Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 46/2013-T
Data da decisão: 2013-10-18  IRS  
Valor do pedido: € 10.691,18
Tema: Cláusula geral anti-abuso, transmissão de participações sociais
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CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa

Processo 46/2013-T

 

 

AS PARTES

 

Requerentes: - NF … e - NF …, residentes na Rua …, ….

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. Em 18-03-2013, os contribuintes com o NF … e …, respectivamente … e … (Requerentes) entregaram um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral.

  2. O pedido está assinado por advogado constituído pelos dois contribuintes requerentes que apenas veio a juntar procuração com data de 25.03.2013, “ratificando todo o processado” e conferindo poderes de representação na “contestação administrativa e/ou judicial decorrente da aplicação da cláusula geral anti abuso ao seu IRS do ano de 2008”.

 

O PEDIDO

 

  1. Os Requerentes no requerimento de 18.03.2013 peticionam a anulação da demonstração da liquidação de IRS 2012-… com data de 2012.12.12 relativa ao ano de 2008, da compensação 2012-… com data de 2012.12.14 e demonstração de liquidação de juros com data de 2012.12.14, sequentes à liquidação de IRS, ou seja, colocam em causa a legalidade da liquidação de IRS de 2008 no valor de 10 691,18 euros, (Documentos nºs 1, 2 e 3 em anexo ao pedido de pronúncia arbitral) com as consequências legais em matéria de juros e de custas.

  2. Peticionam ainda: “por razões cautelares, o requerente entregará um bem imóvel à penhora, como forma de suspensão do processo executivo. Se deferido, solicita-se, desde já, a indemnização pelos danos por garantia indevida”;

  3. Em requerimento apresentado em 11.07.2013 os requerentes vieram acrescentar um outro pedido: a condenação da AT no reembolso de todas as quantias que foram penhoradas ao requerente …, por desconto no vencimento, em sede de execução fiscal, resultantes da cobrança coerciva da dívida cuja anulação foi suscitada, acrescida dos juros da lei, até integral reembolso.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

  1. Em 19.03.2013, o pedido de pronúncia arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

  2. Os requerentes optaram por não nomear árbitro e atribuíram ao pedido o valor de 10 691,18 € (dez mil seiscentos e noventa e um mil euros e dezoito cêntimos), pelo que o Tribunal Arbitral funciona com árbitro singular nos termos do artigo 5º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

  3. Foi designado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes desta decisão em 07.05.2013.

  4. Pelo que o Tribunal Arbitral Singular encontra-se, desde 22-05-2013, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do dissídio.

  5. Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 22.05.2013, que aqui se dá por reproduzida.

  6. Em 13.09.2013 realizou-se a primeira reunião de partes prevista no artigo 18º do RJAT.

  7. Em 01.10.2013, por acordo das partes, uma vez que correm no CAAD outros processos relacionados com os mesmos factos, foram juntos ao processo os depoimentos das testemunhas … e …, ouvidas no âmbito do processo CAAD 47/2013-T.

  8. No dia 02.10.2013 foram inquiridas as testemunhas … e ….

  9. Também no dia 02.10.2013 foram produzidas alegações orais, tendo as partes mantido as posições assumidas nas peças escritas.

  10. A AT juntou com a resposta ao pedido dos Requerentes o Processo Administrativo (PA).

  11. Uma vez que no PA apenas constava o teor do “contrato de promessa de compra e venda de participações sociais”, foram convidados os Requerentes a juntar o contrato de compra e venda objecto do contrato de promessa, o que veio a ocorrer em 19.09.2013, sob a forma de “Acordo de quitação e execução da compra e venda de participações sociais”.

  12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

  13. O processo não enferma de nulidades.

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DOS REQUERENTES

 

  1. Suscitam a caducidade do direito à liquidação do IRS (artigo 45º-1 da LGT) que, a proceder, obsta à apreciação do mérito da causa.

  2. Com relevância para a apreciação da eventual caducidade do direito à liquidação, tendo em conta o regime do nº 1 do artigo 46º da Lei Geral Tributária (LGT) – suspensão do prazo de caducidade - os Requerentes alegam ainda que foi incumprido o artigo 36.º-2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (prazo superior a 6 meses de duração de inspecção externa) e artigo 63.º - 4 da LGT (que ocorreram duas inspecções), uma vez que entendem que existiram duas inspecções externas: uma seria o procedimento para aplicação de disposição anti abuso ao abrigo do artigo 63º do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT) e a outra seria o procedimento ao abrigo do artigo 63º da LGT.

  3. Além disso, e quanto à questão de fundo, alegam que a liquidação de IRS em causa é inválida por: 1- Violação do artigo 38.º, n.º 2 da LGT, por errada interpretação deste preceito e não preenchimento dos seus pressupostos; 2 - Violação do artigo 10.º, n.º 2, alínea a) do CIRS e artigo 43.º, n.º 3 e 4, alínea b), do CIRS); 3 - Violação do artigo 60.º, n.º 7, da LGT (e vício de procedimento).

  4. Entendem que não está suficientemente fundamentada a decisão de aplicação da cláusula geral anti abuso (CGAA), invocando o vício de insuficiência de fundamentação.

  5. Terminam alegando que, mesmo que a liquidação de IRS fosse considerada conforme a lei, manter-se-ia ainda assim a ilegalidade de liquidação dos juros compensatórios, nos termos do artigo 35.º da LGT, uma vez que só seriam exigíveis se à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido, se associar um juízo de censura ou de culpa ao contribuinte nessa conduta.

 

SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

 

  1. A AT em resposta, depois de notificada do pedido dos Requerentes, não se pronunciou especificamente sobre a caducidade do direito à liquidação nem sobre a suspensão do prazo de caducidade. Veio, no entanto,

 

QUANTO À REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DA DISPOSIÇÃO ANTI ABUSO DO ARTIGO 38º-2 DA LGT AO ABRIGO DO ARTIGO 63º DO CPPT

 

  1. Entender que a questão se encontra já clarificada pelo Centro de Arbitragem Administrativa - relatório do processo 123/2012-TCAAD.

  2. Que o n.º 3 do artigo 63º do CCPT, quer na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, quer na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, é uma disposição de natureza procedimental.

  3. Que esta norma adia o início da contagem do prazo para o início do ano civil seguinte à prática do acto ou negócio jurídico objecto da disposição anti abuso, em vez de se iniciar a contagem do mesmo com a prática do acto.

  4. Pelo que, o prazo do n.º 3 do artigo 63º do CPPT, tendo natureza procedimental, é imediatamente aplicável, independentemente dos factos que visa serem anteriores à entrada em vigor dessa lei.

  5. Concluindo que se o procedimento específico em causa (para aplicação da cláusula anti abuso) foi iniciado em 12.10.2011, o procedimento foi iniciado no decurso do prazo legal concedido para o efeito.

 

QUANTO AO PRAZO DE DURAÇÃO DA INSPECÇÃO EXTERNA (ARTIGO 36º-2 DO RCPIT) E QUANTO AO ALEGADO FACTO DA AT TER ENCETADO DOIS PROCEDIMENTOS: O DO ARTIGO 63ª LGT E RCPIT E O DO ARTIGO 63º DO CPPT

 

  1. Contesta a alegação dos Requerentes quando afirmam que: «A inspecção tributária externa teve início em 03/10/2012 (certamente pretender-se-ia dizer 14.09.2011) e concluiu-se em 22/10/2012», pelo facto do procedimento para aplicação da CGAA, exigir um procedimento próprio, previsto no artigo 63º do CPPT, o qual assegura um efectivo contraditório e um especial dever de fundamentação.

  2. Considera que “houve fundamentos para a abertura da Ordem de Serviço n.º OI2011… em 2011/09/14, a acção inspectiva só foi realizada entre os dias 03/10/2012 e 22/10/2012, uma vez que logo em 2011/10/12, foi aberto procedimento de aplicação de CGAA, do qual resultou a desconsideração, no âmbito tributário, da operação de transformação social ocorrida no âmbito da empresa ‘Laboratório de …’”.

  3. Não cabe no âmbito do procedimento de inspecção, o procedimento de aplicação de CGAA, pois que a respectiva tramitação, dada a sua particular natureza e órgãos competentes, se distingue.

  4. São procedimentos próprios, com regras próprias que não podem ser baralhadas e confundidas.

  5. A decisão do procedimento de aplicação da CGAA é prejudicial ao procedimento de inspecção.

  6. A sua abertura em 17.10.2011, através do ofício n.º … de 14.10.2011, só pode ter um efeito suspensivo sobre este, caso contrário perderia toda a sua eficácia.

  7. Nestes termos, o procedimento de inspecção, foi concluído no prazo de estipulado de 6 meses, não havendo qualquer ultrapassagem do prazo de inspecção.

 

QUANTO À QUESTÃO DE FUNDO: REQUISITOS DE APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DERAL ANTI-ABUSO DO ARTIGO 38º-2 DA LGT

 

  1. Considera que se verificam plenamente os elementos meio, resultado, normativo, intelectual e sancionatório, ou seja, todos requisitos contidos na previsão normativa do artigo 38º-2 da LGT.

 

QUANTO AO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NA APLICAÇÃO DA CGAA

 

  1. Considera ter ocorrido uma fundamentação adequada face à lei aplicável (artigo 63º do CPPT).

 

 

QUANTO À LEGALIDADE DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS

 

  1. Defende que existe nexo de causalidade adequado entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação, porquanto a actuação do contribuinte foi condição do retardamento, não sendo indiferente para a sua ocorrência.

  2. O interesse público que legitima a existência de juros compensatórios é o de reparar os prejuízos causados ao Estado, pela indisponibilidade atempada do respectivo capital resultante do atraso na liquidação do imposto devido imputável ao contribuinte.

 

QUANTO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA AT NO REEMBOLSO DAS QUANTIAS QUE FORAM PENHORADAS AO REQUERENTE …

EM SEDE DE EXECUÇÃO FISCAL

 

  1. Defende em resposta ao pedido dos Requerentes de 11.07.2013, que os requerentes não sustentam o pedido em qualquer preceito jurídico.

  2. A decisão de penhora de salários, foi proferida, pelo órgão de execução fiscal competente, em processo executivo próprio que não se confunde com o procedimento de aplicação da CGAA, objecto de apreciação da legalidade nos autos arbitrais.

  3. Estando a competência do Tribunal Arbitral definida nos termos do artigo 2º do RJAT. a mesma não compreende a apreciação das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal, sendo ilegal a cumulação de pedidos requerida.

 

  1. QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Afigura-se ao Tribunal Arbitral que a ordem de conhecimento das questões colocadas tendo em conta o regime do artigo 608º do Código de Processo Civil (CPC) e do artigo 124º do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29º do RJAT, é a seguinte:

 

  1. O pedido constante do requerimento apresentado em 11-07.2013 pelos Requerentes de condenação da AT no reembolso de todas as quantias que foram penhoradas ao requerente …, por desconto no vencimento, em sede de execução fiscal, resultantes da cobrança coerciva da dívida cuja anulação foi suscitada, acrescida dos juros da lei, até integral reembolso (este pedido é sequencial e substitui o que havia sido deduzido no pedido de pronúncia arbitral).

  2. Qual o prazo de caducidade da liquidação do IRS de 2008 em causa neste processo (artigo 45º-4 da LGT).

  3. Qual a data de início do procedimento de inspecção (artigo 51º do RCPIT). Se ocorreu ou não a suspensão do prazo de caducidade (artigo 46º-1 da LGT).

  4. Qual a data da notificação da liquidação do IRS relevante para efeitos de contagem do prazo de caducidade (artigo 45º-6 da LGT).

  5. Se ocorreu ou não antes da notificação da liquidação do IRS de 2008, ora em causa, a caducidade do direito à liquidação do IRS (artigo 45º-1 da LGT).

 

Caso seja decido julgar improcedente a caducidade do direito à liquidação do imposto serão estas as questões a resolver subsequentemente:

 

  1. Se no caso se verificam os requisitos da aplicação da CGAA do artigo 38º-2 da LGT.

  2. Se ocorreu a falta de fundamentação exigida para a sua aplicação.

  3. E, por último, se é legal a liquidação de juros compensatórios.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA. FUNDAMENTAÇÃO

 

O Tribunal Arbitral considera suficiente a prova documental, junta pelas partes, mormente a infra seleccionada, que não foi objecto de qualquer reparo pelas mesmas.

 

Muito embora tenha sido produzida prova testemunhal constata-se que não é necessário recorrer à mesma, dada a suficiência da prova documental seleccionada, para uma correcta composição do pleito.

 

Com relevância para a decisão que se vai adoptar, são estes os factos que se consideram provados, indicando-se os documentos respectivos como fundamentação:

 

  1. Em 31 de Outubro de 2008, os Requerentes venderam à … SA pelo preço de 120 600,00 euros a sua participação no capital social da sociedade Laboratório …, Lda., tendo dado a respectiva quitação nesta data, conforme consta do “acordo de quitação e execução da compra e venda de participações sociais” junto pelos Requerentes em 19.09.2013;

  2. A AT, com data de 14.09.2011, emitiu uma Ordem de Serviço com o nº 012011… para procedimento externo de inspecção ao abrigo do artigo 46º do RCPIT, visando os Requerentes, inspecção parcial e visando o IRS de 2008 (artigo 14º-1-b)), conforme consta do Documento de folhas 10 do PA;

  3. O Campo 7 desta Ordem de Serviço reservado ao conhecimento dos contribuintes e à prova de entrega de cópia não se encontra preenchido, conforme consta do Documento de folhas 10 do PA;

  4. Com data de 20.09.2011 a AT, pelo ofício …, suscitou aos requerentes vários elementos ao abrigo do nº 4 do artigo 59º da LGT e artigo 9º do RCPIT quanto à venda de acções detidas na sociedade NIPC …, conforme conta do Documento de folhas 11 do PA;

  5. Os Requerentes juntaram vários elementos, conforme consta dos Documentos de folhas 14 a 42 do PA;

  6. Com data de 14.10.2011 a AT, pelo ofício 516.10774, notificou os Requerentes que ia dar início à abertura de um procedimento de aplicação de CGAA ao abrigo do artigo 63º do CPPT, conforme consta do Documento de folhas 48 do PA;

  7. Com data de 31.10.2011 a AT, pelo ofício …, ao abrigo do nº 4 do artigo 59º da LGT e artigo 9º do RCPIT suscitou aos Requerentes a entrega de uma cópia do contrato de promessa de venda das acções referidas em 3), celebrado em 31-07.2008 com a … SA, o que os Requerentes fizerem, conforme consta dos Documentos de folhas 52 a 69 do PA;

  8. Com data de 20.01.2012 a AT, pelo ofício 4161/0504, ao abrigo do artigo 49º do RCPIT (notificação prévia para procedimento de inspecção) e ao abrigo da alínea l) do nº 3 do artigo 59º da LGT (âmbito e extensão da inspecção), comunicou que “a muito curto prazo se deslocarão à morada acima referenciada, técnicos dos Serviços de Inspecção”, conforme consta dos Documentos de folhas 70 e 71 do PA;

  9. A morada indicada para a ida dos inspectores é a Rua …, conforme consta do Documento de folhas 70 do PA;

  10. Pelo ofício 500.31.65 cuja data não é perceptível, a AT notificou os Requerentes para o exercício de audição prévia ao abrigo do nº 4 do artigo 63º do CPPT no âmbito da aplicação da CGAA do artigo 38º-2 da LGT, tendo os contribuintes exercido esse direito por escrito, conforme consta dos Documentos de folhas 81 a 90 do PA (o documento de folhas 81surge a folhas 125 com uma data manuscrita de 13.03.2012);

  11. Foi emitida procuração pelos Requerentes a ilustre advogado que lhe confere poderes nestes termos: “… a quem conferem os necessários poderes para os representar no procedimento e processo, administrativo e porventura judicial, ligado à hipotética aplicação da cláusula geral anti abuso do artigo 38º do CIRS e à sua declaração de rendimentos de IRS do ano de 2008”, conforme consta dos Documentos de folhas 91 e a folhas 124 do PA;

  12. Através do ofício 68415/0504, com data de 26.10.2012, a AT notificou por correio registado com aviso de recepção, o ilustre mandatário dos Requerentes referido na alínea anterior, remetendo-lhe uma cópia da Ordem de Serviço indicada em 2), uma notificação de início de procedimento de inspecção, uma nota de diligência elaborada ao abrigo do artigo 61º do RCPIT, uma notificação de conclusão de actos de inspecção e uma notificação para exercício de direito de audição acompanhado de projecto de Relatório de Inspecção, conforme consta dos Documentos de folhas 140 a 163 do PA;

  13. Igual notificação foi enviada pela AT aos Requerentes pelos ofícios datados de 26.10.2012 e em 31.10.2013, conforme consta do Documento de folhas 188 a 199 do PA;

  14. Na Ordem de Serviço cuja cópia foi enviada ao mandatário dos Requerentes e aos próprios Requerentes, o campo 7 está em branco e a cópia da nota de diligência elaborada ao abrigo do artigo 61º do RCPIT refere que a inspecção foi iniciada em 2012.10.03 às 00.00 horas e foi concluída em 2012.10.22 às 00.00 horas, estando o campo 7 reservado à recepção da nota pelo sujeito passivo também em branco, conforme consta do Documento de folhas 144 do PA;

  15. Através da carta registada entregue nos CTT em 31.12.2012, com a referência de registo RY…PT, a AT notificou os Requerentes da liquidação de IRS em função dos resultados dos procedimentos de Inspecção e de aplicação da CGAA, onde se indica que a data da liquidação foi 2012.12.12, com um valor a pagar de 6 751,82 euros onde se inclui 554,74 de juros compensatórios, conforme consta do Documento nº 3 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

  16. A carta registada referida no inciso anterior foi recebida pelos Requerentes em 03.01.2013, conforme consta do Documento nº 7 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

  17. Através da carta registada entregue nos CTT em 27.12.2012, com a referência de registo RY…PT, a AT notificou os Requerentes de uma demonstração de acerto de contas, ou seja, uma compensação sequente à liquidação de IRS, com o nº 2012…, com data de 14.12.2012, conforme consta do Documento nº 1 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

  18. A carta registada referida no inciso anterior foi recebida pelos Requerentes em 28.12.2012, conforme consta do Documento nº 1 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

  19. Através da carta registada entregue nos CTT em 28.12.2012, com a referência de registo RY…PT, a AT notificou os Requerentes de uma demonstração de liquidação de juros sequente à liquidação de IRS, conforme consta do Documento nº 2 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

  20. A carta registada referida no inciso anterior foi recebida pelos Requerentes em 16.01.2013, conforme consta do Documento nº 2 junto pelos Requerentes em anexo ao pedido de pronúncia arbitral.

 

Percute-se que, muito embora tenha sido produzida prova testemunhal, a apreciação da mesma não se mostra necessária para uma correcta composição do pleito, face à suficiência dos factos resultantes dos documentos apresentados pelas partes.

 

Não se configura existir outra matéria relevante tendo em conta a decisão que se vai adoptar.

 

  1. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TAS CUMPRE SOLUCIONAR

 

  • Podem os Requerentes peticionar neste processo que a AT seja condenada no reembolso de todas as quantias que foram penhoradas ao requerente …, por desconto no vencimento, em sede de execução fiscal, resultantes da cobrança coerciva da dívida cuja anulação foi suscitada, acrescida dos juros da lei, até integral reembolso?

 

Afigura-se-nos que não podem.

 

De facto, como refere a AT, os Requerentes não sustentam o pedido em qualquer preceito jurídico, o que, por si só, poderia não ser determinante.

 

No entanto, a decisão de penhora de salários foi proferida pelo órgão de execução fiscal competente, em processo executivo próprio.

 

Portanto, estando a competência do Tribunal Arbitral definida nos termos do artigo 2º do RJAT, a mesma não compreende a apreciação das decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal, sendo ilegal a cumulação de pedidos requerida.

 

  • Qual o prazo de caducidade da liquidação do IRS de 2008 em causa neste processo (artigo 45º-4 da LGT)?

 

Tendo em conta o critério do tipo de relação jurídica base do imposto e partindo da classificação dos impostos que a doutrina e jurisprudência têm adoptado para a interpretação do nº 2 do artigo 736º do Código Civil, os impostos directos são os impostos periódicos, aqueles cuja relação jurídica da obrigação de imposto tiver na base situações estáveis, que se prolongam no tempo, mantendo-se anualmente, originando obrigações periódicas que se renovam todos os anos.

 

O IRS é claramente um imposto directo ou imposto periódico, pelo que, tendo em conta a literalidade da previsão da norma ínsita no nº 4 do artigo 45º da LGT, o prazo de caducidade da sua liquidação conta-se “a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”.

 

O facto tributário, em termos de documentação, consta deste processo: trata-se do “acordo de quitação e execução da compra e venda de participações sociais” junto pelos Requerentes em 19.09.2013. O contrato de promessa, por si só, em princípio, apenas documenta a promessa das partes na realização de um contrato definitivo e subsequente.

 

O facto tributário, a venda das participações sociais, ocorreu em 31 de Outubro de 2008, data da quitação entre as partes, como resulta da alínea 1) da matéria provada.

 

Pelo que o prazo de caducidade conta-se a partir do ano seguinte a 2008. Logo, começa a contar-se a partir de 01.01.2009 e opera se, até 31.12.2012, os Requerentes não tiverem sido validamente notificados da liquidação do IRS, caso não exista um facto que o suspenda.

 

  • Qual a data de início do procedimento de inspecção (artigo 51º do RCPIT)? Ocorreu ou não a suspensão do prazo de caducidade (artigo 46º-1 da LGT)?

 

Da sequência de factos dados como provados resulta que a AT abriu um procedimento de inspecção “externa”, mas depois agiu como se o procedimento fosse “interno” (artigo 13º do RCPIT), porquanto, pelo menos do que resulta do PA, nunca terá ocorrido a deslocação às instalações ou dependências dos sujeitos passivos.

 

A verdade é que a AT abriu um procedimento de inspecção externa, cuja definição consta da alínea b) do artigo 13º do RCPIT: “actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.

 

O CAAD tem jurisprudência quanto a este tema: a data do início da suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação coincide com a data do início do procedimento de inspecção que, por sua vez, vai coincidir com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou do despacho no início da inspecção externa (artigo 46º-1 da LGT conjugado com o artigo 51.º do RCPIT).

 

Diz-se na decisão prolactada no Processo CAAD 33/2012-T:

 

Os «termos legais» da «notificação ao contribuinte ... da ordem de serviço» que produz o efeito suspensivo, a que alude aquele n.º 1 do artigo 46.º da LGT, são definidos no artigo 51.º, n.ºs 1 e 2, do RCPIT, que tem o seguinte teor:

Artigo 51.º

Data do início do procedimento de inspecção

1 – Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º

2 – O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção.

 

Como se vê pela conjugação destas duas disposições, a entrega da cópia da ordem de serviço ao sujeito passivo e a aposição por este da sua assinatura nessa ordem de serviço, com a indicação da data em que tal entrega é feita, consubstanciam a notificação da ordem de serviço e essa data «para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção».

Trata-se de uma forma de notificação especial…

Assim, por força do disposto no n.º 2 do transcrito artigo 51.º do RCPIT, a data indicada «para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção». E, se é para «todos os efeitos» que o procedimento de inspecção se considera iniciado, é-o necessariamente para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação, que é o mais relevante efeito associado à pendência do procedimento de inspecção.”

 

Ora, como resulta dos factos provados, a AT nunca deu início validamente ao procedimento de inspecção tributária externa, através da notificação especial prevista no nº 1 do artigo 51º do RCIT.

 

Veio a efectuar-se essa notificação, por carta registada com aviso recepção, uma forma de notificação inadequada, como resulta das alíneas 12) e 13) da matéria de facto dada como provada.

 

Por outro lado, verifica-se que a notificação feita ao ilustre mandatário dos Requerentes não pode considerar-se válida, porquanto, como resulta do teor da procuração, não tinha poderes para intervir em actos ou receber notificações no âmbito do procedimento de inspecção.

 

Não estamos aqui perante uma formalidade procedimental, que se possa degradar em não essencial como não tendo efeito invalidante do acto a que elas se reportam, se, apesar da sua omissão ou deficiência, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.

 

Aliás, essa questão nem aqui deve colocar-se, uma vez que o que está em causa é que da actuação da AT, ao não notificar os Requerentes nos termos prescritos no artigo 51º do RCPIT, a validade da liquidação do IRS não é colocada em causa directamente, o que acontece é tão-somente que não lhe é possível aproveitar e invocar a norma do nº 1 do artigo 46º-1 da LGT.

 

Ou seja, não é possível à AT alargar o prazo de caducidade que resultaria de uma suspensão da contagem do prazo, porque não agiu de acordo com as estritas e específicas normas que lhe permitiam alargar esse prazo de 4 anos:

  • Ao notificar os Requerentes, nos “termos legais”, da ordem de serviço, no início da inspecção externa;

  • Termos legais” que constam do artigo 51º do RCPIT e que implicam uma notificação pessoal e presencial dos contribuintes, o que se retira do termo “deve assinar”, até porque o artigo 51º do RCPIT prevê a forma de suprir a recusa de assinatura da ordem de serviço ou despacho pelos visados, através da assinatura de duas testemunhas.

 

Pelo exposto, não ocorreu a suspensão do prazo de caducidade a correr desde 01.01.2009, facto que aliás não foi invocado na defesa pela AT. O facto da AT não ter agido de acordo com os preceitos legais específicos acima indicados que não assumem natureza meramente procedimental, implica que não poderá aproveitar-se do prolongamento do prazo de caducidade.

 

Invoca a AT que no relatório do processo CAAD 123/2012-T foi esta questão decidida. Afigura-se-nos, no entanto, que a questão que aí é tratada é a da natureza procedimental da aplicação da norma do artigo 63º-3 do CPPT.

 

Defende por último a AT que a abertura em 14.10.2011 (inciso 6) da matéria provada) do procedimento visando a aplicação da CGAA, é prejudicial ao procedimento de inspecção externa e que a abertura daquele implica o efeito suspensivo do procedimento de inspecção.

 

Não vislumbramos sustentação para este entendimento no plano do direito. Aliás, se são procedimentos próprios com regras próprias e graus de exigência diferenciados (como se alega), como pode defender-se depois uma relação de interdependência em que um suspende o outro?

 

Não está aqui em causa a regularidade e assertividade substancial ou formal da aplicação do procedimento para aplicação da CGAA do artigo 38º-2 da LGT. Este procedimento afigura-se-nos que não bole com a previsão da norma ínsita no artigo 46º-1 da LGT. Para esta norma (para que se integre a sua previsão), o que releva é o “início da inspecção externa” e não o início ou os prazos do procedimento do artigo 63º do CPPT. O elemento literal da norma (a sua previsão) não deixa margem para dúvidas.

 

Ora, não tendo ocorrido os factos que integram a “previsão” da norma (artigo 46.º, n.º 1 da LGT), não poderá aplicar-se a sua “estatuição”.

 

Por último, defenderam os Requerentes que, no caso, terão ocorrido duas inspecções e consequentemente a AT terá violado o nº 4 do artigo 63º da LGT. Não tem qualquer suporte na realidade esta alegação. O que ocorreu foi a abertura de uma Ordem de Serviço visando uma Inspecção Externa cujo início, para efeitos de aplicação do nº 1 do artigo 46º da LGT, nunca chegou validamente a ocorrer. A AT entendeu abrir ainda outro procedimento completamente autónomo, o do artigo 63º do CPPT, visando a aplicação da CGAA do artigo 38º-2 da LGT.

 

Agiu a AT no cumprimento da lei, não ocorrendo violação do artigo 63º-4 da LGT, ressalvado o facto de, por não ter agido de forma a aproveitar do alargamento do prazo de caducidade (norma ínsita no nº 1 do artigo 46º da LGT), não poder socorrer-se dessa faculdade.

 

  • Qual a data da notificação da liquidação do IRS relevante para efeitos de contagem do prazo de caducidade (artigo 45º-6 da LGT)?

 

Estando em causa a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação a norma a aplicar é a do nº 6 do artigo 45º da LGT.

 

Há que aplicar esta norma aos factos assentes nas alíneas 15) a 20) da matéria provada.

 

A carta registada de notificação da liquidação do IRS, incluindo juros compensatórios, foi entregue nos CTT em 31.12.2012, com a referência de registo RY…PT, e foi recebida pelos Requerentes em 03.01.2013.

 

Ou seja, neste caso, nem há que recorrer à norma em causa, posto que, de facto, os Requerentes receberam a notificação no 3º dia posterior ao registo.

 

Afigura-se-nos que esta notificação é a fulcral, posto que é aquela que preenche, por si só, pelo menos a maioria dos requisitos exigidos pelo nº 2 do artigo 36º e nº 1 do artigo 37º, ambos do CPPT.

 

O facto da notificação dos Requerentes, pela AT, de uma demonstração de acerto de contas, ou seja, uma compensação sequente à liquidação de IRS, com o nº 2012…, com data de 14.12.2012, por carta registada entregue nos CTT em 27.12.2012, com a referência de registo RY…7PT ter sido recebida pelos Requerentes em 28.12.2012, logo no dia seguinte ao do registo;

e, o facto da notificação dos Requerentes, pela AT, por carta registada entregue nos CTT em 28.12.2012, com a referência de registo RY…PT da demonstração de liquidação de juros sequente à liquidação de IRS, ter sido recebida em 16.01.2013 (mas de acordo com artigo 45º-6 da LGT deve ter-se por perfeita e realizada em 31.12.2012);

não alteram a constatação de que a notificação da liquidação do IRS foi realizada após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS, que expirava em 31.12.2012.

 

Considera-se, pois, como data em que foi feita a notificação da liquidação do IRS aos Requerentes o dia 03.01.2013, nem sendo necessário recorrer ao mecanismo do nº 6 do artigo 45º da LGT.

 

O que não deixa de surpreender é o facto do acto datado de 12.12.2012 (liquidação do IRS) ter sido apenas notificado por entrega nos CTT em 31.12.2012, enquanto que os outros dois actos (demonstração de acerto de contas, incluindo a compensação e de liquidação de juros) – que são sequentes e consequência do primeiro – datados de 14-12-2012, terem sido notificados em momento anterior, por entregas nos CTT em 27.12.2012 e 28.12.2012 respectivamente. Só estes dois últimos actos foram notificados em 2012, antes do decurso do prazo de caducidade.

 

***

 

Em face do exposto, verificamos que procede a invocada caducidade do direito à liquidação do IRS, pelo que fica prejudicada a apreciação das demais questões, ou seja, se estão ou não preenchidos os requisitos da aplicação da CGAA do artigo 38º-2 da LGT, se ocorreu a falta de fundamentação exigida para a sua aplicação e por último se é legal a liquidação de juros compensatórios, resultantes da eventual manutenção da liquidação de IRS.

 

Tendo-se consumado a caducidade do direito à liquidação do IRS de 2008, no dia 31.12.2012, tal facto afecta não só a sua eficácia, impedindo na prática que se produzam os efeitos a que se destinava, como a própria legalidade do acto de liquidação.

 

 

  1. DECISÃO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos julga-se:

 

  • Improcedente o pedido de condenação da AT no reembolso de todas as quantias que foram penhoradas ao requerente …, por desconto no vencimento, em sede de execução fiscal, resultantes da cobrança coerciva da dívida cuja anulação foi suscitada, acrescida dos juros da lei, até integral reembolso.

  • Procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS no valor de 10 691,18 €uros, anulando-se o acto por estar em desconformidade com a lei.

 

Nos termos do nº 2 do artigo 12º do RJAT e do nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se, em face do decaimento das partes, em 1/5 e 4/5 a responsabilidade pelas custas, respectivamente para os Requerentes e para a Requerida.

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 315º-2 do CPC, redacção anterior e artigo 305º-4 do CPC, redacção actual, do artigo 97º-A- 1, alínea a), do CPPT e do artigo 3º- 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10 691,18 €uros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º- 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes e da Requerida na proporção acima indicada.

 

Lisboa, 2013.10.18

O Árbitro,

 

 

Dr. Augusto Vieira