Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Cristina Aragão Seia e Dr. António Nunes dos Reis (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2016, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, SA., pessoa colectiva e contribuinte n.º…, do Serviço de Finanças de …(…com sede na …- Apartado … … … (doravante "Requerente'' ou “A…"), veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("RJAT"), apresentar pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, tendo em vista a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado ("IVA") n.º 2013…, materializada na compensação efectuada por referência ao período de Dezembro de 2011, no valor global de € 529.578,00.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-04-2016.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 18-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2016.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 06-07-2016 foi dispensada a realização de reunião e determinado que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Questão prévia
A Requerente juntou com as alegações o documento n.º 4, que referiu no pedido de pronúncia arbitral e que não se encontra junto ao processo.
É crível a explicação aventada pela Requerente para esse documento não estar junto ao processo, por ser de grande extensão e ser presumível que tenha ocorrido alguma deficiência informática, já que o documento é citado no pedido de pronúncia arbitral.
Por isso, admite-se a junção do referido documento com as alegações da Requerente e, como a Autoridade Tributária e Aduaneira de pronunciou sobre ele nas suas alegações, não há obstáculo a que ele seja considerado para a decisão da causa.
2.2. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e documento juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente tem como actividade principal a produção e a comercialização de fibras e polímeros (poliéster / pet);
b) Na declaração periódica de IVA, respeitante ao período de 1206, a Requerente, solicitou o pedido de reembolso, no montante de €288.208,16;
c) A Autoridade Tributária e Aduaneira realizou uma acção de inspecção parcial à actividade da Requerente, incidindo apenas sobre o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), respeitante ao exercício de 2011, sob a Ordem de Serviço Interna OI2013… de 18/04/2013, da Direcção de Finanças de …;
d) Nessa acção de inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte;
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1 Em sede de IVA
A sociedade "A…, SA", NIPC…, na declaração periódica de IVA respeitante ao período de 1206, solicitou o pedido de reembolso, no montante de 288.208,16 €.
Analisado o comportamento da sociedade em termos de IVA, verificou-se que até ao mês de Março de 2011, era devedora de IVA ao Estado. A partir de Março até Novembro 2011, a sociedade encontrou-se quer em situação de crédito quer em situação de devedor de IVA.
Desde Dezembro de 2011, a sociedade em apreciação encontra-se sempre em situação de crédito de imposto, tendo vindo a solicitar de forma reiterada, pedidos de reembolsos de IVA com periodicidade mensal.
Esta situação, conforme foi possível apurar junto dos responsáveis pela gestão desta sociedade, deve-se a uma alteração da política comercial de aprovisionamento, uma vez que se começou a comprar a matéria prima (PTA e MEG) no mercado externo, para além de ter canalizado uma maior parcela da sua facturação para o mercado intracomunitário, em detrimento do mercado nacional.
Na declaração periódica de IVA, respeitante ao período de 1112, a sociedade "A…, SA", procedeu à regularização / recuperação de créditos de IVA, nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, respeitante aos processos de insolvência a seguir indicados:
- Insolvência da sociedade "B…, Lda", processo nº …/10. … ..., …º Juízo do Tribunal Judicial de ..., respeitante a créditos reconhecidos, no valor de 1.462.174,35€;
- Insolvência da sociedade "C…, Lda", processo nº …/10. … ..., .. Juízo do Tribunal Judicial de ..., respeitante a créditos reconhecidos, no valor de 217.254,19 €.
Ora, a regularização de IVA pelo credor na sequência da insolvência do devedor (à data dos factos) encontrava-se prevista na alínea b) do nº 7 do artigo 78º do CIVA, tendo exibido a sociedade no decurso da acção de inspecção, os requisitos complementares para que pudesse regularizar o IVA nos termos das disposições legais acima referidas:
- Certidão de trânsito em julgado da sentença de insolvência da sociedade "D…, Lda", NIPC … e da sociedade "C…, Lda", NIPC …;
- Cópia da carta a reclamar os créditos junto do Administrador da Insolvência, das sociedades supracitadas;
- Lista da relação de créditos, emitida pelo Tribunal, onde consta o crédito da sociedade "A…, SA", NIPC …, e o montante reclamado;
- Cópia da carta registada com aviso de recepção, enviada às sociedades em insolvência, comunicando que a sociedade "A…, SA", procederia à anulação do IVA, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuado pelo cliente.
Analisada a documentação de suporte à recuperação de IVA, nos termos das disposições legais acima identificadas, verificou-se a existência de créditos da sociedade "A…, SA" sobre as sociedades insolventes que remontam aos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, resultando estes créditos na sua essência, de operações económicas de fornecimento de matéria-prima (PET), pagamentos por conta e de outras operações económicas decorrentes da sua actividade empresarial.
Verificados os diferentes documentos que sustentam os créditos invocados pela sociedade "A…, SA", constatou-se que em 31 de Dezembro de 2005, a sociedade supracitada, teria emitido a Nota de Débito nº…, à sociedade "D…, Lda", NIPC … (sociedade ora insolvente), respeitante a "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", no montante de 2.521.800,00€ mais IVA de 529.578,00 € (Anexo l).
Com efeito, na documentação de suporte à contabilização, apenas se lê, "Fees de gestão" (em português "honorários de gestão") e a referência a um período temporal ("Agosto a Dezembro").
Insuficiência de elementos que motivou que, em observância do princípio do inquisitório, estabelecido no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 58º da Lei Geral Tributária, fosse solicitada informação adicional à sociedade.
Dado o extenso mencionado neste documento, foi solicitado através de e-mail datado de 19 de Novembro de 2012, a indicação / caracterização dos serviços prestados e a sustentabilidade destes, não se tendo obtido qualquer resposta, por parte dos responsáveis pela gestão desta sociedade (Anexo II).
No decurso da acção de inspecção, tentámos obter informação contabilística / extracontabilística, que permitisse obter provas irrefutáveis da documentação de suporte ao seu registo e a tipologia do serviço prestado bem como comprovar, que foram efectivamente prestados os serviços em apreciação.
Não obstante as diligências efectuadas, não foi possível recolher, para além da Nota de Débito nº … de 31 de Dezembro de 2005, quaisquer outros elementos / informação externa de apoio, que nos permita aferir a existência e a identificação, bem como razoabilidade do preço facturado, face aos serviços eventualmente prestados.
Tendo-se analisado as relações comerciais entre a sociedade "A…, SA" e a sociedade insolvente "B…, Lda", verificou-se apenas a existência do débito destes serviços, para o período de Agosto a Dezembro de 2005. Em relação aos restantes meses, na contabilidade das sociedades acima referidas, não existe qualquer registo / menção, respeitante aos serviços mencionados na Nota de Débito supracitada.
Por outro lado, não foi possível apurar qualquer intervenção efectiva da sociedade "A…, SA", na prestação de serviços facturados pela Nota de Débito acima referida.
Com efeito, na documentação de suporte à contabilização do referido documento, apenas se lê "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005". Perante o supra descrito teor da facturação apresentada, resulta evidente a insuficiência de dados que permitam aferir a existência, natureza / objecto dos serviços efectuados e entretanto pagos.
A documentação ora exibida pela sociedade, que se restringe à Nota de Débito nº … de 31/12/2005, no montante de 2.521800,00 € mais IVA de 529.578,00 €, não permite por si só, avaliar / identificar e determinar a relevância dos serviços prestados, bem como avaliar a relação custo / qualidade dos serviços prestados, podendo-se discutir assim, a sua efectivação.
É verdade que a sociedade "A…, SA", através da Nota de Débito, procedeu à liquidação de IVA e que procedeu à sua entrega nos cofres do Estado, respeitante ao período de 1205. No entanto, pelos factos descritos, apurou-se que a liquidação do IVA foi indevida, tendo a sociedade agido correctamente, uma vez que mencionou indevidamente imposto em factura, pelo que deverá ser entregue nos cofres do Estado, conforme disposições legais do nº 2 do artigo 27º do CIVA.
Tendo a sociedade liquidado IVA indevidamente, sobre uma operação activa para a qual não conseguiu provar a sua efectivação, não assiste assim, direito à sua recuperação do imposto nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, no período de 1112, pelo que procederemos à correcção daí decorrente, no montante de 529.578,00 €.
e) A Requerente foi notificada para exercer do direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, mas prescindiu do exercício desse direito:
f) Na sequência da inspecção referida, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IVA n.º 2013 …, relativa ao período 201112, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se indica o «excesso a reportar utilizado» de € 529.578,00;
g) A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, nos termos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
h) A Requerente foi notificada para exercer do direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, com base numa informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, em que se refere, além do mais o seguinte:
7 - Desta forma, segundo a tese da reclamante a fundamentação será contraditória em virtude de "... a correcção efectuada nunca poderia ter por fundamento a violação do disposto na alínea b) do número 7 do artigo 78.º do Código do IVA, porquanto são os próprios Serviços de Inspecção que referem que a Reclamante cumpriu o disposto nessa norma;".
8 - Invoca ainda que, "a interpretação efectuada pelos Serviços de Inspecção do disposto no número 2 do artigo 27.º do Código do IVA, conjugado com o disposto na alínea c) do número 1 do artigo 2.º do Código do IVA, não tem qualquer fundamento, sendo inclusivamente, contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.".
9 - Isto é, na perspetiva da reclamante a fundamentação seria contraditória no sentido de que, durante a operação de justificação para o motivo de coarctar a recuperação do montante reclamado, a inspeção utilizou simultaneamente e de forma indistinta preceitos legais incompatíveis em relação à realidade tributária que estava em análise.
10 - Atendendo a que estamos perante duas interpretações opostas, importa sistematizar a informação no intuito de verificar se o argumentado na p.i. merece acolhimento, ou, se o teor do relatório resulta claro, expresso e objetivo, na parte referenciada pela reclamante, legitimando, especificamente, como legalmente atuou.
11 - Sucede, salvo a ressalva de melhor opinião que, não existe qualquer contradição no relatório elaborado, porquanto, como inequivocamente dele de extrai, estão em causa duas realidades legais completamente distintas, como se procurará explicar e elucidar.
12 - Comecemos pelo procedimento realizado tendo em consideração o previsto (à data dos factos) na alínea b) do n.º 7 do art.º 78º do Código do IVA, socorrendo-nos dum excerto do relatório, com interesse para o caso em apreciação:
Na declaração periódica de IVA, respeitante ao período de 1112, a sociedade "A…, SA", procedeu à regularização/recuperação de créditos de IVA, nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, respeitante aos processos de insolvência a seguir indicados:
Ora a regularização de IVA pelo credor na sequência da insolvência do devedor (à data dos factos) encontrava-se prevista na alínea b) do nº 7 do artigo 78.º do CIVA, lendo exibido a sociedade no decurso da acção de inspecção, os requisitos complementares para que pudesse regularizar o IVA nos termos das disposições legais acima referidas:
Analisada a documentação de suporte à recuperação de IVA, nos termos das disposições legais acima identificadas, verificou-se a existência de créditos da sociedade "A… SA" sobre as sociedades insolventes que remontam aos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, resultando estes créditos na sua essência, de operações económicas de fornecimento de matéria-prima (PET), pagamentos por conta e de outras operações económicas decorrentes da sua actividade empresarial.
13 - Até aqui nada de anómalo foi encontrado na ação de inspeção, conducente a qualquer correção para efeitos de impedimento da recuperação prevista na alínea b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA:
14 - No entanto, o Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira dota os serviços de inspeção da faculdade de desenvolver o mais eficazmente as suas competências ao nível, nomeadamente, da consulta de documentos, da confirmação de que os contribuintes possuem a sua situação tributária regularizada e, também, se os documentos que servem de suporte à contabilidade se encontram emitidos de forma legal.
15 - Nesta conformidade, a factualidade demonstrada no âmbito do procedimento de inspeção é que foi detetado um documento que suscitou dúvidas no que concerne ao cumprimento das exigências legais, conforme verificações e indagações elencadas no relatório, que a seguir se transcrevem, dada a sua relevância para a compreensão da questão suscitada:
Verificados os diferentes documentos que sustentam os créditos invocados pela sociedade "A…, SA", constatou-se que em 31 de Dezembro de 2005, a sociedade supracitada, teria emitido a Nota de Débito nº…, à sociedade "D…, Lda", NIPC… (sociedade ora insolvente), respeitante a "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", no montante de 2.521.800,00€ mais IVA de 529.578,00 € (Anexo l).
Com efeito, na documentação de suporte à contabilização, apenas se lê "Fees de gestão" (em Português "honorários de gestão") e a referência a um período temporal ("Agosto a Dezembro"). Insuficiência de elementos que motivou que, em observância do princípio do inquisitório, estabelecido no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e do art.º 58º da Lei Geral Tributária, fosse solicitada informação adicional à sociedade.
Dado o extenso mencionado neste documento, foi solicitado através de e-mail datado de 19 de Novembro de 2012, a indicação/caracterização dos serviços prestados e a sustentabilidade destes, não se tendo obtido qualquer resposta, por parte dos responsáveis pela gestão desta sociedade (Anexo II). No decurso da acção de inspecção, tentámos obter informação contabilística / extracontabilística, que permitisse obter provas irrefutáveis da documentação de suporte ao seu registo e a tipologia do serviço prestado bem como comprovar, que foram efectivamente prestados os serviços em apreciação. Não obstante as diligências efectuadas, não foi possível recolher, para além da Nota de Débito nº … de 31 de Dezembro de 2005, quaisquer outros elementos / informação externa de apoio, que nos permita aferir a existência e a identificação, bem como a razoabilidade do preço facturado, face aos serviços eventualmente prestados.
Tendo-se analisado as relações comerciais entre a sociedade "A…, SA" e a sociedade insolvente "B…, Lda", verificou-se apenas a existência do débito destes serviços, para o período de Agosto a Dezembro de 2005. Em relação aos restantes meses, na contabilidade das sociedades acima referidas, não existe qualquer registo / menção, respeitante aos serviços mencionados na Nota de Débito supracitada.
Por outro lado, não foi possível apurar qualquer intervenção efectiva da sociedade "A…, SA", na prestação de serviços facturados pela Nota de Débito acima referida.
Com efeito, na documentação de suporte à contabilização do referido documento, apenas se lê "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", Perante o supra descrito teor da facturação apresentada, resulta evidente a insuficiência de dados que permitam aferir a existência, natureza / objecto dos serviços efectuados e entretanto pagos.
A documentação ora exigida pela sociedade, que se restringe à Nota de Débito nº … de 31/12/2005, no montante de 2.521.800,00 € mais IVA de 529.578,00 €, não permite por si só, avaliar / identificar e determinar a relevância dos serviços prestados, podendo-se discutir assim, a sua efectivação.
16 - Temos assim que, no âmbito das suas competências (a verificação de eventuais irregularidades nos documentos constituem razão e objeto de intervenção, aliás, nem se compreenderia que fosse de outro modo, sob pena de completa ineficácia da inspeção tributária) os Serviços de Inspeção Tributária constataram, como anteriormente se viu, uma questão relacionada com a falta de credibilidade de um documento, encontrando-se a motivação devidamente desenvolvida, sobre a qual, a reclamante teve inclusivamente a oportunidade de se pronunciar, não o fazendo, pese embora, seja esta a causalidade da invocada "contradição".
17 - É verdade que a reclamante tem liberdade para invocar qualquer facto que julgue lesivo à sua situação tributária, conducente à apresentação de reclamação, não descurando, contudo que, não basta por si só invocar, é necessário fazer a sua prova, o que no caso em discussão, manifestamente não acontece, nem no decurso da ação de inspeção aconteceu.
18 - Acrescente-se que em sede de reclamação graciosa, a reclamante não possui a seu favor qualquer presunção de veracidade dos factos que possam sustentar o pedido formulado, porquanto, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da Lei Geral Tributária "O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaí sobre quem os invoque ...".
19-Sobre este tema:
"A existência da regra sobre o ónus de prova prevista no presente artigo não é incompatível com o dever de a administração tributária, de acordo com o princípio do inquisitório e a própria legalidade fiscal, ordenar oficiosamente as diligências probatórias indispensáveis ao apuramento da verdade material, Ou seja, as regras do ónus da prova do presente artigo coexistem com o princípio do inquisitório, como se referiu na anotação 1. É facto, no entanto que, esse princípio não obriga a administração tributária a investigar, nos casos em que caiba ao contribuinte o ónus da prova, pretensões destituídas do mínimo suporte probatório. A indicação da prova produzida ou a produzir pelo onerado é, a nosso ver, um pressuposto procedimental cuja ausência conduz ao indeferimento liminar do pedido do contribuinte." (Comentário ao art º 74.º da Lei Geral Tributária, Anotada de António Lima Guerreiro).
20 - Importa referir que no âmbito da ação de inspeção foi utilizado o princípio do inquisitório e o da participação, previstos nos art.ºs 58.º e 60.º da Lei Geral Tributária, sendo que este último não foi utilizado (sendo que este direito é facultativo, não implicando quaisquer consequências no procedimento o seu não exercício).
21 - Relativamente a uma matéria tão específica como a que está aqui em análise (designação genérica e insuficiente dos serviços prestados) e por uma questão passível de rigor, convém precisar no que consistiram as irregularidades detetadas, atendendo a que, elas só assumem relevância quando são suscetíveis de se refletirem na situação tributária da reclamante.
22 - A fim de que procurar esclarecer porque o inspeção procedeu daquela forma e não de outra, vejamos o entendimento sufragado pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) na decisão arbitral proferida no processo 61/2013-T, sobre o tema "IVA - Direito à dedução; o preenchimento dos pressupostos relativos ao conteúdo das faturas", de que a seguir se transcrevem alguns excertos:
O artigo 178º, alínea a) da DIVA prevê a obrigação de o sujeito passivo "... possuir uma factura em conformidade com os artigos 220º a 236º, 238º, 239º e 240º". Deve, por isso, interpretar-se o conceito de "factura" por referência às disposições conjugadas dos artigos 226º a 231º da DIVA. Em concreto, no que concerne aos elementos que devem constar das facturas, o artigo 226º da DIVA tem a seguinte redacção:
"Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes:
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;
Decorre, portanto, desta disposição, aliás, conforme sufragado no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, que "não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Directiva 2006/112. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta Directiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exacta percepção da IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida directiva". Isto significa que, conforme jurisprudência do TJUE, embora esta disposição permita aos Estados Membros adoptar determinadas medidas, estas não deverão, todavia, ir para além do que é necessário para atingir esse fim e não poderão, por isso, ser utilizadas de tal forma que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA, que é um princípio fundamental do sistema comum do IVA ..." É para este Tribunal válido e legal o princípio de que o contribuinte, adquirente de bens ou serviços, apenas pode efectuar a dedução do imposto suportado na medida em que o mesmo se encontre mencionado em facturas emitidas pelos fornecedores pela aquisição de bens e serviços, ou seja, de que a factura constitui o documento com base no qual o sujeito passivo procede à dedução do IVA desde que tenham sido emitidas na forma legal - n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA. In casu a Requerida entendeu não aceitar as sobreditas deduções por considerar que as facturas correspondentes, ao referirem apenas "acerto de preços aos preços apresentados", "logística", "transporte", "manuseamento", "acondicionamento", "formação em gestão de stocks e manuseamento" ou denominações similares, não obedeciam aos requisitos do anterior artigo 35º, nº 5 do Código do IVA, uma vez que tais expressões são vagas e imprecisas.
A título preliminar, importa referir que este Tribunal considera que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode exigir requisitos às facturas que não respeitem o disposto no número 5 do artigo 35.º (actual artigo 36.º) do Código do IVA e no preceituado no artigo 226.º da DIVA. Deste modo, os requisitos exigidos devem restringir-se aos elementos previstos na legislação em causa, devendo a exigência de outros elementos ser limitada ao necessário para assegurar a cobrança do imposto sobre o valor acrescentado e a sua fiscalização pela Administração Fiscal.
Analisada que foi toda a documentação constante dos autos, o Colectivo de Árbitros deste Tribunal aferiu da conformidade das facturas em crise com os requisitos previstos no anterior número 5 do artigo 35.º do Código do IVA e na DIVA e, consequentemente, se os mesmos poderiam permitir 'administração Tributária evitar a fraude e assegurar a correcta cobrança do imposto.
Debrucemo-nos, então, sobre as facturas que titulam "acerto de preços aos preços apresentados"...
Nas referidas facturas não consta qualquer identificação à "quantidade e natureza dos bens relativamente aos quais foi efectuado o "acerto de preços", nem é efectuada qualquer referência ao "Acordo de Distribuição e Compensação", nem mesmo a qualquer listagem anexa que permitisse à Autoridade efectuar o controlo do apuramento do imposto.
A requerente não fez prova de que os bens sobre os quais foram efectuados os "acertos de preços", constantes das facturas referenciadas com a sigla "PT" respeitassem a bens/equipamentos previamente adquiridos pela Requerente à ... tal como se encontrava mencionado no Acordo que poderia sustentar a emissão das facturas em causa;
O descritivo das facturas "PT", embora refira "Acerto de preços aos preços apresentados", não remete para o "Acordo de Distribuição e Compensação" nem para qualquer anexo que identifique os bens objecto do referido acerto;
É assim de concluir que uma referência nas facturas em causa a "acerto de preços", sem que delas conste expressamente que tal acerto respeita a um conjunto de bens que, por ser extenso, pode constar de listagem anexa, não satisfaz, manifestamente, a exigência legal, pelo que não se tratando de facturas passadas em cumprimento dos ditames do referido artigo 35.º (actualmente artigo 36.º) elas não podem dar direito a dedução, conforme o estabelecido no art.º 19.º, nº 2 do Código do IVA. Acresce que, a apresentação pela Requerente, à posteriori, de um mapa justificativo dos valores facturados, nos termos do acordo de Compensação e Distribuição, não é prova suficiente de que o acerto de preços em causa respeitou a bens previamente adquiridos pela Requerente à ... no período referido no Acordo, pois que esta não logrou juntar, nem na fase administrativa, nem perante este Tribunal, as facturas de aquisição dos bens em causa.
Neste sentido, o TJUE proferiu, no âmbito do processo C-271/12, de 8 de Maio de 2013, o entendimento de que "Às disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...), devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pode ser recusado a sujeitos passivos destinatários de serviços, que possuem facturas incompletas, não obstante terem sido completadas mediante a apresentação de documentos com o objectivo de provar a realidade, a natureza e o montante das operações faturadas após a adoção de tal decisão de recusa.".
Neste contexto, resultam justificadas as correcções feitas pelos serviços de fiscalização e que tiveram como base a não aceitação das correspondentes deduções de IVA, relativas às facturas referente ao "Acerto de preços aos preços apresentados", por falta de suporte legal, ou seja, com inobservância do disposto no já citado artigo 35º, n.º 5 do Código do IVA, a que actualmente corresponde o artigo 36º, nº 5, uma vez que as mesmas não permitem identificar os termos nem os bens sobre os quais o "acerto de preços" de baseou, riem efectuar um cabal controlo do imposto.
No que se refere à dedução, peia Requerente, do imposto constante das facturas emitidas, pela ... à requerente, identificadas com a sigla "LOG", durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro -um conjunto de 16 facturas juntas aos autos -, cujo descritivo mencionava apenas "logística", "custos de transporte", armazenagem", "formação, embalagem e manuseamento", o tribunal analisou a conformidade da sua forma legal com os requisitos exigidos pelo Código do IVA. O descritivo das referidas facturas, muito embora identifique a natureza dos serviços prestados, não permite determinar, em concreto, se o enquadramento de IVA aplicado - no caso, tributação a taxa normal - é o adequado.
Com efeito, embora se conheça, do descritivo das facturas em causa, que a natureza dos serviços prestados respeitam a logística, ou a serviços de transporte, ou a serviços de manuseamento e acondicionamento de bens, ou mesmo a formação, não consta de tais documentos informação que permita identificar o correcto enquadramento, em matéria de IVA, de cada um dos serviços em causa, designadamente, por exemplo, se o transporte de bens respeita a transportes intracomunitários ou se o mesmo respeita a transportes em território nacional ou entre as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, ou entre qualquer um destes locais, ou ainda se os serviços de manuseamento e acondicionamento dos bens respeitam a serviços acessórios desse tipo de transportes, ou mesmo em que local foi ministrada a formação - em território nacional ou noutro território - questões que poderiam determinar um enquadramento, em sede de IVA, diferente daquele que foi aplicado. Acresce que não consta da defesa preparada pela Requerente ou da prova testemunhal por esta apresentada, qualquer informação que permita sequer aferir dessas especificações. Por último, existem indícios bem fundamentados pela Requerida, não contestados pela Requerente, que os serviços titulados por tais documentos não terão sido efectivamente prestados, uma vez que ficou provado que a ... não possuía, à data, uma estrutura empresarial apta para o efeito, designadamente por não ter pessoal ao seu serviço e por ter insuficiente volume de aquisições a terceiros que, desde logo, permitiram concluir que aquela entidade não recorreu à subcontratação de tais serviços...”.
23 - É certo assim que, a fundamentação constante no relatório relativamente à insuficiência de dados constantes da Nota de Débito, quando refere apenas "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", entronca no entendimento adoptado na decisão arbitral proferida.
24 - Finalmente, interessa abordar a questão relacionada com o a liquidação indevida de imposto e ao preconizado no n.º 2 do art.º 27.º e alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º, ambos do Código do IVA.
25 -Vejamos o que nos transmitem aqueles preceitos legais: Alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º
"As pessoas singulares ou coletivas que mencionem indevidamente IVA em fatura;"
N.º 2 do art.º 27.º "Às pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as que pratiquem uma só operação tributável nas condições referidas na alínea a) da mesma disposição, devem entregar nos locais de cobrança legalmente autorizados o correspondente imposto ...".
26 – Agora analisemos o que consta no relatório da inspeção:
É verdade que a sociedade "A…, SA", através da Nota de Débito, procedeu à liquidação de IVA e que procedeu à sua entrega nos cofres do Estado, respeitante ao período de 1205. No entanto, pelos factos descritos, apurou-se que a liquidação do IVA foi indevida, tendo a sociedade agido correctamente, uma vez que mencionou indevidamente imposto em factura, pelo que deverá ser entregue nos cofres do Estado, conforme disposições legais do nº 2 do artigo 27º do CIVA. Tendo a sociedade liquidado IVA indevidamente, sobre uma operação activa para a qual não conseguiu provar a sua efectivação, não assiste assim, direito à sua recuperação do imposto nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, no período de 1112, pelo que procederemos à correcção dai decorrente, no montante de 529.578,00 €.
27 - Sobre esta matéria, consagrou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0555/12 de 26-09-2012, nomeadamente o seguinte entendimento:
Dispõe o art. 2º, n 1, alínea c), do CIVA que são sujeitos passivos do imposto "as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA".
Desta forma, a simples menção do IVA em tais documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24-4/2002, proc nº 26636, este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo.
Nas palavras de XAVIER DE BASTO (Cfr. "A harmonização Fiscal na CEE", Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44.), cada factura com menção de imposto, constitui "um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso (...) a simples menção do 1VA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um "devedor de imposto". Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados".
Em suma, tendo sido dado como provado no Acórdão recorrido que houve menção indevida de IVA, e, por conseguinte, factualidade suficiente para estear a liquidação oficiosa, daí não pode deixar de decorrer uma obrigação de entregar ao Estado o imposto correspondente, por aplicação do art. 2º, nº1, alínea c), do CIVA.
28 - Finalmente, afigura-se-me não existir qualquer contradição entre a fundamentação dos Serviços de Inspeção e os pressupostos em que aquela assentou, porquanto, a correção resultou de uma análise abrangente à situação tributária da reclamante, tanto no âmbito dos requisitos elencados no art.º 78.º do Código do IVA, como, da verificação dos documentos de suporte, os quais se estivessem todos emitidos de forma a não levantar qualquer dúvida, o estipulado na alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º e n.º 2 do art.º 57.º, ambos do CIVA, não seria sequer motivo de utilização, pelo que, até prova em contrária, bem andaram os Serviços de Inspeção Tributária no procedimento realizado.
29 - Nestes termos e pelo que ficou exposto, carecendo a pretensão manifestada pela reclamante de elementos concretos e base legal sustentável para infirmar os procedimentos dos Serviços de Inspeção Tributária, sou de opinião que a presente reclamação poderá ser indeferida na sua totalidade.
i) A Requerente exerceu o direito de audição relativamente ao projecto de decisão da reclamação graciosa;
j) Na sequência do exercício do direito de audição foi elaborada pela Autoridade Tributária e Aduaneira uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
1 - A sociedade A…, S.A., NIPC …, com sede na … … - Apartado…, em …, foi notificada através de carta registada em 2015-11-18 do projeto de decisão elaborado nos presentes autos de reclamação graciosa, para que, por escrito e no prazo de quinze dias, querendo, viesse ao procedimento exercer o seu direito de audição sobre o projeto de decisão de indeferimento da reclamação.
2 - Na sequência deste facto, deu entrada neste Serviço de 2015-12-04 a exposição incorporada a fls. 49 a 52 dos autos, subscrita pela reclamante, na qual vem exercer o direito de audição legalmente concedido nos termos do artº 60.º da Lei Geral Tributária, pronunciando-se sobre o projeto de decisão que lhe havia sido comunicado.
3 - Importa, portanto, antes de ser proferida a decisão final, fazer a sua análise de modo a ponderar a existência de elementos novos aduzidos pela reclamante, cumprindo-se, assim, o estabelecido no n.º 7 do art.º 60 daquela disposição legal.
4 - Nesta conformidade, pese embora o direito que lhe assiste e a legitimidade do invocado, constata-se, contudo, não trazerem nada de novo no sentido de inverter a posição assumida no projeto sobre a matéria em discussão, porquanto, a peticionária limita a sua discordância â apresentação de entendimentos e opiniões que revestem a natureza meramente interpretativa das normas legais devidamente dissecadas nos autos, razão pela qual, se mantêm plenamente válidas quer a fundamentação, quer as conclusões do projeto de decisão de indeferimento, e, consequentemente convertê-lo em definitivo.
k) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 15-12-2015, proferido pelo Senhor Director de Finanças de …, em que se refere o seguinte:
Concordo,
com o teor da informação prestada, bem como com o parecer que sobre ela recaiu, pelo que, com os mesmos termos e fundamentos, determino o indeferimento do presente processo gracioso de reclamação, na medida em que o relatório da inspeção demonstra que o documento objeto da correção, aqui em discussão, não possui os elementos legalmente exigidos para os efeitos previstos no art.º 78º, do CIVA, ou seja, a Autoridade Tributária não questiona a condição de insolvente do cliente da requerente, mas sim a forma legal do documento que suportou a regularização/recuperação do imposto a favor do sujeito passivo. Facto que o requerente não afastou, nem no âmbito do procedimento de inspeção, nem neste processo. Não estando em causa, naturalmente, a obrigação da entrega do IVA, nos termos da disciplina do art.º 27º, n.º 2, do mesmo Código, como o próprio indica na alínea c), do ponto 9º, da petição que apresentou, no dia 04 de dezembro de 2015, para exercício do contraditório.
l) A Requerente liquidou o IVA que se refere a Nota de Débito n.º … que emitiu à sociedade D…, Lda e procedeu à sua entrega nos cofres do Estado, relativamente ao período 1205 (artigo 32.º da Resposta);
m) A referida nota de débito respeita a serviços de gestão prestados pela Requerente à D…, Lda;
n) Em 2005 foi elaborado o projecto de cisão-fusão que conta do documento n.º 4 junto com as alegações da Requerente, cujo teor se dá como reproduzido;
o) Em 23-05-2005, o Conselho de Administração da Requerente aprovou um projecto de cisã0-fusão pelo destaque de parte do património da E… SA., sem dissolução desta, e fusão do património destacado por incorporação na D…, Lda. (cisão parcial - fusão por incorporação) (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
p) Em 01-08-2005 foi celebrada a escritura cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa à cisão-fusão entre a E…, S.A. e a D…, Lda;
q) Em 31-12-2015, a Requerente emitiu a nota de débito n.º …/2005, que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
r) O crédito referido na nota de débito n.º …/2005, foi reconhecido no processo de insolvência da D…, Lda, que correu termos no Tribunal Judicial de ... sob o n.º …/10. … ...;
s) O crédito referido foi reclamado e reconhecido em processo de insolvência da D…, Lda", NIPC … e da sociedade "C…, Lda que correu termos no Tribunal judicial de ...;
t) Em 17-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.3. Factos não provados
Não se provou quais os específicos serviços de gestão que estarão subjacentes a emissão da nota de débito n.º…, emitida pela Requerente à sociedade D…, Lda..
2.4. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e com as suas alegações e os que constam do processo administrativo.
Quanto à reclamação e reconhecimento do crédito no processo de insolvência, refere-se no Relatório da Inspecção Tributária que foram juntas certidões pela Requerente, mas elas não foram juntas ao presente processo e do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira apenas consta do processo de reclamação graciosa e não o de inspecção tributária.
Para além disso, foi junto um documento em que é comunicado ao Administrador da Insolvência que iria ser deduzido o IVA respeitante ao crédito em causa (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
De qualquer forma, não questionando a Autoridade Tributária e Aduaneira esse reconhecimento do crédito no processo de insolvência, dá-se como assente esse facto.
No que concerne à prestação de serviços de gestão prestados pela Requerente à D…, Lda, deu-se como provado que eles ocorreram, desde logo por ter sido emitida a nota de débito e não ser aventada qualquer explicação para a sua emissão sem que fossem prestados serviços.
Para além disso, o facto de o crédito referido ter sido reconhecido por sentença proferida em processo de insolvência, especialmente vocacionado para esse efeito e com possibilidade de controle pelo Tribunal, pelo Administrador da Insolvência, pelo Ministério Público e pela generalidade dos credores da insolvente, corrobora a convicção de que foram prestados serviços de gestão no valor indicado nessa nota de débito.
A isto acresce que, como refere a Requerente, o período a que se referem os serviços de gestão referidos na nota de débito é consentâneo com o período de implementação do processo de cisão-fusão que se compagina com a prestação de serviços por uma das sociedades à outra. Neste contexto, o facto de não haver outros serviços desse tipo em períodos anteriores a Agosto de 2005 ou posteriores a Dezembro de 2005, deixa entrever a conexão entre esses serviços e a implementação do referido processo de reorganização das sociedades.
Por outro lado, o facto de ter havido uma reestruturação empresarial constitui uma explicação aceitável, em termos de razoabilidade, à luz da experiência comum, para a falta de apresentação de prova documental susceptível de densificar a especificação de serviços prestados cerca de 10 anos antes.
No mínimo, perante estes factos que apontam no sentido de terem sido prestados os serviços de gestão referidos e não havendo qualquer elemento probatório que aponte em sentido contrário, terá de se ficar na dúvida sobre este ponto, o que equivale processualmente à prova positiva da prestação desses serviços, em face da regra do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
3. Matéria de direito
3.1. Fundamentação do acto impugnado
A Requerente, na declaração periódica de IVA, respeitante ao período de 1112, procedeu à regularização / recuperação de créditos de IVA, nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, respeitante aos processos de insolvência.
Analisando os documentos apresentados pela Requerente que sustentam os créditos invocados pela Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que em 31-12-2005, emitiu a Nota de Débito n.º…, à sociedade "D…, Lda", NIPC … (sociedade ora insolvente), respeitante a "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", no montante de 2.521.800,00€ mais IVA de 529.578,00 €.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu as referências existentes na documentação de suporte à contabilização, em que apenas se lê, "Fees de gestão" (em português "honorários de gestão") e a referência a um período temporal ("Agosto a Dezembro") é insuficiente, pelo que pediu à Requerente informação adicional sobre a indicação / caracterização dos serviços prestados e a sustentabilidade destes, não tendo obtido qualquer resposta e na inspecção não conseguiu obter mais informação sobre esta matéria.
A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte:
«É verdade que a sociedade "A…, SA", através da Nota de Débito, procedeu à liquidação de IVA e que procedeu à sua entrega nos cofres do Estado, respeitante ao período de 1205. No entanto, pelos factos descritos, apurou-se que a liquidação do IVA foi indevida, tendo a sociedade agido correctamente, uma vez que mencionou indevidamente imposto em factura, pelo que deverá ser entregue nos cofres do Estado, conforme disposições legais do nº 2 do artigo 27º do CIVA.
Tendo a sociedade liquidado IVA indevidamente, sobre uma operação activa para a qual não conseguiu provar a sua efectivação, não assiste assim, direito à sua recuperação do imposto nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, no período de 1112, pelo que procederemos à correcção daí decorrente, no montante de 529.578,00 €.»
Na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira fez uma extensa transcrição do acórdão arbitral proferido no processo n.º 617/2013, em que se refere, além do mais, que
– o artigo 178º, alínea a) da DIVA prevê a obrigação de o sujeito passivo "... possuir uma factura em conformidade com os artigos 220º a 236º, 238º, 239º e 240º;
– que as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as ... a quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;
– conforme sufragado no âmbito do Processo C-368/09, de 15 de Julho de 2010, do TJUE, que "não é legítimo aos Estados Membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das facturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Directiva 2006/112. Esta interpretação é igualmente corroborada pelo artigo 273º desta Directiva, que prevê que os Estados Membros podem impor obrigações que considerem necessárias para assegurar a exacta percepção da IVA e para evitar a fraude, mas que esta faculdade não pode ser utilizada para impor obrigações de facturação suplementares às fixadas, designadamente, no artigo 226º da referida directiva;
– o TJUE proferiu, no âmbito do processo C-271/12, de 8 de Maio de 2013, o entendimento de que "Às disposições da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...), devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, por força da qual o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pode ser recusado a sujeitos passivos destinatários de serviços, que possuem facturas incompletas, não obstante terem sido completadas mediante a apresentação de documentos com o objectivo de provar a realidade, a natureza e o montante das operações faturadas após a adoção de tal decisão de recusa.";
– o descritivo das referidas facturas, muito embora identifique a natureza dos serviços prestados, não permite determinar, em concreto, se o enquadramento de IVA aplicado - no caso, tributação a taxa normal - é o adequado.
Na sequência desta citação, refere-se na informação em que se baseou a decisão da reclamação graciosa que
– «a fundamentação constante no relatório relativamente à insuficiência de dados constantes da Nota de Débito, quando refere apenas "Fees de gestão de Agosto a Dezembro de 2005", entronca no entendimento adoptado na decisão arbitral proferida»;
– «é verdade que a sociedade "A…, SA", através da Nota de Débito, procedeu à liquidação de IVA e que procedeu à sua entrega nos cofres do Estado, respeitante ao período de 1205. No entanto, pelos factos descritos, apurou-se que a liquidação do IVA foi indevida, tendo a sociedade agido correctamente, uma vez que mencionou indevidamente imposto em factura, pelo que deverá ser entregue nos cofres do Estado, conforme disposições legais do nº 2 do artigo 27º do CIVA. Tendo a sociedade liquidado IVA indevidamente, sobre uma operação activa para a qual não conseguiu provar a sua efectivação, não assiste assim, direito à sua recuperação do imposto nos termos do nº 7 do artigo 78º do CIVA, no período de 1112, pelo que procederemos à correcção dai decorrente, no montante de 529.578,00»;
«... não existir qualquer contradição entre a fundamentação dos Serviços de Inspeção e os pressupostos em que aquela assentou, porquanto, a correção resultou de uma análise abrangente à situação tributária da reclamante, tanto no âmbito dos requisitos elencados no art.º 78.º do Código do IVA, como, da verificação dos documentos de suporte, os quais se estivessem todos emitidos de forma a não levantar qualquer dúvida, o estipulado na alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º e n.º 2 do art.º 57.º, ambos do CIVA, não seria sequer motivo de utilização, pelo que, até prova em contrário, bem andaram os Serviços de Inspeção Tributária no procedimento realizado».
Na decisão da reclamação graciosa, proferida pelo Senhor Director de Finanças de …, refere-se o seguinte:
Concordo,
com o teor da informação prestada, bem como com o parecer que sobre ela recaiu, pelo que, com os mesmos termos e fundamentos, determino o indeferimento do presente processo gracioso de reclamação, na medida em que o relatório da inspeção demonstra que o documento objeto da correção, aqui em discussão, não possui os elementos legalmente exigidos para os efeitos previstos no art.º 78º, do CIVA, ou seja, a Autoridade Tributária não questiona a condição de insolvente do cliente da requerente, mas sim a forma legal do documento que suportou a regularização/recuperação do imposto a favor do sujeito passivo. Facto que o requerente não afastou, nem no âmbito do procedimento de inspeção, nem neste processo. Não estando em causa, naturalmente, a obrigação da entrega do IVA, nos termos da disciplina do art.º 27º, n.º 2, do mesmo Código, como o próprio indica na alínea c), do ponto 9º, da petição que apresentou, no dia 04 de dezembro de 2015, para exercício do contraditório. (negrito nosso).
Os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD decidem segundo o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), estando a sua actividade limitada à declaração da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Está-se, assim, no âmbito de um contencioso de mera legalidade, em que se tem de apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes, em princípio, fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral.
No entanto, nos casos de impugnação administrativa (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado com diferente fundamentação, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto (que será ratificação, se a fundamentação inicial era ilegal), passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, terá a nova fundamentação. Naturalmente que, se o acto que decide a impugnação administrativa alterar o conteúdo decisório do acto impugnado, nomeadamente revogando-o parcialmente, estar-se-á também perante revogação por substituição, só permanecendo na ordem jurídica o acto inicial na parte não revogada, com a fundamentação que resultar do acto que aprecia a impugnação administrativa.
No caso em apreço, resulta da fundamentação da liquidação, com maior clareza de decisão da reclamação graciosa que define a posição final da Administração Tributária em relação à Requerente, que o fundamento da correcção efectuada é a nota de débito referida não possuir «os elementos legalmente exigidos para os efeitos previstos no art.º 78º, do CIVA», questionando a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas «a forma legal do documento que suportou a regularização/recuperação do imposto a favor do sujeito passivo».
Assim, é à face desta fundamentação que há que apreciar a legalidade do acto impugnado.
3.2. Questão do erro de direito na fundamentação do acto impugnado.
A Requerente imputa ao acto impugnado, em primeiro lugar, vício por erro de direito, dizendo nas suas alegações, em suma:
– nem o enquadramento legal conferido pela AT à correcção em apreço se afigura correcto, nem a fundamentação apresentada é consistente com o mesmo;
– a regularização de imposto ao abrigo do referido n.º 7 do artigo 78.º do CIVA exige o cumprimento de determinados requisitos documentais e temporais, não estando dependente de requisitos e critérios adicionais que possam ser invocados pela AT para fundamentar correcções que não têm sustentação legal;
– quanto ao cumprimento destes critérios, é a própria AT que o atesta, afirmando categoricamente inexistir qualquer impedimento à respectiva regularização de imposto, pelo que a mesma se afigura válida;
– acresce que o n.º 7 do artigo 78.º do CIVA não se ocupa de alegados cenários de liquidação indevida de IVA, como pretende a AT neste processo, estando apenas adstrito à regularização de imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processos de insolvência (e equivalentes), a qual (regularização) suscita, justificadamente, unia preocupação acrescida em sede de prova documental (que não se justifica em verdadeiros cenários de liquidação indevida de IVA) a fim de evitar prejuízos para o Estado.
– incorre, portanto, a AT num erro de direito, ao pretender fazer uso de um regime especial do IVA — regularização de créditos incobráveis -- para tutelar uma situação factual — liquidação indevida de IVA — que este manifestamente não comporta.
A regularização do IVA efectuada pela Requerente baseou-se na alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, que, na redacção resultante da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, vigente em Dezembro de 2012, período em que foi efectuada a regularização, estabelece o seguinte:
7 - Os sujeitos passivos podem deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis:
(...)
b) Em processo de insolvência quando a mesma seja decretada.
(...)
Como bem refere a Requerente, não resulta desta norma qualquer obstáculo a regularização derivado da comprovação ou não das operações relativamente às quais foi liquidado o IVA que o sujeito passivo pretende regularizar.
Na verdade, a hipótese desta norma fica preenchida quando o sujeito passivo é titular de um crédito que é considerado incobrável relativamente ao qual foi liquidado IVA.
No entanto, como se conclui da decisão da reclamação graciosa e da informação para que remete, o obstáculo que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu existir ao exercício do direito a dedução resulta da falta dos elementos da nota de débito em causa e não do preenchimento da hipótese da alínea b) do n.º 7 do artigo 78.º.
E nesta decisão, através da referência ao artigo 178.º da Directiva n.º 2006/112/CE que consta da transcrição da decisão arbitral referida, encontra-se o suporte legal para o decidido, na esteira da jurisprudência do TJUE que se cita no sentido de que «o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pode ser recusado a sujeitos passivos destinatários de serviços, que possuem facturas incompletas, não obstante terem sido completadas mediante a apresentação de documentos com o objectivo de provar a realidade, a natureza e o montante das operações faturadas após a adoção de tal decisão de recusa».
Assim, o acto impugnado, com a fundamentação que lhe foi dada na decisão da reclamação graciosa, não enferma do vício que a Requerente lhe imputa de erro de enquadramento jurídico, pois não é o preceituado no artigo 78.º, n.º 7, do CIVA o fundamento do decidido, como evidencia o teor expresso da decisão da reclamação graciosa.
3.3. Questão da prova da existência de serviços prestados pela Requerente relativos à nota de débito
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que não tenham sido prestados os serviços referidos na nota de débito, antes há um conjunto de factos que aponta no sentido de eles terem sido efectuados, pelo que, no mínimo, está-se perante uma situação de fundada dúvida que deve ser valorada processualmente a favor da Requerente, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT
Quanto a esta matéria, as posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao longo dos procedimentos de inspecção e de reclamação graciosa não é congruente, pois no despacho de indeferimento da reclamação graciosa refere-se que se questiona «a forma legal do documento que suportou a regularização/recuperação do imposto a favor do sujeito passivo» e no procedimento de inspecção foram efectuadas diligências tendo em vista apurar quais os serviços prestados subjacentes à referência feita na nota de débito, o que só de pode justificar se a invocada irregularidade formal não fosse obstáculo à regularização.
De qualquer forma, de harmonia com o disposto no artigo 226.º da Directiva n.º 2006/112/CE (invocado no parecer para que remete a decisão de indeferimento da reclamação através de transcrição da decisão arbitral proferida no processo n.º 61/2013-T), na falta de norma especial, «as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas» são as aí indicadas e, quanto à identificação dos serviços prestados, apenas exige, no ponto 6), a indicação da sua «extensão e natureza».
No caso em apreço, a quantidade e denominação dos serviços prestados consta da nota de débito, embora de forma sucinta, pois refere-se a denominação genérica do tipo de serviços como sendo «de gestão» (a sua «natureza») e indica-se o período durante o qual foram prestados «de Agosto a Dezembro de 2005» (a «extensão» dos serviços), pelo que não se pode concluir que a nota de débito não indique a extensão e natureza dos serviços. ( [1] )
Pelo exposto, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por errada aplicação do artigo 226.º da Directiva n.º 2006/112/CE, ao entender que devia recusar a regularização efectuada pela Requerente.
4. Juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia liquidada e pede juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, pois a liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º- 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a determinar pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Anular a liquidação de liquidação de IVA n.º 2013 …, relativa ao período 201112 e respectiva demonstração de acerto de contas;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º- 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 529.578,00.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.262,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 10-10-2016
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Maria Cristina Aragão Seia)
(António Nunes dos Reis)
[1] O artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, que indica, na sua alínea b), as formalidades das facturas (e, antes do Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, também dos «documentos equivalentes»), não é invocado no Relatório da Inspecção Tributária nem na decisão da reclamação graciosa e parecer para que remete, pelo que não pode ser considerado fundamento do acto impugnado.
De qualquer forma, pode-se acrescentar, como obiter dictum, que naquela alínea b) apenas se refere, entre os elementos que as facturas e documentos equivalentes devem conter, «a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução».
No caso em apreço, a quantidade e denominação dos serviços prestados consta da nota de débito, embora de forma sucinta, pois refere-se a denominação genérica do tipo de serviços como sendo «de gestão» e indica-se o período durante o qual foram prestados «de Agosto a Dezembro de 2005» e, por outro lado, tratando-se de serviços totalmente tributados à taxa normal, era desnecessária a «especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável».