DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1. A…, contribuinte n.º…, com domicílio na…, …, …(adiante designado “Requerente”), apresentou em 28/03/2016 pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao exercício de 2012, com o nº 2014…, no valor total de € 31.380,49 (trinta e um mil e trezentos e oitenta euros e quarenta e nove cêntimos), e, bem assim, o despacho de indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra a reclamação graciosa daquela liquidação.
1.2. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 26/04/2016, como árbitro singular o signatário desta decisão.
1.3. No dia 14/06/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 15/06/2016, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
1.5. Em 15/07/2016 a AT apresentou a resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação.
1.6. Em 18/07/2016 ante o teor da resposta oferecida pela AT, o tribunal arbitral concedeu ao Requerente o prazo de 10 dias para se pronunciar, querendo, quanto à excepção de caducidade do direito de acção invocada.
1.7. O Requerente não se pronunciou quanto à excepção arguida pela AT.
1.8. O tribunal arbitral em 11/10/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.
1.9. Em 24/10/2016 o Requerente apresentou alegações escritas facultativas.
1.10. A AT não apresentou alegações escritas.
2. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
3. POSIÇÕES DAS PARTES
Como fundamento do seu pedido, o Requerente alega em síntese que:
a) Independentemente do facto de se contrariarem todos os princípios gerais de direito tributário e, bem assim, de a tributação em apreço constituir um verdadeiro atentado à capacidade contributiva do Requerente, a AT não logrou sustentar a legalidade da liquidação;
b) Com efeito, e sustentada em normas meramente instrumentais e subalternas, quer em relação às normas de protecção formal a que se refere o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), quer em relação ao princípio da capacidade contributiva estabelecido no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real;
c) Em suma, as empresas deverão ser tributadas quando têm rendimento e na exacta medida desse rendimento;
d) Ora, no caso em apreço, o Requerente, catapultado para um regime de tributação, donde não se consegue sair, senão após períodos de três anos, acaba por ser tributado em contradição com todos os princípios tributários apresentados;
e) De facto, não obstante o prejuízo verificado no negócio (único realizado no triénio) no valor de 118.000,00 euros, o Requerente acaba por ser tributado sobre um rendimento de 68.000,00 euros [1];
f) Segundo o Requerente, não consubstanciando a liquidação em crise, uma liquidação tributária de rendimentos efectivamente auferidos, mas antes de uma tributação sobre matéria coletável inexistente;
g) Tanto mais, que foi o único negócio do período de tributação a que se refere a liquidação aqui posta em crise e a desvalorização do sector de actividade de compra e venda de bens imobiliários é do conhecimento geral;
h) Por todo o exposto, a liquidação em apreço, a manter-se na ordem jurídica, consubstancia um autêntico atentado à capacidade contributiva do Requerente.
A AT contestou alegando em síntese, por excepção, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, uma vez este terá sido efectuado 1 (um) dia depois o termo do prazo de 90 dias a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
Sem conceder, a AT alegou ainda, por impugnação, em síntese que:
a) O regime simplificado de tributação consubstancia um regime não vinculativo, válido apenas para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada;
b) Ora, o Requerente encontrava-se, desde 2008, naquele regime de tributação simplificada, podendo, em 2011, ter optado pelo regime de contabilidade organizada;
c) Porém, não exerceu essa opção, optando, antes, por se manter no regime simplificado de tributação;
d) De facto, a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 31.º do Código do IRS não serve para determinar o imposto a cobrar, mas sim para determinar o rendimento tributável, sobre o qual vai incidir a taxa do IRS aplicável;
e) Donde não pode ser acolhida a alegação do Requerente nos termos da qual o regime simplificado apenas atende às vendas para o cálculo do IRS, “desconsiderando todos e quaisquer custos acessórios com a compra”;
f) Segundo a AT, esta afirmação não corresponde à verdade, na medida em que se considera como rendimento tributável 20% das vendas, e como custo 80% das mesmas;
g) Assim, perante a declaração de rendimentos empresariais, de 340.000,00 euros, não poderia a AT, vinculada que está ao princípio da legalidade, deixar de tributar o Requerente de acordo com o disposto no regime do artigo 31.º do Código do IRS;
h) Ao contrário do afirmado pelo Requerente, a AT não procedeu a qualquer presunção de rendimentos;
i) Antes, perante o rendimento anual declarado, procedeu à respectiva tributação, pelas regras do regime de tributação em que o Requerente se mostrava enquadrado e no qual o mesmo optou por se enquadrar e por permanecer em 2012;
j) Por outro lado, a invocação do princípio da capacidade contributiva não acolhe aos interesses do Requerente, porquanto efectivamente, o respectivo rendimento real, no ano de 2012, ascendeu a 340.000,00 euros;
k) Não tendo o Requerente exercido a opção pelo regime de contabilidade organizada, outra não poderia ter sido a decisão da AT.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS
Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:
4.1.1. Por escritura pública lavrada em 30/12/2009 no Cartório Notarial de …, o Requerente adquiriu o prédio urbano sito na …, lote…, …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial n.º…, pelo preço de 458.000,00 euros.
4.1.2. Com referência ao trénio de 01/01/2011 a 31/12/2013, o Requerente encontrava-se enquadrado no regime simplificado de tributação, pela actividade de compra e venda de bens imobiliários.
4.1.3. Em 08/09/2012, no âmbito daquela actividade, o Requerente alienou por 340.000,00 euros o imóvel que havia adquirido em 30/12/2009, por 458.000,00 euros.
4.1.4. Em 27/05/2013, o Requerente apresentou a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2012, indicando a alienação do imóvel no Anexo G, e não apresentando Anexo B.
4.1.5. Em 15/07/2013, o Requerente apresentou uma declaração de substituição, mantendo o declarado no Anexo G, mas apresentando Anexo B, porém nele nada declarando.
4.1.6. Em 24/07/2014, o Requerente apresentou nova declaração de substituição, anexando o Anexo G, mas nele já não declarando a referida venda, e indicando a mesma venda no Anexo B.
4.1.7. Em 05/08/2014, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS, n.º 2014… referente ao exercício de 2012, no montante de € 31.380,49.
4.1.8. Não concordando com a referida liquidação de IRS, o Requerente apresentou, em 05/01/2015, reclamação graciosa (processo n.º …2015…) com fundamento no facto de a tributação efectuada não ter em conta nenhum dos princípios jurídicos do Direito Tributário, uma vez que tributa um prejuízo como se de um lucro se tratasse.
4.1.9. Em 23/02/2015, o Requerente foi notificado do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa tendo optado por não exercer o respectivo deito de audição prévia.
4.1.10. Em 07/04/2015, o Requerente foi notificado da convolação em definitivo do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
4.1.11. Inconformado, o Requerente apresentou, em 05/05/2015, recurso hierárquico (processo n.º …2015…) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
4.1.12. Em 28/12/2015, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra a reclamação graciosa da liquidação de 2012.
4.1.13. Em 28/03/2016, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.
5. O DIREITO
5.1. EXCEPÇÃO POR INTEMPESTIVIADE DO PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL
Constitui questão prévia a decidir a da excepção arguida pela AT quanto à intempestividade do pedido de constituição e de pronúncia arbitral.
Assim, de harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado no prazo de 90 dias a contar dos factos previstos no n.º 1 e n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Na situação em apreço é, pois, aplicável por remissão do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (à data ainda em vigor), que institui como critério temporal determinante para a contagem do mencionado prazo de 90 dias a notificação de indeferimento do recurso hierárquico.
O Requerente foi notificado do acto de indeferimento do recurso hierárquico contestando o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2014…, a 28/12/2016.
Ora, o presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 28/03/2016, ou seja, decorridos mais de 90 dias após a notificação do acto de indeferimento do recurso hierárquico.
No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, tal como previsto no artigo 10.º do RJAT, sendo anterior ao procedimento arbitral, e, obviamente, também anterior ao processo arbitral, não se aplicará o artigo 3.º-A do RJAT, aplicando-se, antes sim, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1 do CPPT, o regime previsto no artigo 279.º do Código Civil.
Nestes termos, atento o normativo legal acima exposto, procede a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a absolvição da AT.
Considerando-se procedente a excepção invocada, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos autos.
6. DECISÃO
Em face do exposto, determina-se julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronuncia arbitral invocada pela AT e, em consequência, absolver a Requerida da instância, julgando, ainda, prejudicado o conhecimento da questão de mérito.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 31.380,49 (trinta e um mil e trezentos e oitenta euros e quarenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar pelo Requerente, no montante de € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 2 Novembro de 2016
O árbitro,
Hélder Filipe Faustino
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Correspondente a 20% do valor da venda de 340.000,00 euros, por força da aplicação do coeficiente previsto no artigo 31.º do Código do IRS.