Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 638/2015-T
Data da decisão: 2016-10-02  IRC  
Valor do pedido: € 331.218,87
Tema: IRC – Liquidações adicionais dos anos de 2010 e 2011; Ajustamentos em inventários garantias prestadas e abates de inventários; Indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora; Prova; Artigos 23º, 26º-4 e 28º-1, do CIRC
Versão em PDF

Acordam neste Tribunal Arbitral:

 

I. RELATÓRIO

I.1. A…, UNIPESSOAL, LDA., titular do nº de  Pessoa Coletiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial…, com sede na Rua…, …, …,  …-… …, doravante designada por “Requerente” ou “A…”,  nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), em conjugação com o número 1 do artigo 102º do Código do Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), aplicável por força do disposto na alínea a) do número 1 do artigo 10º do RJAT,

veio requerer a constituição deste Tribunal para pronúncia sobre a ilegalidade e  consequente anulação parcial dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2013…, respeitante ao exercício de 2010, e de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e liquidação de juros de mora n.º 2013…, todos referentes ao exercício   de 2011, bem como anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que as mantiveram.

Alegou em síntese:

Em 30 de Maio de 2012, a ora Requerente procedeu à entrega de uma Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) de substituição do IRC relativa ao exercício de 2010, na qual foi declarada matéria coletável nula em virtude do apuramento de prejuízos fiscais no exercício, os quais ascenderam ao montante de € 2.748.675,26 (documento número 1).

Em 31 de Maio de 2013, a Requerente apresentou uma Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) de substituição do IRC relativa ao exercício de 2011, na qual foi declarada uma matéria coletável de € 1.466.281,08 em virtude da dedução ao lucro tributável apurado no exercício de 2011 (€ 4.214.956,34), do montante de prejuízos fiscais apurados no exercício de 2010 (i.e. € 2.748.675,26) (documento número 2).

A Requerente foi destinatária de uma ação inspetiva externa de âmbito geral, com referência ao exercício de 2010, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de…, desencadeada a coberto da ordem de serviço n.º OI2012…, por virtude de prejuízo fiscal elevado e da diminuição da margem de lucro bruto sobre o custo (face ao exercício anterior) de 86% para 20%.

 

No âmbito da inspeção tributária acima referida, os SIT procederam às seguintes correções:

 

 

CORREÇÕES

PONTO DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO

 

VALOR

 

Despesas não documentadas – outros gastos

 

III.1.2

 

€ 63.592,04

 

Custos com garantias

 

III.1.2

 

€ 96.708,14

 

Fornecimentos e serviços externos

 

III.1.3

 

€ 26.656,00

 

Imparidades – matérias-primas/produtos acabados

 

III.1.4

 

€ 268.121,96

 

Regularizações de inventários

 

III.1.5

 

€ 1.772.996,11

 

TOTAL CORREÇÕES EFECTUADAS

 

 

2.228.074,25

 

Prejuízo fiscal declarado pela Requerente

 

 

€ 2.748.675,26

 

Prejuízo fiscal determinado pelos SIT

 

 

 € 520.601,01

 

A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia em relação ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária, mas não o exerceu, pelo que as correções acima propostas foram integralmente mantidas no Relatório Final de Inspeção Tributária ("Relatório de Inspeção"), do qual a Requerente foi notificada em 24 de Abril de 2013 (documento número 3).

Com base nas correções referidas no número anterior, foram efetuadas, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) as seguintes liquidações adicionais, as quais refletem as correções decorrentes da ação inspetiva realizada:

·         liquidação adicional de IRC n.º 2013…, de 2 de maio de 2013, relativa ao exercício de 2010, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de 6 de maio de 2013, nas quais foi mantido pela AT o valor do crédito de imposto a reembolsar à Requerente (€ 6.130,72) uma vez que, apesar das correções efetuadas pelos SIT, o perfil fiscal da Requerente, por referência ao exercício de 2010, manteve-se negativo (documento número 4);

·         liquidação adicional de IRC n.º 2013…, de 12 de junho de 2013, relativa ao exercício de 2011, no valor de € 311.489,42, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, no valor de € 12.459,57 e de juros de mora n.º 2013…, no valor de € 1.139,16, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de 21 de junho de 2013, de que resultou um saldo total a pagar de € 325.088,15 (documento número 5), cujo pagamento a Requerente efetuou em 27 de agosto de 20131 (documento número 6).

Por discordar das correções (e respetivos fundamentos) versadas nos pontos III.1.2 (redébito de gastos decorrentes de garantias), III.1.4 (imparidades – ajustamentos inventários) e III.1.5 (regularizações/abates de inventários) do Relatório de Inspeção, as quais totalizam o montante de € 2.137.826,21 e que também serviram de base às liquidações supra identificadas, a Requerente deduziu reclamação graciosa em 17 de Julho de 2013 (documento número 7).

Em 29 de Janeiro de 2014, a Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que lhe fora notificado em 2 de Janeiro de 2014 (documento número 8).

O recurso hierárquico foi totalmente indeferido por despacho de 26 de Junho de 2015, tendo sido comunicado à Requerente por carta registada com aviso de receção recebida em 27 de Julho de 2015 (documento número 9).

Por considerar que os gastos e perdas incorridos no exercício de 2010 com (i) ajustamentos em inventários,(ii) garantias prestadas a clientes e (iii) abates de inventários foram indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e por considerar também que os mesmos estão devidamente documentados, a Requerente não pode conformar-se com as liquidações adicionais de IRC promovidas pela AT, nem com o sentido das decisões proferidas pela AT que as mantiveram, as quais consubstanciam uma clara violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, No Relatório de Inspeção, os SIT defenderam que o gasto resultante de ajustamentos em inventários não pode ser aceite fiscalmente nos termos do artigo 28º do CIRC, porquanto:

(i)      os documentos de suporte apresentados pela Requerente “(…) não reúnem os requisitos definidos na alínea a) do nº 2 no artigo 123º do CIRC, nomeadamente quanto ao serem justificativos (…)”, conforme página 25 do Relatório de Inspeção;

(ii)     o gasto “(…) encontra-se suportado por documento interno (e não por documento externo), que não justifica, evidencia a causa e a natureza e o montante (…) pelo que (…) constitui um encargo não devidamente documentado”, conforme página 25 do Relatório de Inspeção; e

(iii)     os documentos suporte apresentados pela Requerente “(…) não demonstram, nem no todo nem em parte, o cumprimento das condições previstas no artigo 28º do CIRC e nº 4 do artigo 26º do CIRC, nomeadamente porque:

-          Registou, conforme sugere o lançamento, ajustamentos em matérias-primas “…até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários…”, nº 1 do artigo 28º do CIRC;

-          Não demonstra que os inventários estão registados ao menor dos valores, ou custo ou valor realizável líquido;

-          Não demonstram qual o valor realizável líquido e se o mesmo cumpre o estabelecido no nº 4 do artigo 26º do CIRC (….)”, conforme página 28 do Relatório de Inspeção.

          Concluiu a AT que a Requerente não conseguiu comprovar a existência de uma dupla tributação (ou seja, no momento da constituição e no momento da reversão dos ajustamentos de inventários), na medida em que não conseguiu provar “em que período(s) de tributação ocorreu a reversão das imparidades constituídas em 2010, nem (…) quais os valores que foram revertidos em cada um desses períodos”.

            Alega ainda a Requerente que a documentação por si apresentada é (e foi) suficiente, nos termos da lei, para comprovar a dedutibilidade fiscal de uma perda apurada irremediavelmente pela Empresa no decurso de um projeto falhado – o Projeto “…” –, e que os valores abatidos se encontram documentados dentro da lógica prática, real e empresarial de uma empresa multinacional com a dimensão da Requerente.

            Pede assim a anulação da correção efetuada, aceitando que a Empresa incorreu efetivamente num gasto decorrente do abate de inventários, o qual deve ser fiscalmente aceite, na medida em que, para além de ter sido efetivamente suportado pela Empresa, se encontra sobejamente demonstrado.

 

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”).

I.3. A Requerente não procedeu à designação de árbitro e, consequentemente, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, proferida ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 11.º, ambos do RJAT, os signatários foram designados como árbitros para integrar o presente tribunal arbitral coletivo, tendo comunicado a aceitação no prazo legal.  

I.4. O Tribunal ficou constituído em 4 de janeiro de 2016, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, que se encontra junta aos autos.

          I.5. A Requerente pede (i)a declaração de ilegalidade, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, do ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, referente ao exercício de 2010, e a sua anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais, assim como a anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que o mantiveram; (ii) a declaração de ilegalidade, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, dos atos tributários de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e liquidação de juros de mora n.º 2013…, todos referentes ao exercício de 2011 e  a sua consequente anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais dedutíveis, assim  como a anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que os mantiveram; (iii) a condenação da Requerida (AT) no reembolso à Requerente do imposto pago em excesso em resultado da anulação parcial das liquidações referidas supra; (iiii) sem prejuízo, na hipótese de, com referência às correções efetuadas à matéria coletável do exercício de 2010, vir a ser negado o pedido de anulação,  na parte relativa aos ajustamentos em inventários,  “(…)então, alternativamente (…)”, pede  “(…)a correção oficiosa das reversões de inventários tributadas nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014; e  na parte relativa aos custos com garantias, então, alternativamente, deverá ser ordenada a correção oficiosa do exercício de 2007, para aceitação do gasto em apreço (…)”; (iiiii) pede ainda a condenação da Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios  “(…)devidos, nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT e do artigo 61º do CPPT, calculados à taxa legal supletiva sobre o imposto pago em excesso em resultado da anulação parcial das sobreditas liquidações, contados desde 27 de agosto de 2013 até ao integral reembolso do referido montante (…)”.

 

I.6. Notificada para o efeito, ao abrigo do artigo 17.º do RJAT, a AT apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo.

 

Resposta da AT

I.7. Na sua Resposta a AT, contestou o pedido e seus fundamentos, alegando, em síntese:

1.7.1  Por exceção:

a) A incompetência material deste Tribunal Arbitral, fundando-se, em síntese, no facto de, alegadamente, os pedidos formulados extravasarem o âmbito dos poderes cognitivos do tribunal arbitral, uma vez que não contendem com a ilegalidade dos atos de liquidação aqui sob escrutínio, como determina a alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT (“compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”).

Logo, não poderia ser determinado pelo Tribunal Arbitral as correcções oficiosas das reversões em inventários para os exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e que, quanto à parte dos custos com garantias, “(…)seja ordenada a correcção oficiosa ao exercício de 2007 (…)”.

Assim e no que concerne ao pedido formulado pela Requerente com vista a serem determinadas correcções oficiosas nos anos subsequentes, afere-se que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para sindicar tal pedido, razão pela qual se invoca para todos os efeitos legais a excepção dilatória impeditiva do conhecimento   do mérito da causa, nos termos do disposto no Art 576.º, n.os 1 e 2 e Art.º 278.º ambos  do CPC na redação dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.

 

b) Por exceção: a inidoneidade do meio processual

Alega a Requerente que o meio processual – pedido de pronúncia arbitral – não consubstancia o meio processual adequado com vista a que o tribunal determine a realização de correcções oficiosas em anos subsequentes.

Concretamente: se a Requerente pretende que sejam realizadas – na sequência da ação inspetiva realizada ao exercício de 2010 – correções oficiosas para os exercícios seguintes - o meio processual adequado a fazer valer tal pretensão da Requerente, consubstanciar-se-á quer no pedido de revisão oficiosa estabelecido no disposto art.º 78.º da LGT (garantia graciosa) quer através da intimação para um comportamento consagrado no Art.º 147.º do CPPT (garantia contenciosa).

A intimação para um comportamento configura o meio processual mais adequado com vista a assegurar a tutela do bem pretendido, ou seja, a determinação de correcções oficiosas nos anos subsequentes dos gastos não aceites fiscalmente no exercício de 2010.

Logo, o pedido de pronúncia arbitral tendo por objecto a anulação das liquidações controvertidas, não consubstancia o meio processual com vista a despoletar a realização de correcções oficiosas nos exercícios subsequentes.

É assim axiomático que o pedido de pronúncia arbitral não configura o meio processual com vista a se determinar a realização de correcções oficiosas nos anos, mas sim a intimação para um comportamento.

Tanto mais, que o pedido de pronúncia visa exclusivamente a legalidade das liquidações nos anos de 2010 e 2011 e não a determinação de correcções oficiosas em anos subsequentes em face da não aceitação dos gastos no ano exercício de 2010.

C) Por impugnação

Não obstante as exceções supra invocadas, a Requerente impugna  “(…)os argumentos expendidos pela Requerente no que concerne ao mérito (…)”.

Alega designadamente que procedeu à desconsideração fiscal do gasto referente a ajustamentos em inventários no montante de€ 268.121,96, alicerçando o seu entendimento em que os documentos de suporte apresentados não reuniam os requisitos estabelecidos, na alínea a) do n.º 2 do art.º 123.º do CIRC, encontrando-se o gasto suportado por documento interno, que não justifica nem evidencia a causa e a natureza do montante, não constituindo um encargo devidamente documentado; para além de que os documentos não demonstram o cumprimento do art.º 28.º e do n.º 4 do art.º 26.º ambos do CIRC, porquanto registou até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção do inventários;  “(…)detetando-se ainda que a Requerente não demonstra que os inventários estão registados ao menor dos valores, ou custo ou valor realizável líquido, nem demonstram qual o valor realizável líquido e se o mesmo cumpre o estabelecido no n.º 4 do art.º 26.º do CIRC (…)”.

Com efeito, a Requerente considerou como gasto nas subcontas 6521000 – Perdas por imparidade em Matérias-primas e 6523000 – Perdas por imparidade em Produtos Acabados, os valores de €149.769,97 e €118.351,99, respectivamente.

Segundo a Requerida, os documentos de suporte relativamente a tais perdas são documentos internos, listagens com cabeçalhos (quando existentes, em alemão), referências  e  valores, tendo ainda  sido apresentado um  conjunto de diapositivos     em inglês (“Stocktake valuation – Preparation” ) que sugere corresponder a um manual de procedimentos para valorização dos stocks.

No plano contabilístico, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro constante do Sistema de Normalização Contabilística aprovado pelo Dec. Lei 158/09 de 13 de Julho (NCRF) 18 – Inventários – determina que, como regra, os inventários são mensurados pelo custo ou pelo valor realizável liquido (VRL), dos dois o mais baixo.

E determina ainda, se no final do período, o custo exceder o VRL, procede-se a um ajustamento.

O VRL é definido como o preço de venda estimado no decurso ordinário da atividade empresarial menos os custos estimados de acabamento e os custos estimados necessários para efetuar a venda.

O registo das perdas por imparidade nos inventários (os ajustamentos de inventários) depende da identificação das causas que contribuem para a verificação de uma perda de valor e de um processo de quantificação da perda através de estimativas do valor realizável líquido.

E continuando nesta sua linha argumentativa, a Requerida conclui que as correcções oficiosas que a Requerente propugna não podem de todo ser feitas automaticamente sendo sempre necessário a identificação dos bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação.

Por outro lado, a desconsideração da dedutibilidade dos gastos relativos a garantias prestadas a clientes traduziu-se numa correcção positiva ao lucro tributável, no montante de € 96.708,14, com fundamento no incumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 23.º em matéria de comprovação documental dos encargos, no n.ºs 1 e 2 do art.º 123.º e igualmente do princípio da especialização dos exercícios consagrado no n.º 1 do art.º 18.º, todos do Código do IRC.

O designado redébito efectuado pela B… à Requerente e, por esta contabilizado em 2010 respeitava a encargos com garantias que a C… erradamente debitou à B… .

Os documentos em que se apoiou o registo contabilístico destes gastos são constituídos pela nota de débito n.º 2007 … de 17.09.1007, emitida pela C… (…), no valor de 153.099,46 USD e o documento “Intercompany Recharge Debit Note” n.º…, datado de 07.07.2010, emitido pela B…, no valor de 79.054 Libras, inscrevem-se em processos de reclamação e accionamento de garantias por parte dos clientes, respeitando assim a custos com garantias/custos de reparação no período decorrido  entre 01.10.2005 e 31.12.2006.

 

Reunião do Tribunal com as partes e diligências instrutórias

Em 17-6-2016 teve lugar a reunião do Tribunal com as partes e a produção de prova requerida [declarações de parte e inquirição de testemunhas arroladas], aí tendo o Tribunal deliberado, com a concordância das partes ou sem a oposição destas: (a) prorrogar o prazo para a decisão final nos termos do artigo 21º-2, do RJAT; b) que fossem apresentadas alegações finais por escrito e c) relegar para a decisão final o conhecimento das exceções [Cfr ata respetiva].

Ulteriormente, por despacho de 30 de agosto de 2016, foi fixado o dia 15-9-2016 como data limite previsível para a prolação e notificação às partes da decisão arbitral final.

As partes apresentaram as suas alegações finais.

As alegações/conclusões da Requerente:

A Requerente apresentou as seguintes conclusões:

a) Os ajustamentos em inventários efectuados pela Requerente foram validados por uma entidade independente e apenas podiam ser suportados por documentação interna, não sendo exigida documentação externa.

b) A Requerente não tributou os ajustamentos em inventário suportados no momento da respetiva constituição, vindo a tributar as reversões desses ajustamentos nos exercícios posteriores (2011, 2012, 2013 e 2014), conforme propugna o artigo 28º do Código do IRC.

c) Pelo que a correção efectuada pela Requerida, neste âmbito, deverá ser anulada.

d) Alternativamente, no cenário em que subsista a respetiva correção ao exercício fiscal de 2010, deverá reconhecer-se que é devida a correção simétrica, oficiosa e automática ao resultado fiscal dos exercícios em que existiram reversões destes ajustamentos (2011, 2012, 2013 e 2014).

e) O registo contabilístico da nota de débito emitida pela C… deve ser imputado ao exercício de 2010, por ser manifestamente desconhecido, para a Requerente, antes desse exercício.

f) Devendo, em conformidade, ser aceites como gastos fiscais os custos com garantias que a Requerente teve de incorrer relativamente àquela entidade.

g) Pelo que a correção efectuada pela Requerida, neste âmbito, deverá ser anulada.

h) Sem conceder, num cenário em que subsista a respectiva correção ao exercício fiscal de 2010 por violação do princípio da especialização dos exercícios, deverá reconhecer-se que é devida a correção simétrica no resultado fiscal do exercício a que os gastos deveriam respeitar (2007), nos termos do Ofício-Circulado no 14/93, de 23 de Novembro, da Direção de Serviços do IRC.

i) A produção de peças spindle encontra respaldo no âmbito da atividade da Requerente.

j) O fracasso no desenvolvimento deste produto comportou signicativos gastos para a Requerente.

k) Nenhuma dúvida deverá oferecer o facto de as peças spindle que ficaram inutilizadas terem ido para a sucata.

l) Estando o gasto associado devidamente suportado e o destino dos bens inequivocamente definido.

m) Pelo que a correção efectuada pela Requerida, neste âmbito, deverá também ela ser anulada.

As alegações/conclusões da Requerida (AT)

  1. Submete a Requerente à apreciação do Tribunal Arbitral a ilegalidade e consequente anulação parcial dos actos tributários de liquidação adicional de IRC n.o 2013…, referente ao exercício de 2010 e da liquidação adicional de IRC n.o 2013…, liquidação de juros compensatórios n.o 2013 … e liquidação de juros de mora n.o 2013…, atinente ao exercício de 2011, bem como da legalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, requerendo ainda que, sem prejuízo do decaimento às correcções propugnadas ao exercício de 2010, na parte referente aos ajustamentos em inventários, seja ordenada uma correcção oficiosa das reversões em inventários, tributadas nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, ambicionando ainda que na parte relativa a custos com garantias, se ordene a correcção oficiosa ao exercício de 2007, para aceitação do gasto em apreço, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal;
  2. ii)  Quanto ao pedido formulado pela Requerente de querer que seja ordenada uma correcção oficiosa das reversões em inventários tributadas nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e que quanto à parte dos custos com garantias, se ordene a correcção oficiosa ao exercício de 2007, para aceitação do gasto em apreço, importa referir que, o Tribunal Arbitral não é competente para conhecer daqueles pedidos, desde logo, porque os pedidos formulados extravasam o âmbito dos poderes cognitivos do tribunal arbitral, uma vez que não contendem com a ilegalidade dos atos de liquidação aqui sob escrutínio, e viola o disposto na alínea a) do n.º 1 do Art.o 2.º do RJAT o qual determina que, compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
  1. iii)  Logo, o âmbito material da arbitragem tributária recortado pela mencionada alínea, corresponde ao consagrado no Art.o 97.º n.o 1 alínea a) do CPPT, estando perante situações em que se impugna(m) o(s) acto(s) tributário(s) de liquidação, e nesse desiderato, não pode ser determinado pelo Tribunal Arbitral que sejam efectuadas correcções oficiosas das reversões em inventários para os exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e que quanto à parte dos custos com garantias, se ordene a correcção oficiosa ao exercício de 2007;
  2. iv)  Afere-se que o pedido formulado pela Requerente extravasa em muito o âmbito da competência material estabelecido na alínea a) do n.º 1 do Art.º 2.º do RJAT, sendo o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para sindicar tal pedido, razão pela qual se invoca para todos os efeitos legais a excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no Art 576.º, n.os 1 e 2 e Art.º 278.º ambos do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.;
  3. v)  Na mesma esteira, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio processual adequado com vista a que o tribunal determine a realização de correcções oficiosas em anos subsequentes, pois, se a Requerente pretende que sejam realizadas – na sequência da acção inspectiva realizada ao exercício de 2010 – correcções oficiosas para os exercícios seguintes, o meio processual adequado a fazer valer tal pretensão da Requerente, consubstanciar-se-á quer no pedido de revisão oficiosa estabelecido no disposto Art.o 78.º da LGT (garantia graciosa) quer através da intimação para um comportamento consagrado no Art.o 147.º do CPPT (garantia contenciosa);
  4. vi) Com efeito, a intimação para um comportamento configura o meio processual mais adequado com vista a assegurar a tutela do bem pretendido, ou seja a determinação de correcções oficiosas nos anos subsequentes dos gastos não aceites fiscalmente no exercício de 2010;
  1. vii) Logo, o pedido de pronúncia arbitral tendo por objecto a anulação das liquidações controvertidas, não consubstancia o meio processual com vista a despoletar a realização de correcções oficiosas nos exercícios subsequentes, tanto mais, que o pedido de pronúncia visa exclusivamente a legalidade das liquidações nos anos de 2010 e 2011 e não a determinação de correcções oficiosas em anos subsequentes em face da não aceitação dos agastos no ano exercício de 2010;
  2. viii) É axiomático que o pedido de pronúncia arbitral não configura o meio processual com vista a se determinar a realização de correcções oficiosas nos anos, mas sim a intimação para um comportamento, razão pela qual, o uso de meio processual impróprio, consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no Art.o 576.º do novo CPC aplicável por força do disposto na alínea e) do Art.o 2.º do CPPT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição do réu da instância nos termos do Art.º 278.º ambos do CPC, aplicável ex vi alínea e) do Art.o 2.º do CPPT;
  3. ix)  Relativamente aos ajustamento em inventários a Requerente considerou como gasto nas subcontas 6521000 – Perdas por imparidade em Matérias-primas e 6523000 – Perdas por imparidade em Produtos Acabados, os valores de €149.769,97 e €118.351,99, respectivamente, conforme resulta dos autos, os documentos de suporte relativamente a tais perdas são documentos internos, listagens com cabeçalhos (quando existentes, em alemão), referências e valores, tendo ainda sido apresentado um conjunto de diapositivos em inglês (“Stocktake valuation – Preparation” ) que sugere corresponder a um manual de procedimentos para valorização dos stocks;
  4. x)  De acordo com o n.º 2 do Art.o 28.º do CIRC, o valor realizável líquido é obtido a partir do preço de venda estimado, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda, entendendo-se por preço de venda os constantes de (i) de elementos oficiais; ou (ii) os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo; ou ainda (iii) os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que em qualquer dos casos sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco;
  1. xi)  Em matéria fiscal, o CIRC, prevê que, no caso da desvalorização dos inventários, possam ser dedutíveis fiscalmente no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respectivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele (Art.o 28.º do CIRC a este propósito refere CARLOS ALBERTO DA SILVA CUNHA in a Tributação na transição do POC para o SNC, revista OROC n,.º116 Novembro de 2009 pag 43- 45 “... a lei fiscal vais assim de encontro das normas contabilísticas ao admitir o valor realizável líquido como método de valorização dos inventários”);
  2. xii)  Assim, pela regulamentação fiscal e contabilística, retira-se que o registo das perdas por imparidade nos inventários (os ajustamentos de inventários) depende da identificação das causas que contribuem para a verificação de uma perda de valor e de um processo de quantificação da perda através de estimativas do valor realizável líquido, ou como afirma J.A. PINHEIRO PINTO, “Os problemas que se antecipam em relação aos ajustamentos de inventários – porque já existiam relativamente às provisões para depreciação de existências – decorrem da prova quanto aos preços de mercado.“;
  3. xiii)  Naturalmente que a comprovação dos ajustamentos é feita com documentos cujo conteúdo deve proporcionar informação clara sobre a origem, natureza, estimativas dos preços tidos como relevantes e quantificação dos ajustamentos em inventário (já ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA ensinava que “(...)a documentação constitui a base em que assentam os lançamentos nos livros e registos de escrita, (...) todo o facto a contabilizar deve apoiar-se em documento justificativo”, pois, este é um princípio básico a observar na elaboração e execução da contabilidade regularmente organizada);
  1. xiv)  A Requerente apresentou um documento intitulado “Stocktake valuation”, tendo sido considerado pela entidade Requerida que tal documento não cumpre os requisitos formais para efeitos do disposto no n.º 1 do Art.o 23.º e alínea g) do n.o 1 do Art.o 45.º ambos do CIRC, suscitando nos pontos 53.º a 61.º do pedido de pronúncia arbitral, espanto com tal exigência, argumentando que “o registo contabilístico (“lançamento”) de uma provisão/lançamento em inventários advém de uma decisão de gestão interna das Empresas, que não pode ser suportada por outros documentos para além de documentos internos” e tendo corroborado tal argumentação pelas testemunhas em sede de inquirição;
  2. xv)  Todavia perguntar-se-á, será que o ónus probatório variará em função do escopo societário perseguido pelos sujeitos passivos?;
  3. xvi)  Ou será que em função de determinado objecto social, as regras contidas nas normas contabilísticas e fiscais são afastadas e fora de aplicação?;
  4. xvii)  Mais, de que modo é compaginável sob pena de violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, exigir a um determinado sujeito passivo a comprovação dos ajustamentos em inventários em documentos externos - e de acordo com as normas contabilísticas e fiscais estatuídas na lei e do cumprimento dos requisitos estatuídos no disposto no n.º 1 do Art.o 23.º e alínea g) do n.º 1 do Art.o 45.º ambos do CIRC -, e aceitar à Requerente a demonstração de tais ajustamento com meros documentos internos, sob a capa da especificidade do sector automóvel?;
  5. xviii)  E atendendo ao ideário argumentativo firmado pela Requerente, de que modo tal comprovação aos ajustamentos em inventários, não poderá ser extensível a outras áreas de mercado igualmente complexas, como a indústria farmacêutica, de tecnologia de ponta, etc?;
  6. xix)  Efectivamente, a prova dos ajustamentos em inventários nunca poderá – sob pena de contrária à lei n.º 1 do Art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do Art.º 45.o ambos do CIRC e aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – ser efectuada através de um mero documento interno, como o fez a Requerente;
  1. xx)  E muito menos é lícito alegar que tendo em conta a especificidade do mercado automóvel e do grupo de empresas em que se insere a Requerente, tal prova apenas poderia ser efectuada através de mero documento interno;
  2. xxi)  Com efeito, sendo embora certo que as estimativas do valor realizável líquido e o cálculo da quantia dos ajustamentos tenham de ser feitas em documentos internos, criados na própria empresa, é inegável que devem ser apoiadas em documentos externos, in casu, facturas de compras (matérias-primas) facturas de vendas (produtos acabados), contratos, estimativas sobre custos de acabamento e venda, ou outros elementos idóneos susceptíveis de justificar quer a necessidade do reconhecimento dos gastos com os ajustamentos em inventários quer o seu quantitativo11, quer dar a conhecer os eventos e as circunstâncias susceptíveis de determinar o apuramento de uma perda de valor potencial nos inventários;
  3. xxii)  Aliás, a doutrina administrativa construída com base no parecer do CEF n.o 3/92, de 06.01.1992, indica que “Um documento interno carece de meios adicionais de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que lhe está subjacente.” e idêntico entendimento tem TOMÁS CANTISTA TAVARES (in Da relação de dependência entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas, algumas reflexões ao nível dos custos, Ciência e Técnica Fiscal, 396 pp.123 e seguintes) sobre a noção de documento justificativo é mais ampla do que a noção de factura, podendo abranger uma qualquer forma externa de representação da operação sem específicas solenidades da factura “desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço a data e o objecto da transação”);
  1. xxiii)  Ora, são esses elementos adicionais que levam a apreender as causas da depreciação dos inventários e os parâmetros que servem de referência para a sua quantificação, e que a Requerente não logrou apresentar, pelo que de acordo com o disposto no art.o 23.º e da alínea g) do n.º 1 do art.o 45.º ambos do CIRC, não podem os documentos apresentados pela Requerente “Stocktake valuation” relevar como documentos justificativos dos gastos para efeitos de determinação do lucro tributável, uma vez que estes só são dedutíveis do ponto de vista fiscal, quando estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que a ausência dos requisitos implica a não consideração dos gastos (v.d. F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas anotado e comentado, Rei dos Livros 5a Edição, 1996 págs. 206 e seguintes);
  2. xxiv)  Logo, os documentos apresentados pela Requerente stocktake valuation” não preenchem os requisitos, em termos da sua suficiência de conteúdo, bem como quanto à sua origem, susceptíveis de comprovar o valor realizável líquido das matérias-primas (preço de reposição) e dos produtos acabados (preço de venda deduzido dos custos de acabamento e de venda) e os acontecimentos que determinaram a potencial perda de valor traduzida pelas perdas por imparidade;
  3. xxv)  Por fim, tendo presente que as reversões dos ajustamentos em inventários podem ser determinadas por abate, venda, ou (cf., n.o 33 da NCRF) ou quando as circunstâncias que anteriormente resultaram em ajustamento ao valor dos inventários deixarem de existir ou quando houver uma clara evidência de um aumento no valor realizável líquido devido à alteração nas circunstâncias económicas inicialmente consideradas, a não dedutibilidade dos ajustamentos de inventários contabilizados em 2010, implicará que as reversões que concorreram para o cálculo do lucro tributável dos exercícios subsequentes, sejam subtraídas à tributação, tornando-se necessário estabelecer a necessária correspondência entre as quantias corrigidas em 2010 e as quantias e origem das reversões contabilizadas em 2011 e exercícios seguintes;
  1. xxvi)  Assim, tendo presente que as perdas por imparidade traduzidas pelos ajustamentos de inventários são calculadas, relativamente a Matérias-Primas e a Produtos acabados, e dentro de cada grupo, elemento a elemento, as eventuais correcções a efectuar nas reversões, em 2011 e anos subsequentes, não podem ser desencadeadas de forma automática, porque se torna necessário identificar os bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação;
  2. xxvii)  Daí que para além das excepções invocadas quanto ao pedido formulado, as correcções oficiosas que a Requerente propugna não podem de todo ser feitas automaticamente sendo sempre necessário a identificação os bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação, pelo que, decaem liminarmente os argumentos invocados pela Requerente;
  3. xxviii)  A desconsideração da dedutibilidade dos gastos relativos a garantias prestadas a clientes traduziu-se numa correcção positiva ao lucro tributável, no montante de € 96.708,14, com fundamento no incumprimento do disposto no n.º 1 do Art.o 23.º em matéria de comprovação documental dos encargos, no n.os 1 e 2 do Art.o 123.º e igualmente do princípio da especialização dos exercícios consagrado no n.º 1 do Art.o 18.º, todos do Código do IRC, tendo o designado redébito sido efectuado pela B… à Requerente e, por esta, contabilizado em 2010 respeitava a encargos com garantias que a C… erradamente debitou à B…;
  4. xxix)  Os documentos em que se apoiou o registo contabilístico destes gastos são constituídos pela nota de débito n.º 2007 … de 17.09.1007, emitida pela C… (…), no valor de 153.099,46 USD e o documento “Intercompany Recharge Debit Note” n.o…, datado de 07.07.2010, emitido pela B…, no valor de 79.054 Libras, inscrevem-se em processos de reclamação e accionamento de garantias por parte dos clientes, respeitando assim a custos com garantias/custos de reparação no período decorrido entre 01.10.2005 e 31.12.2006;
  1. xxx)  Não obstante a Requerente esclarecer que o desfecho do processo de garantias apenas chegou ao seu conhecimento em 2010, por motivo não lhe foi imputável, não deixa, porém, de reconhecer que existiu um longo processo de negociação com os serviços da C… sobre os valores reclamados, pelo que, não pode ser aplicável o disposto no n.º 2 do art.o 18.º do Código do IRC donde se verifica que a Requerente já havia aceite os encargos, como denotam as inscrições no documento de 17.09.2007, e por outro lado, os procedimentos de controlo interno instituídos para as reclamações levam a crer que a Requerente teria de ter conhecimento efectivo das suas responsabilidades com as garantias prestadas e do respectivo montante;
  2. xxxi)  Aliás, considera-se estranho que tendo decorrido um longo processo de negociação e análise cuja responsabilidade foi do departamento de garantia da A… em Coventry (Reino Unido) e tendo a nota de débito da C… sido emitida em 2007, que só tenha chegado ao conhecimento da Requerente em 2010, através do endosso da B… à Requerente do encargo relativo a custo com garantias do exercício de 2007, pelo facto de entender que a nota de débito emitida pela C… lhe foi erradamente dirigida;
  3. xxxii)  Escorando-nos uma vez mais nos argumentos aventado pela Requerente e da prova testemunhal produzida, extrai-se que é o ordenamento jurídico que se deve adaptar às exigências e à complexidade do sector automóvel e não o contrário;
  4. xxxiii)  Ou seja, a observância do princípio da especialização dos exercícios, consignada na lei terá – no entendimento da Requerente de se reajustar em função das especificidades do mercado e do grupo de sociedades em que a Requerente se encontra inserida – uma vez que os gastos com as garantias prestadas deveriam ter sido imputados ao lucro tributável no exercício a que respeitavam, - 2007, ano que as respectivas responsabilidades foram apuradas e foi emitida a nota de débito pela C… – e não no ano de 2010, ou seja ,cerca de 3 anos depois;
  1. xxxiv)  Quanto à desconsideração de gastos no montante global de €1.772.996,11, relativo a abates de matérias-primas, produtos em curso e produtos acabados, considerados como sucata, originadas principalmente por deficiências e imperfeições que originaram diversos problemas de qualidade e reengenharia na linha de produção do projecto spindle para automóveis, tais registos têm como suporte documentos internos que a entidade Requerida não qualificou como válidos para comprovar a efectividade dos prejuízos sofridos, conforme é exigido pelo n.o 1 do art.o 23.o do Código do IRC, porque não evidenciam a causa e a natureza e o montante referentes a cada um dos elementos que foram objecto de abate;
  2. xxxv)  Os documentos internos apresentados pela Requerente compreendem: o diário do movimento contabilizado, com contas movimentadas e valores e dois e-mails, um redigido em língua inglesa e outro em língua espanhola e um extracto da conta…, por seu lado, nos documentos externos apresentados pela Requerente, designadamente as guias Modelo A do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, os descritivos evidenciam designações genéricas (Metais, Sucata – Plástica, Sucata – Ferro limpo), ou não existe qualquer designação, e também foram detectadas discrepâncias quer entre o valor dos gastos considerados e os quilos/m3 constantes das guias, quando comparadas mensalmente, quer entre as datas das guias e as datas do abate nos inventários;
  3. xxxvi)  As Guias não permitem identificar a classe em que se integram os bens (matérias-primas, produtos em curso ou produtos acabados) mas tão-só, a natureza dos materiais, ou seja, matéria plástica, aço, madeira e alumínio, não tendo sido emitida qualquer factura ou documento equivalente relativa aos materiais abatidos, nos termos do art.o 36.º do Código do IVA, relativamente à sucata enviada ao operador económico que desenvolve a actividade nesse domínio;
  4. xxxvii)  Forçoso é concluir que os documentos que serviram de apoio ao registo contabilístico dos abates, quer os internos quer os externos não permitem o controlo inequívoco dos seus valores e natureza dos bens abatidos nem do seu verdadeiro destino e, consequentemente não são susceptíveis de comprovar os respectivos gastos, como exige o n.º 1 do art.o 23.º do Código do IRC, o que conjugado com a alínea g) do n.º 1 do art.º 45. o do mesmo Código implica a desconsideração destes gastos para a determinação do lucro tributável.

 

II. SANEAMENTO

A competência material do Tribunal

Alega a Requerida, a fundamentar a exceção de incompetência material do Tribunal, que a Requerente,  em face do decaimento das correcções propugnadas ao exercício de 2010, na parte referente aos ajustamentos em inventários, pede que o Tribunal determine a correcção oficiosa das reversões em inventários tributadas nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, e que quanto à parte dos custos com garantias, determine igualmente a correcção oficiosa ao exercício de 2007, para aceitação do gasto em apreço.

Conclui a Requerida que os pedidos formulados extravasam o âmbito dos poderes cognitivos do tribunal arbitral, uma vez que não contendem com a ilegalidade dos actos de liquidação aqui sob escrutínio à luz do que dispõe o artigo 2º-1/a), do RJAT, ou seja, “(...)no que concerne ao pedido formulado pela Requerente com vista a serem determinadas a realizações de correcções oficiosas nos anos subsequentes, afere-se que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para sindicar tal pedido, razão pela qual se invoca para todos os efeitos legais a excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no Art 576.º, n.os 1 e 2 e Art.º 278.o ambos do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho (...)”.

Vejamos:

A Requerente vem pedir ao Tribunal [formulação do pedido] para:

  1. a) Declarar ilegal, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, referente ao             exercício de 2010, ordenando a sua anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de          € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais, assim como a anulação das decisões de indeferimento        da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que o mantiveram;
  2. b)  Declarar ilegal, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, os atos tributários de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.o 2013 …  e liquidação de juros de mora n.º 2013…, todos referentes ao exercício de 2011, ordenando a sua anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais dedutíveis, assim como a anulação das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que os mantiveram;
  3. c) Ordenar o reembolso à Requerente do imposto pago em excesso em resultado da anulação parcial das liquidações nos termos peticionados em a) e b) supra;
  1. d)  Sem prejuízo, na hipótese (que tem de equacionar-se) de com referência às correções efetuadas à matéria coletável do exercício de 2010, vir a ser negado o pedido de anulação
    d.1.) na parte relativa aos ajustamentos em inventários, então, alternativamente, deverá ser ordenada a correção oficiosa das reversões de inventários tributadas nos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014;d.2.) na parte relativa aos custos com garantias, então, alternativamente,   deverá ser ordenada a correção oficiosa do exercício de 2007, para aceitação do gasto em apreço;
  2. e)  Ordenar o pagamento à Requerente de juros indemnizatórios devidos, nos termos do artigo 43º, n.º 1, da LGT e do artigo 61o do CPPT, calculados à taxa legal supletiva sobre o imposto pago em excesso em resultado da anulação parcial das liquidações nos termos peticionados em a) e b) supra, e contados desde 27 de agosto de 2013 até ao integral reembolso do referido montante.

           

            Ora claramente se evidencia que a exceção está suscitada, não relativamente ao pedido principal mas sim no que concerne ao pedido subsidiário formulado em 4. d).

            Tanto basta para se apreciar a questão apenas e só se o Tribunal tiver de apreciar tal pedido subsidiário.

 

O Tribunal é assim competente (pelo menos e para já, para a apreciação do pedido principal) e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Inidoneidade do meio processual

Exceciona igualmente a Requerida o meio processual utilizado pela Requerente, considerando-o inidóneo com vista a que o tribunal determine a realização de correcções oficiosas em anos subsequentes.

Sendo tal matéria igualmente objeto de pedido subsidiário oportunamente e se disso for caso, se apreciará essa exceção.

 

 

Não há quaisquer vícios que invalidem o processo. Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. Factos provados

Cumpre assinalar, preliminarmente, que o juiz (ou árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes e apenas o dever de seleccionar a (matéria de facto) que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o(s) pedido(s) formulado(s) pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26/6, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

A esta luz, são os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal:

1.      A Requerente é uma sociedade de direito português cujo capital pertence integralmente à sociedade alemã D… GMBH;

2.      A Requerente tem como atividade principal a produção, montagem e venda de sistemas de fechaduras para a indústria automóvel;

3.      A indústria automóvel é caracterizada por fortes especificidades, entre as quais se destacam as seguintes:

a.       Reduzido número de fabricantes de automóveis (designados de OEM – Original Equipment Manufaturer, tais como a C…, a E… ou a F…) e número substancial de fornecedores independentes a quem os OEM subcontratam partes significativas da produção (como é o caso da Requerente);

b.      Lógica de antecipação, por parte dos OEM, que encomendam componentes para a produção de veículos para serem comercializados daí a um período de tempo relativamente dilatado;

c.       Os sistemas de fechaduras para veículos automóveis produzidos pela Requerente são conceptualmente desenvolvidos pelo departamento central de engenharia do Grupo G…;

d.      Tais sistemas de fechaduras são customizados para uma determinada série de um determinado modelo de uma viatura de um OEM;

e.       Após a inserção de um sistema de fechaduras no modelo automóvel de cada OEM, a propriedade industrial daquele sistema passa a ser detido pelo OEM;

f.       Os sistemas de fechaduras produzidos para um determinado OEM em circunstância alguma podem ser aproveitados pela Requerente, seja para outro OEM, seja para qualquer serviço pós-venda;

4.      Os sistemas de fechaduras que a Requerente produz são customizados para um mercado único perfeitamente delimitado;

5.      Os sistemas de fechaduras produzidos pela A… apenas podem ser utilizados pelo concreto OEM que os encomendou, não podendo ser adaptados para qualquer outra função ou utilidade;

6.      No caso particular da Requerente, os valores considerados para efeitos dos ajustamentos são referenciados pelos serviços centrais do Grupo, uma vez que se trata do departamento responsável pelo concurso e negociação da carteira de encomendas junto dos OEM;

7.      A Requerente apresentou um documento intitulado “Stocktake valuation”, tendo sido considerado pela entidade Requerida que tal documento não cumpre os requisitos formais para efeitos do disposto no n.º 1 do Art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do Art.º 45.º ambos do CIRC;

8.      Os ajustamentos (imparidades) em inventários efetuados pela Requerente em 2010, no montante global de € 268.121,96, estão suportados por documentação interna;

9.      Na produção, pela Requerente, dos sistemas de fechaduras há um fator técnico que está é obrigada a ponderar:  dos milhares de peças que vai produzir, a Requerente estima, com base na sua experiência, que certa percentagem (fator técnico) da produção respeitará a peças que sairão deficientes, estabelecendo-se, assim, um rácio (peças deficientes/peças produzidas) e esse rácio constituirá o fator técnico a aplicar;

10.  Qualquer peça reclamada por clientes com expressão multinacional é objeto de validação prévia por um dos departamentos centrais do Grupo G… de recolha e análise de garantias –B… ou H…(cfr. declarações de parte);

11.  Estes departamentos centrais analisam os relatórios com as reclamações, efetuam testes aos materiais reclamados, apresentando a sua argumentação com vista a reduzir o valor da garantia a ser prestada (processo designado de “Field…”);

12.  Após concluído este processo, os mesmos departamentos procedem à redistribuição das reclamações pelas concretas unidades produtivas do Grupo cuja responsabilidade foi definida e apurada;

13.  In casu, o grupo C… efetuou, em 2007, uma reclamação junto da B… ...

14.  ... que em 2010 a B… reconheceu que uma parte dos valores reclamados diziam respeito à Requerente e apenas nessa altura a B… informou a Requerente da reclamação efetuada pela C… e do respetivo valor da responsabilidade que lhe foi imputada, pelo que apenas em 2010 a Requerente veio a tomar conhecimento da reclamação efetuada pela C…;

15.   A Requerente procedeu ao registo da responsabilidade que lhe foi imputada no exercício em que tomou conhecimento da reclamação, ou seja, em 2010;

16.   A peça ou artefacto denominado spindle é um produto novo desenvolvido pelo departamento de engenharia da A… e que respeita ao fabrico de molas para bagageiras de automóveis;

17.  O spindle foi introduzido em 2010 e constituiu uma novidade face ao tipo de produção da A… à data;

18.  O spindle era produzido para depois ser incorporado em viaturas de gama alta;

19.  Durante o processo produtivo das viaturas foram reportados graves problemas com as bagageiras, tendo-se identificado falhas no citado produto spindle;

20.   E essas peças enviadas pela Requerente ficaram inutilizadas;

21.  E as peças que estavam a ser produzidas e as que tinham acabado de ser produzidas e prontas para envio ficaram igualmente e de imediato inutilizáveis;

22.   Na tentativa de solucionar o problema, o departamento de engenharia central da A… ia determinando sucessivas alterações à conceção do spindle, as quais tinham de ser automaticamente adotadas pela Requerente;

23.   À medida que o departamento de engenharia ia introduzindo alterações à conceção do spindle, as componentes produzidas pela Requerente até esse momento (e nas suas mais variáveis versões) tornavam-se imediatamente inutilizáveis;

24.   Não podendo ser aplicados em mais lado algum, por se tratarem de propriedade intelectual dos (OEM), os produtos defeituosos do spindle foram para a sucata (cfr. o comprovativo do registo dos produtos defeituosos do spindle na plataforma SIRAPA - “Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente – Mapa Integrado de Registo de Resíduos” -, com indicação dos tipos de resíduos e respetiva tonelagem);

25.  Em 30 de Maio de 2012, a Requerente procedeu à entrega de uma Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) de substituição do IRC relativa ao exercício de 2010, na qual foi declarada uma matéria coletável nula em virtude do apuramento de prejuízos fiscais no exercício, os quais ascenderam ao montante de € 2.748.675,26 (documento número 1);

26.  Em 31 de Maio de 2013, a Requerente apresentou uma Declaração periódica de Rendimentos (Modelo 22) de substituição do IRC relativa ao exercício de 2011, na qual foi declarada uma matéria coletável de € 1.466.281,08 em virtude da dedução ao lucro tributável apurado no exercício de 2011 (€ 4.214.956,34), do montante de prejuízos fiscais apurados no exercício de 2010 (i.e. € 2.748.675,26) (documento número 2);

27.  A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito geral, com referência ao exercício de 2010, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de…, desencadeada a coberto da ordem de serviço n.º OI2012…, por virtude de prejuízo fiscal elevado e da diminuição da margem de lucro bruto sobre o custo (face ao exercício anterior) de 86% para 20%;

28.  No âmbito da inspeção tributária acima referida, os SIT procederam às seguintes correções:

CORREÇÕES

PONTO DO RELATÓRIO DE INSPEÇÃO

VALOR

Despesas não documentadas – outros gastos

III.1.2

€ 63.592,04

Custos com garantias

III.1.2

€ 96.708,14

Fornecimentos e serviços externos

III.1.3

€ 26.656,00

Imparidades – matérias-primas/produtos acabados

III.1.4

€ 268.121,96

Regularizações de inventários

III.1.5

€ 1.772.996,11

TOTAL CORREÇÕES EFECTUADAS

 

€ 2.228.074,25

Prejuízo fiscal declarado pela Requerente

 

- € 2.748.675,26

Prejuízo fiscal determinado pelos SIT

 

- € 520.601,01

 

 

 

 

29.  A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia em relação ao projeto de Relatório de Inspeção Tributária, mas não o exerceu, pelo que as correções acima propostas foram integralmente mantidas no Relatório Final de Inspeção Tributária ("Relatório de Inspeção"), do qual a Requerente foi notificada em 24 de abril de 2013 (documento número 3).

30.  Com base nas referidas correções, foram efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) as seguintes liquidações adicionais, as quais refletem as correções decorrentes da ação inspetiva realizada:

·         liquidação adicional de IRC n.º 2013…, de 2 de maio de 2013 (compensação nº 2013 … – nula), relativa ao exercício de 2010, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de 6 de maio de 2013, nas quais foi mantido pela AT o valor do crédito de imposto a reembolsar à Requerente (€ 6.130,72) (documento número 4);

·         liquidação adicional de IRC n.º 2013…, de 21 de junho de 2013 (compensação nº 2013 … - €325.088.15), relativa ao exercício de 2011, no valor de € 311.489,42, a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, no valor de € 12.459,57 e de juros de mora n.º 2013…, no valor de € 1.139,16, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de 21 de junho de 2013, de que resultou um saldo total a pagar de € 325.088,15 [compensação nº 2013…] (documento número 5), cujo pagamento a Requerente efetuou em 27 de agosto de 2013 (documento número 6);

31.  Por discordar das correções (e respetivos fundamentos) versadas nos pontos III.1.2 (redébito de gastos decorrentes de garantias), III.1.4 (imparidades – ajustamentos inventários) e III.1.5 (regularizações/abates de inventários) do Relatório de Inspeção, as quais totalizam o montante de € 2.137.826,21 e que também serviram de base às liquidações supra identificadas, a Requerente deduziu reclamação graciosa em 17 de julho de 2013 (documento número 7);

32.  Em 29 de janeiro de 2014, a Requerente, indeferida a reclamação, interpôs recurso hierárquico desse despacho de indeferimento e que lhe fora notificado em 2 de janeiro de 2014 (documento número 8);

33.  O recurso hierárquico foi totalmente indeferido por despacho de 26 de junho de 2015, tendo sido comunicado à Requerente por carta registada com aviso de receção recebida em 27 de julho de 2015 (documento número 9);

34.  As sobreditas imparidades em inventários, lançadas como “gasto” nas subcontas 6521000 (“Perdas por imparidade em matérias primas” e 652300 (“Perdas por imparidade em produtos acabados”) pelos valores de €149.769,97 e €118.351,99, respetivamente, decorrem da adoção na Requerente da stocktake valuation que recebe do departamento central da A…;

35.  Estes lançamentos foram justificados por documento interno da Requerente

36.  Em 27-8-2013 a Requerente efetuou o pagamento de €325.088,15 (liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e liquidação de juros de mora n.º 2013…) – Cfr doc 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral.

III.2 Factos não provados

Não ficou demonstrado:

- que não houvesse suportes fidedignos documentais para a mensuração das imparidades em inventários, lançadas como “gasto” nas subcontas 6521000 (“Perdas por imparidade em matérias primas” e 652300 (“Perdas por imparidade em produtos acabados”) pelos valores de €149.769,97 e €118.351,99, decorrentes da adoção na Requerente da stocktake valuation que recebe do departamento central da A… .

III.3 – Motivação

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº. 371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

No caso e para prova dos factos, foram tomados em conta, conjugados e analisados de forma crítica, os depoimentos[1] prestados por I…, engenheiro mecánico de formação, director geral e gerente da Requerente – que depôs na qualidade de parte – e pelas testemunhas arroladas pela Requerente, J…, funcionário da Requerente e responsável pelo controlo de qualidade e K…, economista e consultor fiscal dos quadros da empresa de auditoria “L…, SA”, com sede no Porto que presta serviços à Requerente no âmbito da fiscalidade. Estes depoimentos foram globalmente considerados credíveis e revelaram conhecimento, designadamente técnico, no âmbito das respetivas atividades e, concretamente, no que respetia à materia específica objeto dos autos.

Foram ainda relevantes para a formação da convicção do Tribunal quanto à prova, o processo administrativo instrutor e, em especial, o relatório dos serviços de Inspeção Tributária bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com as posições das partes espelhadas nos respetivos articulados e alegações.[2]

 

IV – O Direito

IV.1.   Questões a decidir

Em causa nos autos estão as correções efetuadas pela AT aos prejuízos fiscais do exercício de 2010 sintetizadas no seguinte quadro[3]

 

·         São concreta e igualmente questionadas as correções a que aludem os pontos III.1.2 [€96.708,14 –redébito de gastos decorrentes de garantias], III.1.4 [ €268.121,96 - imparidades ajustamentos em inventários] e III.1.5 [ 1.772.996,11 - regularizações/abates de inventários] e as consequentes liquidações adicionais de IRC [n.º 2013…, de 2 de maio de 2013 (compensação nº 2013 … – nula), relativa ao exercício de 2010(documento número 4) e liquidação adicional de IRC n.º 2013…, de 21 de junho de 2013 (compensação nº 2013 … - €325.088.15), relativa ao exercício de 2011, no valor de € 311.489,42 com a demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013…, no valor de € 12.459,57 e de juros de mora n.º 2013…, no valor de € 1.139,16, e a demonstração de acerto de contas n.º 2013…, de 21 de junho de 2013, de que resultou um saldo total a pagar de € 325.088,15 [compensação nº 2013…] (documento número 5) e cujo pagamento a Requerente efetuou em 27 de agosto de 2013 (documento número 6)].

           

            Assim e relativamente a cada uma das questionadas e descritas correções, está em análise apurar se as operações e respetivos lançamentos contabilísticos cumprem ou obedecem às regras impostas pelo CIRC conforme pretende a Requerente ou se, pelo contrário, as correções efetuadas pela AT se harmonizam com as normas técnicas previstas na Lei de molde a não enfermarem de violação da Lei os atos tributários em causa.

Mais concretamente: entendeu a Requerida que os gastos/correções efetuados pela Requerente e ora em causa [pontos III.1.2, III.1.4 e III.1.5 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT)] eram suportados por meros documentos internos, que não justificam nem evidenciam a causa e a natureza do montante, não constituindo um encargo devidamente documentado.

Por outro lado e segundo a Requerida, tais documentos não demonstram o cumprimento dos arts. 28º e 26º-4, ambos do CIRC, porquanto a Requerente registou até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção do inventários, detetando-se ainda que a Requerente não demonstra que os inventários estão registados ao menor dos valores, ou custo ou valor realizável líquido, nem demonstram qual o valor realizável líquido e se o mesmo cumpre o estabelecido no citado artigo 26º-4, do CIRC.

 

IV. 2 – Enquadramento

Assinale-se que os Tribunais não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes – é o que tem sido repetidamente afirmado, desde há muito, pela Jurisprudência [Cfr inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95 (rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40) e Ac do STA – 2ª Sec – de 23 Abr 97 (DR/Apêndice, de 9 Out 97, p. 1094), mas têm tão somente de apreciar e decidir as questões suscitadas pelas partes, para além das que sejam de conhecimento oficioso.

Vejamos então.

 

IV.3 - Considerações gerais

De modo a permitir o apuramento do lucro tributável segundo o conceito estabelecido no artigo 17º-1, do CIRC/2010[4], a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector de atividade, sem prejuízo das especificidades prevista no CIRC[5] e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo de modo a que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas a IRC possam claramente distinguir-se das restantes [Cfr nºs 3-a) e b), do CIRC].

Todos os lançamentos contabilísticos devem ser apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de apresentação sempre que necessário [123º-2/a), do CIRC].

Sobre a epígrafe “ Inventários”, correspondente à subsecçãoo II, da secção XII, do capítulo III, do CIRC, dispõe o artigo 26º - Inventários:

1 — Para efeitos da determinação do lucro tributável, os rendimentos e gastos dos inventários são os que resultam da aplicação de métodos que utilizem:

a) Custos de aquisição ou de produção;

b) Custos padrões apurados de acordo com técnicas contabilísticas adequadas;

c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro;

d) Preços de venda dos produtos colhidos de activos biológicos no momento da colheita, deduzidos dos custos estimados no ponto de venda, excluindo os de transporte e outros necessários para colocar os produtos no mercado;

e) Valorimetrias especiais para os inventários tidos por básicos ou normais.

2 — No caso de os inventários requererem um período superior a um ano para atingirem a sua condição de uso ou venda, incluem-se no custo de aquisição ou de produção os custos de empréstimos obtidos que lhes sejam directamente atribuíveis de acordo com a normalização contabilística especificamente aplicável.

3 — Sempre que a utilização de custos padrões conduza a desvios significativos, pode a Direcção-Geral dos Impostos efectuar as correcções adequadas, tendo em conta o campo de aplicação dos mesmos, o montante das vendas e dos inventários finais e o grau de rotação dos inventários.

4 — Consideram-se preços de venda os constantes de elementos oficiais ou os últimos que em condições normais tenham sido praticados pelo sujeito passivo ou ainda os que, no termo do período de tributação, forem correntes no mercado, desde que sejam considerados idóneos ou de controlo inequívoco.

5 — O método referido na alínea c) do n.º 1 só é aceite nos sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser apurado com razoável rigor, podendo a margem normal de lucro, nos casos de não ser facilmente determinável, ser substituída por uma dedução não superior a 20% do preço de venda.

6 — A utilização de valorimetrias especiais previstas na alínea e) do n.º 1 carece de autorização prévia da Direcção-Geral dos Impostos, solicitada em requerimento em que se indiquem os métodos a adoptar e as razões que os justificam.

 

Relativamente a ajustamentos em inventários dispõe o artigo 28º, do CIRC:

1 — São dedutíveis no apuramento do lucro tributável os ajustamentos em inventários reconhecidos no período de tributação até ao limite da diferença entre o custo de aquisição ou de produção dos inventários e o respectivo valor realizável líquido referido à data do balanço, quando este for inferior àquele.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por valor realizável líquido o preço de venda estimado no decurso normal da actividade do sujeito passivo nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, deduzido dos custos necessários de acabamento e venda.

3 - A reversão, parcial ou total, dos ajustamentos previstos no n.º 1 concorre para a formação do lucro tributável. (Rectificado pela Dec.Rectificação n.º 67-A/2009 - 11/09)

4 — Para os sujeitos passivos que exerçam a actividade editorial, o montante anual acumulado do ajustamento corresponde à perda de valor dos fundos editoriais constituídos por obras e elementos complementares, desde que tenham decorrido dois anos após a data da respectiva publicação, que para este efeito se considera coincidente com a data do depósito legal de cada edição.

5 — A desvalorização dos fundos editoriais deve ser avaliada com base nos elementos constantes dos registos que evidenciem o movimento das obras incluídas nos fundos.

 

IV. 4 –  Os factos e sua subsunção

Segundo a Requerida (AT), os documentos de suporte apresentados pela Requerente não reuniam os requisitos estabelecidos, na alínea a) do nº 2 do art.º 123º, do CIRC.

Não vemos que assim seja na medida em que os factos provados revelam que  o valor dos ajustamentos em inventários, efetuados pela Requerente e suportados apenas por documentação interna, foi calculado de forma idónea, tendo em linha de conta as especificidades do mercado em que opera a Requerente, sendo que em parte alguma a Lei exlui, expressa ou tacitamente, prova documental interna, desde que a mesma seja convincente e idónea e quiçá acompanhada de outros meios de prova que a consolidem e tornem credível. Em resumo ou síntese: os documentos cumprem os requisitos formais exigíveis para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º, ambos do CIRC (devida documentação dos encargos).

Por outro lado, a Requerente não tinha forma efetiva de tomar conhecimento, em 2007, da reclamação efetuada pela C… junto da B… (cfr supra, in “factos provados”, pontos 13. e 14.)  e os montantes inscritos contabilisticamente a título de abates resultaram, efetivamente, dos desperdícios originados pelo projeto spindle e foram destinados à sucata na falta de qualquer outra alternativa pelas razões que transparecem dos factos provados (cfr supra, “factos provados”, pontos 22. a 24).

Assinale-se que as quebras extraordinárias de existências por depreciação do seu valor, ajustamentos ou abates, são perdas comprovadamente indispensáveis à manutenção da fonte produtora e são, portanto custos com efeitos fiscais, nos termos do art.23° do CIRC.

Razão por que a aceitação fiscal das perdas resultantes de abate, ajustamentos ou regularizações de existências devidamente relevado na contabilidade, não depende da observância de quaisquer formalidades legais, designadamente quanto à forma ou natureza do documento que serve de suporte aos respetivos lançamentos [a exigência legal é apenas de documento justificativo sem precisar a sua origem ou natureza – cfr artigo 123º/2/a), do CIRC]

 

IV.5 - Desenvolvendo a questão das imparidades:

A expressão “perda por imparidade”, foi introduzida pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

O conceito encontra-se regulado, de uma forma geral, na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 12 (NCRF 12) - Imparidade de Ativos, a qual tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 36 - Imparidade de Ativos, adotada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de Novembro. Tem correspondência com a expressão inglesa “impairment”, e foi inspirada pelas normas internacionais de contabilidade (IAS/IFRS) emitidas pelo IASB.

O termo “imparidade”, embora existindo nos dicionários de português, não fazia parte da linguagem contabilística divulgada.

Define-se “perda por imparidade” como o excedente da quantia escriturada (contabilizada) de um ativo, ou de uma unidade geradora de caixa, em relação à sua quantia recuperável.

A NCRF 12 - Imparidade de Ativos, tem como objetivo prescrever os procedimentos que uma entidade deve aplicar para assegurar que os seus ativos sejam escriturados por não mais do que a sua quantia recuperável. Um ativo é escriturado por mais do que a sua quantia recuperável, se a sua quantia escriturada exceder a quantia a ser recuperada através do uso ou venda do mesmo. Se este for o caso, o ativo é descrito como estando com imparidade e a Norma exige que a entidade reconheça uma perda por imparidade. A Norma também especifica as circunstâncias em que uma entidade deve reverter uma perda por imparidade e prescreve divulgações.

No entanto contempla diferentes soluções quando da aplicação na contabilização da imparidade de ativos, designadamente as identificadas no seu §2, entre as quais e designadamente as que respeitam a Inventários (NCRF 18) e a Dívidas a receber (NCRF 27).

As imparidades nos inventários, são uma das exceções de tratamento da NCRF 12 - Imparidade de Ativos, sendo esta problemática tratada na NCRF 18 - Inventários.

A prática de reduzir o custo dos inventários (write down) para o valor realizável líquido é consistente com o ponto de vista de que os ativos não devem ser escriturados por quantias superiores àquelas que previsivelmente resultariam da sua venda ou uso.

Os inventários são geralmente reduzidos para o seu valor realizável líquido item a item, podendo, em algumas circunstâncias, ser apropriado agrupar unidades semelhantes ou relacionadas.

As perdas por imparidade em inventários são calculadas pela diferença entre o custo de compra, ou de produção, e o seu valor realizável líquido, quando este é mais baixo.

O custo dos inventários pode não ser recuperável se esses inventários estiverem danificados (pode afirmar-se que será este o caso dos autos), se se tornarem parcial ou totalmente obsoletos ou se os seus preços de venda tiverem diminuído. O custo dos inventários pode também não ser recuperável se os custos estimados de acabamento ou os custos estimados a serem incorridos para realizar a venda tiverem aumentado.

Posto isto, o problema reside, então, em determinar o valor realizável líquido, i.e., em definir as condições do seu cálculo.

De acordo com os §§ 30 e 31 da NCRF 18 - Inventários, as estimativas do valor realizável líquido que se espera que os inventários venham a realizar, devem ser baseadas nas provas mais fiáveis disponíveis, no momento em que sejam feitas as estimativas. Estas estimativas devem tomar em consideração as variações nos preços ou custos diretamente relacionados com acontecimentos que ocorram após o fim do período, na medida em que tais acontecimentos confirmem condições já existentes no fim do período.

As estimativas do valor realizável líquido devem também tomar em consideração a finalidade pela qual é detido o inventário.

No final de cada período de relato, o valor realizável líquido deve ser reavaliado e, quando as circunstâncias que anteriormente resultaram em ajustamento ao valor dos inventários deixarem de existir, ou quando houver uma clara evidência de um aumento no valor realizável líquido devido à alteração nas circunstâncias económicas, a quantia do ajustamento deve ser revertida, de modo que a nova quantia escriturada seja o valor mais baixo do custo e do valor realizável líquido revisto.

Assim é que, à luz das regras contabilísticas, as empresas em geral, e o sector automóvel em particular, devem mensurar, de forma permanente, os inventários existentes pela menor de duas grandezas: o seu custo de aquisição ou o seu valor realizável líquido. A todo o momento é efetuado o exercício de saber se os inventários (i) são vendáveis e, em caso afirmativo, (ii) por que valor, de forma a evitar que o valor dos inventários, e consequentemente do balanço, esteja sobreavaliado. Do exercício de avaliação permanente do valor realizável líquido dos inventários existentes pode resultar o lançamento contabilístico de ajustamentos negativos (as sobreditas imparidades) ao valor dos inventários, sempre que o custo histórico é superior ao valor realizável líquido, ou seja, nos casos em que as empresas não poderão – previsivelmente – recuperar com a venda dos inventários o montante que pagaram aquando da sua aquisição.

 O problema, no caso concreto, está na determinação e comprovação do valor realizável líquido.

Segundo a Requerente (cfr alegações), “os valores considerados para efeitos dos ajustamentos são referenciados pelos serviços centrais do Grupo, uma vez que se trata do departamento responsável pelo concurso e negociação da carteira de encomendas junto dos OEM, conforme explicou o gerente da Requerente nas declarações de parte. Com efeito, e com especial destaque para o sector automóvel, a mensuração do valor realizável líquido dos inventários e a consequente mensuração de uma imparidade apenas pode ser determinada através de um processo interno de avaliação, uma vez que as componentes automóveis são destinadas a um específico OEM e a uma concreta série automóvel. (…) Em qualquer sector de atividade, em qualquer Empresa, o registo contabilístico (“lançamento”) de uma imparidade em inventários não pode senão resultar de uma decisão de gestão interna das Empresas, pois só estas podem aferir, em cada momento, se o valor realizável líquido dos inventários (i.e., o seu valor recuperável) se revela inferior ao montante pelo qual estes estão contabilizados – o que deverá determinar o lançamento de uma imparidade pela diferença. Tratando-se, inequivocamente, de uma decisão de gestão interna das Empresas, o lançamento de uma imparidade em inventários não pode ser suportada por outros documentos que não documentos internos.

Acresce ainda que, no caso vertente, o lançamento contabilístico do ajustamento foi auditado pelo Revisor Oficial de Contas da Requerente, entidade que desempenha as funções em regime de completa independência funcional e hierárquica. Na sequência do exercício das suas funções dotadas de fé pública, o Revisor Oficial de Contas emitiu uma Certificação Legal das Contas sobre as demonstrações financeiras da Requerente, não tendo expresso quaisquer reservas relativamente aos ajustamentos efetuados pela Requerente no exercício de 2010.       Atendendo ao acima exposto, a Requerente sujeitou tais imparidades ao regime fiscal concretamente previsto no artigo 28.º (1) (3) do Código do IRC. Como tal, a Requerente não tributou os ajustamentos em inventários no momento da respetiva constituição (2010). No entanto, acabou por tributá-las aquando da reversão desses ajustamentos nos exercícios posteriores (2011, 2012, 2013 e 2014) – i.e., aquando do respetivo abate ou da introdução desses inventários no processo produtivo de cada OEM. Do exposto decorre que a tributação dos ajustamentos em inventários no momento da respetiva constituição (como pretende a Requerida) iria conduzir a uma dupla tributação da Requerente: uma, aquando da sua constituição e outra, no momento da reversão do ajustamento, o que se revela inadmissível por força do disposto no artigo 104.º (2) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4.º (1) da Lei Geral Tributária.”

Por sua vez, alega a Requerida:

 “(…)Retira-se que o registo das perdas por imparidade nos inventários (os  ajustamentos de inventários) depende da identificação das causas que contribuem para  a  verificação  de  uma perda de valor e de um processo de quantificação da perda através de estimativas do valor realizável líquido, ou, como afirma J.A. PINHEIRO PINTO, “…Os problemas que se antecipam em relação aos ajustamentos de inventários – porque já existiam relativamente às provisões para depreciação de existências – decorrem da prova quanto aos preços de mercado “. Daí que devem, em primeiro lugar, ser identificadas os acontecimentos ou circunstâncias económicas ou de mercado suscetíveis de justificar a desvalorização dos inventários e, em segundo lugar, determinar o indicador/preço que, no caso das matérias-primas, será o preço de reposição, que melhor traduza uma estimativa razoável do valor realizável líquido e a quantia do ajustamento a reconhecer como gasto. (…) A comprovação dos ajustamentos é feita com documentos cujo conteúdo deve proporcionar informação clara sobre a origem, natureza, estimativas dos preços tidos como relevantes e quantificação dos ajustamentos em inventário.      Daí que tenha merecido ao legislador a sua inscrição no Código do IRC, na alínea b) do n.º 2 do art.º 123.º, a par da exigência feita no n.º 1 do art.º 23.º, de que os gastos dedutíveis devem ser comprovados.

A Requerente apresentou um documento intitulado “stocktake valuation”, tendo sido considerado pela entidade Requerida que tal documento não cumpre os requisitos formais para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º ambos do CIRC. A respeito da documentação que suporta o registo dos ajustamentos em inventários ora contestados, a Requerente, nos pontos 53.º a 61.º do pedido de pronúncia arbitral, manifesta espanto com tal  exigência, argumentando que “o registo contabilístico (“lançamento”) de uma provisão /lançamento em inventários, advém de uma decisão de gestão interna das Empresas, que não pode ser suportada por outros documentos para além de documentos internos”, tendo tal facto sido igualmente corroborado pelas testemunhas em sede de inquirição.

Mas então, perguntar-se-á, será que o ónus de prova variará em função do escopo societário perseguido pelos sujeitos passivos? Ou será que em função de determinado objeto social, as regras contidas nas normas contabilísticas e fiscais são afastadas do âmbito da sua aplicação? Mais:  de que modo é compaginável, sob pena de violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, exigir a um determinado sujeito passivo – de acordo com  as normas contabilísticas e fiscais estatuídas na lei – o cumprimento dos requisitos estatuídos no disposto no n.º 1 do art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º ambos do CIRC, relativamente aos ajustamentos em inventários, através de documentos externos e aceitar à Requerente a demonstração de tais ajustamento com meros documentos internos, sob a capa da especificidade do sector automóvel? E atendendo ao ideário argumentativo firmado pela Requerente, de que modo tal comprovação aos ajustamentos em inventários, não poderá ser extensível a outras áreas de mercado igualmente complexas, como a indústria farmacêutica, de tecnologia de ponta, etc?

Efetivamente, a prova dos ajustamentos em inventários nunca poderá – sob pena de contrária à lei [n.º 1 do art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do art.º 45.º ambos do CIRC], e aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – ser efetuada através de um mero documento interno, como o fez a Requerente. E muito menos é lícito alegar que tendo em conta a especificidade do mercado automóvel e do grupo de empresas em que se insere a Requerente, tal prova apenas poderia ser efetuada através de mero documento interno, pois, sendo certo que as estimativas do valor realizável líquido e o cálculo da quantia dos ajustamentos tenham de ser feitas em documentos internos, criados na própria empresa, é inegável que devem ser apoiadas em documentos externos, in casu, faturas de compras (matérias-primas), faturas de vendas (produtos acabados), contratos, estimativas sobre custos de acabamento e venda, ou outros elementos idóneos suscetíveis de justificar quer a necessidade do reconhecimento dos gastos com os ajustamentos em inventários quer o seu quantitativo, quer dar a conhecer os eventos e as circunstâncias suscetíveis de determinar o apuramento de uma perda de valor potencial nos inventários.”

 

Adiante-se, desde já, que não se sufraga este entendimento da AT.

Mas vejamos cada uma das correções em causa.

 

IV.6 - Quanto aos ajustamentos/imparidades em inventários - € 268.121,916

Por um lado e como anteriormente se afirmou e ora se reafirma, não se descortina na Lei a exclusão, para fins documentais probatários previstos no artigo 123º-2/a), do CIRC [“(…)todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário (…)”] de documentos internos do sujeito passivo, especialmente quando se reconheça a impossibilidade de documentação for a do âmbito interno do contribuinte sem prejuízo do direito da Autoridade Tributária e Aduaneira e explicações e/ou documentos complementares em caso de dúvida sobre a real causa das imparidades e o critério usado para os ajustamentos, regularização ou abates em inventários.

Concretizando melhor: os ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões, estão tão somente sujeitos a prova documental segundo as regras gerais legais desse tipo de prova, sem prejuízo de especificidades – Cfr artigos 362º e seguintes do Código Civil.

Assim, no caso de ser exigida prova documental escrita [e, como é sabido, a noção de documento, não se reduz a um escrito – Cfr artigo 362º, do Código Civil], aquela (prova documental) não pode ser substituída por outro meio de prova a menos que este tenha valor probatório superior (art 364º-1, do Código Civil).

Ou seja, e abreviando, por desnecessidade, o desenvolvimento destes e/ou outros argumentos: no caso concreto existe a exigência legal de documento justificativo, exigência que a Requerente cumpriu, sendo certo que, na circunstância, não se antevê (nem tal é alegado) qual a prova documental alternativa para melhor justificação daqueles lançamentos contabilísticos.

Por outro lado e questão diferente da exigência de documento, é a de saber da idoneidade ou força probatória desse documento (cfr artigo 376º, do Código Civil).

Questão que se reconduz à impugnação, nos termos legais, do documento e da realidade documentada (Cfr., v. g., artigos 423º e seguintes do Cód de ProcessoCivil).

No caso, o que é impugnado pela AT não é, obviamente, a autoria do documento e o aí documentado.

Na verdade, o que é contestado é de ordem meramente formal e tem a ver essencialmente com a sobredita questão da invocada inadmissibilidade de documento interno do sujeito passivo para comprovar as perdas por imparidades e os consequentes lançamentos contabilísticos, ou seja, se ele é ou não, na circunstância concreta, justificativo de tais lançamentos.

Nos termos do disposto no n.º1 do art.º75.º, da Lei Geral Tributária, “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

Decorre do exposto que as obrigações acessórias do sujeito passivo, que o n.º2 do art.º31.º, da LGT define como “…as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente, a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações”, são unicamente as decorrentes da lei, não podendo ser aditadas outras obrigações, designadamente a de apresentação de documentos externos para comprovar lançamentos contabilísticos para os quais a exigência legal se reconduz apenas e genericamente a documento justificativo.

Ora se for entendido pela AT que o documento oferece dúvidas ou não é, aparentemente, justificativo, a via a seguir terá de ser necessariamente alguma das elencadas no citado artigo 31º, da LGT, com vista ao apuramento da obrigação de imposto.

No mesmo sentido, dispõe o n.º 4 do art.º 59.º, da LGT, que “a colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei…”.

Note-se que, in casu, resulta do probatório, não ter ficado demonstrado que não houvesse “(...)suportes fidedignos documentais para a mensuração das imparidades em inventários, lançadas como “gasto” nas subcontas 6521000 (“Perdas por imparidade em matérias primas” e 652300 (“Perdas por imparidade em produtos acabados”) pelos valores de €149.769,97 e €118.351,99, decorrentes da adoção na Requerente da stocktake valuation que recebe do departamento central da D… (..)”.

Assinale-se ainda  incidentalmente que as perdas por imparidade  traduzidas  pelos  ajustamentos  de inventários são calculadas, relativamente a matérias-primas e a produtos acabados, e dentro de cada grupo, elemento a elemento; daí que  as eventuais correções a efetuar nas reversões, em 2011 e anos subsequentes, não poderiam  ser desencadeadas de forma automática, porque se tornava necessário identificar os bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação.

Daí que as correções oficiosas que a Requerente propugna não poderiam de todo ser feitas automaticamente sendo sempre necessário a identificação dos bens a que concretamente respeitam as reversões, as   suas origens e os anos em que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação.

Sintetizando: os documentos em que se fundaram os lançamentos contabilísticos em causa, conjugados com os demais elementos apurados, permitem concluir pelo cumprimento pela Requerente do disposto nos artigos 23º-1, 45º-1/g e 123º-2/a), do CIRC e, consequentemente, pela ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2013…, respeitante ao exercício de 2010, e de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e liquidação de juros de mora n.º 2013…, todos referentes ao exercício   de 2011.

 Por outro lado, não poderá deixar de se concluir que a Requerente logrou demonstrar os factos relevantes para a decisão do mérito da causa, designadamente, e em síntese, que o valor dos ajustamentos em inventários, efetuados pela Requerente, e suportados apenas por documentação interna, foi calculado de forma idónea e sem violação das regras técnicas previstas no CIRC, tendo em linha de conta as especificidades do mercado em que opera a Requerente.

Assim, os sobreditos ajustamentos em inventários no montante de € 268.121,96, cumprem os requisitos estabelecidos, na alínea a) do n.º 2 do art.º 123.º do CIRC, encontrando-se o gasto suportado por documento que, conjugado com as explicações dadas pela Requerente e demais meios de prova, justifica ou evidencia a causa e a natureza desse montante, constituindo assim um encargo devidamente documentado.

 Todo o acervo documental apresentado pela Requerente, conjugado com os depoimentos prestados perante este Tribunal em audiência, demonstram, reafirma-se, o cumprimento do art.º 28.º e do n.º 4 do art.º 26.º ambos do CIRC, além de que seria sempre ónus probatório da  Autoridade Tributária e Aduaneira – no caso, não conseguido -  a demonstração desses factos constitutivos do direito à liquidação (cfr artigo 74º-1, da LGT), ou seja,  a incorreção da fixação dos valores contabilísticos lançados pela Requerente na sua contabilidade.

 

IV. 7 - As regularizações/abates de inventários - €1.772.996,11

Ficou demonstrado (cfr supra, “factos provados” 17. e seguintes) que foram problemas diversos de (falta de) qualidade que levaram à rejeição e abate de um conjunto de enorme de peças (o denominado “spindle”) exclusivas para determinados modelos de automóveis de gama alta, com remessa para sucata na falta de qualquer outra alternativa dada a especificidade e exclusividade desses materiais, tornados automaticamente inutilizáveis por deficiência construtiva ou de projeto.

Obviamente que será indicutível – e não é claramente, pelo menos -  discutida pela AT a indispensabilidade do gasto para efeitos de manutenção da fonte produtora (cfr. artigo 23º, do CIRC).

Para além de documento interno [cfr anexo VI, ao RIT], a Requerente apresentou à AT outros elementos, designadamente o registo na plataforma SIRAPA [Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente – Mapa integrado do registo de resíduos (Cfr.  processo administrativo)] e os depoimentos de parte e testemunhais comprovaram a sobredita realidade.

 

IV.8 – Redébito de gastos decorrentes de garantias - €96.708,14

A correção emerge dos factos provados em 9. e seguintes (Cfr supra, “factos provados”).

Certo que o valor mencionado (nota de débito nº 2007…) espelha os custos de reparação respeitantes ao periodo compreendido entre 2005-10-01 e 2006-12-31.

Todavia, dados os procedimentos do Grupo G… (10. e seguintes dos “factos provados”), só muito tarde chega o resultado da reclamação à concreta unidade produtiva do Grupo.

Neste caso concreto, foi efetuada a reclamação em 2007 junto do Departamento Central do Grupo G… (denominado “B…”) e após diversos procedimentos, é reconhecida a justeza dessa reclamação pela B… em 2010, sendo só nesta altura que é informada a Requerente do provimento dessa reclamação e do valor da responsabilidade que lhe foi imputado e que, naturalmente, registou contabilisticamente no ano de 2010 (14. e 15., dos “factos provados”).

Estando comprovado que a Requerente apenas tomou conhecimento, em 2010, da reclamação efetuada pela C… e que veio a dar origem ao débito em causa e ao seu registo também no ano de 2010, resulta evidente que nenhuma censura, maxime de natureza técnico-fiscal poderá ser-lhe imputada, não subsistindo fundamento legal para a liquidação adicional de IRC fundamentada na correção ou desconsideração desse débito no exercício de 2010

 

V. SOBRE O PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O processo de impugnação judicial ou arbitral admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, conforme resulta do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Ora, a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Requerida, visto que o praticou sem suporte legal.

Procede, pois, o pedido de juros indemnizatórios, à taxa calculada de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 4, da LGT.   

VI. DECISÃO

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

a) Julgar procedente o pedido, anulando-se parcialmente conforme pedido, por violação da lei em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o ato tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, referente ao exercício de 2010, ordenando a sua anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais;

b)  Julgar procedente o pedido e declarar ilegal, por violação da lei, em virtude de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, os atos tributários de liquidação adicional de IRC n.º 2013…, liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … e liquidação de juros de mora n.º 2013…, todos referentes ao exercício de 2011, ordenando a sua anulação na parte em que foi desconsiderado o montante de € 2.137.826,21 a título de prejuízos fiscais dedutíveis conforme pedido;

c) Condena-se a Requerida (Autoridade Tributária e Aduaneira) a restituir à Requerente o imposto pago em resultado da anulação parcial da liquidação nos termos mencionados em a) e b), restituição essa acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal nos termos anteriormente expostos sobre o excesso liquidado e pago pela Requerente desde a data desse pagamento (27-8-2013) até à data de emissão da respetiva nota de crédito;

d) Julga-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos autos e

e) Condena-se a Requerida no pagamento das custas.

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 331.218,87, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. Taxa de arbitragem

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.814,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que a Requerente obteve deferimento integral do pedido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

  • Notifique-se.

Lisboa, 2 de outubro de 2016

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

 

Paulo Jorge Nogueira da Costa

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

Luís M. S. Oliveira (Vencido, em conformidade com o voto infra.

 

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO: Votei contra a decisão na parte que se refere à desconsideração fiscal do gasto referente a ajustamentos em inventários, no valor de € 268.121,96. Não acompanho a corrente que fez vencimento na avaliação de que não ficou provado que não houvesse suportes fidedignos documentais para a mensuração das imparidades em inventários, lançadas como “gasto” nas subcontas 6521000 (“Perdas por imparidade em matérias primas” e 652300 (“Perdas por imparidade em produtos acabados”) pelos valores de €149.769,97 e €118.351,99, decorrentes da adoção na Requerente da stocktake valuation que recebe do departamento central da A… .

Pelo contrário, eu entendo, com a Requerida Administração Tributária, que os documentos de suporte apresentados – listagens com cabeçalhos, referências e valores, mais um “Stocktake valuation – Preparation” – não reúnem os requisitos que se devem ter por mínimos, perante a lei, para se concluir que fazem prova bastante das imparidades registadas pela Requerida. Concordo que a questão decidenda não se reconduz à mera verficação de que se trata de documentos internos para daí partir para a sua desconsideração como meio probatório bastante, pois situações existem em que documentos com esta origem se devem ter por suficientes para efeitos tributários, mas entendo que a Requerente não logrou aportar qualquer evidência, ténue que fosse, da causa e da natureza do valor das imparidades, pelo que considero que se mostra infundamentado e insindicável ter a Requerida fixado, com base em tais documentos internos, que determinados inventários sofreram uma desvalorização de x ou y% que a própria Requerida entendesse fixar como sendo o VRL no fim do período.

Nas suas alegações, a Requerente afirma que “ditam as regras contabilísticas que as empresas em geral, e o setor automóvel em particular, devem mensurar, de forma permanente, os inventários existentes pela menor de duas grandezas: o seu custo de aquisição ou o seu VRL. A todo o momento é efetuado o exercício de saber se os inventários (i) são vendáveis e, em caso afirmativo, (ii) por que valor, de forma a evitar que o valor dos inventários, e consequentemente do balanço, esteja sobreavaliado. Do exercício de avaliação permanente do VRL dos inventários existentes pode resultar o lançamento contabilístico de ajustamentos negativos (imparidades) ao valor dos inventários, sempre que o custo histórico é superior ao VRL, ou seja, nos casos em que as empresas não poderão – previsivelmente – recuperar com a venda dos inventários o montante que pagaram quando da sua aquisição.”

Porém, o problema, entendo eu, está precisamente na determinação e na comprovação mínima da quantificação do VRL. Ainda segundo as alegações da Requerente: “os valores considerados para efeitos dos ajustamentos são referenciados pelos serviços centrais do Grupo, uma vez que se trata do departamento responsável pelo concurso e negociação da carteira de encomendas junto dos OEM, conforme explicou o gerente da Requerente nas declarações de parte. Com efeito, e com especial destaque para o setor automóvel, a mensuração do VRL dos inventários e a consequente mensuração de uma imparidade apenas pode ser determinada através de um processo interno de avaliação, uma vez que as componentes automóveis são destinadas a um específico OEM e a uma concreta série automóvel. (…) Tratando-se, inequivocamente, de uma decisão de gestão interna das Empresas, o lançamento de uma imparidade em inventários não pode ser suportada por outros documentos que não documentos internos.”

Acompanho, quanto a este ponto, a Requerida Autoridade Tributária: “Mas então, perguntar-se-á, será que o ónus de prova variará em função do escopo societário perseguido pelos sujeitos passivos? Ou será que em função de determinado objeto social, as regras contidas nas normas contabilísticas e fiscais são afastadas do âmbito da sua aplicação? Mais, de que modo é compaginável sob pena de violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, exigir a um determinado sujeito passivo – de acordo com  as normas contabilísticas e fiscais estatuídas na lei – o cumprimento dos requisitos estatuídos no disposto no n.º 1 do Art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do Art.º 45.º ambos do CIRC relativamente aos ajustamentos em inventários, através de documentos externos e aceitar à Requerente a demonstração de tais ajustamentos com meros documentos internos, sob a capa da especificidade do sector automóvel?(…) Efetivamente, a prova dos ajustamentos em inventários nunca poderá – sob pena de contrária à lei, n.º 1 do Art.º 23.º e alínea g) do n.º 1 do Art.º 45.º ambos do CIRC, e aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – ser efetuada através de um mero documento interno, como o fez a Requerente. E muito menos é lícito alegar que tendo em conta a especificidade do mercado automóvel e do grupo de empresas em que se insere a Requerente, tal prova apenas poderia ser efetuada através de mero documento interno, pois, sendo certo que as estimativas do VRL e o cálculo da quantia dos ajustamentos tenham de ser feitas em documentos internos, criados na própria empresa, é inegável que devem ser apoiadas em documentos externos, in casu, faturas de compras (matérias-primas), faturas de vendas (produtos acabados), contratos, estimativas sobre custos de acabamento e venda, ou outros elementos idóneos suscetíveis de justificar quer a necessidade do reconhecimento dos gastos com os ajustamentos em inventários quer o seu quantitativo, quer dar a conhecer os eventos e as circunstâncias suscetíveis de determinar o apuramento de uma perda de valor potencial nos inventários.”

Aliás, nas declarações de parte produzidas pelo gerente da Requerente Eng. I… o mesmo, perguntado sobre como se quantificam as perdas em inventários, respondeu que é pelos valores indicados pelo departamento central da A…, o qual faz o cálculo com base no histórico ‘corporate’, e acrescentou que, excetuando o caso do spindle, as imparidades não se têm de facto verificado e vão sendo revertidas nos anos seguintes. Perguntado especificamente ‘porquê então o reconhecimento destas imparidades?’ respondeu: ‘eu mesmo tenho dificuldade em entender’.

Portanto, eu entendo que não foi feita prova de qualquer suporte fidedigno para a existência efetiva de um VRL inferior ao custo histório (“as imparidades não se têm de facto verificado e vão sendo revertidas nos anos seguintes”), nem, como é bem de ver, da mensuração das imparidades em inventários que decorre da adoção na Requerente dos critérios do departamento central da A… . Aliás, tais imparidades nem se têm de facto verificado, salvo quando da produção do spindle, o que concorre para me criar a convicção de falta de bases e de credibilidade que preencham os requisitos da lei fiscal portuguesa para a respetiva dedutibilidade.

Em segundo lugar, segundo a Requerente, nas suas alegações, os ajustamentos em inventários foram validados por uma entidade independente e apenas podiam ser suportados por documentação interna, não sendo exigida documentação externa. Porém, a entidade independente referida é o revisor oficial de contas, o qual não valida propriamente o valor dos ajustamentos, antes se limitando a certificar, quando o faz sem reservas, que as demonstrações financeiras representam – dentro dos critérios de ‘materialidade’ relevantes para cada entidade cujas contas são auditadas – uma true and fair view da respetiva situação patrimonial e financeira. Basta, de resto, considerar que um valor de ajustamentos que esteja abaixo do limiar de ‘materialidade’ não carece de ser objeto de ‘validação’ e não obsta a uma certificação sem reservas, o que é correto do ponto de vista da certificação mas está totalmente arredado da ordem jurídico-tributária.

A testemunha da Requerida Dr. K…, revisor oficial de contas, afirmou no seu depoimento que há uma reavaliação constante dos stocks, com ajustamentos ao respetivo VRL, que a estimativa é feita pelos serviços centrais da A…, e que a especificidade do setor torna quase precisa uma ‘bola de cristal’ para se ver qual o VRL. Perante esta – exatíssima ilustração da realidade – como pode entender-se que a Requerida fez prova bastante das imparidades que registou?

Em terceiro lugar, é certo que estamos perante uma questão estruturalmente temporal, uma vez que as imparidades se revertem quando da venda dos produtos, porque a margem é maior. Porém, esta temporalidade da incidência da questão de modo algum a neutraliza para efeitos tributários. Não faria esse juízo em relação à concreta Requerida, mas é bem de ver que uma gestão inteligente do “reconhecimento” de imparidades pela gestão do sujeito passivo pode ser um instrumento de planeamento fiscal, entre anos com lucro e anos com prejuízo, por exemplo, que se teria que ter por abusivo, se não mesmo fraudulento. Daí que o juízo sobre a suficiência de meros documentos internos onde se afirma que houve uma imparidade de x ou y% careça de grande ponderação. A questão da reversão das imparidades quando da venda dos produtos pode comportar, inversamente, riscos de dupla tributação, aliás, alegados pela Requerente, que alega que não tributou os ajustamentos em inventário suportados no momento da respetiva constituição, vindo a tributar as reversões desses ajustamentos nos exercícios posteriores (2011, 2012, 2013 e 2014), conforme propugna o artigo 28º do Código do IRC.

Porém, como bem refere a Requerida Admninistração Tributária, “tendo presente que as reversões dos ajustamentos em inventários podem ser determinadas por abate, venda, ou (cf., n.º 33 da NCRF) ou quando as circunstâncias que anteriormente resultaram em ajustamento ao valor dos inventários deixarem de existir ou quando houver uma clara evidência de um aumento no valor realizável líquido devido à alteração nas circunstâncias económicas inicialmente consideradas, a não dedutibilidade dos ajustamentos de inventários contabilizados em 2010, implicará que as reversões que concorreram para o cálculo do lucro tributável dos exercícios subsequentes, sejam subtraídas à tributação, tornando-se necessário estabelecer a necessária correspondência entre as quantias corrigidas em 2010 e as quantias e origem das reversões contabilizadas em 2011 e exercícios seguintes. (…) Assim, tendo presente que as perdas por imparidade traduzidas pelos ajustamentos de inventários são calculadas, relativamente a Matérias-Primas e a Produtos Acabados, e dentro de cada grupo, elemento a elemento, as eventuais correções a efetuar nas reversões, em 2011 e anos subsequentes, não podem ser desencadeadas de forma automática, porque se torna necessário identificar os bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação. Daí que – para além das exceções invocadas quanto ao pedido formulado –, as correções oficiosas que a Requerente propugna não podem de todo ser feitas automaticamente sendo sempre necessário a identificação os bens a que concretamente respeitam as reversões, as suas origens e os anos em que foram contabilizadas, em ordem a apurar quando é que existe duplicação de tributação.”

 

 

Luís M.S. Oliveira

 



[1] Todos os depoimentos foram registados em sistema sonoro e arquivados.

[2] Infra, na apreciação do mérito do pedido, se voltará ainda a esta matéria.

3

[3]

[4] As referencias a normas do CIRC sem qualquer outra especificação respeitam a esse compêndio normativo com a redação vigente em 2010 e 2011.

[5] Cfr., v. g., o artigo 123º, do CIRC.