DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A…, S.A.
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I – RELATÓRIO
1. Em 19 de Janeiro de 2016 a sociedade dominante A…, S.A., submetida ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades no período de tributação de 2009, com o número de identificação de pessoa colectiva … (doravante designada apenas por a “Requerente”), submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante designado por “RJAT”), na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do seu Grupo Fiscal referente ao exercício de 2009.
2. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente optou por não designar árbitro.
3. Nos termos da alínea a), do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros o Exmo. Senhor Juiz José Poças Falcão, para presidir, o Exmo. Senhor Dr. Jorge Carita e o Exmo. Senhor Dr. Rui Manuel Correia de Pinho, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
4. O tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 31 de Março de 2016.
5. Em 10 de Maio de 2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou Resposta.
6. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada considerando a inexistência de excepções, a dispensabilidade de correcção de peças processuais e pelo facto de o processo revestir os trâmites processuais habituais da generalidade dos seguidos pelo CAAD.
7. A produção de prova testemunhal, ainda que não tenha sido pedida directamente pela Requerente, afigurou-se inútil face à ausência de controvérsia quanto aos factos essenciais para a boa decisão da causa, de acordo com o artigos 16.º, alínea c) do RJAT e 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, nº. 1 alínea e) do RJAT.
8. Notificadas para o efeito, Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas em 19 de Setembro de 2016 e 20 de Setembro de 2016, respectivamente.
9. A posição da Requerente, expressa no pedido de pronúncia arbitral e nas alegações escritas é, em resumo, a seguinte:
9.1. O indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação do IRC referente ao ano de 2009 e, consequentemente do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2009 da Requerente, enquanto sociedade dominante de um grupo sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, na parte a que respeita a autoliquidação de tributações autónomas nesse mesmo ano de 2009, fixado em € 141.022,72 como sendo o montante final apurado/liquidado, é ilegal por corresponder à não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC no exercício de 2009, e por assim ser, pede ao Tribunal Arbitral a sua anulação.
9.2. Entende a Requerente que a colecta de IRC prevista no artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CIRC (na versão em vigor até 2013), compreende a colecta das tributações autónomas em IRC, e por conseguinte, se há-de entender também que a colecta do IRC prevista no artigo 83.º, n.º 2, alínea e) do CIRC (na versão aplicável em 2009) abrange também a colecta das tributações autónomas em IRC.
9.3. Pelo que, a posição da Requerida ao negar a dedução do PEC à colecta em IRC das tributações autónomas, viola a alínea e), do n.º 2, do artigo 83.º do CIRC (na versão aplicável em 2009).
9.4. Além do mais, não pode a Requerida ignorar, a existência de vasta jurisprudência arbitral que qualifica as tributações autónomas como IRC. Pelo que, a AT terá que concluir que a colecta de IRC constituída por tributações autónomas está disponível, a par da restante colecta do IRC, na operação das deduções à colecta previstas no artigo 90.º do CIRC (em 2009, artigo 83.º), entre as quais se encontra a dedução do PEC.
9.5. A própria jurisprudência arbitral quanto à natureza das tributações autónomas – que conclui que as relativas a (i) encargos com viaturas, despesas de representação e ajudas de custo são IRC; que (ii) tributam o rendimento por serem um substituto da medida alternativa de aumentar o rendimento tributável via indedutibilidade da despesa ou encargo sobre que incide; que lhes (iii) deve ser aplicada a norma dirigida à colecta do IRC constante da alínea a), do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC; e que (iv) pelo facto de serem IRC serão aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis – não deixa margem para dúvida para concluir que também se aplica à tributação autónoma a norma dirigida à colecta do IRC constante da alínea e), do n.º 2, do artigo 83.º do CIRC (alínea c) [alínea d), desde 2014] do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC).
9.6. Acresce que a fundamentação usada pela AT para decidir desfavoravelmente o seu pedido de revisão oficiosa, não se coaduna com aquela que foi seguida pela mesma para afastar a dedutibilidade das tributações autónomas em sede de IRC, com respeito ao artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do CIRC (em vigor até 2013), uma vez que aqui também não existia qualquer menção específica às tributações autónomas e a AT, por dezenas de vezes, afirmou que aquelas, por serem IRC, também aí cabiam e estavam previstas. Ora, a AT não pode ter um comportamento diferente aquando da interpretação do artigo 90.º do CIRC, ao afirmar que também para efeito de colecta de IRC aqui não estão incluídas as tributações autónomas, e por conseguinte, não podem ser deduzidas aos pagamentos especiais por conta.
9.7. Acresce ainda que a Requerente não concorda com o teor do aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do CIRC, nem com o seu carácter interpretativo (cfr. artigo 135.º da LOE) adicionado pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), que determinou que a liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, porque contraria a fortíssima corrente jurisprudencial até à data da publicação da nova lei – no caso, até 30 de Março de 2016. Ainda assim, deve-se concluir que o artigo 135.º da LOE 2016 se refere apenas à parte 1 do novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC.
9.8. Por todo o exposto, a autoliquidação do IRC, referente ao ano de 2009, na parte respeitante às tributações autónomas, deve ser anulada com fundamento em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzida na não dedução à colecta do IRC mais propriamente à colecta das tributações autónomas em IRC, do valor do PEC, e o imposto pago restituído, acrescido de juros indemnizatórios. Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º (artigo 83.º, em 2009) do CIRC não se aplica às tributações autónomas, deverá então ser declarada a ilegalidade das liquidações das tributações autónomas por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios.
10. A posição da Requerida expressa na resposta e nas alegações escritas é, em síntese, abreviadamente, a seguinte:
10.1. A integração das tributações autónomas no CIRC (através do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 09.06) conferiu uma natureza dualista ao sistema normativo do IRC. Por força de obedecerem a regras diferentes, o IRC corporizou-se em apuramentos separados das respectivas colectas. À matéria colectável determinada tendo como base o lucro segundo as regras contidas no capítulo III do Código do IRC, aplicar-se-á a taxa do artigo 87.º do CIRC. Por outro lado, às diferentes realidades contempladas no artigo 88.º do CIRC, aplicar-se-ão as taxas às diversas colectas aí previstas consoante a diversidade dos factos.
10.2. Efectivamente, o montante apurado nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 90.º do CIRC não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados e associadas finalidades segundo regras diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte da colecta do IRC com a qual exista correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime regra do IRC.
10.3. Admitindo a tese da Requerente da admissibilidade de dedução de PEC’s à colecta das tributações autónomas, era desvirtuar por completo os princípios e os fins em que assentou a criação pelo legislador das tributações autónomas, enquanto instrumento fiscal para combater a evasão fiscal, para tributar rendimento de terceiros cujo acréscimo de rendimentos, de outra maneira, se subtrairia à tributação, e penalizar, pela via fiscal, o pagamento de rendimentos considerados excessivos face à conjuntura de crise económica.
10.4. A interpretação defendida pela Requerente é um atropelo às regras vigentes de apuramento do IRC. As pretensões apresentadas assentam numa construção fantasiosa e falaciosa sem qualquer sustentáculo legal, nem tão pouco a jurisprudência arbitral invocada pela Requerente espelha verdadeiramente o seu conteúdo, pois a sua interpretação foi totalmente desconstruída e reconstruída de acordo com a ficção por si criada.
10.5. Diga-se, ainda, que o artigo 135.º, que aditou o n.º 21.º ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, aclara definitivamente a questão controvertida, uma vez que “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.”.
10.6. Ora, tal norma veio clarificar de forma positiva o entendimento e prática perfilhados pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral, isto é, desde a criação das tributações autónomas sempre foi pacifico que aquelas não admitiam qualquer dedução, os quais nunca foram postos em causa pela Requerida. Pelo que, qualquer interpretação contrária como aquela que a Requerente pretende fazer, será materialmente inconstitucional.
10.7. Além de que, são evidentes dois pesos e duas medidas no comportamento da Requerente, por um lado defende a existência de uma colecta onde as tributações autónomas estarão incluídas, para assim beneficiar da dedução do PEC, por outro lado, nenhuma consequência retira no que concerne ao cálculo dos pagamentos por conta, enquanto consequência evidente do acto por si pretendido.
10.8. Assim, a Requerida conclui pela improcedência total do pedido de pronúncia arbitral formulado, neste incluído também a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios, considerando evidente a conformidade legal do acto objecto dos presentes autos.
II – QUESTÃO DECIDENDA
10. Em face do exposto nos números anteriores, a principal questão a decidir é a seguinte:
− O indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do IRC do ano de 2009 e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2009, da qual resultou IRC liquidado de € 141.022,72, da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda, de vício de violação da lei, no sentido da não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC.
III – SANEAMENTO
11. O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.
No que respeita à tempestividade do pedido de constituição arbitral, a Requerente pede a constituição do tribunal arbitral contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC referente ao ano de 2009.
Em 21 de outubro de 2015 a Requerente foi notificada do seu indeferimento.
Nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a), do RJAT, o prazo para o pedido de constituição arbitral é de 90 dias contados após a notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cfr. facto previsto no n.º 1, alínea e) do artigo 102.º do CPPT).
Pelo que o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porquanto o mesmo foi apresentado em 19 de janeiro de 2016, ou seja, menos de 90 dias contados a partir de 21 de outubro de 2015.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Tudo visto, cumpre proferir decisão arbitral.
IV – FUNDAMENTOS DE FACTO
12. Tendo em conta o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como se segue:
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A Requerente, em 28 de Maio de 2010, entregou a declaração de IRC modelo 22, referente ao exercício de 2009 do seu Grupo Fiscal (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 1, anexo à Petição Arbitral).
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Em 23 de Novembro de 2011, a Requerente entregou declaração de substituição referente ao exercício de 2009 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2 anexo à Petição Arbitral).
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No exercício de 2009, o Grupo Fiscal B… apurou prejuízo fiscal no valor de € 47.984,82 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2, anexo à Petição Arbitral).
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Em termos finais foi apurado um montante total de imposto a pagar de € 77.245,42. No entanto, na sequência do processamento da liquidação pela AT o montante de imposto a pagar foi reduzido para € 76.292,62 em razão da aplicação do crédito por dupla tributação internacional, no valor de € 952,80, à colecta da derrama municipal, imposto que se encontra pago (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 4, anexo à Petição Arbitral).
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Foi apurado o valor de € 141.022,72 a título de tributações autónomas em sede de IRC, € 16.759,62 de retenções na fonte e € 49.399,44 de pagamentos por conta efectuados no período de 2009 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2, anexo à Petição Arbitral).
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No exercício de 2009 existem pagamentos especiais por conta no valor de € 410.827,79 (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 2, anexo à Petição Arbitral).
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Tais pagamentos especiais por conta respeitam a (i) € 234.244,00 efectuados pela sociedade A… entre 2005 e 2009, dos quais o montante de € 227.088,00 foi efectuado no âmbito da aplicação do RETGS do qual é a sociedade dominante (entre 2007 e 2009) e o montante de € 7.156,00 efectuado pela Requerente em momento anterior à aplicação do RETGS; (ii) € 101.756,00 resulta de pagamentos especiais efectuados pela C… e D… entre 2005 e 2008, em momento anterior à sua entrada no perímetro de aplicação do RETGS; (iii) € 75.000,00 respeitante a pagamentos especiais por conta efectuados pela E… entre 2005 e 2006, em momento anterior à sua entrada no perímetro de aplicação do RETGS (cfr. documento junto aos presentes autos como docs. n.º 4 a 8, anexos à Petição Arbitral, e o artigo 16º da Petição Arbitral não impugnado pela Requerida).
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Em 28 de Maio de 2014, a Requerente solicitou a revisão oficiosa da autoliquidação referente ao período de tributação de 2009 (cfr. documento junto aos presentes autos como docs. n.º 3, anexo à Petição Arbitral).
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Em 21 de Outubro de 2015 a Requerente é notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa supra, negando o direito à anulação das liquidações objecto do mencionado pedido, uma vez que a AT entendeu que os valores pagos a título de pagamento especial por conta, não são dedutíveis à colecta produzida por tributações autónomas (cfr. documento junto aos presentes autos como doc. n.º 3, anexo à Petição Arbitral).
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A declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22, os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à colecta de IRC, a começar pelos mais antigos (cfr. documento junto aos presentes autos como docs. n.º 1 e 2, anexos à Petição Arbitral).
13. Os factos enunciados no número anterior integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
14. Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
V – FUNDAMENTOS DE DIREITO
15. Vamos determinar agora o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a questão já enunciada (vd. supra n.º 10).
16. A questão enunciada prende-se com o facto de saber da legalidade do entendimento segundo o qual o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do IRC do ano de 2009 e, consequente, do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2009, da qual resultou IRC liquidado de € 141.022,72, da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda, de vício de violação da lei, no sentido da não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC.
17. A Requerente pretende que os valores pagos a título de Pagamento Especial por Conta (PEC) sejam deduzidos, na falta de mais, à colecta produzida pelas tributações autónomas.
Para tal, no essencial, elenca a (i) existência de vasta jurisprudência que qualifica as tributações autónomas como IRC, e por isso, nada existe na lei que afaste o abate do PEC também à parte da colecta do IRC produzida por aquelas tributações; (ii) se a colecta do IRC prevista na alínea a), do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC compreende, sem necessidade de qualquer especificação adicional, a colecta das tributações autónomas, há-de entender-se que os n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do CIRC também abranja a colecta das tributações autónomas; a (iii) AT já afirmou entendimento favorável sobre a possibilidade de as deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, com excepção da relativa à dupla tributação internacional, serem efectuadas à colecta das tributações autónomas; e ainda o facto de (iv) o sistema informático da AT impedir que se inscreva o valor relativo às taxas de tributação autónoma em IRC, não permitindo a dedução, para efeitos de apuramento do IRC por si devido, do montante dos pagamentos especiais por conta.
18. A questão fundamental que cabe apreciar é a de saber se as quantias efectuadas como pagamentos especiais por conta podem ser deduzidas à colecta produzida por tributações autónomas.
19. Os sujeitos passivos residentes em Portugal, estão sujeitos a IRC pelo seu rendimento apurado numa base mundial, independente do facto de este ser gerado, total ou parcialmente, no estrangeiro. A necessidade de um imposto sobre as pessoas colectivas prende-se com os bens e rendimentos de que são titulares, podendo ser objecto de tributação na sua própria pessoa. Aliás, as pessoas colectivas são as grandes cobradoras de impostos que até aos dias de hoje, nenhum país considerou seriamente a sua eliminação, basta pensarmos nos casos em que sobre elas recai a obrigação de proceder a retenções na fonte e entregar ao Estado o imposto devido pelas pessoas singulares e outras pessoas colectivas ou até na forma como é arrecadado o IVA incluído no preço das suas vendas, entre outros.
20. A este respeito Rui Duarte Morais afirma que “A existência de um imposto sobre as sociedades impõe-se – este é um argumento tradicional – como meio de obstar a lacunas que, de outro modo, aconteceriam na tributação do rendimento dos sócios. Na realidade, não existindo este imposto, os sócios teriam um forte incentivo para não distribuírem lucros, pois conseguiriam adiar a tributação, a qual apenas aconteceria quando e na medida em que fossem distribuídos dividendos, os quais seriam – só então – sujeitos a imposto na pessoa dos sócios, a título de rendimentos de capitais.” (vd., Apontamentos ao IRC, Coimbra, Editora Almedina, 2009, pág. 7) (negritos nossos).
21. Assim sendo, o legislador fiscal optou por designar como base de tributação em sede de IRC, o lucro. O conceito acolhido foi o de rendimento-acréscimo. De acordo com o artigo 3.º, n.º 2 do CIRC “(…) o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código.”.
22. Saliente-se que a opção legislativa pelo rendimento-acréscimo está destacada no n.º 5 do Preâmbulo do Código do IRC que passamos a citar: “O conceito de lucro tributável que se acolhe em IRC tem em conta a evolução que se tem registado em grande parte das legislações de outros países no sentido da adoção, para efeitos fiscais, de uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial. Esse conceito - que está também em sintonia com os objetivos de alargamento da base tributável visados pela presente reforma - é explicitamente acolhido no Código, ao reportar-se o lucro à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação.
Deste modo, relativamente ao sistema anteriormente em vigor, o IRC funde, através da noção de lucro, a base de incidência da contribuição industrial, do imposto de mais-valias relativo à transmissão a título oneroso de elementos do ativo imobilizado, incluindo os terrenos para construção e as partes sociais que o integram. E vai mais longe na preocupação de dar um tratamento equitativo às diferentes situações, quer por automaticamente incluir na sua base tributável certos ganhos - como os subsídios não destinados à exploração ou as indemnizações - que, pelo menos em parte, não eram tributados, quer por alargá-las aos lucros imputáveis ao exercício da indústria extrativa do petróleo, até agora não abrangidos no regime geral de tributação.
Entre as consequências que este conceito alargado de lucro implica está a inclusão no mesmo das mais-valias e menos-valias, ainda que, por motivos de índole económica, limitada, às que tiverem sido realizadas. A realização é, porém, entendida em sentido lato, de modo a abranger quer os chamados ganhos de capital voluntários (v. g. derivados da venda ou troca), quer os denominados ganhos de capital involuntários (v. g. resultantes de expropriações ou indemnização por destruição ou roubo). No entanto, para assegurar a continuidade de exploração das empresas, prevê-se a exclusão da tributação de mais-valias relativas a ativo imobilizado corpóreo, sempre que o respetivo valor de realização seja investido, dentro de determinado prazo, na aquisição, fabrico ou construção de elementos do ativo imobilizado. Este esquema é, aliás similar ao usado em muitos países europeus.”.
23. Assente que está o conceito de lucro em termos conceptuais, avançamos para o processo de determinação e quantificação do IRC.
24. O IRC incide sobre o lucro tributável determinado com base na respectiva contabilidade (cfr. artigo 3º., n.º 1 alínea a) e artigo 123.º, ambos do CIRC). Determinando o artigo 17.º, n.º 1 do CIRC que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código. Ou seja, o apuramento do lucro tributável inicia-se com o resultado do exercício obtido através das regras técnicas da contabilidade, existindo depois algumas correcções positivas ou negativas, de modo a que o resultado apurado corresponda ao lucro tributável.
Aquando da criação do CIRC, através do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, ainda não estavam previstas as tributações autónomas, pelo que ainda não faziam parte do sistema que foi concebido – como bem ficou espelhado no processo n.º 113/2015-T deste Tribunal Arbitral, “Claro que não se regulava nem podia regular o tratamento a dar às “tributações autónomas” que não faziam parte do sistema, que foi concebido nesta estrutura simples: tomar como ponto de partida o resultado contabilístico (17°-1 do CIRC.1989), corrigi-lo de forma a espelhar a rendimento que se pretende tributar através de regras qualitativamente semelhantes às que vigoravam no plano oficial de contabilidade então vigente (artigo 18° e seguintes CIRC.1989), aplicar-lhe a taxa geral (69°-1 CIRC.1989) e ao produto assim obtido fazer-lhe as deduções da tributação que de algum modo já havia sido suportada ou haveria que sê-lo através de outro sistema fiscal (71°-2 CIRC.1989).”.
25. Aqui chegados, podemos já adiantar que o fundamento essencial invocado pela Requerente, de que as tributações autónomas são qualificadas como IRC, e que por isso, nada existe na lei que afaste o abate do pagamento especial por conta à parte da colecta do IRC produzida por aquelas tributações, não pode lograr, já que as tributações autónomas não fizeram parte da génese do IRC, e por isso, à margem do apuramento do lucro tributável, i.e. o rendimento real que se pretende tributar.
26. Efectivamente, há quem entenda que a tributação autónoma não se trata propriamente de IRC – que visa, como vimos, o rendimento das pessoas colectivas e não despesas por elas efectuadas – , mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente.
27. A tributação autónoma foi introduzida nos impostos sobre o rendimento através do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho e decorreu do intuito legislativo de penalizar a tributação das despesas confidenciais ou não documentadas incorridas pelas sociedades que passavam a ser tributadas autonomamente em IRS e IRC. Seria somente com a reforma fiscal dos impostos sobre o rendimento corporizada fundamentalmente na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que se estendeu a tributação autónoma às despesas de representação e às despesas com viaturas e, posteriormente, a um conjunto muito diverso de realidades.
28. Nesta matéria é importante trazer à colação a posição defendida por Rui Duarte Morais ao afirmar que “(…) está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação, e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento. O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem” delas resultantes em IRC) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto.” (vd. ob. cit., págs. 202 e 203).
Na mesma senda João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães afirmam que “Embora constituam “um entorse” à luz das características próprias do IRC, enquanto imposto directo que incide sobre o rendimento das pessoas colectivas, elas [tributações autónomas] encontram justificativo nos objectivos que visam prosseguir. A generalidade dos casos previstos na norma [88.º] prende-se ou com situações de evasão fiscal (v.g. o caso das despesas não documentadas e as relativas a pagamentos a não residentes e aí a um regime fiscal mais favorável) ou com situações de risco em que é difícil aferir, com segurança, da indispensabilidade do gasto à luz do art. 23.º (caso das despesas de representação), ou em que poderão ser atribuídos verdadeiros rendimentos aos trabalhadores sem a correspondente tributação em IRS (caso das ajudas de custo e dos encargos com viaturas).” (vd., Lições de Fiscalidade, Coimbra, Editora Almedina, 2012, págs. 280 e 281) (negritos nossos).
29. Nesta cadência, efectivamente, não podemos acompanhar, salvo o devido respeito, a posição da Requerente e qualificar, para estes efeitos, as tributações autónomas como IRC por forma a abater o pagamento especial por conta à parte da colecta do IRC produzida por aquelas.
30. As tributações autónomas encontram-se previstas no CIRC, mas revelam uma certa independência em relação ao imposto sobre as pessoas coletivas, uma vez que não visam tributar o rendimento das pessoas colectivas, o que determina que seja apurada de forma independente do restante IRC e da derrama devidos em cada exercício. A sua inserção no CIRC deve-se sobretudo a questões de simplificação, já que o seu apuramento tem por base despesas que contribuem para determinação do imposto a pagar no final do período. Tal independência resulta, desde logo, pelo facto de o sujeito passivo ficar sujeito a tributação autónoma independentemente de ter ou vir a ter rendimento tributável no fim do período de tributação.
31. Ao contrário do que é afirmado no ponto 9 da declaração de voto de vencido da Sra. Professora Leonor Ferreira anexa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 697/2014-T, presidido também pelo árbitro que preside a este Tribunal e na mesma linha, o que deixamos escrito também na Decisão Arbitral do processo n.º 639/2015-T, “… não há propriamente uma liquidação única de IRC, mas, antes dois apuramentos, isto é, dois cálculos distintos que, embora processados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do ar 90.º do CIRC, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º do mesmo Código, são efectuados com base em parâmetros diferentes, pois cada uma se materializa na aplicação das suas próprias taxas, previstas nos artigos 87.º ou 88.º, do CIRC, Às respectivas matérias colectáveis determinadas igualmente de acordo com regras próprias.”.
32. A Requerida vem alegar que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efectuadas à parte do colecta do IRC com a qual exista uma correspondência directa, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime- regra do imposto (cfr. facto provado I no mesmo sentido).
33. Outra interpretação conduziria a subverter as regras gerias do IRC, como imposto sobre o lucro como rendimento-acréscimo, e a própria natureza jurídica das tributações autónomas, como forma de prevenir situações de evasão fiscal. Não pode agora obter-se tal desiderato com uma interpretação da lei ao arrepio da “mens legislatoris”. Seria fazer entrar pela janela aquilo que se fez sair pela porta.
34. Na factualidade objecto dos presentes autos arbitrais, ficou provado que a declaração Modelo 22 do IRC e respectiva articulação com a programação do sistema informático da AT, impede que se deduza à colecta relacionada com as taxas de tributação autónoma em IRC, inscrita no campo 365 do quadro 10 da declaração Modelo 22, os pagamentos especiais por conta ainda por deduzir à colecta de IRC, a começar pelos mais antigos (vd. facto provado J). E, efectivamente, não pode existir um sistema informático que não reflita a lei. Todas as aplicações informáticas da AT devem refletir os preceitos legais em vigor, de acordo com o princípio da legalidade a que está adstrita. Assim sendo, o programa informático da AT no que respeita à declaração Modelo 22 do IRC, reflecte as deduções (cfr. n.º 2 do artigo 90.º do CIRC) respeitantes a rendimentos ou gastos incorporados na matéria colectável determinada com base no lucro do sujeito passivo ou pagamentos antecipados do imposto. Situação completamente antagónica às realidades que integram os factos geradores das tributações autónomas.
35. Neste sentido, no pedido de pronuncia arbitral da Requerente é defendido que a expressão “montante apurado nos termos do número anterior”, contida no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, abrange o somatório do montante do IRC apurado sobre a matéria colectável determinada segundo as regras do capítulo III e às taxas previstas no artigo 87.º do CIRC e o montante das tributações autónomas calculado com base nas regras previstas no artigo 88.º do mesmo Código. Por conseguinte, admitindo tal raciocínio, implicaria que, por exemplo, na base de cálculo dos pagamentos por conta definida no n.º 1 do artigo 105.º do CIRC fossem incluídas as tributações autónomas, uma vez que naquele também consta expressão utilizada em termos idênticos no n.º 2 do artigo 90.º “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º (…)”. E aqui, para efeitos da base de cálculo dos pagamentos por conta – estes como sendo “entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário” (cfr. artigo 33.º da LGT) – apenas é considerado o IRC apurado com base na matéria colectável determinada segundo o capítulo II e as taxas do artigo 87.º do CIRC, isto é, resultante da matéria colectável que se identifica com o lucro/rendimento.
36. No caso concreto a Requerente pretende a dedução “ao montante apurado nos termos do número anterior [n.º 1, do artigo 90.º] “ do pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º tal como previsto no alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º (versão de 2012, dada pela Lei n.º 3-B/2012, de 28-4).
37. O raciocínio demonstrado quanto aos pagamentos por conta é claramente extensível aos pagamentos especiais por conta. O PEC foi criado pelo legislador, através do Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03 (aditou o artigo 83.º-A ao CIRC) com o propósito de garantir uma colecta mínima de imposto, uma vez que a grande maioria das sociedades não apresentava lucro tributável e/ou que este era na maioria dos casos insignificante. O PEC funciona, assim, como uma presunção de rendimento e como forma de combate à evasão fiscal, tal como as tributações autónomas. Por outro lado, o PEC funciona também como pagamento adiantado do IRC (cfr. n.º 1 do artigo 106.º do CIRC), tal como os pagamentos por conta (cfr. artigo 105.º do CIRC), apesar de em matéria de cálculo serem diferentes, já que os PEC´s têm como base de cálculo o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, do CIRC, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (cfr. n.º 5 do artigo 105.º do CIRC).
38. O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 494/2009, concluiu que “…uma leitura do regime jurídico do PEC que esteja atenta à sua génese e evolução leva a concluir que ele não obedece prioritariamente à lógica típica de um pagamento por conta – ou seja, primariamente, a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa "anestesia" fiscal –, antes estando indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais. Há muito que havia suspeitas, desde logo por parte da Administração Fiscal, relativamente aos rendimentos declarados pelos sujeitos passivos de IRC; designadamente, questionava-se até que ponto eles correspondiam ao rendimento tributável realmente auferido. Isso mesmo foi evidenciado pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro (LOE para 1997), no seu artigo 32.º (Disposições comuns), que continha a autorização legislativa ao Governo para “definir uma tributação mínima” e que marcaria a introdução no nosso ordenamento tributário da figura do PEC. Na referida disposição, o instrumento fiscal que então se consagrava foi apresentado como “um novo tipo de pagamento por conta” que visava alcançar “uma maior justiça tributária e [a] uma maior eficiência do sistema”, admitindo-se lançar mão, “quando for o caso, de métodos indiciários”. Diga-se que a doutrina nacional é unânime em afirmar a natureza de instrumento de combate à evasão fiscal assinalada ao PEC.”.
39. Conforme já deixamos claro no processo 639/2015-T, em jeito de conclusão, temos que a natureza jurídica do PEC, releva pela sua configuração como “instrumento ou garantia de pagamento do tributo por conta do qual é exigido, e não como imposição a se” (cfr. Acórdão do TC supra citado), bem como pela função que lhe está associada no combate à evasão e fraude fiscais, liga indissociavelmente este pagamento ao montante de IRC apurado sobre a matéria colectável determinada com base no lucro (capítulo III do CIRC).
40. Sendo, por isso, manifestamente destituída de qualquer base a pretensão da ora Requerente de dedução do montante suportado em sede de pagamento especial por conta à colecta produzida pelas tributações autónomas.
41. Chegados a este ponto, e uma vez que que tem interesse para a boa decisão da causa, passamos a citar o acórdão arbitral referente ao processo n.º 113/2015-T, o qual versou especificadamente sobre a matéria sub juditio – dedução do PEC à colecta produzida pelas Tributações Autónomas – tendo sido julgado improcedente o pedido da aí Requerente, e em que está tratada de forma cristalina o thema decidendum.
Foi naquele acórdão entendido que:
“A questão fundamental a que cabe responder nesta decisão é a de saber se as quantias satisfeitas como pagamento especial por conta podem ser deduzidas no imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.
Cotejando a abundante jurisprudência referenciada pela Requerente há efetivamente uma linha condutora que há que realçar e que coincide com o que este tribunal arbitral perfilha: o imposto calculado por aplicação das taxas de tributação autónoma reguladas no artigo 88° do CIRC é também ele imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, i.e., o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas inclui as tributações autónomas. Se dúvidas houvesse a atual redação do artigo 23°-A CIRC desvanecê-las-ia.
(...)
A solução do caso sub juditio precisa que se vá um pouco mais fundo e se apure qual é o regime aplicável ao IRC calculado através das taxas de tributação autónoma. O imposto sobre rendimento das pessoas coletivas nasceu incidindo objetivamente sobre o lucro tributável, correspondendo este à diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação.
(...)
É assim que na estrutura conceptual original do IRC o apuramento do lucro tributável toma como ponto de partida o resultado do exercício obtido através das regras técnicas da contabilidade, introduzindo-lhe depois algumas correções de sentido positivo ou negativo, de modo a que este resultado final correspondesse ao lucro tributável, i.e. ao rendimento real que se pretendia tributar (...). Claro que não se regulava nem podia regular o tratamento a dar às “tributações autónomas” que não faziam parte do sistema, que foi concebido nesta estrutura simples: tomar como ponto de partida o resultado contabilístico (17°-1 do CIRC.1989), corrigi-lo de forma a espelhar a rendimento que se pretende tributar através de regras qualitativamente semelhantes às que vigoravam no plano oficial de contabilidade então vigente (artigo 18° e seguintes CIRC.1989), aplicar-lhe a taxa geral (69°-1 CIRC.1989) e ao produto assim obtido fazer-lhe as deduções da tributação que de algum modo já havia sido suportada ou haveria que sê-lo através de outro sistema fiscal (71°-2 CIRC.1989).(...)
(...)
Há que ver agora como foram inseridas as “tributações autónomas” neste sistema.
A introdução no complexo dos impostos sobre o rendimento da aplicação de taxas de tributação autónoma, foi feita através do Decreto-Lei n.° 192/90 de 9 de junho, que estipulou que as despesas confidenciais ou não documentadas passassem a ser tributadas autonomamente em IRS e IRC.
(...)
Todos os elementos indicam que a introdução do método de tributar despesas em IRC constituiu de início uma medida extravagante, fora da estrutura conceptual do IRC, criada para homenagear o princípio da tributação sobre o rendimento real equilibrado através das correções codificadas. A dita autonomia desta taxa aparece assim com grande intensidade; embora se considere inegavelmente que o seu produto é imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não é já o rendimento que se tributa diretamente (como regulava o IRC) mas sim despesas.
Nestes casos de dissonância haverá os tais conflitos que importa dirimir.
Esses conflitos resultam e são resolvidos através da interpretação normativa. No fundo haverá que dirimir o conflito aparente quando o pensamento legislativo subjacente à norma do regime geral do imposto por um lado e à norma especial que regula a tributação autónoma por outro lado, não é conciliável, i.e. da sua aplicação atingir-se-á uma finalidade não prosseguida pela norma em causa.
Este conflito nas finalidades a atingir por cada uma das normas é patente no momento em que foram introduzidas no sistema fiscal português as chamadas “tributações autónomas”.
(...)
Parece claro à luz destes comandos que no período 1990- 2000 não era concebível utilizar créditos fiscais potenciais para satisfazer a obrigação de imposto apurado a este título, sob pena de se perverter o intuito da lei.
Na sua linha de orientação geral o CIRC pós reforma manteve os princípios que estão na sua génese: partir do resultado contabilístico e corrigi-lo de acordo com as regras estabelecidas, agora aperfeiçoadas pela experiência de 12 anos, para atingir o lucro tributável.
No que se vem averiguando o CIRC resultante da reforma passou a conter o seu artigo 69º-A, com a epígrafe “Taxa de tributação autónoma”, onde se regulou que as despesas confidenciais ou não documentadas (n.o 1) e as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos (n.o 2), passavam a ser tributadas autonomamente” .
(...)
Não se vê que a reforma do CIRC operada em 2000-2001 tenha introduzido qualquer alteração significativa no código. Introduziu-se apenas o mecanismo de combate a despesas consideradas indesejadas que já constava de legislação extravagante, ampliou-se ligeiramente o espetro de aplicação mas não se adaptou por qualquer forma o procedimento de liquidação. Crê-se por isso que se manteve a caracterização do regime que já antes vigorava, continuando a ter que se efetuar a interpretação das normas de modo a prevenir efeitos contrários à ratio legis.
As sucessivas alterações a este artigo não afetaram por qualquer forma o (des)equilíbrio do sistema, que se manteve até à data dos factos.
Por sua vez, no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 617/2012[2] a propósito das “tributações autónomas”, considerou-se:
Mais do que afirmar a ratio da imposição de taxas de tributação autónoma, a fundamentação do citado acórdão expressa bem a forma como é entendido o seu cálculo, por confronto com a liquidação do imposto sobre o rendimento de acordo com a taxa geral:
Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
O mencionado acórdão expressa ainda de forma clara o modo instantâneo ocorre o facto tributário e a inexistência de caráter periódico, duradouro ou sucessivo na sua formação.
Por isso caracteriza assim a operação de liquidação:
Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa (negrito nosso).
Crê-se que com a análise histórica, enquadramento sistemático e posições doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrou-se já a ratio legis das normas que impõem imposto tributado autonomamente e a sua distinção perfeita dos objetivos que animam a estrutura geral do CIRC. Fica assim traçada a linha em que se inicia o conflito; logo que a interpretação da norma em causa conduza a resultado que afaste os objetivos que presidiram à sua inclusão no sistema fiscal. Viu-se já quais eram um e o outro.
É reconhecido por todos os atores que têm que trabalhar com o direito fiscal em geral e com o IRC em particular, a menor coerência da convivência das “tributações autónomas” com o regime geral do imposto sobre o rendimento. A Requerente dá abundante notícia disso mesmo. Mas reconhecida que é essa dificuldade haverá sempre que aplicar a lei, apurando o seu sentido através da interpretação.”.
42. E, em concreto, no que concerne ao PEC:
“Na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade. Esta linha de orientação consta nos textos mais indutores da aplicação do regime nos tribunais, designadamente pelo trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. Neste sentido pode ver-se na motivação do seu acórdão n.° 494/200916, que o PEC no recorte que que lhe foi dado no CIRC, está “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”.
Na doutrina (...) [Teresa Gil] deu fundamentadamente conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”. Embora esta autora considere que o PEC é uma medida insuficiente para resolver o problema da evasão fiscal deste tipo, preferindo o estabelecimento de coleta mínima, menciona que o PEC foi afinal o regime possível face aos limites constitucionais.
O regime atual do PEC é assim caracterizado por (i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) foi introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de actividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87°-3 CIRC). Em súmula, o crédito pelas quantias entregues como pagamento especial por conta, não constitui em crédito exigível que os sujeitos passivos do IRC possam dispor. Para que o possam fazer há que reunir determinadas condições.”.
43. Finalizando:
“Cabe agora apreciar finalmente o argumento basilar que é aquele que resulta da letra da norma do artigo 83º-2/e), do CIRC [redação dada pela Lei nº 60-A/2005, de 31-12 e 90º-c), do CIRC, na redação dada pela Lei nº 3-B/2010, de 28-4] que permite que ao montante de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado seja efetuada a dedução relativa ao pagamento especial por conta efetuado.
Resulta de facto um conflito entre o regime que regula a tributação autónoma e a dedução à coleta respetiva do PEC. Veja- se a ratio das normas em causa. O método de apuramento do imposto constante do CIRC baseia-se no princípio da incidência sobre o lucro tributário; a tributação autónoma incide sobre despesas individualmente consideradas, cuja taxa é aplicável a cada despesa, sendo que “essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma”.
É inequívoco que o sistema de liquidação não é o adequado ao apuramento das tributações autónomas. Mas será que deduzir o PEC à citada “agregação do conjunto de operações sujeitas a tributação autónoma” conduz a um resultado inconciliável para o sistema em causa?
Cabe indagar esta linha.
Como se viu o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação consagrada no então artigo 83º foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.”.
44. Por seu turno:
(...) o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2, doCIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.”.
45. Face a todo o exposto, decidiu aquele Tribunal no sentido de que:
“(...) a pretensão da Requerente tem necessariamente que improceder pois a liquidação impugnada cumpre com a legalidade, pois assenta em correcta interpretação da norma citada.”.
46. Assim, considerando o exposto nos pontos anteriores, improcede o pedido da Requerente de que, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação do IRC do ano de 2009 e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2009, da qual resultou IRC liquidado de € 141.022,72, da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e ainda, de vício de violação da lei, no sentido da não dedução à parte da colecta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC.
47. Está, portanto, prejudicada a apreciação da controvérsia relacionada com a ilegalidade da autoliquidação por inexistência de norma que permita a liquidação da tributação autónoma, constante do pedido subsidiário.
48. Deixemos claro que a ora conclusão se encontra na linha da esmagadora maioria da Jurisprudência conhecida do CAAD (cfr. v. g. 638/2015-T; 670/2015-T; 736/2015-T; 746/015-T; 750/2015-T e 781/2015-T) e em que se incluem os arestos em Tribunais presididos pelo mesmo árbitro que preside a este (cfr. v. g., acórdãos prolatados nos processos nºs 79/2014-T; 95/2014-T; 535/2015-T e 785/2015-T).
VI – DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento da revisão oficiosa mencionada e que recusou a anulação da parte considerada ilegal, de autoliquidações de IRC identificadas nos autos referente ao ano de 2009 e produzidas pelas taxas de tributação autónoma;
b) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dessas autoliquidações nas partes correspondentes ao montante de € 141.022,72;
c) Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente ao reembolso desse montantes e, consequentemente, prejudicado o direito aos juros indemnizatórios peticionados e
d) Condenar a Requerente no pagamento das custas deste processo.
Fixa-se o valor do processo em € 141.022,72, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, totalmente a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de Outubro de 2016.
O Tribunal Arbitral Colectivo
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Jorge Carita
(Árbitro Adjunto)
Rui Manuel Correia de Pinho
(Árbitro Adjunto)