Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2016-T
Data da decisão: 2016-10-21  Selo  
Valor do pedido: € 154.558,30
Tema: IS - Competência do tribunal. Verba n.º 28 da TGIS. Terrenos para construção destinada à habitação. Fundo de Investimento Imobiliário.
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Decisão Arbitral

 

 

I. RELATÓRIO

 

A…- SOCIEDADE GESTORA DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., em representação de B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO e de C…- FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, todos com sede em Lisboa e com os NIFs, respectivamente, …, … e …, apresentou, invocando as disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a serem declarados ilegais os indeferimentos das reclamações graciosas que deduziu contra as liquidações de Imposto do Selo (IS) referentes a 2014, e adiante identificadas, as quais somam o montante de € 154.558,30, que pagou, razão porque pede, também, a condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), a restituir-lhe essa quantia, acrescida de juros indemnizatórios.

Tendo manifestado a sua intenção de não nomear árbitro, foram designados os signatários pelo Conselho Deontológico do CAAD, sem oposição das partes, ficando o tribunal arbitral constituído em 23 de Março de 2016.

Dispensada a reunião a que se reporta o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a alegar por escrito, do que se abstiveram, tendo o tribunal anunciado que a decisão seria proferida até ao dia 23 de Novembro de 2016, após prorrogação do respectivo prazo.

 

 

II. SANEAMENTO

 

A.

 

Importa, antes de tudo, apreciar a excepção dilatória da incompetência material do tribunal deduzida pela AT, no entendimento de que a competência da jurisdição arbitral está taxativamente enumerada no artigo 2º nº 1 do RJAT, o qual não inclui “a apreciação do pedido de declaração de inconstitucionalidade material do artigo 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, no segmento que aditou os terrenos para construção à verba nº 28 da TGIS” (Tabela Geral do Imposto do Selo).

 

Conforme reconhece a AT, os tribunais arbitrais são competentes para declarar a “ilegalidade dos actos de liquidação de tributos”, de acordo com o nº 1 do artigo 2º de RJAT.

São ilegais os actos que apliquem normas desconformes com a lei fundamental, o que desde logo resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.

Portanto, quando um cidadão recorre ao tribunal arbitral para obter a declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação, acusando-o de se ter baseado em lei inconstitucional, esse tribunal é competente.

Não é, bem se vê, para declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral, que isso só ao Tribunal Constitucional compete (artigo 281º nº 2 da CRP), mas para censurar o acto assente em norma inconstitucional, eliminando-o da ordem jurídica, conforme é obrigação sua, imposta pelo artigo 204º da CRP: não podendo os tribunais aplicar normas inconstitucionais, não podem também manter os actos administrativos que lhes são submetidos e que tenham por base normas violadoras da Constituição.

Ora, o pedido da Requerente é, neste ponto, que “seja desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta violação do princípio constitucional da igualdade”, e que “seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados”.

Ou seja, o objecto do processo não é a declaração de inconstitucionalidade material de nenhuma norma jurídica, mas a verificação da legalidade, face à CRP, dos actos de liquidação de um tributo e dos actos de indeferimento das correspondentes reclamações graciosas.

O que patenteia a competência do tribunal e a consequente improcedência da excepção deduzida pela Requerida.

 

 

B.

 

Além de competente, o tribunal está regularmente constituído, apresentando-se as partes com personalidade, capacidade, legitimidade e representação, não havendo nulidades nem excepções ou questões prévias que impeçam a apreciação do mérito da causa.

A coligação de requerentes e a cumulação de pedidos são admissíveis, de acordo com o estatuído no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, que as permite “quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, como sucede in casu.

 

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

A.

 

Está provado que:

 

1. B…– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, foi notificado dos actos de liquidação seguintes:

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo…;

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia de…, concelho de ... como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo… .

 

2. C…- FUNDO ESPECIAL DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, foi notificado dos actos de liquidação seguintes:

- 2015…, 2015…, e 2015…, referentes ao prédio inscrito na matriz predial da freguesia …, concelho de Alcácer do Sal como terreno para construção destinada à habitação sob o artigo… .

 

3. A Requerente reclamou graciosamente destas liquidações, tendo essas reclamações, a que couberam os números …2015… e …2015…, merecido indeferimento.

 

4. Os actos de liquidação referidos apuraram imposto no montante de € 154.558,30, que os Fundos representados pela Requerente pagaram.

 

5. Nos despachos que indeferiram as reclamações graciosas, aqui dados por integralmente reproduzidos, invocou-se a “Lei nº 55-A/2012, de 29-10-2012”, que “veio alterar o artigo 1º do Código do Imposto do Selo, e aditar `Tabela Geral do Imposto do Selo, a verba 28, criando uma nova realidade sujeita a imposto”.

Lê-se nos mesmos despachos, designadamente:

“(…) ao ser inscrita na matriz predial urbana como parcela de terreno para construção de prédios habitacionais enquadra-se no conceito previsto na verba 28.1 e, como tal, sujeita a imposto”; “(…) não pode a Administração Tributária, que se encontra na dependência hierárquica do executivo, substituir-se aos tribunais, e sindicar a constitucionalidade das leis que lhe cumpre aplicar”, não podendo “(…) deixar de aplicar a lei e cumpri-la”.

E, concluindo:

“(…) os Serviços da Autoridade Tributária agiram de acordo com o estipulado na lei(…).

 

B.

 

A convicção do tribunal assenta nos documentos juntos ao processo, que todos aqui se dão por reproduzidos, bem como na ausência de controvérsia sobre eles.

 

 

C.

 

Não há factos relevantes, alegados pelas partes, que tenham ficado por provar.

 

 

IV. APRECIAÇÃO

 

A.

 

A Requerente manifestou a sua inconformidade com os actos impugnados estribando-se em razões de três ordens:

- A verba 28 da TGIS, aplicada pelos referidos actos, sofre, no segmento que ao caso importa, de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, e da proibição da dupla tributação;

- A tributação não pode decorrer de uma mera potencialidade de afectação dos terrenos, como aconteceu, sem que se evidencie, aquando dela, uma real capacidade contributiva;

- Sendo as entidades representadas pela Requerente nos presentes autos arbitrais fundos de investimento imobiliário, os bens sobre que incidiu a tributação são bens de investimento, afectos a operações imobiliárias, destinando-se à realização do objecto social, e não representando uma capacidade contributiva superior à média.

 

B.

 

Os prédios com afectação habitacional passaram a estar sujeitos a imposto do selo por força da verba 28 da TGIS, acrescentada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, deste teor:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

A lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, alterou a redacção da verba 28.1, que passou a referir:

“por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”. 

Ficou resolvida, deste modo, a controvérsia sobre se cabiam ou não na dita verba os terrenos para construção com afectação habitacional. A partir de 2014, é seguro que os terrenos para construção são considerados prédios com afectação habitacional, sujeitos a imposto do selo.

Mas não se resolveu a dúvida sobre a constitucionalidade da norma.

Um tribunal arbitral, constituído no âmbito do CAAD, já decidiu, no processo nº 507/2015-T, “que a verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, é materialmente inconstitucional, na medida em que sujeita a tributação em Imposto do Selo a propriedade de terrenos para construção cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000, relativamente aos quais a edificação, autorizada ou prevista, não inclua qualquer habitação individual de valor igual ou superior a esse, bem como na medida em que se aplica a situações em que os terrenos para construção pertencem a empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para revenda”.

Outros tribunais arbitrais, também no seio do CAAD, pronunciaram-se em sentido oposto – entre outros, vejam-se os acórdãos tirados nos processos 495, 515 e 516/2015-T.

A questão continua, portanto, debaixo de controvérsia, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, nestes casos, não pode deixar de servir como arrimo principal, não é decisiva. É que esse Tribunal, tendo já ajuizado sobre a constitucionalidade da verba da TGIS em causa, ainda não se pronunciou, pelo menos que este Tribunal tenha conhecimento, sobre o específico caso dos terrenos para construção com afectação habitacional.

Em todo o caso, não deixa de ser útil lembrar aqui extractos do que disse o Tribunal Constitucional em 11 de Novembro de 2015 no processo nº 542/14:

“(…) da inscrição da tributação em análise no âmbito do Imposto do Selo, e não noutras espécies de impostos, não resulta, em si mesma, infração de qualquer parâmetro de constitucionalidade. Mesmo que fosse de concluir pela introdução de factor de incoerência, ou mesmo de desequilíbrio, no sistema de tributação do património imobiliário, como pretende a recorrente, a mera assistematicidade da norma questionada não é idónea a determinar a censura constitucional (cfr., ainda que noutros campos de regulação, os Acórdãos nº 353/2010 e 324/2013)» (...) «Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.”.

E:

“Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade.”.

E ainda:

Cabe referir que a existência de resultados aplicativos distintos perante valores muito aproximados - por excesso ou por defeito - de uma expressão quantitativa estipulada normativamente como limite – positivo ou negativo – de um qualquer efeito jurídico é conatural à respetiva fixação pelo legislador. Seja na definição da incidência fiscal, seja na estatuição de isenções ou benefícios fiscais assentes em critérios de valor, é sempre possível encontrar exemplos de contribuintes com tratamento diferenciado a partir de uma variação quantitativa de muito reduzida expressão. Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador.”.

 

Atente-se, por último, no que se escreveu no acórdão do CAAD proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T, que se arrimou na mesma jurisprudência constitucional:

“(…) as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro).”.

 

Como se sabe, o princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva - no qual a Requerente alicerça o essencial da sua argumentação – não é um princípio absoluto, antes estando obrigado a conviver com outros princípios e interesses que merecem também ponderação.

A liberdade de que goza o legislador, a quem incumbem tarefas para além das atinentes à fiscalidade, exige que o princípio da capacidade contributiva disponha de alguma flexibilidade e possa ceder, até certo limite, perante outros propósitos do Estado.

Por outro lado, o falado princípio também se respeita quando se tratam desigualmente as coisas, o que aliás se impõe quando elas são desiguais. E a verdade é que situações absolutamente iguais, de modo a exigirem um tratamento rigorosamente igual, não são muito frequentes. Sobretudo em casos como o que nos ocupa, em que se não trata de tributar rendimentos iguais, nem consumos iguais, mas meros sinais, manifestações de fortuna que não são rigorosamente mensuráveis, e que podem até induzir em erro sobre a real capacidade contributiva. Pense-se no proprietário e habitante de um palácio ou de um solar seiscentista de valor superior a um milhão de euros que se vê em grandes dificuldades para o manter com os seus rendimentos – substituindo-se, até, ao Estado, a quem cumpre zelar pelo património histórico…

Tudo para concluir que quando uma situação aparente ou tendencialmente igual é tratada de forma algo diferente, só se pode falar em desigualdade fiscal se não houver razões atendíveis que tenham conduzido o legislador a fazer as opções que fez.

Ou seja, o que está constitucionalmente vedado ao legislador é o puro arbítrio, tratar desigualmente porque sim, mas não já quando tenha em vista a prossecução de objectivos a que atribui maior valor – como é o paradigmático caso dos benefícios fiscais, em que o legislador prefere abrir mão da receita fiscal para atingir outros objectivos.

A falada liberdade do legislador permite, desde logo, que ele tenha feito incidir este imposto apenas sobre o imobiliário, deixando de fora outras manifestações de capacidade contributiva, tais como a propriedade de colecções de arte, antiguidades, automóveis antigos.... Aqui podem pesar razões de praticabilidade também compreensíveis e atendíveis.

 

Essa mesma liberdade de conformação do legislador permite também que ele tenha fixado o valor matricial dos imóveis sujeitos em um milhão ou mais de euros. E que não tenha atendido à soma do património imobiliário, até porque a soma dos valores, eventualmente não muito elevados, de vários imóveis não revela, necessariamente, a mesma capacidade contributiva. E o que vale para uma pessoa singular não deixa de valer para uma pessoa colectiva.

Ainda aqui se pode dizer que o legislador usou da sua liberdade sem ofender a igualdade fiscal, pois tratou igualmente o que era igual e desigualmente o que era desigual.

De resto, nada obrigava o legislador a instituir um imposto geral sobre o património, como não instituiu, podendo a sua escolha limitar-se a alguns, mas não necessariamente a todos, os imóveis de um mesmo proprietário.

E, se é certo que para a barreira do milhão de euros não se antolha uma justificação óbvia, ainda desta vez se não trata de pura arbitrariedade, pois em algum ponto havia necessariamente de ser colocada a fasquia, e o legislador pô-la aonde entendeu razoável, de acordo com o que considerou constituir manifestação de fortuna superior à média e adequada a atingir a receita pretendida.

 

Também quando o legislador tributou só os imóveis habitacionais, abstendo-se de fazer incidir imposto de selo sobre os afectos à agricultura, à pesca, à indústria, ao comércio, tomou uma medida de distinção do que é desigual, fazendo uma opção cuja justificação parece clara: não aumentar a carga fiscal sobre os sectores produtivos, visando as tão propaladas necessidades de investimento e de crescimento económico.

Acresce que os edificados destinados à habitação constituem bens de fruição, deles se podendo dizer, quando de valor igual ou maior do que um milhão de euros, que revelam um alto padrão de vida e maior capacidade contributiva.

Ainda que a capacidade contributiva revelada possa ser igual, não se vislumbra violação do princípio da igualdade, atenta a razoabilidade da distinção e os fins visados – embora o que aqui se afirma não valha, necessariamente, para os terrenos para construção destinada à habitação.

 

Tratando agora do fundamento que a Requerente aduz para invocar a inconstitucionalidade assente na violação da igualdade, e consistente em o “(…) facto tributário [estar] assente numa expectativa de afectação”, no caso dos terrenos para construção, cabe começar por notar que este não é um imposto sobre o rendimento.

O terreno para construção pode, de facto, nunca vir a ser utilizado para tal e, consequentemente, não propiciar rendimento nenhum. E até pode vir a ser edificado e o negócio imobiliário correr de modo a ser fonte de prejuízos.

Mas o que o legislador aqui pretendeu surpreender é um momento e um facto estáticos – a propriedade de um bem que, num dado momento, merece uma dada qualificação – terreno para construção habitacional - (propriedade e qualificação essas que a Requerente não desdiz) e que é de elevado valor, medido por padrões médios.

A propriedade desse bem, conjugada com o seu valor, revela, no momento da tributação, uma capacidade contributiva acima da média, e tanto basta para justificar a tributação, independentemente da concretização ou não de espectativas futuras.

 

Outro fundamento a que se pode considerar dada a resposta é o que se refere à dupla tributação.

Contra o que pretende a Requerente, a dupla tributação não está constitucionalmente vedada, conforme se diz no excerto do acórdão do CAAD que aqui novamente se reproduz:

“(…) as situações de dupla tributação, traduzida na aplicação de dois impostos a um mesmo facto tributário, são frequentes nos casos em que as entidades públicas que deles beneficiam são distintas, como sucede no caso em apreço, pois o IMI é receita municipal e o Imposto do Selo é receita estadual. Uma situação paralela verifica-se com a derrama municipal que, atualmente, incide, como o IRC, sobre a matéria tributável deste imposto (artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro)”.

 

Resta apreciar o fundamento retirado de a propriedade dos imóveis e “a realização do objecto social dos fundos”.

Diz a Requerente que os bens onerados constituem bens de investimento e que, desenvolvendo os proprietários a actividade e compra e venda de imóveis, “não poderão jamais representar uma capacidade contributiva superior”.

Neste ponto considera-se que lhe assiste razão,

Fazendo nossas as palavras que se podem ler no já citado acórdão do tribunal arbitral proferido em 17 de Março de 2016 no processo nº 507/2015-T.

 “É inequívoco que as empresas que se dedicam à comercialização de terrenos para construção ficam com uma oneração adicional significativa em relação à generalidade das empresas, com base num hipotético índice de capacidade contributiva que não tem necessariamente correspondência com a realidade, pois a imposição da tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida pelas empresas e onera-as mesmo que tenham resultados negativos, acentuando-se a tributação, cumulada anualmente, precisamente em situações em que, por inêxito da actividade de comercialização, os terrenos são detidos por vários anos e, por isso, menos justificação haveria para a imposição de uma tributação adicional, privativa deste tipo de empresas.

Por outro lado, não se vislumbra também qualquer razão para distinguir entre as empresas que comercializam terrenos para construção de edifícios habitacionais e as que comercializam terrenos para outras finalidades.

Por isso, também desta perspectiva, a verba 28.1 da TGIS materializa uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa do princípio da igualdade.”.

Ora, esta doutrina é aplicável, também, aos fundos de investimento imobiliário, patrimónios autónomos que gerem esse património adquirindo, arrendando, renovando e vendendo imóveis.

Acrescente-se que, se tivermos razão quanto aos motivos justificativos da não tributação de terrenos para construção de imóveis não destinados à habitação, o legislador terá incorrido, aqui, em alguma incoerência, pois deixa de proteger o investimento e as actividades económicas, ao contrário do que, de resto, faz também quanto ao Imposto Municipal sobre Imóveis, em cujo artigo 9º nº 1 alíneas d) e e) do respectivo Código consagrou regimes especiais favoráveis às empresas que construam para venda ou que adquiram para revenda – actividades próximas das desenvolvidas pelos fundos de investimento imobiliário.

 

É quanto basta, entende este Tribunal, para o êxito da pretensão principal da Requerente.

 

 

C.

 

Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios soçobra o pedido da Requerente.

É verdade que, sem culpa sua, foram praticados actos que o tribunal agora decide serem ilegais.

Mas, para que a Administração possa ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, necessário é que “(…) se determine (…) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” – nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

In casu, a AT não fez mais do que actuar segundo a determinação legal do artigo 1º do Código do Imposto do Selo e do nº 28.1 da respectiva Tabela Geral.

E não podia agir de outro modo, considerando a sua vinculação à lei e a impossibilidade de a desaplicar com base num juízo de inconstitucionalidade da lei ordinária que lhe não cabe fazer.

Em súmula, não incorreu em erro de que tenha resultado o pagamento de imposto indevido, e não pode, na falta desse erro, ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

V. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

A) Julgar procedente o pedido principal de pronúncia arbitral, declarando ilegal o indeferimento das reclamações graciosas apresentada pela Requerente e, consequentemente, anular os actos de liquidação de imposto do selo referidos na matéria de facto, dos quais resultou imposto a pagar no montante de € 154.558,30, respeitante à tributação de terrenos para construção, nos termos da verba n.º 28 nº 1 da TGIS;

B) Julgar improcedente o pedido de condenação da Administração Tributária em juros indemnizatórios, absolvendo-a deste pedido;

C) Condenar nas custas do processo a Administração Tributária, na percentagem de 95%, e a Requerente, na percentagem de 5%, considerando o respectivo decaimento;

D) Fixar ao processo o valor de € 154.558,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT);

E) Fixar a taxa de arbitragem em € 3.672,00, de harmonia com o disposto no artigo 4.º, do RCPAT e Tabela I anexa.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Outubro de 2016

 

 

José Baeta de Queiroz

(revendo a posição assumida no processo 516/2015-T)

 

 

 

 

 

 

Ricardo Marques Candeias

 

 

 

 

 

 

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

 

(Texto elaborado  em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).