Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A sociedade A…, SGPS, S.A. (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, com sede na Rua…, n.º…, …, apresentou, no dia 17 de fevereiro de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a ser declarado ilegal o indeferimento expresso de Reclamação Graciosa apresentada contra o ato de liquidação n.º 2014…, referente ao exercício de 2010, relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), acrescido de juros compensatórios, no valor total de € 63.409,11 (já liquidado pela Requerente), sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral Coletivo
2. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 13 de abril de 2016.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído no dia 29 de abril de 2016.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa mencionada supra, e, consequentemente, a ilegalidade do ato de liquidação de IRC anteriormente referido, já pago, o qual previa as seguintes correções ao lucro tributável da Requerente, suscitadas no âmbito de uma inspeção realizada pela AT, por respeito ao período de tributação de 2010:
5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato de liquidação em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.
6. Por despacho de dia 8 de junho de 2016, o Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial.
7. Decidiu igualmente, em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, não ser necessária a produção de alegações orais, por estarem perfeitamente definidas as posições das partes nos respetivos articulados, sem ofensa dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
8. O prazo final fixado para a emissão da decisão arbitral foi o dia 28 de outubro de 2016.
9. As partes foram também convocadas para apresentar alegações finais, não tendo, contudo, exercido esse direito.
10. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
11. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
12. O presente Tribunal apreciará e decidirá do mérito da causa, que consiste, designadamente, em apreciar a legalidade das correções efetuadas pela AT ao lucro tributável da Requerente (supra elencadas), no âmbito da liquidação adicional previamente mencionada.
13. Ou seja, visará o presente Tribunal aferir se, tal como alega a Requerente, as correções efetuadas ao seu lucro tributável (anteriormente detalhadas) são ilegais ou, ao invés, e tal como defende a Requerida, legais, em função do quadro legal aplicável à data.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
14. Examinada a prova documental produzida, o presente Tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;
II. Que adotou a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 27, no seguimento da transição do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”) para o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) em Portugal, alterando a sua política contabilística de reconhecimento de instrumentos financeiros transacionados em mercado regulamentado, designadamente de capital próprio, do modelo do custo para o modelo do justo valor;
III. Em 2010, a Requerente ainda reconheceu perdas por redução de justo valor, em resultados, tendo-as considerado dedutíveis na íntegra, para efeitos de IRC, nos seguintes termos:
a) Perdas por redução de justo valor de ações: Euro 5.793,10;
b) Perdas na alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor: Euro 676,08;
c) Carteira discricionária: perdas suportadas por redução de justo valor de ações valorizadas ao justo valor e na alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor: Euro 262,57.
IV. No mesmo período de tributação, a Requerente registou ainda uma perda, que aceitou fiscalmente, no valor de Euro 200.000,10, referente à liquidação de uma sociedade subsidiária (a dissolução daquela sociedade terá ocorrido em setembro de 2010 e a liquidação a 27 de dezembro do mesmo ano), a B…, S.A., adquirida em maio de 2008;
V. A presente petição inicial foi precedida de Reclamação Graciosa, indeferida expressamente no dia 23 de novembro de 2015.
15. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos anexados aos autos e constantes do pedido e da resposta das partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
16. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos (2010).
17. Em primeiro lugar, cumpre citar o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, no qual foi estabelecido um regime transitório, em sede de IRC, para os efeitos decorrentes da adoção, pela primeira vez, das Normas Internacionais de Contabilidade, nos seguintes termos:
“Artigo 5.º
(Regime transitório)
1. Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
2. (…).
3. Os ajustamentos a que se referem os números anteriores devem ser devidamente evidenciados no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, de acordo com a renumeração introduzida.
4. (…).
5. O regime transitório estabelecido nos números anteriores é igualmente aplicável à adoção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, das Normas de Contabilidade Ajustadas, aprovadas pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, ou do Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo de, relativamente às entidades que já vinham aplicando estes novos referenciais contabilísticos, o período referido no n.º 1 se contar a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adotados pela primeira vez.
6. Relativamente às entidades que tenham optado, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, por elaborar as respetivas contas individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE)
n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, os efeitos a que se refere o n.º 1 deste artigo são apurados tomando por referência as contas individuais, organizadas de acordo com a normalização contabilística nacional, previstas no artigo 14.º daquele decreto-lei”.
18. Adicionalmente, elencamos também as normas relevantes, para o efeito da presente decisão, expostas no Código do IRC, à data dos factos (2010).
“Artigo 18.º
(Período do lucro tributável)
9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social; ou
b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.
Artigo 21.º
(Variações patrimoniais positivas)
1. Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;
d) As relativas a impostos sobre o rendimento.
(…)
Artigo 45.º
(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
(…)
3. A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
(…)
Artigo 46.º
(Conceito de mais-valias e de menos-valias)
1. Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:
(…)
b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º
(…)
Artigo 81.º
(Resultado da partilha)
1. É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.
2. No englobamento, para efeitos de tributação da diferença referida no número anterior, deve observar-se o seguinte:
a) Essa diferença, quando positiva, é considerada como rendimento de aplicação de capitais até ao limite da diferença entre o valor que for atribuído e o que, face à contabilidade da sociedade liquidada, corresponda a entradas efetivamente verificadas para realização do capital, tendo o eventual excesso a natureza de mais-valia tributável;
b) Essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução, e pelo montante que exceder os prejuízos fiscais transmitidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e desde que a entidade liquidada não seja residente em país, território ou região com regime fiscal claramente mais favorável que conste de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
(…)”.
19. Por último, cumpre ainda transcrever parte da redação do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), à data dos factos, a saber:
“Artigo 32.º
(Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), sociedades de capital de risco (SCR) e investidores de capital de risco (ICR))
(…)
2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
(…)”.
20. Assim, é no presente quadro jurídico que importa apreciar se as correções efetuadas pela Requerida ao lucro tributável da Requerente, por referência ao período de tributação de 2010, enfermam de alguma ilegalidade (nos termos defendidos pela última).
B) Argumentos das partes
21. A Requerente começou por defender que a liquidação de IRC em crise seria ilegal, por falta de fundamentação, erro nos pressupostos de direito e, ainda, por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real.
22. No que respeita à falta de fundamentação exigida, a Requerente considera que “a fundamentação evocada pela AT não consegue justificar a legalidade das correções aritméticas e, consequentemente, da liquidação de IRC para o exercício de 2010.
(…)
Quanto aos ganhos por aumento de justo valor reconhecidos em resultados transitados (variações patrimoniais positivas) para os três exercícios, limita-se a remeter a fundamentação para o teor da ficha doutrinária do processo n.º 39/2011, com Despacho de 24/02/2011 do Senhor Diretor-geral da Autoridade Tributária.
(…)
Quanto às perdas por reduções de justo valor e perdas em instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, incluindo as da carteira discricionária, registadas nos três exercícios e evidenciadas nas contas e no RIT, a AT invoca invariavelmente o seguinte: «o artigo 18.º, n.º 9 do CIRC estabelece que que os ajustamentos decorrentes do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável (…) contudo, no caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, estabelece que «…outras perdas…relativas a partes de capital…concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor». Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, em 50% do seu valor».
Nada mais adianta, socorrendo-se da interpretação das normas expendidas na já mencionada ficha doutrinária que (…) mais não é do que um entendimento interno das mesmas e, que como é sabido, apenas vincula a AT e nunca os contribuintes e os tribunais.
(…)
Em suma, defendeu em sede de Reclamação Graciosa, tal como o faz nesta sede que a liquidação é totalmente omissa quanto à fundamentação de facto e de Direito, o que não deixará de inquinar a sua validade formal e substancial”.
23. Adicionalmente, e quanto aos erros nos pressupostos de direito, entende a Requerente, a título prévio, que a correção efetuada, pela Requerida, por respeito à menos-valia decorrente da dissolução e liquidação da sociedade B…, S.A., “extravasa o escopo da ordem de serviço, já que esta estava subordinada ao procedimento de inspeção para validação decorrente dos ajustamentos do justo valor”.
24. Ainda assim, nas palavras da Requerente, “sempre se dirá que não se vislumbra como pode a AT subsumir a perda registada ao regime do artigo 32.º do EBF e, por essa via, desconsiderar o respetivo montante.
Está em causa uma perda registada por dissolução e liquidação da sociedade, e não uma
menos-valia contabilística.
Como perda que é deve ser aceite fiscalmente na íntegra, atendendo à definição de gasto constante dos artigos 23.º e seguintes do Código do IRC.
Importa realçar a este propósito o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 5097/11 de 31.01.2012 (…) «para o artigo 23.º do CIRC, a indispensabilidade como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (…) mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa (…).
No caso vertente, em que estão em questão custos correspondentes às menos-valias decorrentes da extinção de sociedades tendo em conta o preço de aquisição das suas participações sociais pelas Recorrentes e que tais elementos integravam o ativo das empresas (…), a menos-valia resultante da dissolução e liquidação das sociedades não poderá ser desconsiderada com fundamento no citado artigo 23.º do Código do IRC»”.
25. Em paralelo, e no que respeita aos ajustamentos decorrentes do regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, em cima citado, a Requerente “considera que não há lugar à aplicação do regime previsto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do CIRC, por não se verificarem as condições nele previstas.
Nessa medida, a tributação do ganho segue as regras do regime geral, o qual se alicerça nos princípios da realização e da especialização dos exercícios”.
26. Fazendo referência, nesse sentido, ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo relativo ao processo n.º 0269/12 de 9 de maio, por considerar que o mesmo ia ao encontro da sua pretensão.
27. Por último, no âmbito da tese do erro nos pressupostos de direito, a Requerente veio ainda suportar o seu entendimento, por respeito à consideração das perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor em somente 50% do seu valor, “na solução jurídica dada na decisão arbitral no processo n.º 108/2013-T do CAAD”.
28. Naquela decisão foi sancionado o seguinte:
“O artigo 45.º/3 do CIRC, já transcrito, refere que «a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas (…)».
A análise do texto normativo revela (…) que o legislador elegeu (…) três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber: «a) a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital; b) outras perdas (…) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; outras (…) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio».
(…)
A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada se se atentar que «perdas» e «outras variações patrimoniais negativas», serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.
(…)
Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º/3 do CIRC aplicável, se reportará a: a) diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital; b) outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e c) outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio. Sendo que por «perdas» se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por «variações patrimoniais negativas» se deverá entender variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.
Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como «gastos», à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.
(…)
De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º/9/a) do CIRC, no âmbito do artigo 45.º/3 do mesmo, teria: incluído os «gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros», não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC, ou referido tais situações como «perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros» e não como «gastos».
(…)
Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1), e «na fixação do sentido e alcance da Lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3), entende-se ser de interpretar o artigo 45.º/3 do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.
Nestes termos, considerando-se que o artigo 18.º/9/a) do CIRC aplicável impõe a concorrência, «para a formação do lucro tributável», sem reservas ou limitações, dos «rendimentos ou gastos» que «(…) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor», «desde que» sejam reconhecidos «através de resultados»; se tratem «de instrumentos de capital próprio»; «tenham um preço formado num mercado regulamentado»; e «o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social», não se aplicando, nestes casos, o artigo 45.º/3 do referido Código, na medida em que não estão abrangidos pela previsão normativa do mesmo, entende-se que merecerá provimento o pedido”.
29. Num outro prisma, a Requerente suscitou ainda a violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento pelo lucro real, “adicionalmente, sempre se dirá que as liquidações aqui visadas violam o princípio da legalidade porquanto se baseiam em interpretações de normas pela AT em instruções e entendimentos divulgados em casos concretos.
Nenhum tributo ou imposto é devido se não estiver clara e diretamente previsto e fixado na Lei ou em regulamento conforme à Lei.
(…)
Mais: pela proibição da discricionariedade quanto aos elementos do tributo, o facto tributável tem de se ajustar em todos os elementos, ao tipo abstrato descrito na lei: basta a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação e aspetos a ela atinentes, por exemplo a responsabilidade e a obrigação de pagar imposto.
A decisão de liquidar o imposto nos moldes em que o foi desrespeita ainda o princípio da tributação do rendimento real (…).
E levar em linha de conta a capacidade contributiva de cada um, por sua vez, permite tratar (da perspetiva da contribuição para as despesas públicas) o igual, igualmente, e o desigual, desigualmente, na medida da desigualdade (…).”
30. Finalmente, a Requerente invocou ainda a ilegalidade dos juros compensatórios suportados, no âmbito da liquidação previamente referida, nos seguintes termos.
31. “A decisão da Administração Fiscal em exigir à ora Requerente o pagamento de imposto alegadamente devido e baseado em correções aritméticas, com base nos fundamentos pouco claros, evidenciando erro nos pressupostos de direito e vícios de forma, deve ser anulada, razão pela qual se entende que também não deve haver lugar a pagamento de juros correspondentes”.
32. Conclui então a Requerente o seu pedido solicitando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC previamente identificado, devendo a mesma ser ressarcida no valor já suportado, i.e., € 63.409,11, acrescido de juros indemnizatórios.
33. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual, desde logo, considerou como muito pouco rigorosa a acusação de falta de fundamentação por parte da Requerente.
34. Com efeito, “(…) tal argumento muito pouco rigoroso, sobretudo nos moldes em que o mesmo vem expendido. Neste conspecto, é aqui, desde logo, de salientar que em sede de RIT, mormente no ponto III.1.1 Variações Patrimoniais Positivas (Regime Transitório), foi pelos Serviços Inspetivos da DF de … defendido que «1. De acordo com o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07 (…)».
Ora, pela leitura da transcrição supra, é então possível observar que na redação das conclusões do RIT foram não apenas referidas todas as normas legais que sustentaram a correção aritmética efetuada, como também, foi, com clareza e congruência, explicitada a justificação contabilística (transição do POC para o SNC) que, de facto, a fundamentou.
Não obstante, aqui chegados, ainda que assim não tivesse sido, isto é, ainda que os Serviços da Requerida tivessem escorado a aludida correção aritmética somente e em exclusivo (…), sempre se dirá que, nos termos do artigo 77.º da LGT, «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração da concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.»
(…)
Também no que toca à alegada falta de fundamentação da correção aritmética, referente às perdas por redução de justo valor e perdas em instrumentos financeiros pelo justo valor, incluindo as da carteira discricionária, não tem substrato o alegado vício apontado de falta de fundamentação.
Analisado o conteúdo do RIT – cuja transcrição textual se encontra no artigo 41.º do r.i. -, desde logo se conclui que aquelas correções aritméticas estão perfeitamente fundamentadas, dado que aí são, de novo, elencados todos os normativos legais que as sustentaram (…).
Ou seja, no caso vertente a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca (…) face ao que, deverá improceder o aludido vício de falta de fundamentação, sendo de manter na ordem jurídica os atos tributários que vêm impugnados (…)”.
35. Posteriormente, a Requerida debruçou-se também sobre a validade das correções aritméticas, questão suscitada pela Requerente, com vista a impugnar o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa submetida por respeito à aludida liquidação adicional.
36. No que concerne à menos-valia contabilística gerada com a liquidação da sociedade B…, S.A., defendeu a Requerida, a título introdutório, que apesar da alegada ausência de extensão do procedimento inspetivo que legitimasse os Serviços Inspetivos a efetuar a correção aritmética referente a estas perdas em instrumentos financeiros, tal como suscitado pela Requerida, “diga-se que a ordem de serviço emitida e assinada pelo sujeito passivo é de âmbito geral,
(…)
Ou seja, se é certo que o que esteve na base do despoletar do procedimento inspetivo em apreço foi o objetivo de validação decorrente dos ajustamentos do justo valor – podendo, por exemplo, tal campanha se ter inserido num processo de seleção de contribuintes, isso no estrito cumprimento dos objetivos definidos para inspeção -, tal processo de seleção não se confunde, muito menos tem o poder de restringir o âmbito das ordens de serviço, que, in casu, assumiu a natureza de geral ou polivalente, legitimando, como se disse, o escrutínio da situação global tributária da ora Requerente.
Para além de que, ainda que, por hipótese, tivesse sido omitida – que não foi – a notificação da alteração do âmbito do procedimento inspetivo, tal violação de formalidade degradar-se-ia em não essencial, porquanto, em sede de direito de audição (...), a ora Requerente nada disse, remetendo-se ao puro silêncio…”.
37. Quanto à correção aritmética propriamente dita, no caso da menos-valia gerada com a liquidação, considerou a Requerida que uma vez que “1) as ditas partes de capital estavam valorizadas ao custo de aquisição, 2) eram detidas há mais de 1 ano, 3) e atendendo que a Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, resulta que o único regime aplicável que se impunha era o do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.
(…)
A redação da aludida norma é clara, indicando os requisitos necessários para que as sociedades gestoras de participações sociais possam beneficiar do benefício fiscal.
Ora, in casu, a Requerente preenche todos esses requisitos, sendo que aquela menos-valia não concorreu – ao abrigo do princípio da neutralidade que subjaz à isenção do artigo 32.º, n.º 2 do EBF -, para a formação do seu próprio lucro tributável.
(…)
Ademais, (…), temos que a expressão «mediante a transmissão onerosa» - que esteve em vigência do nosso ordenamento até à entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, tendo por esta sido eliminada -, já não integrava o teor da aludida norma à data dos factos em apreço.
Deste modo, atendendo à teleologia da norma e, bem assim, ao princípio da neutralidade que lhe é inerente, não pode tal menos-valia, à margem das menos-valias ocorridas nos restantes instrumentos financeiros detidos pela ora Requerente, concorrer para a formação do lucro tributável do exercício de 2010.
(…)
(…) o artigo 32.º, n.º 2 do EBF, conforme sabido, era, à data dos factos, uma norma tributária de natureza especial, aplicável ao universo das sociedades gestoras de participações sociais, que, em absoluto, afastava a aplicação do regime geral de aceitação de gastos, plasmado no artigo 23.º do CIRC”.
38. Em paralelo, a Requerida defendeu, igualmente, porque é que, na sua opinião, a correção efetuada por referência aos ganhos por aumento de justo valor reconhecido em resultados transitados se afigurava correta.
39. Deveras, no seu entendimento, “com a aprovação do SNC, considerou, então, o legislador estarem criadas as condições para alterar o Código do IRC e legislação complementar, por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável às NIC.
Assim, (…), foi publicado o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho (…).
Acautelando o impacto fiscal decorrente dessa adaptação (…) estabeleceu, desde logo, o legislador, no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, um regime transitório, nos termos do qual os efeitos nos capitais próprios da adoção pela primeira vez dos novos normativos contabilísticos que sejam fiscalmente relevantes são repartidos por cinco anos, em partes iguais (…)
(…)
Aqui chegados, e em consequência da alteração da política de mensuração das participações financeiras acima descrita, tendo sido efetuados ajustamentos positivos, o valor desses ajustamentos deve ser totalmente tributado (…) diferida pelo período de 5 anos seguidos, ou seja, concretizando-se em 1/5 em cada ano, com início em 2010.
Que é o que se encontra inscritos nas conclusões do RIT (…)
E nem venha argumentar a Requerente que existe uma duplicação na tributação da dita variação patrimonial positiva, pois conforme é referido em sede de Reclamação Graciosa «observa-se da lei que deveria ter sido efetuado um ajustamento de transição em 2009-12-31, sem que tal se tenha verificado. Fiscalmente, efetuou-se tal ajustamento, o qual tem repercussões nos exercícios seguintes, pelo que não existe qualquer dupla tributação».
(…)
Tudo visto e ponderado, não merece censura o RIT – e, por conseguinte, o ato de liquidação impugnado – na parte em que promoveu a correção concernente aos ajustamentos contabilísticos de transição decorrentes da introdução do SNC”.
40. A Requerida debruçou-se também sobre a correção aritmética relativa às perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor.
41. Desta forma, e com vista a contrapor os argumentos vertidos no acórdão arbitral relativo ao processo n.º 108/2013, suporte da Requerente neste assunto, a Requerida trouxe à colação o acórdão arbitral referente ao processo n.º 25/2015 que, entre outros, questiona o entendimento preconizado no primeiro acórdão.
42. Ora, no âmbito daquele acórdão, foi sancionado o seguinte, “«(…) quanto à relação entre contabilidade e direito fiscal, reconhecida na própria lei – o IRC é um imposto de base contabilística (…) as regras de determinação do lucro tributável inscrevem-se num contexto de dependência parcial da fiscalidade em relação à contabilidade (…).
A partir de 2010, o n.º 9 do art. 18.º do CIRC veio permitir que alguns rendimentos ou gastos, ainda que não realizados, possam concorrer para a formação do lucro tributável, nomeadamente os previstos, direta ou indiretamente, nas alíneas a) e b) daquele preceito.
(…)
Atentas as características acima recordadas de relação entre contabilidade e fiscalidade e algumas críticas ou perplexidades suscitadas pela própria alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, não consideramos evidentes nem a tese da Requerente, nem as doutas considerações e conclusões da decisão do CAAD no processo 108/2013-T.
Ou seja, não temos por inteiramente demonstrado que apesar de o legislador ter previsto, na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, que concorrem para a formação do lucro tributável, sem reservas ou limitações, os rendimentos ou gastos que (…) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, desde que sejam reconhecidos através de resultados; se tratem de instrumentos do capital próprio; tenham um preço formado num mercado regulamentado; e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social, tenha pretendido, nesse caso, por fim ao tratamento desigual das variações patrimoniais positivas e negativas, previsto no n-º 3 do artigo 45.º do CIRC.
É que, independentemente de um juízo de equidade ou racionalidade de política fiscal sobre a manutenção de tal regra, pode encontrar-se justificação para o legislador manter tal desigualdade de tratamento.
(…)
Quanto à argumentação baseada na dicotomia gastos e perdas, parece assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos. É que, no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas.
(…)
A posição da Administração Tributária veio a ser exposta na Informação Vinculativa no processo n.º 39/2011 (…) no sentido de que: sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, em 50% do seu valor.
(…)
43. Concluindo, uma vez mais, a Requerida que “não merece censura o RIT (…) na parte em que promoveu a correção concernente às perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital, valorizadas ao justo valor”.
44. Por último, e por respeito à violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento pelo lucro real, evocada pela Requerente, veio a Requerida advogar que, na sua opinião, tal entendimento não merecia qualquer provimento.
45. Em conclusão, a AT solicita que a pretensão aduzida seja julgada improcedente e, em consequência, que a mesma seja absolvida do pedido.
C) Apreciação do Tribunal Arbitral Coletivo
46. A título preliminar, cumpre ao Tribunal Arbitral Coletivo aferir a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral em crise.
47. A este respeito, o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa anteriormente mencionada, objeto mediato da impugnação arbitral analisada, foi notificado à Requerente no dia 23 de novembro de 2015.
48. Ora, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral é apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico (…)”, pelo que aquele prazo terminaria a 21 de fevereiro de 2016.
49. Ora, tendo a presente petição inicial sido entregue a 17 de fevereiro de 2016, a mesma é tempestiva.
50. Aferida a tempestividade, e com vista a estruturar, de melhor forma, a presente decisão, cumpre referir que o presente Tribunal irá optar por analisar as diversas correções efetuadas ao lucro tributável da Requerente de forma compartimentada, considerando que tal procedimento possibilitará uma melhor compreensão das matérias.
C.1) Menos-valia contabilística decorrente da liquidação da sociedade B…, S.A.
51. Em jeito de introdução, o presente Tribunal considera não haver qualquer limitação ao escopo da inspeção realizada pela Requerida, entendendo que é normal, e até comum, no ordenamento jurídico-fiscal português que as inspeções, desencadeadas por um motivo (no presente caso, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor), devido ao seu cariz generalizado e tipicamente circunscritos aos impostos indicados, possam ser estendidas a outras temáticas igualmente pertinentes.
52. Ora, tendo a ordem de serviço caráter genérico, não se percebe como a inspeção possa ter indo além do seu escopo, até porque esta matéria respeita ao mesmo imposto, i.e., o IRC.
53. Posto isto, clarifique-se, desde já, que, aos olhos do presente Tribunal, é pacífico que a Requerente registou, nos seus resultados respeitantes ao período de tributação de 2010, um gasto nas contas referente à liquidação da sociedade B…, S.A., no valor de
€ 200.000,10.
54. Questão menos pacífica, e que desencadeou a divergência entre a Requerente e a Requerida, assenta no facto da primeira considerar que aquele gasto não é considerado, para efeitos fiscais, uma menos-valia, não podendo, como tal, ser analisado à luz do artigo 32.º do EBF.
55. Deste modo, a Requerente defende que “está em causa uma perda registada por dissolução e liquidação da sociedade, e não uma menos-valia contabilística”, apoiando-se, para o efeito, no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 5097/11, de 31 de dezembro de 2012, anteriormente citado.
56. É contudo opinião do presente Tribunal que tal acórdão não vai ao encontro da pretensão da Requerente, já que o mesmo enquadra a perda decorrente de uma liquidação como uma menos-valia.
57. De facto, “(…) a menos-valia resultante da dissolução e liquidação das sociedades acima apontadas não poderá ser desconsiderada com fundamento no citado artigo 23.º do Código do IRC”.
58. Aliás, este entendimento, aqui demonstrado pelo acórdão supracitado, é substancialmente transversal a toda a jurisprudência e doutrina fiscais relevantes, sendo pacífico que o resultado de uma partilha oriunda de uma liquidação, na esfera dos sócios, é uma mais-valia ou menos-valia, caso se apure uma diferença positiva ou negativa, respetivamente, face ao custo de aquisição.
59. É assim para efeito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), tal como decorre do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), n.º 3 do Código do IRS, e é assim para efeito do IRC, como infra se demonstra.
60. Valerá também a pena relembrar que, não obstante o artigo 23.º ser o primeiro grande crivo que permite testar a dedutibilidade de um gasto ou de uma perda para efeitos fiscais, não é o único. E, desde já, se esclareça que não se ousa questionar a dedutibilidade daquele gasto à luz do artigo 23.º do Código do IRC.
61. Todavia, ter-se-á que ir mais além, e analisar as normas específicas referentes a esta matéria, não só o artigo 32.º do EBF referido pela Requerida, mas também o artigo 81.º do Código do IRC, que tutela este assunto.
62. Pertinente, neste âmbito, foi a exposição da Requerida que procurou, com sucesso, aclarar o sentido daquela norma (i.e., artigo 32.º do EBF), demonstrando que havia argumentos válidos para estender a sua aplicação às menos-valias decorrentes de uma liquidação de uma sociedade.
63. “Ademais, em ordem a corroborar tudo o quanto até aqui defendido, note-se também que por recurso a uma interpretação atualista da norma do 32.º, n.º 2 do EBF, temos que a expressão «mediante a transmissão onerosa» - que esteve em vigência no nosso ordenamento até à entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, tendo por esta sido eliminada -, já não integrava o teor da aludida norma à data dos factos em apreço.
Deste modo, atendendo à teleologia da norma e, bem assim, ao princípio da neutralidade que lhe é inerente, não pode tal menos-valia (…), concorrer para a formação do lucro tributável do exercício de 2010”.
64. Parece, contudo, que ambas as partes se olvidaram de atentar, desde logo, no próprio regime das liquidações, previsto no Código do IRC (o supramencionado artigo 81.º), que qualifica como menos-valia a perda resultante da liquidação de uma sociedade, contrariando o argumento da Requerente.
65. É que, ainda antes do EBF, entende o presente Tribunal que esta problemática encontra solução no artigo 81.º do Código do IRC, o qual prevê o seguinte, “(…) essa diferença, quando negativa, é considerada como menos-valia, sendo dedutível apenas quando as partes sociais tenham permanecido na titularidade do sujeito passivo durante os três anos imediatamente anteriores à data da dissolução (…)” (sublinhado nosso).
66. Note-se que, depois de passar o crivo do artigo 23.º do Código do IRC, este gasto deverá ser aferido à luz do artigo 81.º do mesmo código, já que esta última norma reveste um cariz mais generalista que o artigo 32.º do EBF.
67. Destarte, enquanto na primeira poderíamos enquadrar todas as menos-valias geradas com a liquidação de sociedades, sendo o sócio uma SGPS ou não, na última, dúvidas não restam que só poderiam aproveitar as SGPSs.
68. Desta forma, é possível estruturar uma cadeia de normas que cumpre respeitar até se aferir a aceitação deste gasto, pela seguinte ordem: i) artigo 23.º do Código do IRC; ii) artigo 81.º do Código do IRC; e, por último, iii) artigo 32.º do EBF.
69. Em face do exposto, tendo sido as partes de capital detidas na sociedade liquidada adquiridas em maio de 2008 e a respetiva dissolução da mesma ocorrido em setembro de 2010, não se encontrava ainda terminado o período mínimo de detenção que pudesse vir a eventualmente permitir a dedutibilidade, para efeito de IRC, daquela menos-valia.
70. Ou seja, ainda antes de se partir para o aferimento da aceitação fiscal da menos-valia, nos termos do artigo 32.º do EBF, que é um regime especial, entende o presente Tribunal que a mesma não poderia ser aceite, desde logo por força do previsto no artigo 81.º do Código do IRC, visto não se encontrar cumprido o requisito temporal mínimo exigido (i.e., 3 anos).
71. Desta forma, dúvidas não subsistem que é de prosseguir a correção da AT, pelo menos no que toca a esta parte.
C.2) Ganhos por aumento de justo valor reconhecidos em resultados transitados
72. Antes de mais se diga, que aos olhos do presente Tribunal a Requerida fundamentou, legalmente, a sua posição no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), mencionando, sempre que aplicável, a lei à qual ia beber o seu entendimento.
73. Com efeito, são várias as demonstrações dessa preocupação, das quais citamos uma passagem, a título de exemplo: “de acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 159/2009 de 13/07, foi estabelecido um regime transitório em sede de IRC para os efeitos da adoção (…)”, pelo que não se dá provimento à problemática levantada pela Requerente, da falta de fundamentação da correção efetuada.
74. Ab initio, cumpre salientar que, no presente, não se irá aferir a pertinência ou o mérito do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho.
75. Com efeito, a preocupação deste Tribunal será tão só apurar se à luz da legislação relevante a correção efetuada pela AT terá sido realizada conforme a Lei, em linha com a sua função de julgador e de aplicador de leis.
76. Ora, diga-se, desde já, que a Requerente apenas questionou a correção efetuada ao seu lucro tributável, nunca pondo em causa os montantes indicados pela Requerida. Veritas, a sua preocupação centrou-se em explanar porque é que não procedeu ao aludido ajustamento fiscal exigido por aquela norma, e não contestar o valor apresentado pela Requerida.
77. Assim, este Tribunal não pode acompanhar o ponto de vista preconizado pela Requerente na sua petição inicial. É que, não obstante as referências efetuadas, tanto à doutrina como à jurisprudência, a Requerente falhou em provar a ilegalidade da correção efetuada.
78. De facto, fruto da adoção da NCRF 27, e no seguimento da transição do POC para o SNC nos termos da NCRF 3 – adoção pela primeira vez das NCRF, a qual previa que os ajustamentos contabilísticos de transição deviam ser reconhecidos diretamente nos resultados transitados de 2009, a Requerente alterou a sua política contabilística de reconhecimento de instrumentos financeiros transacionados em mercado regulamentado, designadamente de capital próprio, do modelo do custo para o modelo do justo valor.
79. Assim, importa salientar que, desde 2010, os ajustamentos de justo valor, enquadrados no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC, situação in casu, concorrem para a formação do lucro tributável das sociedades.
80. Efetivamente, com a introdução do artigo 18.º, n.º 9 alínea a) do Código do IRC, o legislador pretendeu garantir que os ajustamentos associados ao justo valor dos instrumentos financeiros, designadamente as participações financeiras transacionadas em mercado regulamentado (cujo justo valor é de fácil e fiável aferição) que não sejam detidas pelo sujeito passivo, direta ou indiretamente, numa percentagem superior a 5 %, fossem imediatamente tributadas no exercício em que se verificam.
81. Para além do exposto, fruto da transição do POC para o SNC nos termos da NCRF 3 – adoção pela primeira vez das NCRF o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, nomeadamente no seu artigo 5.º, veio consagrar que “Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes” (sublinhado nosso).
82. Pelo que, face ao exposto, no mesmo período de tributação de 2010, a Requerente deveria ter acompanhado o exposto no citado artigo 5.º do referido decreto, conjugado com a aplicação do supra referido artigo 18.º, n.º 9 alínea a) do Código do IRC, dando à tributação 1/5 do ganho decorrente da aplicação, pela primeira vez, do método do justo valor nos termos do regime transitório anteriormente exposto.
83. Entende-se, pois, em conclusão, que a AT procedeu corretamente, dando à tributação o referido ganho de acordo como regime transitório indicado supra.
84. Desta forma, não é de proceder a impugnação da Requerente por respeito a esta matéria.
C.3) Das perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor
85. Em primeiro lugar, e remetendo para o que se disse supra por respeito aos ajustamentos de justo valor decorrentes do regime transitório, o presente Tribunal considera que a Requerida logrou em fundamentar a sua correção, cabendo, como tal, o dever de apreciar a posição das partes.
86. No que respeita à última correção efetuada, designadamente a aceitação, para efeito do apuramento do lucro tributável, das perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor e perdas por alienação de capital valorizadas ao justo valor somente em 50% do seu valor, as partes optaram por trazer à colação duas decisões arbitrais diametralmente opostas.
87. Com efeito, a Requerente apresentou a decisão arbitral relativa ao processo n.º 108/2013-T, tendo, por sua vez, a Requerida citado extensamente o acórdão arbitral respeitante ao processo n.º 25/2015.
88. Considera-se que a questão sub judice é tão somente apurar se os gastos fiscalmente relevantes, por aplicação do artigo 18.º, n.º 9 alínea a) do Código do IRC, in casu, as perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor e as perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor,
89. São, afinal, somente considerados, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor, por força do que decorre do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC.
90. Do ponto de vista legal, este enquadramento é, porventura, controverso, já que há uma clara discrepância no tratamento conferido aos gastos e aos rendimentos resultantes da aplicação do justo valor, sendo os primeiros aceites somente em 50% do seu valor e os últimos tributados na totalidade.
91. Contudo, não cabe ao presente Tribunal aferir o mérito das normas que aplica. Com efeito, cabe-lhe tão só julgar o caso que tem em mãos em função do que emanam as aludidas normas.
92. Assim, pretender, como almeja a Requerente, afastar as perdas em análise do exposto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, é ir na direção contrária da letra da Lei, com mero suporte em imprecisões conceptuais.
93. Se não veja-se,
94. Resulta do artigo 18.º, n.º 9 do Código do IRC, à data da redação dos factos, que “os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que (…)” (sublinhado nosso).
95. Gasto, para o efeito desta norma, corresponde à totalidade das rúbricas contabilísticas (que poderão ter ou não relevância fiscal) consideradas como afetando negativamente o resultado líquido de uma sociedade, nas quais se incluem, designadamente, as perdas, as menos-valias, as depreciações, os gastos operacionais, entre outros.
96. Ora, afirmar que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é, no entendimento do presente Tribunal, falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto.
97. A Requerida trouxe à discussão o entendimento de C… relativamente a esta matéria, que, pela pertinência, passamos a citar “C… dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20.º e 23.º do CIRC. Quanto à primeira (…), e quanto à segunda, «gastos e perdas», observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já incluí as perdas”.
98. Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisa à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma.
99. A norma em discussão, prevê que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso).
100. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).
101. Desta forma, é de proceder a correção realizada pela Requerida.
102. De salientar, a este respeito, que a perda é considerada num valor superior ao registado nas contas da Requerente.
103. Com efeito, partindo do justo valor dos instrumentos financeiros em 2009, e não do seu custo de aquisição, a diferença para o justo valor no final do período de tributação de 2010 era superior.
104. Finda a análise do presente Tribunal, importa fazer uma ressalva por respeito à violação de determinados princípios do direito fiscal, oportunamente elencados, suscitada pela Requerente.
105. Tal como ficou cabalmente demonstrado, as correções efetuadas pela Requerida resultam da interpretação correta dos textos normativos, limitando-se a mesma a aplicar a Lei nos termos normalmente previstos.
106. Dessa forma, e face à fundamentação expressa, entende o presente Tribunal que a liquidação em questão não feriu os princípios da legalidade, da tipicidade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, ao contrário do que defende a Requerente.
107. Assim, conclui Tribunal que as correções efetuadas pela Requerida ao lucro tributável da Requerente, no exercício de 2010, não enfermam de qualquer ilegalidade, considerando, dessa forma, como totalmente improcedente o pedido efetuado pela segunda, de anulação do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa em discussão e, consequentemente, da liquidação adicional anteriormente mencionada.
108. Em linha com o exposto, são de manter também os juros compensatórios cobrados pela Requerida.
V. Decisão
109. Termos em que este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar legal o indeferimento expresso da Reclamação Graciosa previamente mencionada e bem assim a liquidação adicional referida supra, por referência a 2010, do qual resultou imposto a pagar (e juros compensatórios) no montante total de € 63.409,11;
B) Condenar a Requerente nas custas do processo.
VI. Valor do processo
110. Fixa-se o valor do processo em € 63.409,11, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
111. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00 nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, CAAD, 26 de outubro de 2016
Os Árbitros
(Conselheiro Dr. José Baeta Queiroz – Árbitro Presidente)
(Professor Doutor Luís Menezes Leitão – Árbitro Adjunto)
(Dr. Sérgio Santos Pereira – Árbitro Adjunto)
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos).