Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 164/2016-T
Data da decisão: 2016-09-14  IMT Selo  
Valor do pedido: € 33.396,74
Tema: IMT e IS - Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.A…, S. A., na qualidade de gestora do B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional, contribuinte n.º…, com sede na Avenida …, n.º … –…, …– … Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 16/03/2016, pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita que se declare a nulidade das liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), com o n.º … e de Imposto do Selo, com o n.º…, ou, subsidiarimente, a sua anulação e o reembolso dos montantes de imposto pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.

 

1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 10/05/2016 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.

 

1.3.No dia 01/06/2016 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 01/06/2016 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).

 

1.5.Em 30/06/2016 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual pugna pela improcedência de todos os pedidos formulados pela Requerente.

 

 

1.6.O tribunal em 10/07/2016 decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu 10 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou prazo limite para proferir a decisão arbitral.

 

1.7.A Requerente apresentou as suas alegações finais escritas no dia 22/08/2016 e juntou aos autos um parecer jurídico e um documento, mantendo, a final, integralmente a posição vertida no seu pedido de pronúncia arbitral.

 

1.8.A Requerida juntou aos autos em 05/09/2016 as suas alegações finais, pugnando pela improcedência de todos os pedidos e invocando de forma inovadora a incompetência do tribunal arbitral e a sua ilegitimidade passiva.

 

1.9.Consequentemente, o tribunal, com a habilitação normativa descrita no art. 16.º, al. a) e c) do RJAT determinou que a Requerente, querendo, se pronunciasse acerca das excepções invocadas e a Requerida quanto ao documento apresentado com as alegações da Requerente.

 

1.10.        A Requerida apresentou resposta ao convite do tribunal em 07/09/2016.

 

1.11.        A Requerente pronunciou-se pela improcedência das excepções dilatórias em 13/09/2016.

 

 

 

2.      OBJECTO DOS AUTOS

 

A Requerente começa por alegar que, em resultado da alteração legislativa empreendida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a liquidação de IMT e de Imposto do Selo emergente da alienação pelo Fundo B… do prédio objecto destes autos, tendo sido liquidados € 29 357,47 a título de IMT e € 4 039,27 a título de Imposto do Selo.

            Subsequentemente, invoca a ilegalidade das liquidações, visto que aplicam uma norma inconstitucional, o que conduz à sua nulidade, ou, caso assim não se entenda, à sua anulabilidade. Para justificar esse pedido alega que, com o ingresso do prédio no património da Requerente, as isenções de IMT e de Imposto do Selo, previstas no art. 8.º, n.º 7, al. a) e n.º 8 do regime jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídica, porquanto, à data da aquisição, não estavam condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias, nem a qualquer regime de caducidade.

            Por isso, acrescenta que as liquidações aplicam norma inconstitucional, o art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que viola o princípio da não retroactividade da lei fiscal, previsto no art. 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), visto que, cria um regime de caducidade das isenções previstas no art. 8.º, n.º 7, al. a) e n.º 8 do regime jurídico dos FIAAH e não uma densificação de um critério anteriormente previsto.

Termina peticionando a condenação da Requerida no reembolso das quantias de imposto pagas, acrescidas de juros indemnizatórios.

A Requerida, na sua resposta, defende-se por impugnação, quando afirma que o princípio da legalidade a que a Administração se encontra vinculada veda aos órgãos e agentes administrativos a possibilidade de não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.

Mais acrescenta que o prédio objecto destes autos integrava o património do Fundo à data da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro e que foi a aqui Requerente que solicitou à AT as liquidações de IMT e de Imposto do Selo na medida em que o alienou a terceiros e assim conferiu-lhe um destino diferente daquele que era suposto, o arrendamento habitacional.

Em terceiro lugar sustenta que, por via de regra, a consequência que resulta da invalidade dos actos é a anulabilidade, só ocorrendo a nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma. Neste âmbito observa, ainda que existisse a violação do art. 103.º da CRP, como defende a Requerente, os actos impugnados apenas seriam anulados e não declarados nulos.

Acrescenta igualmente que o art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro não estabeleceu nenhum novo requisito, apenas concedeu um prazo para o cumprimento desse requisito, que só se inicia com a entrada em vigor da lei nova. Isto é, pugna que tal normativo não está a alterar os pressupostos e condições de atribuição ou de reconhecimento de um benefício fiscal, mas somente a prever o período de tempo para efeitos de comprovação do cumprimento de um requisito previamente estabelecido, respeitando os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. Ou, dito de outro modo, não se introduziu ex novum um regime de caducidade do benefício. Por isso defende que, se assim o é, não há violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal, previsto no art. 103.º, n.º 3 da CRP e, como tal, o supra referido normativo não é inconstitucional.

Em resumo, os benefícios fiscais aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afectação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito que a AT podia aferir, de forma a concluir pela permanência ou antes, pela reposição do sistema de tributação-regra.

Mais, advoga que, ainda que improcedessem os argumentos supra descritos, nunca o contribuinte teria direito a juros indemnizatórios, porquanto a vinculação da AT à lei obrigava a que se aplicasse a norma, mesmo que inconstitucional.

Por último e já em alegações, a Requerida veio sustentar que o tribunal arbitral não tem competência para aferir ou declarar a (in)constitucionalidade do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, visto que, essa competência está reservada ao Tribunal Constitucional. Bem como, sempre seria parte ilegítima, porquanto os seus funcionários não podem deixar de aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

            Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:

i)                    Se o tribunal arbitral tem competência para apreciar o pedido de pronúncia arbitral;

ii)                  Se a entidade Requerida é parte ilegítima nestes autos;

iii)                Se são ilegais as liquidações de IMT e de Imposto do Selo;

iv)                Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

3.       SANEAMENTO

3.1.Incompetência do tribunal arbitral

 

A Requerida defende que o tribunal não tem competência para aferir ou declarar a (in)constitucionalidade do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, visto que a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade está reservada ao Tribunal Constitucional.

Convidada a Requerente a pronunciar-se quanto a tal excepção, veio a mesma dizer que a excepção de incompetência do tribunal assenta numa incorrecta interpretação do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que, o que está reflectido nessa peça processual é a pretensão que se declare a nulidade ou, subsidiariamente, a anulabilidade das liquidações postas em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a CRP e a lei.

Terá a Requerida razão?

A este respeito é pacífico admitir que a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional em sede de liquidação de um imposto determina a sua anulação, por padecer do vício de violação de lei emergente de erro sobre os pressupostos de direito.

Ora, o que a Requerente coloca em causa é a aplicação de uma norma que reputa por inconstitucional, o art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro e não a fiscalização abstracta da legalidade e da constitucionalidade.

Assim, o tribunal é materialmente competente, julgando-se improcedente a excepção invocada pela Requerida.

 

3.2.Ilegitimidade passiva da Requerida

           

Invoca a Requerida que se a pretensão da Requerente consiste na fiscalização abstracta da constitucionalidade do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, forçoso é de concluir que é parte ilegítima nos autos.

Diversamente, a Requerente defende, em resumo que se o tribunal é competente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral, não se verifica a alegada ilegitimidade passiva.

            O art. 30.º, n.º 1 e 2 Código de Processo Civil (CPC) dispõe que: «1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha…».

            A legitimidade processual afere-se assim pela relação e interesse da parte com o objecto da acção.

O art. 9.º, números 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT prevê que a AT, a qual compreende as extintas Direcção-Geral dos Impostos e Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, tem legitimidade para intervir no procedimento tributário e no processo judicial tributário.

            Na verdade, como sustenta a doutrina: «…todas as pessoas que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário têm também legitimidade para intervir no processo judicial tributário»[1].

            Ora, no caso sub judice estamos na presença de actos de liquidação praticados pela Requerida cuja legalidade agora se encontra em crise pelo facto da Requerente entender que padecem de erro sobre os pressupostos de direito por aplicação de norma materialmente inconstitucional.

            Deste modo, se não estamos perante a fiscalização abstracta da constitucionalidade, se o tribunal é materialmente competente para conhecer o pedido de pronúncia arbitral e se a Requerida praticou os actos em crise, forçoso é de concluir que tem legitimidade processual passiva. Na verdade, se foi a Requerida a praticar o acto será a entidade que melhor conseguirá proceder à sustentação judicial da sua legalidade.

            Por tal somatório de razões, declara-se que a Requerida tem legitimidade passiva nos presentes autos, julgando-se assim improcedente a excepção invocada.

 

3.3.Saneamento

 

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência dos pedidos depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT.

Assim, o processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir os pedidos, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. A Requerente adquiriu em 19/11/2013 a fracção «AF» do prédio inscrito matricialmente sob o art.º … da freguesia de …, concelho de Lisboa, sita na …, n.º … e … e Rua … n.º … a …, Bloco …, …, Lisboa.

4.1.2. A Requerente é uma sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário denominado «B… – Fundo de Investimento Imobiliário fechado para Arrendamento Habitacional», registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) com o n.º de identificação fiscal n.º… .

4.1.3. A Requerente declarou em 11/01/2016 à AT que iria celebrar escritura de compra e venda em 12/01/2016 da fracção e que iria ser dado um destino diferente daquele em que assentou o benefício.

4.1.4. Assim, a liquidação de IMT foi de € 29 357,47 (n.º…) e de Imposto do Selo de € 4 039,27 (n.º…).

4.1.5. O valor das supra referidas liquidações foi pago no dia 11/01/2016.

 

 

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.

 

5. MATÉRIA DE DIREITO

           

O tribunal tem de conhecer, em primeiro lugar, acerca da (i)legalidade das liquidações de IMT e de Imposto do Selo.

Para tanto é necessário dizer que o regime jurídico dos FIIAH foi aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

O art. 8.º de tal regime consagrou as disposições normativas de natureza tributária. Em particular e no âmbito da tributação do património, o art. 8.º, n.º 7 dispunha que ficam isentas de IMT:

 «a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

 b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1».

E o n.º 8 de tal artigo previa que: «Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º».

Sucede que, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro aditou ao art. 8.º do regime jurídico dos FIIAH os seguintes números:

«14. Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objecto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respectivo arrendamento efectivo,  nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15. Quando os prédios não tenham sido objecto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respectivo imposto.

16. Caso os prédios sejam alienados, com excepção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objecto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior».

Acresce ainda que a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro previu uma norma transitória (art. 236.º) no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH que dispõe o seguinte:

«1. O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo. 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de Janeiro de 2014.

2. Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014».

A norma que a Requerente reputa por inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal é o art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, porque, na sua opinião, estabelece um novo regime de caducidade das isenções, quando exige a prova da afectação a arrendamento habitacional dos imóveis que integram os fundos, no prazo de 3 anos, contando-se este prazo a partir de 1 de Janeiro de 2014, em relação àqueles imóveis adquiridos antes de tal data.

Antes de mais, façamos uma análise sumária da teleologia subjacente à previsão normativa dos FIIAH. Ora, perante a crise económica que eclodiu em 2008 e que se estendeu ao sector imobiliário, o legislador entendeu criar tais instrumentos enquanto veículos dinamizadores do mercado de arrendamento habitacional e consagrar uma solução alternativa ao problema do crédito à habitação malparado, protegendo desta forma o interesse público.

Por outro lado, o art. 235.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro vem estabelecer novos requisitos para a isenção, a obrigação do FIIAH requerer a liquidação do IMT que não foi pago, caso a afectação do prédio a arrendamento para habitação permanente não ocorra no período de três anos após a entrada do prédio no fundo e na hipótese do FIIAH ser objecto de liquidação.

            Contudo, como resulta da matéria de facto dada como provada, não é essa a questão que se coloca nos presentes autos, isto é, a manutenção do prédio supra identificado no Fundo B… por período igual ou superior a três anos sem que o mesmo tivesse sido afecto a arrendamento para habitação permanente, mas o facto de ter sido dado um destino diferente daquele em que assentou o benefício.

Na verdade, o legislador, no âmbito do regime jurídico dos FIIAH isentou de IMT e de Imposto do Selo os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente, ou seja, aqueles que foram adquiridos para esse fim. Em bom rigor, se a teleologia subjacente à instituição dos FIIAH consistiu na previsão de instrumentos dinamizadores do mercado de arrendamento habitacional, fazia todo o sentido que o seu regime tributário consagrasse uma isenção que exigisse essa afectação e já a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro dispõe que a mesma existe relativamente a prédios «…destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente…».

Assim, não é possível concluir que a obrigatoriedade de destinar o prédio a arrendamento para habitação permanente constitui um requisito introduzido pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro. Tal obrigação já constava expressa e concretamente no art. 8.º, n.º 7 e 8 do regime jurídico dos FIIAH na sua versão inicial.

 Na verdade, o art. 14.º, n.º 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que na geografia de tal diploma se localiza na parte geral, aponta igualmente nesse sentido ao dispor que: «Quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à directa realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei».

            São estas as razões que nos levam a concluir que os efeitos resultantes da alienação do prédio que constam do art. 8.º, n.º 15 e 16 do regime jurídico dos FIIAH não têm carácter inovador, pois já resultavam do art. 8.º, n.º 7 e 8 do referido regime jurídico e do EBF e, assim, não se coloca em causa, na presente hipótese, a inconstitucionalidade de tal norma.

Mais, o prédio supra referido foi adquirido pela Requerente em 19/11/2013, beneficiou do teor do art. 8.º, n.º 7, al. a) e n.º 8 do regime jurídico dos FIIAH, atenta a declaração no momento da compra de que este era destinado a arrendamento para habitação permanente.

Paralelamente, sucede que, in casu, nas declarações efectuadas com vista às liquidações colocadas em crise pela Requerente há menção expressa que têm por fonte o facto de se ter dado um destino diferente daquele em que assentou o benefício.

E a conclusão diversa não chegamos pelo facto da Requerente ter junto um documento no qual solicita a liquidação de IMT e de Imposto do Selo, apesar de neste constar expressamente que a norma que conduz ao sobredito pedido ser ilegal e inconstitucional. Com efeito, tal requerimento não diz respeito ao prédio objecto destes autos e se a declaração que justificou a liquidação de IMT e de Imposto do Selo (por si juntas como documento 1 no pedido de pronúncia arbitral) teve por génese qualquer outro fundamento distinto da afectação do prédio a fim diverso do arrendamento, só a si competia fazer prova da afectação a arrendamento para habitação permanente. Não existindo nos autos prova distinta, impõe-se concluir que o fundamento das liquidações em crise consistiu no facto do Fundo B… pretender dar ao prédio um destino diferente do arrendamento para habitação permanente.

Pelo que, o que está em causa nestes autos consiste no facto de não ter sido dada a utilização que alicerçou a isenção, a afectação ao arrendamento para habitação permanente e não uma questão de prazo. O que afasta a questão da violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

Em resumo, a atribuição do benefício fiscal não exige uma mera intenção declarada, no momento da celebração da escritura pública de compra e venda, de afectação do prédio a arrendamento habitacional permanente, mas a efectiva afectação. Ora, se a Requerente manifestou essa intenção, mas não chegou a proceder a tal afectação, ou, pelo menos, não a prova nestes autos, tem de improceder o seu pedido. Ou, dito de outro modo, as liquidações resultam, como decorre das próprias declarações da Requerente, do facto de se ter dado um destino diferente ao prédio.

Assim, não existe qualquer violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal ou agravamento da posição fiscal da Requerente.

Por tal somatório de razões, as liquidações colocadas em crise pela Requerente são legais e, consequentemente, indeferem-se os pedidos de reembolso dos montantes de imposto pagos e o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

6. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações, com todas as consequências legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 33 396,74, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

8. CUSTAS

Custas a suportar integralmente pela Requerente, no montante de € 1836, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 14 de Setembro de 2016

O árbitro,

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado, 4.ª edição, Vislis Editores, 2003, pág. 84.