Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2016-T
Data da decisão: 2016-10-21  IVA  
Valor do pedido: € 65.742,75
Tema: IVA – Caducidade do Direito de Acção e Erro Desculpável;
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), António Sérgio de Matos e Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-06-2016, acordam no seguinte:

           

I.       Relatório

1.                  A…, doravante designado “Requerente”, NIF…, com sede na Avenida …, …-… …, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa por si oportunamente apresentada contra o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante designado por “IVA”) n.º 2015…, com referência ao período de 201409T, no montante global de € 65.742,75, que junta como Documento 1, veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos nos 1 e 2 do artigo 10.º, ambos, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do referido acto de liquidação adicional de IVA, bem assim do indeferimento da sobredita Reclamação Graciosa.

 

 

2.                  O Requerente pede:

a)      que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa supra melhor identificado, bem assim a ilegalidade das correcções em sede de IVA supra identificadas e do acto de liquidação adicional de IVA supra identificado também, respeitante ao exercício 201409T, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente a condenação da AT ao reembolso de € 65.742,75 e ao pagamento de juros indemnizatórios;

b)     a título subsidiário, e na medida em que não seja claro para o Tribunal Arbitral, não obstante jurisprudência comunitária já produzida sobre a matéria, o alcance dos artigos 167.º, 168.º, 169.º, 173.º, 174.º, 175.º e 179.º da Directiva IVA, ou de qualquer outra norma da desta Directiva que possa em seu juízo interferir com a boa solução deste caso, que este Tribunal Arbitral promova o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante designado por “TJUE”), conforme previsto na alínea b) n.º 3 do artigo 19.º e artigo 267.º, ambos, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

3.                  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.° 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo a Senhora Juiz Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Dr. António Sérgio de Matos, e o Dr. Júlio Tormenta, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 14-06-2016.

 

4.                  Em suporte das suas pretensões alega o Requerente, em síntese:

a)      O presente pedido é tempestivo porquanto o ora Requerente foi notificado do indeferimento da Reclamação Graciosa previamente apresentada, no dia 28 de Dezembro de 2015 (cf. Documento 2);

b)     O acto de liquidação adicional de IVA n.º 2015…, de 13 de Junho de 2015, procede à liquidação adicional do montante de € 65.742,75, o que redundou na concessão de um reembolso de imposto no valor de € 39.802,84, inferior ao solicitado na declaração periódica de IVA referente ao período de 201409T (cf. Documento 1);

c)      Tal acto de liquidação assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos no que concerne ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido pelo Requerente para os fins da sua actividade, durante o ano 2012, coarctando, de forma grosseira o exercício de tal direito e comprometendo a neutralidade que constitui a trave-mestra da disciplina daquele imposto;

d)     A AT considera que, no presente caso, “estando nós perante uma alteração do método de dedução do imposto num sujeito passivo misto e perante uma regularização de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado, os prazos a respeitar são os que se encontram nos artºs 23º e 24º do CIVA”, i.e., na declaração do último período do ano a que respeitam, porém tal entendimento mostra-se incompatível com as disposições do Código do IVA relativas ao prazo para a efectivação do direito à dedução deste imposto;

e)      Atento o prescrito no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA, o prazo de regularização de quatro anos aí referido constitui o limite máximo, por excelência, para a dedução do IVA, o qual abrange todas as situações que não estejam incluídas em disposições especiais, nomeadamente as constantes do artigo 78.º do Código do IVA, que, como a própria AT defende, – posição com a qual o Requerente concorda – não é aplicável ao caso concreto;

f)      Como resultado da ausência de uma disposição especial constante do Código do IVA que preveja um prazo para a dedução do imposto incorrido nas situações objecto de análise – i.e, nas situações em que o sujeito passivo não enquadra correctamente as suas operações tributáveis – deverá ter-se por referência o prazo geral de quatro anos, que resulta do referido n.º 2 do artigo 98.º do Código desse imposto;

g)     Assim, não pode prevalecer o entendimento firmado pela AT de que o Requerente deveria ter deduzido e regularizado a seu favor, o imposto incorrido no ano 2012 nos prazos estabelecidos pelo n.º 6 do artigo 23.º e pelo n.º 8 do artigo 24.º do Código do IVA, isto é, até à declaração do último período do ano a que respeita;

h)     Tal restrição viola ainda o mais elementar dos princípios da disciplina do IVA, ou seja, o da neutralidade, o qual impõe, nas palavras dos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em Acórdão de 7 de Outubro de 2015, prolatado no processo 01455/12, que “todas as restrições ao direito de dedução devem ser interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo”;

i)       Resulta da jurisprudência produzida pelo TJUE, a qual é acolhida pelo STA, que pese embora os Estados-Membros da União Europeia possam subordinar o exercício do direito à dedução a determinadas condições, estas não podem, pelo seu número, tecnicidade ou desproporcionalidade, inviabilizar ou tornar excessivamente difícil o exercício do direito, uma vez que, como bem assinala o STA, “visa concretizar o desígnio de neutralidade prosseguido pelo imposto”;

j)       Não é razoável ou mesmo aceitável que os sujeitos passivos que adoptem métodos de dedução como o pro rata e a afectação real, que são métodos de dedução com regras de difícil apreensão e com uma elevada tecnicidade associada (nomeadamente pelo facto de a própria AT ter induzido em erro os sujeitos passivos ao fazer uma interpretação incorrecta da forma de determinação do pro rata e afectação real), ainda se encontrem limitados a corrigir a dedução por si efectuada nas circunstâncias do presente caso na declaração do último período do ano a que a dedução respeita;

k)     Não deverá ser acolhido o entendimento da AT a este respeito, devendo ainda considerar--se ilegal, por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia (cf. n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa), o Ofício-Circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, onde a AT veicula a referida posição;

l)       Com efeito, os prazos previstos no n.º 6 do artigo 23.º e n.º 8 do artigo 24.º, ambos, do Código do IVA, são destinados exclusivamente à correcção da percentagem do pro rata ou do critério de afectação real provisório para definitivo e ainda da correcção da regularização em bens do activo imobilizado dependente daqueles métodos de dedução, e não para correcção da dedução efectuada pelos sujeitos passivos com base em erro de enquadramento;

m)   As situações patológicas, como a do caso vertente, que derivam de erros materiais ou erros de enquadramento dos sujeitos passivos e que redundam numa incorrecta dedução do imposto incorrido por estes, têm previsão legal no n.º 6 do artigo 78.º (para os erros materiais ou de cálculo) e no n.º 2 do artigo 98.º (para os erros de enquadramento ou de direito, como se verifica no caso concreto), ambos do Código do IVA;

n)     O erro em que incorreu o Requerente não configura um erro material ou de cálculo, nos termos do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA, mas sim um erro no enquadramento das suas operações, um erro nos pressupostos, que encontra a sua previsão no disposto no quadro geral do artigo 98.º do Código do IVA que estabelece como prazo limite (e razoável, acrescente-se) para efectivar o direito à dedução do IVA quatro anos após o nascimento desse direito;

o)     Em face do exposto, será de concluir que assiste ao ora Requerente o direito a deduzir o montante adicional de imposto por si incorrido durante o ano 2012 em resultado da revisão da sua metodologia de dedução que efectuou relativamente ao período em referência, sendo inaplicavél ao caso presente o Ofício-Circulado n.º 30082, de 17 de Novembro de 2005, em que se baseia a AT para recusar tal correcção, e que, ademais, não tem, nem poderia ter, eficácia externa, atentos os limites impostos pela reserva de lei da Assembleia da República no que respeita à competência legislativa em matéria de “garantias dos contribuintes” prevista no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa e inerente violação do princípio da legalidade.

 

5.                  A AT apresentou Resposta e juntou processo instrutor, invocando, em síntese:

 

Por Excepção:

a)      A intempestividade / caducidade do pedido de pronúncia arbitral, que alicerça no facto de o pedido arbitral ter sido apresentado em 30-03-2016 (18.20h) junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sendo que o próprio Requerente admite a intempestividade, ao solicitar a final, que a presente petição seja admitida, mediante o pagamento da multa a que alude a alínea a) n.º 5 do artigo 139.º do CPC, alegadamente ex- vi, o n.º 2 do artigo 3.º- A do RJAT;

b)     Como é pacífico na jurisprudência, arbitral e judicial, os prazos de propositura de acção são prazos substantivos, de caducidade e não adjectivos ou processuais, pois que sem a propositura da respectiva acção, não há lugar à aplicação de qualquer prazo processual, tão somente atenta a inexistência de processo que permita a aplicação de tal prazo, in casu, a alínea a) n.º 5 do artigo 139.º do CPC (tese que sustenta com extractos de dois acórdãos proferidos em sede de Tribunal Arbitral e um do STA);

c)      O pedido de pronúncia arbitral deveria ser apresentado no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, como resulta das disposições conjugadas da alínea a) nº 1 do artigo 10.º do RJAT e alínea b) nº 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);

d)     O Requerente, como bem afirma, foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa no dia 28 de Dezembro de 2015, tendo para o efeito assinado o respectivo Aviso de recepção - cf. artigo 3.º do Pedido de pronúncia arbitral, documento 2 e PA – pelo que o prazo de 90 dias de que dispunha para apresentar o Pedido de Pronúncia Arbitral terminava em 29-03-2016 e não em 30-03-2016, data em apresentou o mesmo.

e)      Motivo pelo qual o presente pedido de pronúncia arbitral é manifestamente intempestivo, encontrando-se em 30-03-2016 (data de entrada do Pedido no CAAD) já caducado o direito de acção do Requerente, sendo a caducidade do direito de acção uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicável ex-vi alínea c) do artigo 29.º do RJAT;

f)      Tal excepção dilatória é insuprível, já que o acto de liquidação cuja ilegalidade é requerida pelo Requerente é insusceptível de voltar a ser impugnado, em virtude da referida caducidade do direito de acção, devendo, em consequência, ser a Requerida absolvida da presente instância nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicável ex-vi alíneas c) e e) do artigo 29.º do RJAT.

 

Por Impugnação

g)     Os princípios subjacentes ao direito à dedução do IVA encontram-se vertidos nos artigos 17.º a 20.º da Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977, vulgo Sexta Directiva, encontrando-se, igualmente, consagrados nos artigos 19.º a 25.º do CIVA;

h)     Mas, desde já, se aventa que o que está em causa nos autos não é a supressão, tout court, do direito à dedução, mas sim a inobservância do prazo que os sujeitos passivos dispõem para regularizar o imposto a seu favor, tratando-se, pois, o n.º 6 do artigo 23º e n.º 8 do artigo 24º, ambos do IVA, de normas procedimentais de direito interno do Estado-Membro Português, que não só colidem com a citada Directiva Comunitária como vão ao encontro da sua finalidade e economia;

i)       Os sujeitos passivos podem realizar operações que conferem o direito à dedução e, simultaneamente, operações que não conferem esse mesmo direito, qualificando-se os mesmos, para efeitos de IVA, como sujeitos passivos mistos, sobrevindo a necessidade de determinar o montante, tanto do imposto dedutível, como do que não é dedutível, casos em que os sujeitos passivos devem, em primeiro lugar, proceder à imputação directa dos encargos, como resulta da articulação das normas dos artigos 20.º a 23.º do CIVA;

j)       Só em fase posterior, para calcular o quantum do direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, prevê dois métodos: o método da afectação real e o método da percentagem ou pro rata, sendo que o critério de opção entre eles é subjectivo, ou seja, depende do sujeito que pratica as operações;

k)     Consiste o método de afectação real na possibilidade de deduzir a totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços destinados às actividades que conferem o direito à dedução e no impedimento de dedução do imposto suportado nas operações que não conferem esse direito, apenas com a ressalva resultante das despesas enumeradas no artigo 21.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado;

l)       Mas os sujeitos passivos podem também optar pelo método da percentagem de dedução ou do pro rata, que comporta maior simplicidade, método em que o IVA dedutível é determinado na proporção da percentagem correspondente ao montante anual das operações que conferem esse direito à dedução;

m)   Assim, o pro rata resulta numa fracção em que o numerador é constituído pelo montante anual, IVA excluído, das operações que conferem direito a dedução nos termos do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, e o denominador pelo montante anual, igualmente sem IVA, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas, que não sejam subsídios de equipamento;

n)     Este método do pro rata ou da percentagem de dedução tem sido consagrado como método geral e supletivo, a utilizar sempre que não deva aplicar-se outro método (por opção do sujeito passivo ou por imposição da AT) nos termos legalmente estabelecidos, desde logo, porque não é seguro que o método do pro rata possa ser o usado, na medida em que o quociente ou percentagem de dedução (pro rata) referenciado é um critério que reflecte a proporcionalidade das operações que concedem direito a dedução na totalidade das operações realizadas e a AT pode afastar esse método nos termos do disposto na alínea b) n.º 3 e do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA, caso entenda que a aplicação desse método conduz a distorções significativas;

o)     Sucede que, independentemente do método de dedução adoptado, os sujeitos passivos podem ter despesas de IVA afectas, conjunta ou simultaneamente, a actividades económicas sujeitas, ou não, a imposto, e mesmo a actividades não económicas e não tributadas;

p)     Exercendo esta faculdade, o Requerente apurou em 2014 um pro rata nos gastos comuns, querendo retroagi-lo às percentagens apuradas aos anos de 2012 e 2013, o que estava impossibilitado de fazer, uma vez que o pro rata a aplicar durante um determinado ano pressupõe o apuramento do pro rata provisório no ano anterior, efectuando-se depois a sua correcção no final do ano, tomando por base de cálculo os valores efectivos das transmissões de bens e ou prestações de serviços (pro rata definitivo);

q)     Donde, as regularizações de imposto só se mostram devidas após o cálculo desse pro rata definitivo, havendo lugar a uma regularização a favor do Estado, se a percentagem definitiva se revelar inferior à percentagem provisória usada no ano (campo 41 da DP), no prazo de quatro anos, já se a percentagem definitiva do ano se revelar superior à percentagem provisória usada no ano, haverá lugar a uma regularização a favor do sujeito passivo (campo 40 da DP), no prazo de dois anos, sendo, pois, totalmente pertinente a alusão do Relatório à ausência do cálculo pela Requerente do pro rata provisório;

r)       Os sujeitos passivos que utilizam o método de dedução pro rata têm ainda de proceder a uma regularização plurianual do imposto deduzido relativamente aos bens móveis e imóveis do seu activo imobilizado (artigo 24.º do CIVA) e o Requerente também neste aspecto não agiu em conformidade;

s)      Quer a regularização do pro rata definitivo, quer a regularização do imposto deduzido relativamente aos bens móveis do activo imobilizado têm de constar da declaração do último período do ano a que respeita, porquanto assim o determinam as normas do n.º 6 do artigo 23.º e o n.º 8 do artigo 24.º, ambas do CIVA, e é apenas a inobservância deste prazo que não pode ser alterado nem por iniciativa da AT, nem por iniciativa dos sujeitos passivos, o que está em causa nos autos;

t)       A AT não pode concordar com o Requerente quanto à tese do “Erro de enquadramento”: tal erro só existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito, o que não nos parece que mereça acolhimento no caso em apreço porque o Requerente optou inequivocamente por aplicar o método da afectação real e não o método pro rata para apurar o imposto dedutível dos seus inputs por considerar que esse era o método mais favorável aos seus interesses;

u)     Ainda que possa alegar que desconhecia a possibilidade de apurar uma percentagem de dedução relativamente aos custos comuns, ela decorre da lei, pelo que se o Requerente não fez uso dela atempadamente, não pode senão sofrer a consequência da sua preclusão.

 

Dos Juros Indemnizatórios

Alega a AT que: se o direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT (Lei Geral Tributária), derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende da demonstração do erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT, afigura-se que não está a AT obrigada a pagar, a esse título, qualquer montante ao Requerente, uma vez que, face a todo o exposto, esse erro não ocorreu no caso subjudice.

 

 

Do Reenvio Prejudicial

Sustenta a AT que este só deve ocorrer em face de uma norma concreta e de uma dúvida interpretativa dessa norma, concreta e fundada, e não sobre normas abstractas do Código do IVA que possam interferir com a “boa solução deste caso”, razão pela qual entende que deve tal requerimento ser indeferido.

Considerando que a posição das partes está claramente definida nos autos, a Requerida solicitou a dispensa da reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, assim como a dispensa da prova testemunhal, porquanto a mesma configura um acto inútil, bem como da produção de alegações, uma vez que a posição das partes está ampla e claramente definida.

 

Conclui pela conformidade legal do acto objecto do presente pedido, dizendo falecer a pretensão formulada pelo que, e em consequência, alega que deve proceder a excepção dilatória da caducidade, absolvendo-se a Requerida da instância, ou, então, improceder o pedido arbitral, sendo a Requerida absolvida do mesmo.

 

6.                  Por despacho de 05-08-2016, foi o Requerente notificado para exercer, querendo, o contraditório quanto à matéria de excepção suscitada, bem assim para concretizar os aspectos de facto do Pedido Arbitral relativamente aos quais pretende produzir prova testemunhal.

Respondeu por requerimento, de 09-08-2016, no qual defende a não caducidade do seu direito de acção, alegando, em suma:

a)      Apesar do disposto no n.º 1 do artigo 10.ºdo RJAT e nos n.º 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, o certo é que tal regime foi alterado pela Lei 64-B/2011 de 30/12, pela Lei 64-B/2011 de 30/12, pela Lei 20/2012 de 14/05 e pela Lei 66-B/2012 de 31/12, sendo que esta última lei (que aprovou o OGE/2013), quanto a prazos, aditou o artigo 3º-A no RJAT que estatui o seguinte:

“1 – No procedimento arbitral os prazos contam-se nos termos do Código do Procedimento Administrativo com as necessárias adaptações;

2 – Os prazos para a prática de actos no processo arbitral contam-se nos termos do Código de Processo Civil;”

b) Em face desta distinção da própria lei, ao autor da presente pronúncia afigura-se que a constituição do Tribunal Arbitral, não fazendo parte ainda do processo arbitral, faz parte do procedimento arbitral que antecede aquele, tendo pois o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT, à luz da alteração introduzida pelo artigo 3.º-A da Lei 66-B/2012, de ser considerado em dias úteis, ex-vi alínea c) do artigo 87.º do CPA;

c) Donde, não ter caducado o direito de acção;

                 

Por mera cautela, e ainda que assim se não entenda,

 

d) O artigo 29.º do RJAT considera serem de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário as normas sobre processo nos tribunais administrativos e tributários;

e) Em conformidade com o artigo 58.º do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos), se o prazo de impugnação de actos anuláveis é de três meses conforme alínea b) n.º 1 do preceito supra, a alínea c) do nº 3 do mesmo preceito estatui que a impugnação é admitida para além daquele prazo “atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável”;

f) Ora, a ser verdade – o que se faz sem conceder – que a constituição do Tribunal Arbitral teria de (sic) pedida no prazo de 90 dias (seguidos) dos factos previstos nos n.º 1 e n.º 2, ambos, do artigo 102.º do CPTT, face à alteração introduzida pelo artigo 3º-A do RJAT sempre o atraso (ainda por cima de apenas 1 dia) teria de ser considerado desculpável, ex-vi alínea c) nº 3 do CPTA, aplicável supletivamente.”

 

II.    Saneamento

 

1.                  O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

2.                  As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cf. artigoº 4.º e n.º 2 do artigoº 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi remetida pela Requerida, a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos:

 

 

DA DEDUZIDA EXCEPÇÃO invocada pela Requerida

 

Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC, aqui aplicável por força da alínea e) n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, deverá ser conhecida previamente a procedência ou não da referida excepção, uma vez que, face ao disposto na aludida norma, importa, em primeiro lugar, conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância ou do pedido.

 

O RJAT não contém regime próprio em matéria de excepções e nulidades processuais, aplicando-se nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto nas alíneas a), c) e e) n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

 

3.                  Em sede de Resposta, a Requerida suscitou, conforme referido e explicitado, a questão da intempestividade / caducidade do pedido de pronúncia arbitral, alicerçada na transposição do prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, à luz das disposições conjugadas da alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e da alínea b) n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

É o que cumpre, desde já, apreciar e decidir.

 

4.                  Para tanto, há a considerar os factos seguintes:

a)      O Requerente foi notificado do indeferimento da Reclamação Graciosa no dia 28 de dezembro de 2015, tendo para o efeito assinado o respectivo Aviso de recepção - cf. artigo 3.º do Pedido de pronúncia arbitral, documento 2 e PA;

b)     O Pedido Arbitral foi apresentado em 30-03-2016 (18.20h) junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), como resulta do sistema informático de apoio à actividade do próprio Centro;

c)                   O Requerente impetra, ao abrigo do n.º 2 do artigo 3º-A do RJAT e alínea a) n.º 5 do artigo 139.º do CPC, seja admitida a presente petição, para o efeito procedendo ao pagamento da correspondente multa.

 

5.                  De acordo com as disposições conjugadas da alínea a) n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e alínea b) n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, o Requerente dispunha do prazo de 90 dias para dar inicio à acção impugnatória, mediante oferecimento de Petição Inicial.

6.                  O momento do início da contagem de tal prazo, de 90 dias, coincide com o momento da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa relativa à liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2015 … de 13-06-2016 relativa ao período de referência de imposto de 2014 09T.

7.                  A notificação a que se faz referência nos articulados e documentos – indeferimento da Reclamação Graciosa relativa à liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2015 … de 13-06-2016 relativa ao período de referência de imposto de 2014 09T – foi efectuada por via postal registada com aviso de recepção através do Ofício da Direcção de Finanças de … n.º … de 23/12/2015 – cf. documento 2 anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral e  fls. 176 do PA (constante do ficheiro PA –A… …14.PDF) - o que se revela em consonância com o previsto no artigo 38.º do CPPT.

8.                  De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, havendo notificações efectuadas com aviso de receção, o que é a situação do caso controvertido relativamente à Reclamação Graciosa supra, a notificação considera-se efectuada na data em que o aviso de receção for assinado.

9.                  De acordo com o material probatório carreado para os autos, o Aviso de receção foi assinado no dia 28 de dezembro de 2015 – cf. artigo 3.º do Pedido de Pronúncia Arbitral; fls. 177 do PA (constante do ficheiro PA – A… …15.PDF); consulta ao site do CTT ao registo CTT RF … …PT[1] constante das fls. 177 do PA e artigo 18.º da Resposta – e, consequentemente, a data em que ocorreu a notificação do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa relativa à liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º 2015 … de 13-06-2016 relativa ao período de referência de imposto de 2014 09T, é 28 de dezembro de 2015, iniciando-se o prazo peremptório de 90 dias no dia seguinte, isto é, 29 de dezembro de 2015.

10.              A questão a decidir no presente processo arbitral quanto à contagem do prazo de 90 dias para efeitos de propositura de acção é saber-se qual a natureza do mesmo, isto é, se estamos perante um prazo substantivo, de caducidade, ou adjetivo/processual com vista a verificar se foi tempestivo ou não o Pedido de Pronúncia Arbitral. 

11.              A questão da natureza do prazo de 90 dias foi já objecto de apreciação em sede Arbitral e do STA, conforme referido pela Requerida em sede de Resposta, e conforme é referido no Processo n.º 314/2014-T[2]55 - Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do artigoº 279.º do Código Civil (CC) e do artigoº 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Trata-se, com efeito, de um prazo peremptório, cujo decurso, extingue o direito de praticar o acto, no caso, o pedido de constituição e pronúncia deste Tribunal Arbitral.”, conclusão e fundamentação à qual este Tribunal Arbitral adere e concorda.

12.              Adicionalmente a nível doutrinal Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, pp.173 - 174, refere que “No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de Tribunal Arbitral, previsto no artigo 10.º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3.º-A (do RJAT), mas sim, o regime do artigo 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT”. Igualmente é de salientar no mesmo sentido, Carla Castelo Trindade, in Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 2016, Almedina, pp. 167 -170 e 261-264.

13.              Do acima exposto resulta que o prazo para requerer a constituição do Tribunal Arbitral conta-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (contagem contínua, iniciada no dia posterior ao da notificação, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, caso termine a um Sábado, Domingo ou feriado).

14.              No caso controvertido, o último dia para propositura da acção correspondia ao dia 27-03-2016 que, por ser Domingo, passaria para 28-03-2016. O Pedido de Pronúncia Arbitral foi efectuado em 30-03-2016 tendo já caducado o direito de acção por parte do Requerente, uma vez que o termo para intentar a acção impugnatória em sede arbitral era 28-03-2016, tendo a mesma sido intentada posteriormente, isto é, a 30-03-2016. Deste modo, o Requerente não interveio em tempo de impedir o decurso do prazo de caducidade.

15.              Nestas circunstâncias, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, procedendo, assim, a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida.

16.              Adicionalmente o Requerente vem arguir que mesmo que não se entenda que se verificou a caducidade do direito à acção, por força do estatuído no artigo 29.º do RJAT é de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário as normas sobre o processo nos tribunais administrativos e tributários. Por força da alínea b) n.º 1 do artigo 58.º do CPTA o prazo de impugnação de actos anuláveis é de três meses podendo a impugnação ser admitida para além daquele prazo “atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável”. Igualmente defende que mesmo que a constituição do Tribunal Arbitral ter que ser pedida no prazo de 90 dias (seguidos) dos factos previstos no n.º 1 e n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, por força da alteração introduzida pelo artigo 3.º-A do RJAT o atraso (ainda por cima de apenas 1 dia) teria de ser considerado desculpável, ex-vi da alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, aplicável subsidiariamente.

 

É o que cumpre igualmente, desde já, apreciar e decidir.

 

17.              Dando prevalência aos princípios da tutela judicial efetiva e do favorecimento do processo (princípio pro actione), princípios que orientaram a reforma do Código de Processo Administrativo de 2002, e foram reafirmados na revisão de 2015, a alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA veio admitir que a petição inicial possa ser apresentada fora do limite temporal geral de impugnação de actos administrativos (três meses), designadamente:

 “Quando, não tendo ainda decorrido o prazo de um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à sua qualificação como acto ou como norma”.

Entendeu o legislador que, por força dos princípios mencionados, não será exigível, nas situações apontadas, a apresentação da petição inicial no prazo geral.

 

18.              Importa, porém, averiguar se a situação dos autos preenche os requisitos mencionados, ou seja, se o quadro legal aplicável ao prazo legal de impugnação da liquidação nos autos se revela de tal modo ambíguo que leve o tribunal a considerar o atraso da Requerente desculpável.

Em anotação a este preceito, CARLOS CADILHA/MÁRIO AROSO DE ALMEIDA ponderam que “Não basta que a questão jurídica se apresente de grande complexidade; exige-se que o próprio complexo normativo à luz do qual a questão deva ser analisada, pela sua ambiguidade, dificulte ou impeça a tomada de decisão, em tempo útil, de posição esclarecida, por parte do interessado…” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., Almedina Coimbra, 2007, pp. 350/51). 

 

Vejamos.

 

19.              Como bem refere o Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo10.ºdo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o pedido de constituição do Tribunal Arbitral é apresentado no prazo de 90 dias contados dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT.

 

20.              Alega o Requerente que o RJAT foi alvo de diversas alterações que culminaram com a introdução, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, do artigo 3.º-A.

Este preceito limitou-se a regular os prazos que, para além do já estabelecido no n.º1 do artigo 10.º do RJAT, para a apresentação do pedido arbitral, faltava prever de modo expresso: Os prazos relativos ao procedimento arbitral propriamente dito (constituição do tribunal e nomeação dos árbitros, etc.), que seguem como não podia deixar de ser, o regime do Código do Procedimento Administrativo; e os prazos para a prática de actos no processo arbitral, cujo regime segue o do Código de Processo Civil.

 

21.              Repare-se que, mesmo sem esta norma, pela própria natureza dos actos (procedimentais ou processuais), o regime a seguir sempre teria de ser o que veio a ser acolhido em conformidade com aplicação subsidiária quer do Código de Procedimento Administrativo [cf. alínea d) n.º 1 do artigo 29.º do RJAT], quer do Código Processo Civil [cf. alínea e) n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT]. 

O que significa que, em rigor, o regime introduzido no RJAT pelo preceito aditado pela Lei do Orçamento de 2012 (artigo 3.º-A), nada acrescentou inovadoramente, porquanto o seu conteúdo já resultava da aplicação subsidiária quer do Código de Procedimento Administrativo quer do Código de Processo Civil. Podemos dizer que o preceito se limitou a receber de modo expresso o que já resultava da aplicação do regime subsidiário quanto à natureza e forma de contagem dos prazos.

 

22.              De qualquer modo, os prazos a que se refere o artigo 3.º-A do RJAT nada têm que ver com a natureza e regime do prazo de apresentação do pedido arbitral, cuja natureza sempre se manteve como substantiva, em conformidade com o regime geral da impugnação de actos tributários.

Ainda que por hipótese académica se pudesse admitir alguma dúvida, bastaria ao Requerente consultar a base de dados do STA e do CAAD sobre a matéria.

Como vimos, constitui jurisprudência assente e reiterada do STA que o prazo de impugnação judicial é um prazo de caducidade e que se conta nos termos do disposto no artigo 279.º do Código Civil. 

A jurisprudência reiterada do STA vai também no sentido de que o prazo de impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial, pelo que não lhe é aplicável o nº5 do artigo 45º do CPC, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa” (Acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2013, proc. n.º 1213/2012).

Trata-se de um prazo que é contínuo, sem suspensão no período de férias judiciais e sem possibilidade de prática do acto nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, por inaplicabilidade do regime do n.º 1 do artigo 144.º e n.º 5 do artigo 145.º, ambos, do CPC[3]

Também na doutrina, em anotação à alínea a) n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, refere JORGE LOPES DE SOUSA[4] que “Os prazos previstos neste artigo contam-se nos termos do artigo 279º do CC, como expressamente se refere no n.º 1 do artigo 20.º do CPPT. Assim correm continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão. Na contagem destes prazos não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr (notificação, citação ou formação de indeferimento tácito). Quando o prazo de impugnação termine em domingo ou dia feriado ou em férias judiciais transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil subsequente”.

E, mais adiante, pode, ainda, ler-se que “(…) o prazo de impugnação judicial que termine em férias se transfere para o primeiro dia útil seguinte ao termo destas, não obstando a tal transferência o facto de a apresentação da petição ser efectuada junto da administração tributária, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 103º do CPPT.”

Por tudo o quanto vai exposto, não se afigura que o quadro legal aplicável se caracterize por uma ambiguidade tal que se considere demonstrado que “a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente” (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, p.140).  

Estamos, assim, perante um prazo de caducidade, cujo decurso tem como consequência a extinção do direito de praticar o acto (n.º 2 do artigo 298.º e n.º 1 do artigo 333.°, ambos, do CCivil) e cuja inobservância configura excepção peremptória, determinante da absolvição do pedido (n.º 3 do artigo 576.° do CPC).

 

***

III. Decisão

 

- Julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa, decidindo, em consequência e em conformidade com o disposto nos n.º 1 artigo 576º e n.º 3 artigo 579.º, ambos, do CPC, aplicáveis ex-vi alínea e) n.º1 do artigo 29.º do RJAT, absolver a Requerida do pedido.

 

- Condenar o Requerente a pagar as custas do presente processo.

 

***

IV. Valor do processo

 

Em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do CPC, n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor de € 65.742,75.

 

***

V.    Custas

 

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária a cargo do Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Outubro de 2016

 

 

Os Árbitros

 

 

Fernanda Maçãs

(Presidente)

 

António Sérgio de Matos

 

 

Júlio Tormenta

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.ºdo Código Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 



[1]Disponível em: https://www.ctt.pt … [consulta em 9-10-2016:18h 45m]

[2] Disponível em http://www.caad.org.pt

( [3] ) Cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Volume I, 6ª edição, 2011, p. 276.

[4] Cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas editora, 2011, p.145.