 de Junho de 2016, a Requerida apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e impugnação e concluído que:
1.9.1. “Deve a excepção de caducidade do direito à acção proceder, ou, não se entendendo assim (…)”;
1.9.2. “Deve o Tribunal abster-se de conhecer e se pronunciar sobre a avaliação já cimentada na ordem jurídico-tributária em face da manifesta incompetência material deste Tribunal e, em consequência”;
1.9.3. “Deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo, com as legais consequências”;
1.9.4. “Mais, estribando-se os fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral essencialmente na (suposta) desconformidade constitucional da aludida Verba 28.1 do CIS, caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e (…) recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, requer-se, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, seja determinada a notificação ao Ministério Público do douto acórdão arbitral, a fim de que este dê cumprimento as suas prerrogativas legais”.
1.10. Em consequência, por despacho arbitral datado de 21 de Junho de 2016, a Requerente foi notificada para “(…) no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida pela Requerida na resposta apresentada em 20 de Junho de 2016”.
1.11. Nesta conformidade, a Requerente pronunciou-se, em 30 de Junho de 2016, quanto às excepções invocadas pela Requerida, tendo concluído no sentido de deverem as mesmas ser “(…) julgadas improcedentes e a acção prosseguir os seus demais termos até final”.
1.12. Na verdade, segundo a Requerente, “o termo do prazo para pagamento voluntário relevante para aferir da tempestividade da respectiva impugnação, queda-se em 30 de Novembro de 2015 (…) e não em 30 de Abril de 2015 (…)”, sendo que “o prazo de caducidade do direito à acção se conta desde o termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação do imposto, pressupondo (…) a não verificação de situações de vencimento antecipado (…)”, pelo que nesta matéria conclui que “(…) deve improceder a excepção de extemporaneidade do pedido”.[2]
1.13. Por outro lado, e no que diz respeito à alegada inexistência do acto tributário, a Requerente reitera que “(…) a pretensão anulatória formulada dirige-se contra actos de liquidação de imposto do selo”, esclarecendo que “(…) não desconhece que estes não deixam de encerrar em si a natureza una e indivisível comum a qualquer acto de liquidação”, pelo que “a ora Requerente não dirigiu o seu pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação contra nenhuma das 3 prestações de pagamento das liquidações de imposto do selo, isoladamente (…) mas sim contra os actos de liquidação a que todas as prestações a pagamento se referem (…)”, concluindo ser por isso “(…) inquestionável que a apreciação da legalidade das mesmas [liquidações de imposto do selo] se inclui na competência do Tribunal Arbitral (…)”.
1.14. Já no que diz respeito à alegada incompetência material do tribunal arbitral, a Requerente remete para as razões invocadas nos artigos 24º a 35º do pedido apresentado que, no seu entender, “(…) obstam a esse entendimento (…)”, defendendo que “ao contrário do que entende a AT (…), a errada inscrição matricial de um prédio como terreno para construção constitui um vício susceptível de ser invocado e conhecido no âmbito dos (…) autos, sob pena de inconstitucionalidade da norma em que um entendimento contrário se possa fundar, por violação do princípio da tutela judicial efectiva e do princípio da justiça”.
1.15. Ora, tendo em consideração o facto de a Requerida não se ter pronunciado, na sua Resposta, sobre a ampliação do pedido formulada pela Requerente, no prazo concedido pelo despacho arbitral de 16 de Maio de 2016 (vide ponto 1.8., supra), foi proferido, em 6 de Julho de 2016, novo despacho arbitral no sentido de conceder à Requerida um novo prazo de 5 dias, não prorrogável, para o fazer.
1.16. Em 11 de Julho de 2016 a Requerida apresentou requerimento no sentido de se pronunciar sobre a possibilidade de ampliação do pedido, não podendo “(…) anuir ao pedido formulado pela Requerente porquanto, o documento ora junto e as formulações aduzidas (…) e que as eles lhe subjazem, não refletem, em momento algum, um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (…)”, porquanto entende que “a Requerente não logra, nem tão pouco tenta, demonstrar que, daquele documento, se possa inferir que a ampliação requerida seja uma natural consequência ou desenvolvimento do pedido plasmado no douto pedido de pronúncia arbitral que deu entrada no Tribunal Arbitral no pretérito dia 29-02-2016”.
1.17. Assim, prossegue a Requerida reiterando que “a ampliação do pedido por motivo do desenvolvimento ou de consequência do pedido primitivo implica a distinção entre ampliação e cumulação, o que se faz relacionando o pedido com a causa de pedir”, dado que “a junção deste documento consubstancia uma cumulação (…) porquanto não se limita a extrair mais consequências de uma essencialmente idêntica causa de pedir – antes acresce ex novo ao primeiro, com objecto diverso”, pelo que “(…) veemente se opõe à (…) ampliação, que em si não é mais do que uma cumulação de pedidos que, nesta fase processual, não se afigura como comportável e/ou legal”.
1.18. Por despacho arbitral datado de 15 de Julho de 2016, o Tribunal Arbitral entendeu que “(…) que a causa de pedir subjacente ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2014 tem idêntica natureza da que é aplicável ao pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015. Ou seja, entende este Tribunal ser possível defender que ambas as causas de pedir se integram no mesmo complexo de factos invocados pela Requerente [aferição da legalidade da incidência do Imposto do Selo da verba 28 da TGIS sobre um terreno (identificado nos autos e propriedade da Requerente), que não reúne, segundo alega a Requerente, os requisitos de incidência daquele imposto]. Nestes termos, não obstante a posição assumida pela Requerida, entende este Tribunal que se verificam os pressupostos legais da ampliação do pedido pelo que, na procedência do alegado pela Requerente, se admite a ampliação do pedido inicial de EUR 22.587,20 para EUR 45.174,40, alterando-se, nesta conformidade, o valor do processo para este valor de EUR 45.174,40, passando assim este a também incluir os actos tributários consubstanciados nas notas de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015 (e não só as relativas ao ano de 2014), relativas ao mesmo prédio (terreno)”.
1.19. Assim, por despacho arbitral, datado de 26 de Julho de 2016, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º RJAT, do contraditório [alínea a)] da igualdade das partes [alínea b)], da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis, previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, decidiu este Tribunal Arbitral o seguinte:
1.19.1. Prescindir da realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;
1.19.2. Não prescindir da apresentação de alegações e, em consequência, notificar a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar da data da notificação da junção das alegações da Requerente ou do termo do prazo concedido para o efeito (no caso daquela não apresentar alegações);
1.19.3. Designar o dia 07 de Outubro de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.
1.20. A Requerente foi ainda advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a fazer em 12 de Setembro de 2016, conforme ponto 1.23., abaixo).
1.21. Em 12 de Setembro de 2016, a Requerente apresentou as suas alegações escritas no sentido de esclarecer que “constituem objecto da (…) impugnação arbitral os actos de liquidação de imposto do selo (…) relativos a 2014 e 2015, emitidos (…) sobre o VPT (…) do prédio inscrito como terreno para construção na matriz predial (…)” e que o que está em causa nos autos é saber se:
1.21.1. “A referida inscrição matricial do prédio como terreno para construção deverá prevalecer sobre a sua comprovada inaptidão edificativa e construtiva; e caso a resposta seja afirmativa (…)”,
1.21.2. “A verba 28.1. da TGIS, na redacção da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional”.
1.22. Nesta matéria, a Requerente reiterou os argumentos já apresentados com o pedido de pronúncia arbitral, nomeadamente, o facto de estarmos “(…) perante um prédio cuja capacidade edificativa estava efectivamente vedada (…) à data em que se verificaram ambos os factos tributáveis, circunstância que nem sequer a AT pôs em causa”.
1.23. Na mesma data, apresentou requerimento no sentido de demonstrar o pagamento de “(…) €1.530 relativo ao adicional de €459 à taxa de arbitragem inicial (…) paga com a p.i. [no montante de EUR EUR 612,00] acrescido da taxa de arbitragem subsequente de € 1.071 (…)”.
1.24. Em 20 de Setembro de 2016, a Requerida apresentou as suas alegações escritas no sentido de reiterar que “as (…) alegações da Requerente (…) nada de novo acrescentam à tese que havia sido (…) desenvolvida no requerimento inicial”, pelo que nada obsta “(…) à procedência da argumentação desenvolvida pela AT em sede de Resposta”.
2. CAUSA DE PEDIR
A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
2.1. Começa por esclarecer que “(…) notificada do acto de liquidação de imposto do selo no valor de € 22.587,20, relativo a 2014 (…) vem (…) dele deduzir IMPUGNAÇÃO (…)”, sendo que “o imposto impugnado foi liquidado à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de € 2.258.720 do prédio (…) que é propriedade da ora Requerente (…)” e que foi o mesmo “(…) integralmente pago (…) em três prestações iguais e sucessivas em 29 de Abril, 27 de Julho e 11 de Novembro do ano de 2015 (…)”.
2.2. Segundo a Requerente, “o prédio acha-se localizado na Freguesia do … do Concelho da ... e ocupa uma área sem construção e fora de um aglomerado urbano correspondente a 100 hectares sitos entre a … e a …”, estando “(…) integrado na Rede Natura 2000, sítio das…, … e … (código PT…) que se estende desde a … até à …(…)”.
2.3. Neste âmbito, refere a Requerente que “o prédio acha-se incluído na área da REN delimitada pela Portaria n.º 1046/93, de 18 de Agosto, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, que estabelece o regime da reserva ecológica nacional”, sendo que “o Regulamento do Plano Director Municipal (PDM) da ..., ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/94, de 18 de Junho, obriga, no seu art.º 10º, sob a epígrafe Reserva Ecológica Nacional, a que a área do prédio seja objecto de um plano de pormenor, de acordo com o disposto no art.º 46º (…)”.
2.4. Neste sentido, esclarece a Requerente que “a resolução de ratificação do PDM ressalva (…) que o plano de pormenor referido (…) implica uma alteração ao PDM e à desafectação da REN, pelo que esse plano de pormenor está sujeito a ratificação e aos demais trâmites e formalidades legais, designadamente ao disposto no Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, no respeitante à alteração da Reserva Ecológica Nacional (…)”.
2.5. Entende a Requerente que “para que no prédio dos autos fosse lícito construir, era assim necessário alterar a sua classificação, excluindo-o das áreas classificadas como REN”, “(…) procedimento complexo exigindo a intervenção prévia do Município da ..., da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, da Comissão Nacional da REN e, por fim, do Governo”.
2.6. Nestes termos, “agindo em conformidade com este pressuposto, a Câmara Municipal da ... pôs em marcha o procedimento de alteração da delimitação da REN do seu município, visando com isso a aprovação do plano de pormenor relativo à … (…)”, tendo “(…) o Governo, por despacho de 11 de Agosto de 2009 do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades (…)” indeferido “(…) a desafectação da área do prédio da REN, porquanto, no seu entender, a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) previamente emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente teria entretanto caducado (…)”.
2.7. Assim, “(…) tendo presente que será realizada uma avaliação de impacte ambiental previamente à execução do projecto, considera-se que a exclusão de áreas da REN deve aguardar o resultado da referida avaliação (…)”, pelo que “o plano de pormenor que abrangeria a área do prédio da Requerente nunca foi objecto da obrigatória ratificação pelo Governo e publicação em Diário da República, (…) elementos essenciais da sua entrada em vigor (…) pois, com efeito, o procedimento de desafectação da REN não procedeu”.
2.8. Ora, esclarece assim a Requerente que “não existiu portanto, nem existe, um plano de pormenor válido e eficaz que permitisse enquadrar juridicamente o projecto que a ora Requerente pretendia levar a cabo, o que inviabilizou e inviabiliza a construção por força de um processo administrativo que penosamente se vem arrastando há cerca de 16 anos (…)”, porquanto “o despacho de 11 de Agosto de 2009 manteve (…) intacta a delimitação originária da REN do município da ... que proíbe (…) realizar qualquer operação de loteamento, urbanização, construção, ampliação, vias de comunicação, escavações e aterros; quer por força da lei então vigente (…) quer à luz da lei actualmente em vigor (…) que estabelece o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional”.
2.9. Em consequência, conclui a Requerente que “(…) o prédio dos autos é, como era à data do facto tributável, legalmente inapto para o loteamento, construção e edificação, porquanto tudo isso sempre dependeria, por um lado, da sua prévia exclusão da REN e, por outro lado, da prévia entrada em vigor de um plano de pormenor que autorizasse o loteamento, a construção e a edificação”, pelo que estando, segundo a Requerente “(…) perante um terreno em que as entidades competentes [vedaram] qualquer daquelas operações [de loteamento ou de construção], designadamente [porque] localizado em zonas verdes, áreas protegidas”, se tratará “(…) de um caso que o Código do IMI expressamente mandou excluir da classificação como terreno para construção (cfr. art.º 6º, 3), e incluir na classificação como prédio rústico (cfr. art.º 3º, 1)”.
2.10. Em consequência, conclui a Requerente que “(…) sobre os prédios rústicos não incide o imposto do selo previsto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (…)”
2.11. E porque entende a Requerente “(…) as matrizes prediais não têm força probatória plena, (…) o contribuinte pode fazer valer que a realidade substantiva é diferente da constante da matriz predial, não podendo essa realidade deixar de predominar enquanto expressão da verdade material (…)”[3], tanto mais que “a circunstância de o acto de inscrição na matriz como terreno para construção se afigurar imediatamente sindicável, não obsta a que, não tendo este sido autonomamente sindicado, o possa ainda ser em sede de impugnação judicial ou arbitral da liquidação do tributo que lhe é consequente (…)”.[4] [5]
2.12. Assim, segundo a Requerente, nada obsta a que esta “(…) possa invocar a ilegalidade do acto de liquidação ora impugnado com fundamento na errada inscrição matricial do prédio que o precedeu e que assim determinou uma liquidação de imposto ostensivamente ferida de ilegalidade por falta do pressuposto da incidência”.
2.13. Adicionalmente, vem a Requerente invocar a inconstitucionalidade da actual redacção da verba 28.1. da TGIS porquanto entende que o imposto que daí resulte representa “(…) uma lesão do princípio da igualdade (…)”, através da promoção “(…) da diferença de tratamento (…)”, conduzindo a desvios ao princípio da “(…) capacidade contributiva decorrente da titularidade de activos imobiliários de igual valor (…)”.
2.14. Nestes termos, conclui a Requerente pedindo que “(…) a presente acção seja julgada inteiramente provada e procedente, e por via disso declarado ilegal e anulado o acto de liquidação de imposto do selo nela impugnado, com todas as consequências (…) designadamente a condenação do ora impugnado a restituir à ora impugnante o valor do imposto pago (…) acrescido de juros indemnizatórios desde o pagamento até à data da sua integral restituição”.[6]
2.15. Para efeitos de prova que o terreno subjacente às liquidações de Imposto do Selo em crise está integrado na REN e, por isso, não pode ser considerado um terreno para construção, a Requerente requereu que fosse oficiado “(…) o Presidente da Câmara Municipal da ... a vir aos autos informar se em 31 de Dezembro de 2014 (…) estava a ora Requerente legalmente autorizada a executar obras de construção ou edificação no prédio a que os presentes autos se referem”.
3. RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida respondeu, por excepção e impugnação, sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo invocado os seguintes argumentos:
Da extemporaneidade do pedido
3.2. Começa por alegar que “(…) o presente pedido de pronúncia arbitral é, manifestamente, extemporâneo” porquanto, refere a Requerida que “a liquidação do imposto, conforme data que consta de todas as 3 notas de cobrança juntas (…) é de 20.03.2015, e o primeiro prazo de pagamento voluntário ocorreu em Abril de 2015 (…)” sendo que “(…) o prazo para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias a contar do termo do prazo para o pagamento voluntário do imposto, ou seja, o prazo para pedir a constituição do tribunal arbitral terminou no dia 29.07.2015”, “pelo que, tendo este pedido sido apresentado em 26.02.2016 (….) é (…) manifestamente extemporâneo” (sublinhado da Requerida).[7]
Da incompetência do tribunal arbitral, em face da inexistência de acto tributário
3.3. Prossegue a Requerida alegando que “(…) o acto objecto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal arbitral”, porquanto entende que “(…) a Requerente não impugna um acto tributário, mas impugna, antes, o pagamento de uma prestação de um acto tributário constante de uma nota de cobrança, isto é, o objecto do processo é a anulação não de um acto tributário, mas sim de uma nota de cobrança para o pagamento da 3.ª prestação de um imposto”, “matéria esta que não consta, em absoluto, do conjunto da norma que delimita a competência dos tribunais arbitrais tributários, constante do art.º 2.º do RJAT” (sublinhado da Requerida).
3.4. Nestes termos, defende a Requerida que “(…) o Tribunal Arbitral é incompetente para a apreciação do pedido formulado”, facto que para a Requerida “(…) obsta ao prosseguimento do processo, bem como a apreciação de mérito da causa”.[8]
Da incompetência material do tribunal arbitral, para sindicar actos de avaliação e de inscrição na matriz
3.5. Mais entende ainda a Requerida que “(…) o Tribunal é ainda materialmente incompetente (…)” porquanto “considerando (…) que a Requerente pretende que (…) seja sindicada, na realidade, a avaliação do prédio em causa e que per si é o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto de selo em causa (…)”, “a natureza de um prédio (…) não é passível de ser discutida em sede arbitral (…)”, tendo em consideração, segundo a Requerida, “não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar, aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reacção já precludiram todos” (negrito da Requerida).
3.6. Ou seja, segundo defende a Requerida, “(…) está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral, a sindicância e/ou análise de actos de avaliação e inscrição matricial” (negrito e sublinhado da Requerida).
Da alegada (mas inexistente) inexistência dos pressupostos de facto e de direito da liquidação
3.7. Prossegue a Requerida a sua defesa referindo que embora a Requerente considere que “(…) o conceito de terreno para construção tal como consta nos documentos matriciais, de avaliação e da MOD. 1 do IMI, não integra o conceito de prédio afecto a habitação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1.º, do CIS e da mesma Verba 28.1.”, “o prédio em causa tem natureza de terreno para construção, conforme consta das cadernetas predial, e da ficha de avaliação, onde não existem edificações ou construções”, sendo que “(…) a afectação do terreno em causa foi estipulado aquando da reavaliação do prédio, e a Requerente nunca reclamou contra aquela”.
3.8. Assim, entende a Requerida que “(…) não assiste qualquer razão à Requerente, impugnando-se desde já a totalidade dos argumentos por si aduzidos”, inexistindo “(…) qualquer sustentação para a propugnada ilegalidade que a Requerente pretende imputar à liquidação sub judice, tendo a Requerida actuado no estrito cumprimento da lei, à qual está rigorosamente vinculada, subsumindo o facto tributário à expressa previsão normativa”.
3.9. Nestes termos, reitera a Requerida que “(…) a liquidação em crise consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei”.
Das alegadas (mas inexistentes) inconstitucionalidades invocadas
Do princípio da igualdade stricto sensu e na sua vertente do princípio da capacidade contributiva
3.10. Neste âmbito, sustenta a Requerida que “(…) na presente contenda não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo-se cingir à sua apreciação na vertente da sua conformação (manifesta, diga-se) com o texto constitucional”, porquanto entende que “(…) a verba 28 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa”.
3.11. Com efeito, defende a Requerida que “o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto”, tratando-se assim de “(…) uma norma de caráter geral e abstrato, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se preencham os respetivos pressupostos de facto e de direito” (sublinhado da Requerida).
Dos prédios com afectação diversa da habitacional
3.12. Segundo a Requerida, “(…) como o tratamento diferenciado encontra justificação material bastante, mostra-se respeitado o princípio da igualdade, quer per si, quer na sua dimensão da igualdade proporcional”, pelo que “entende a AT que a previsão da verba 28.º da TGIS não consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade do art.º 13.º da CRP”, porquanto “a verba 28.1 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (…)”, tratando-se “(…) de uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito” (negrito e sublinhado da Requerida).[9]
Dos juros indemnizatórios
3.13. Nesta matéria, segundo a Requerida, “(…) em face de tudo o quanto vem ante dito, não se poderá nunca (…) considerar que tenha existido erro imputável aos serviços, na emissão das liquidações em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios”, pelo que se encontra “(…) afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios (…)” (sublinhado da Requerida).
Conclusão
3.14. Nestes termos, entende a Requerida que “(…) as liquidações em crise consubstanciam uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja da CRP ou do CIS, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido”.
4. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES PRÉVIAS – MATÉRIA DE EXCEPÇÃO
4.1. De acordo com o disposto no artigo 608º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 22º do RJAT, “(…) a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” devendo o juiz “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)” (sublinhado nosso).
4.2. Tendo a Requerida invocado as excepções a seguir identificadas:
4.2.1. “Da extemporaneidade do pedido”;
4.2.2. “Da incompetência do tribunal arbitral, em face da inexistência de acto tributário”;
4.2.3. “Da incompetência material do tribunal arbitral, para sindicar actos de avaliação e inscrição na matriz”;
impõe-se que este Tribunal Arbitral se pronuncie, previamente, sobre as mesmas.
Da extemporaneidade do pedido
4.3. No caso em análise, a Requerente peticionou, inicialmente, a anulação da liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2014, efectuada em 20 de Março de 2015, no valor de EUR 22.587,20, “(…) com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno (…) inscrito na matriz predial da freguesia do …, concelho da ..., distrito de Coimbra sob o artigo matricial … (…)” e, posteriormente (vide ponto 1.7., supra) peticionou a anulação da liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2015, efectuada em 5 de Abril de 2016, no mesmo montante e com referência ao mesmo tereno.[10]
4.4. Ora, sendo cada uma das liquidações de Imposto do Selo impugnadas (relativas ao ano 2014 e 2015), um acto tributário indivisível (nos termos do disposto nos artigos 120º e 113º, nº 1 do Código do IMI, aplicáveis por remissão do disposto no nº 7 do artigo 23º do Código do Imposto do Selo), apesar de o seu pagamento ser efectuado em três prestações (Abril, Julho e Novembro de 2015 e 2016), este pagamento em prestações não é mais do que uma técnica de arrecadação do imposto e não um pagamento parcial propriamente dito.[11]
4.5. Nestes termos, para efeitos de contagem do prazo previsto no artigo 10º do RJAT, este deverá ser aferido em função do “termo do prazo para pagamento de cada um das prestações tributários legalmente notificadas” e, dado que a lei não compreende a impugnação autónoma de cada uma das prestações de imposto da verba nº 28 do Imposto do Selo (constante de cada uma das notas de cobrança que respeitam a cada uma das liquidações objecto do pedido), à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral (26 de Fevereiro de 2016) estava ainda em curso o prazo de 90 dias (previsto no artigo 10º do RJAT), a contar do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento da 3ª prestação relativa à liquidação de Imposto do Selo do ano 2014 (30 de Novembro de 2015), pelo que se conclui que o pedido é tempestivo.[12]
4.6. Nestes termos, considera o Tribunal Arbitral improcedente a excepção da extemporaneidade do pedido invocado pela Requerida.
Da incompetência do Tribunal Arbitral
4.7. Neste âmbito, sendo a determinação da competência dos tribunais uma matéria de ordem pública e o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria, [conforme se extrai da leitura conjugada do disposto nos artigos 16º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do 96º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão do nº 1 do artigo 29º do RJAT], caso seja julgada procedente, ficará prejudicado o conhecimento do mérito da causa, justificado com uma decisão de absolvição da instância [artigo 89º, nº 2 do CPTA, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c) do RJAT].
4.8. Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, bem como “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. [13]
4.9. Por outro lado, determina o artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT) que “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”, podendo ser considerados lesivos, nomeadamente, “a liquidação de tributos (…)”.
4.10. Neste âmbito, veio a Requerida defender que “o acto objecto de pedido de pronúncia arbitral extravasa a competência do Tribunal Arbitral” ou seja, que este “é incompetente para a apreciação do pedido formulado, qual seja o da legalidade de uma mera nota de cobrança”, concluindo pela inexistência de acto tributário.
4.11. A este respeito, a Requerente afirma no seu pedido que “(…) notificada do acto de liquidação de imposto do selo no valor de €22.587,20, relativo a 2014 (…) vem (…) dele deduzir Impugnação (…)”, referindo-se ao longo do articulado ao “imposto impugnado”, ou seja, ao Imposto do Selo que resulta da aplicação da taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio descrito nos autos e concluindo com o pedido de “(…) condenação do ora impugnado a restituir à ora impugnante o valor do imposto pago de € 22.587,20 (…)” [14]
4.12. Assim, perante o pedido formulado, facilmente se verifica e confirma que a Requerente não impugna (contrariamente ao alegado pela Requerida) uma só nota de cobrança (pagamento da 3ª prestação de imposto relativa ao ano 2014) mas sim o acto tributário que definiu a colecta do Imposto do Selo relativo ao 2014 (do prédio identificado nos autos), bem como o acto tributário que definiu a respectiva colecta referente ao ano 2015.
4.13. Neste âmbito, conforme defende José Casalta Nabais, “a liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto (e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas)” enquanto “a liquidação stricto sensu” se traduz “na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável e as (eventuais) deduções à colecta” (sublinhado nosso). [15]
4.14. Assim, para cada facto tributário haverá, em princípio, uma única liquidação pela qual se determinará a coleta a pagar, entendimento este que decorre do disposto no artigo 23º, nº 7, do Código do Imposto de Selo, nos termos do qual se refere que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba nº 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente (…) aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no Código do IMI”.
4.15. Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 113º, nº 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), a liquidação é efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte àquele a que respeito e ainda que possa ser paga em várias prestações, não decorre deste facto que tenham ocorrido várias liquidações. [16]
4.16. Na verdade, a liquidação de imposto é só uma e só ela constituirá um acto lesivo, susceptível de ser objecto de uma única impugnação [17], pelo que quando a lei prevê o seu pagamento em várias prestações, escalonadas no tempo, a anulação do acto tributário terá consequências relativamente a todas elas, fazendo cessar a obrigação de pagar ou impondo a obrigação de restituição dos montantes de imposto já pagos pelo sujeito passivo, bem como o ressarcimento da situação através do pagamento de juros compensatórios, tudo a cargo da Autoridade Tributária.
4.17. Nestes termos, considera o Tribunal Arbitral improcedente a excepção da inimpugnabilidade dos actos invocada pela Requerida, porquanto se considera, face ao acima descrito, que a Requerente impugna os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos aos anos de 2014 e 2015 e não apensas notas de cobrança isoladas.[18]
Da incompetência material do Tribunal Arbitral para sindicar actos de avaliação e inscrição na matriz
4.18. De acordo com a Requerida, a Requerente pretende com o seu pedido que o Tribunal Arbitral aprecie a avaliação do prédio em causa e que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação de Imposto do Selo, matéria que não é passível de ser discutida em sede arbitral.
4.19. Com efeito, segundo a Requerida, “a natureza de um prédio (…) não é susceptível de ser discutida em sede arbitral, para tal existirem procedimento próprios (…) e, como (…) referido, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos”, sendo que “os factos sobre os quais a Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feiro tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica”.
4.20. Neste âmbito, e na resposta a esta excepção, defende-se a Requerente, reiterando os argumentos apresentados em sede do pedido e referindo que “(…) a posição sustentada pela AT tem como consequência que o contribuinte que não impugnou autonomamente o acto de inscrição matricial, como poderia ter feito, deixa de poder impugnar a liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele acto”, pelo que “não pode deixar de se reconhecer que se trataria de uma consequência excessivamente onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de actos que o prejudicam gravemente (…) com a impossibilidade de impugnar o acto de inscrição matricial no âmbito do processo de impugnação de liquidação de tributo consequente”, concluindo que “tratar-se-ia (…) de uma ofensa intolerável ao princípio da tutela judicial efectiva e ao princípio da justiça (…)”.[19]
4.21. Ora, quanto a esta questão, entende este Tribunal que a Requerente não pede que o Tribunal Arbitral aprecie o imóvel quanto à sua classificação enquanto prédio e respectiva afetação, pedindo sim que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a existência (ou não) de fundamento normativo para a emissão das liquidações de Imposto do Selo em crise.
4.22. Na verdade, a Requerente sustenta que não pode caber na previsão normativa da verba 28.1 da TGIS o prédio sua propriedade, porquanto o mesmo não é terreno para construção, cuja edificação autorizada e prevista seja para habitação, porquanto o referido prédio está integrado “(…) na Rede Natura 2000, sítio das…, … e …(…) que se estende desde a … até à … (…)”, encontrando-se incluído na “(…) área da REN delimitada pela Portaria nº 1046/93, de 18 de Agosto, ao abrigo do Decreto-lei nº 93/90, de 19 de Março, que estabelece o regime de reserva ecológica nacional (…)”.
4.23. Com efeito, apesar de a redação da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194º da Lei nº 83º-C/2013, de 31 de Dezembro, ter alargado de forma inovadora o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir, de uma forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista edificação para habitação, o que a Requerente contesta é a emissão das notas de liquidação de Imposto do Selo relativas ao seu prédio (que, segundo considera, não pode ser classificado como um terreno para construção e por isso, muito menos ser classificado como terreno para construção com afectação habitacional), porquanto o mesmo está classificado no PDM como integrado na REN, mesmo que aquela classificação seja a indicada da caderneta predial (em consequência da respetiva avaliação do prédio efectuada em 15 de Março de 2013).
4.24. Não obstante, como refere a Requerida, decorrer “do acervo documental dos autos que em momento algum a Requerente questionou tempestivamente a avaliação (…) do prédio em causa e da natureza que lhe foi conferida naquela avaliação (…)” não pode o Tribunal Arbitral concordar que “(…) lhe deverá ser vedado qualquer ensaio de, por este meio (…) vir sindicar qualquer avaliação”.
4.25. Na verdade, conforme vertido no Acórdão do STA nº 0330/16, de 6 de Julho, “pese embora não ter sido apresentado um requerimento de 2.ª avaliação do imóvel, e sem definir qual a consequência para efeito de liquidação de IMI, por tal não ser objecto do recurso, a impossibilidade de construção no referido imóvel, devidamente comprovada, não pode deixar de ser relevante para efeito de liquidação de imposto de selo, cobrado tendo por pressuposto a capacidade edificativa, que se verifica não existir de facto. O certo é que o imposto de selo foi calculado tendo por base a capacidade construtiva do prédio que inexiste, sendo este um dos pressupostos de facto do acto de liquidação” (sublinhado nossos).
4.26. Por outro lado, tendo em consideração o defendido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2015, de 29 de Setembro, citando Jorge Miranda e Rui Medeiros (in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pág. 190), é referido que “(…) muito embora disponha o legislador de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus às partes, o que é certo é que o direito ao processo inculca que os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, nºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva”.
4.27. Assim, nos termos daquele Acórdão, sempre que um contribuinte não tenha impugnado autonomamente um acto, como o poderia ter feito, não pode deixar de poder impugnar a liquidação do imposto com fundamento em vícios daquele acto pois “não pode deixar de se reconhecer que se trata de uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de actos que o prejudicam gravemente (…)”.
4.28. Se é verdade que a Requerente poderia ter utilizado os mecanismos previstos na lei para colocar em causa a avaliação efectuada pela Requerida, “a sua escolha em não o fazer (…) foi, naquele quadro legal, perfeitamente legítima (…)” pois “não só não se encontra qualquer norma legal que tenha operado a transformação da faculdade de impugnar em ónus de impugnar, como, tratando-se, como se tratou, de acto lesivo, nem sequer seria admissível a existência de tal norma” (sublinhado nosso).
4.29. Nestes termos, entende-se que “(…) impedir que a impugnação do acto de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do acto (…)” de avaliação, seria desproteger gravemente os direitos da Requerente, ofendendo o princípio da tutela judicial e o princípio da justiça (sublinhado nosso).
4.30. Em consequência, face ao acima exposto, considera o Tribunal Arbitral improcedente a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para sindicar actos de avaliação e inscrição na matriz, invocada pela Requerida, porquanto se entende que a Requerente impugna os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos aos anos de 2014 e 2015 e os efeitos deles decorrentes.
5. SANEADOR
5.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, conforme análise efectuada nos pontos 4.3. a 4.6., supra.
5.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
5.3. A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.[20]
5.4. O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, conforme análise efectuada nos pontos 4.7. a 4.30., supra.
5.5. No que diz respeito ao valor do Pedido de Pronúncia Arbitral, o mesmo corresponderá ao total valor da utilidade económica do pedido (inicial e subsequente), ou seja, ao valor de Imposto do Selo no montante de “(…) € 22.587,20, relativo a 2014 (…)”, acrescido do montante de imposto respeitante ao ano de 2015 (no mesmo montante de EUR 22.587,20) num total de EUR 45.174,40, com implicações no montante de custas finais do processo, as quais de acordo com o disposto no artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem, serão fixadas pelo Tribunal Arbitral, no capítulo da Decisão.
5.6. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer.
5.7. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
6. MATÉRIA DE FACTO
6.1. Dos factos provados
6.2. Consideram-se como provados os seguintes factos:
6.2.1. A Requerente é proprietária do seguinte prédio descrito na matriz predial urbana, em conformidade com avaliação efectuada em 2015, como a seguir se descreve:
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
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VPT (EUR)
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DOC
|
FREGUESIA
|
ARTIGO MATRICIAL
|
…
(…)
|
U-…
|
2.258.720,00
|
2[21]
|
6.2.2. O prédio acima descrito integra a rede Natura 2000 (…, …e …), que se estende desde a … até …, conforme alegado e demonstrado pela Requerente (conforme doc. nº 4, 5 e 6 anexados com o pedido).
6.2.3. Através da Portaria nº 1046/93, de 18 de Outubro, e ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março (com a redacção dada pelos Decretos-Leis nº 316/90 e 213/92, de 13 e 12 de Outubro, respectivamente) mandou o Governo de então que fossem aprovadas as áreas a integrar e a excluir da REN relativas ao concelho da ... (conforme doc. nº 7 anexado com o pedido).
6.2.4. Das áreas acima referidas, identificadas na Portaria mencionada no ponto anterior, fazia parte a enquadrada na proposta de ordenamento constante do Plano de Pormenor da … (exclusão da REN para ocupação turística), a qual foi apresentada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR-C), conforme doc. nº 8 anexado com o pedido.
6.2.5. No Regulamento do Plano Director Municipal (PDM) da ..., ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 42/94, de 18 de Junho, anexado pela Requerente como doc. nº 8 [e republicado, após aprovação da 4ª alteração, no Diário da República nº 211, de 31 de Outubro de 2013, 2ª Série (Parte H), conforme cópia que se encontra disponível no site da Câmara Municipal da ... (http://www.cm-figfoz.pt/index.php/urbanismo/planos-e-ordenamento-do-territorio)], o artigo 10º (Reserva Ecológica Nacional) refere que “a área de 100 ha (…) junto à Lagoa da Vela (…) deverá ser objecto de plano de pormenor, de acordo com o disposto no artigo 46º”, sendo que este refere que “os espaços urbanizáveis para fins específicos destinam-se à construção de novos empreendimentos turísticos e novas áreas industriais” e “(…) compreendem as (…) subcategorias, em função do uso, de urbanizável para fins preferencialmente turísticos, urbanizável para fins industrias e urbanizável para equipamentos diversos” (sublinhado nosso).
6.2.6. No artigo 47º, nº 1 do PDM identificado no ponto anterior, “os espaços urbanizáveis para fins preferencialmente turísticos (…) caracterizam-se por serem áreas de expansão urbana destinadas à instalação de empreendimentos turísticos e subdividem-se em áreas de desenvolvimento turístico I (…) e áreas de desenvolvimentos turístico II (…)” que “corresponde às três bolsas de desenvolvimento turístico previstas nas matas a norte de Quiaios, com localização e áreas indicadas na planta de ordenamento, e cujos limites finais serão definidos através do plano de pormenor respectivo”, sendo que o seu nº 2 estabelece que “a área de desenvolvimento turístico II está obrigatoriamente sujeita a plano de pormenor (…)” (sublinhado nosso).
6.2.7. A alteração acima descrita configura uma proposta de exclusão, da REN, da área abangida pelo Plano de Pormenor da …, para ocupação turística (conforme doc. nº 9 anexado com o pedido)
6.2.8. A proposta de alteração da delimitação da REN do concelho a ... para a área de abrangência do Plano de Pormenor da …, apesar de ter sido objecto de uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável, dado que esta caducou em 20 de Março de 2008 (e não foi solicitada a prorrogação do prazo), não mereceu aprovação, tendo sido recomentado (por despacho do Secretário de Estado do Ambiente, datado de 7 de Agosto de 2009) que “a execução do projecto Empreendimento … deveria ser objecto de avaliação de impacte ambiental nos termos aí definidos”, considerando-se que “(…) a exclusão de áreas da REN deve aguardar o resultado da referida avaliação” de impacte ambiental a realizar previamente à execução do projecto (conforme doc. nº 9 anexado com o pedido) (sublinhado nosso).
6.2.9. O entendimento referido no ponto anterior foi objecto de despacho de concordância, proferido pelo Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, datado de 11 de Agosto de 2009 (conforme doc. nº 9 anexado com o pedido).
6.2.10. A matéria dada como provada nos pontos anteriores foi alegada pela Requerente e genericamente impugnada, pela Requerida, no artigo 44º da Resposta apresentada, sob a égide de não assistir “(…) qualquer razão à Requerente, impugnando-se desde já a totalidade dos argumentos por isso aduzidos”, não tendo sido efectuada qualquer prova em contrário quanto aos factos dados acima dados como provados (ponto 6.2.2. a 6.2.9.), razão pela qual não viu este Tribunal Arbitral qualquer necessidade de esclarecimentos adicionais nesta matéria, nomeadamente, a necessidade de oficiar o Presidente da Câmara da ..., conforme requerido pela Requerente.[22]
6.2.11. A Requerente foi notificada, em 2015, dos documentos de cobrança, relativos à liquidação de Imposto do Selo (no montante total de
EUR 22.587,20), respeitante ao ano de 2014 (e datada de 20 de Março de 2015):
DOCUMENTO
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ANO DO IMPOSTO
|
PRESTAÇÃO
|
VALOR (EUR)
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DOC
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2015 …
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2014
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1ª
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7.529,08
|
1[23]
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2015 …
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2ª
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7.529,06
|
2015 …
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3ª
|
7.529,06
|
6.2.12. A Requerente foi notificada, em 2016, do documento de cobrança, relativo à primeira prestação da liquidação de Imposto do Selo, no montante total de EUR 22.587,20, respeitante ao ano de 2015 (e datada de 5 de Abril de 2016):
DOCUMENTO
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ANO DO IMPOSTO
|
PRESTAÇÃO
|
VALOR (EUR)
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DOC
|
2016 …
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2015
|
1ª
|
7.529,08
|
1[24]
|
6.2.13. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto relativo ao ano de 2014, dentro das referidas datas limite (Abril, Julho e Novembro de 2015):
DOCUMENTO
|
ANO DO IMPOSTO
|
VALOR (EUR)
|
DOC
|
DATA DE PAGAMENTO
|
DOC
|
2015 …
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2014
|
7.529,08
|
1
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29-04-2015
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3[25]
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2015 …
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7.529,06
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1
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27-07-2015
|
2015 …
|
7.529,06
|
1
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11-11-2015
|
6.3. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.
6.4. Dos factos não provados
6.5. Não foi havida evidência documental quanto ao pagamento da primeira prestação relativa ao Imposto do Selo respeitante ao ano 2015 (identificada no ponto 6.2.12., supra).
6.6. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
7. FUNDAMENTOS DE DIREITO
7.1. Nos autos, atentos os documentos anexados aos autos pelas Partes e os factos dados como provados no Capítulo anterior desta decisão, verifica-se que:
7.1.1. Segunda defende a Requerida, de acordo com a caderneta predial urbana, o prédio subjacente às liquidações controvertidas é um terreno para construção, conforme doc. nº 2 anexado com o pedido e doc. nº 2 anexado com a resposta;
7.1.2. Segundo a Requerente, o prédio identificado nos autos não deveria ser considerado um terreno para construção porquanto é um terreno que faz parte da REN, não se destinando assim, enquanto vigorar esta classificação, a nele ser efectuado qualquer loteamento, construção ou edificação [posição adoptada com base na restante informação anexada aos autos pela Requerente (doc. 3 a 9 do pedido)].
7.2. Para a apreciação da questão subjacente nos autos, ou seja, saber se existe (ou não) fundamento normativo para a emissão das liquidações de Imposto do Selo em crise (2014 e 2015) importará, antes de mais, analisar a redação das verbas nº 28 e 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi dada pelo artigo 194º da Lei nº 83º-C/2013, de 31 de Dezembro, como segue:
“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1. Por prédio com afectação habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” (sublinhado nosso).
7.3. De acordo com o disposto no artigo 4º do Código do IMI, “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” e, entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “terrenos para construção” [nº1, alínea c)], acrescentando o nº 3 do mesmo artigo que se consideram "terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção (…), exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em (…) áreas protegidas (…)" (sublinhado nosso).
7.4. Assim, para que seja aplicado ao prédio (identificado nos autos) o teor da verba 28. acima transcrita no ponto 7.2., três requisitos cumulativos deverão ser aplicáveis ao imóvel (para além do requisito da propriedade do mesmo) para que sobre o mesmo possa e deva incidir a taxa de 1% de Imposto do Selo prevista na TGIS:
7.4.1. O valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, deve ser igual ou superior a EUR 1.000.000,00;
7.4.2. Deve tratar-se de um terreno para construção; e
7.4.3. A edificação autorizada e prevista para o mesmo terá de ser para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
7.5. Quanto ao primeiro requisito, a Requerente não contesta, em momento algum, o valor patrimonial tributário do prédio, pelo que se entende que o requisito acima referido no ponto 7.4.1. se encontra verificado (o prédio descrito nos autos tem valor patrimonial tributário superior a EUR 1.000.000,00).
7.6. Quanto ao segundo requisito acima apresentado (ponto 7.4.2.), o mesmo já é contestado pela Requerente porquanto (conforme descreve no pedido e procura demonstrar com a documentação que com aquele anexa), “o prédio dos autos é (…) legalmente inapto para o loteamento, construção e edificação (…)”.
7.7. Com efeito, resulta dos documentos anexados pela Requerente que o prédio subjacente às liquidações de imposto em crise se situa “entre a … e a …” estando “(…) integrado na Rede Natura 2000, sítio…, … e …(…) que se estende desde a … até à …”, tratando-se de uma área protegida e incluída na área da REN do concelho da ....
7.8. Ora, conforme o disposto no Regulamento do PDM da ... (vide ponto 6.2.5. e 6.2.6., supra) será necessário que a respectiva área do terreno a desafectar da REN seja objecto de um plano de pormenor, porquanto implicará uma alteração do referido PDM.
7.9. De acordo com a informação que a Requerente juntou (a qual, na sua maioria, é do conhecimento do público em geral tendo em conta que foi objecto, por diversas vezes, de várias notícias nos meios de comunicação social), a DIA emitida favoravelmente sobre o proposta de alteração da delimitação da REN (no concelho a ...), excluindo do perímetro da mesma a área de abrangência do Plano de Pormenor da …, dado que caducou em 20 de Março de 2008 (e não foi solicitada a prorrogação do prazo), a referida proposta de alteração da REN não mereceu aprovação, por parte das autoridades competente, pelos motivos acima já referidos (vide ponto 6.2.7. a 6.2.9., supra).
7.10. Assim, em consequência do acima exposto, o terreno subjacente às liquidações de Imposto do Selo impugnadas continuou integrado na REN, pelo que não lhe será aplicável, à data a que se reportam os factos tributários (e no âmbito da norma de incidência de imposto acima transcrita), quer o requisito acima referido no ponto 7.4.2. (ser um terreno para construção), quer o requisito descrito no ponto 7.4.3. (a edificação autorizada e prevista para o mesmo terá de ser para habitação), porque decorrente da aplicabilidade do requisito anterior.
7.11. Nestes termos, o referido terreno, porque não é um terreno para construção, mas sim um terreno localizado numa área protegida (REN), no concelho da ..., relativamente ao qual se pretendeu (e pretende) proceder à sua exclusão da REN afigura-se como não sendo passível da incidência de Imposto do Selo da verba 28.l. da TGIS (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 83-C/2013, acima referida), porquanto se encontra fora do âmbito da referida norma de incidência daquele imposto dado que não está reunida a totalidade dos requisitos da referida norma de incidência quanto à sua aplicabilidade.
7.12. Em consequência, as liquidações de Imposto do Selo em crise enfermam de vício de violação daquela verba nº 28.1. (por erro sobre os pressupostos de direito), o que justifica a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.
7.13. Nestes termos, face à conclusão referida no ponto anterior (declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo com a sua consequente anulação), ficará prejudicada a análise da questão da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1. da TGIS (invocada pela Requerente no Pedido).
Do reembolso do imposto pago, com juros indemnizatórios
7.14. Tendo em consideração a conclusão referida nos pontos 7.11. e 7.12., supra, bem como o facto de, pelo menos a liquidação de Imposto do Selo relativa ao ano de 2014 ter sido atempadamente paga (vide acima ponto 6.2.13.), a ora Requerente tem o direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas.
7.15. Ora, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na LGT e no CPPT”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
7.16. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
7.17. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[26] [27]
7.18. Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7.19. Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
7.20. Na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados (vide ponto 7.12.) e, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montante pagos pela Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.
7.21. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a(s) quantia(s) paga(s), no âmbito da(s) liquidação(ões) de Imposto do Selo que foi/foram paga(s) pela Requerente (e objecto do pedido de pronúncia arbitral), os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
7.22. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.
7.23. Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
7.24. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
7.25. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
8. DECISÃO
8.1. Tendo em consideração a análise efectuada no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:
8.1.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, condenando-se a Requerida na anulação das liquidações de Imposto do Selo objecto de pedido (e identificadas neste processo), relativas aos anos de 2014 e 2015, com a consequente devolução das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;
8.1.2. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como o acima exposto no Capítulo 5 desta decisão (ponto 5.5.), fixa-se o valor do processo em EUR 45.174,40.
Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 2.142,00, a cargo Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
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Notifique-se.
Lisboa, 07 de Outubro de 2016
O Árbitro,
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, a Requerente cita o exemplo das decisões arbitrais nº 356/2014-T, nº 357/2014-T, nº 408/2014-T e nº 728/2014-T.
[3] Neste sentido, cita a Requerente as decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 205/2013-T, 206/2013-T, 225/2013-T e 285/2014-T
[4].Neste âmbito, remete a Requerente para os acórdãos do STA proferidos no âmbito dos processos nº 01685/13 e 0877/13.
[5] Adicionalmente, refere a Requerente o acórdão do TC, proferido no âmbito do processo nº 592/14 (acórdão nº 410/2015, de 29 de Setembro), nos termos do qual se “declarou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando como ónus e não como faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos actos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impedisse a impugnação das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efectiva e do princípio da justiça, inscritos nos artºs 20.º e 268.º, 4, da Constituição da República Portuguesa”.
[6] Neste âmbito, refira-se que em resultado do requerimento apresentado em 13 de Maio de 2016, pela Requerente, e deferido por despacho arbitral datado de 15 de Julho de 2016, são dois os actos de liquidação de Imposto do Selo que se pretendem anular – um respeitante ao ano de 2014 e outro respeitante ao ano de 2015.
[7] Neste âmbito, a Requerida cita a decisão arbitral nº 728/2014-T.
[8] Nesse sentido, cita a Requerida as decisões arbitrais nº 726/2014-T, nº 736/2014-T e nº 797/2014-T.
[9] Neste âmbito, refere a Requerida que “(…) suscitada a questão da inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (…) e, posteriormente, alterada pela Lei n.º
83-C/2013, de 31 de Dezembro), em concreto a violação dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e da proporcionalidade, entendeu o Tribunal Constitucional (…) que a norma sindicada, i.e., a verba 28 da TGIS, não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificadamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (…)”.
[10] Em resultado do requerimento apresentado em 13 de Maio de 2016, pela Requerente, e deferido por despacho arbitral datado de 15 de Julho de 2016.
[11] Neste sentido, vide nomeadamente a decisão arbitral nº 108/2016-T, de 23 de Junho.
[12] Sendo que relativamente ao Imposto do Selo respeitante ao ano de 2015, cuja liquidação e primeira prestação foram notificadas já na pendência do presente processo, não se verifica qualquer caducidade para a ampliação do pedido, de acordo com o requerimento apresentado, pela Requerente, em 13 de Maio de 2016 (e deferido por despacho arbitral datado de 15 de Julho de 2016) (vide Capítulo 5., ponto 5.3.).
[13] O disposto no referido preceito deverá ser entendido em conjugação com o disposto no artigo 97º do CPPT, no qual estão indicadas as pretensões objeto do processo judicial tributário, prevendo-se na alínea a) do seu nº 1 que o processo judicial tributário compreenda “a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais (…)”.
[14] Adicionalmente, e em resultado do requerimento de ampliação do pedido apresentado em 13 de Maio de 2016 e oportunamente deferido em 15 de Julho de 2016, a Requerente impugna também o acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano de 2015, no mesmo montante.
[15] In DIREITO FISCAL, 3ª Edição, Almedina, 2005, página 318.
[16] Neste sentido, vide decisão arbitral proferida no âmbito do Processo nº 205/2013-T, de 7 de Março de 2014, nos termos da qual se escreve que “da circunstância do valor da liquidação [de Imposto de Selo] poder ser pago em várias prestações, não decorre que existam três liquidações (…) tratando-se, diferentemente, de uma liquidação que pode ser paga em várias prestações”.
[17] Nesta matéria, embora a proferido sob a égide de análise de outro tributo (e quanto a actos interlocutórios do procedimento tributário), deverá atentar-se no vertido no AC TCAN nº 00264/10.1BEBRG, de 16 de Outubro de 2014, nos termos do qual se refere que “por força do princípio da impugnação unitária, plasmado no artigo 54º do CPPT, só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento tributário” (liquidação) “dado que só esse acto atinge ou lesa, de forma imediata, a esfera jurídica do contribuinte” [ou seja, qualquer outro tipo de acto que não seja o da liquidação “(…) é efectivamente impugnável (…) através do acto de liquidação (…) praticado, pelo que fica, desta forma, assegurada a possibilidade de controlo judicial da sua legalidade”.
[18] Neste sentido, vide nomeadamente a decisão arbitral nº 108/2016-T, de 23 de Junho.
[19] A este respeito, cita a Requerente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2015, de 29 de Setembro, nos termos do qual “este prejuízo causado ao contribuinte ocorreu num contexto legal em que vigora inquestionavelmente o princípio da impugnação unitária e em que a impugnação autónoma de actos lesivos ou interlocutórios praticados no âmbito do procedimento administrativo tributário é configurada pela lei como uma faculdade do contribuinte, apenas justificada no quadro do reforço das suas garantias”.
[20] Neste sentido vide despacho arbitral de 16 de Julho de 2016.
[21] Anexado com o pedido.
[22] Com efeito, como defende Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, página 207), em termos gerais, o ónus da prova cabe, de acordo com o disposto no artigo 342º do Código Civil, “àquele que invoca um direito (…)” efectuando “(…) a prova dos factos constitutivos do mesmo (…)”, cabendo “(…) a prova dos factos extintivos do direito (…) àquele contra quem a invocação é feita”. Por outro lado, “a contraprova (ou prova contrária) destina-se apenas a tornar incerto o facto visado, a criar a dúvida no espírito do julgador (um non liquet)”.
[23] Anexado com o pedido.
[24] Anexado com o requerimento de ampliação do pedido apresentado, pela Requerente, em 13 de Maio de 2016.
[25] Anexado com o pedido.
[26] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).
[27] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).