Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 200/2016-T
Data da decisão: 2016-09-09  Selo  
Valor do pedido: € 32.606,55
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
Versão em PDF

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…–, S.A., com o NIPC … e com sede na Rua …, …-… … (doravante designada por «requerente»), peticiona, nestes autos, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto de Selo constantes dos documentos de cobrança n.º 2012 …, 2012 … e 2012…, referentes ao ano de 2012 e efectuados pela AT ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 55.º-A/2012, de 29/10, no valor global de €32.606,55, tendo apresentado, em 1/4/2016, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. a), do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, daqui em diante designado por «RJAT»), em que é Entidade Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT»).

 

            1.2. A 14/6/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

1.3. A 15/6/2016, a AT foi citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT. A AT apresentou a sua resposta em 14/7/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido da ora Requerente.

           

1.4. Por despacho de 2/9/2016, o Tribunal considerou, ao abrigo do artigo 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e que processo estava pronto para decisão. Nestes termos, o Tribunal fixou a prolação da decisão arbitral para o dia 9/9/2016.

 

1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

           

II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “à requerente foram notificados os documentos de cobrança supra identificados relativos a Imposto do Selo – verba 28 da TGIS, relativo ao ano de 2012. Contudo, a requerente não foi notificada das liquidações de imposto do selo”; b) “a requerente não foi notificada pela AT quer das liquidações, com os respectivos fundamentos de facto e de direito, quer, previamente, para se pronunciar sobre as mesmas, em sede de direito de audição”; c) “os actos tributários cuja legalidade se contesta são os actos de liquidação n.º…, … e …, não notificados à requerente, e subjacentes às notas de cobrança juntos como documentos um a três”; d) “as liquidações de Imposto do Selo, efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, [incidem] sobre o direito de propriedade dos prédios urbanos com os artigos matriciais de …, concelho de Silves, com os valores patrimoniais de €1.195.324,50, €1.991.159,63 e €3.334.825,88”; e) as “liquidações [foram consideradas] ilegais pelos seguintes motivos [:] desde logo porque os prédios urbanos com os artigos matriciais…, … e…, sito em …, freguesia de …, concelho de Silves, são lotes de terreno destinados a construção. Terrenos para construção cuja avaliação foi efectuada tendo por pressuposto que a(s) construção(ões) a erigir seria(m) afecta(s) a habitação”; f) “ou seja, à data em que os terrenos para construção foram avaliados, foi tido em conta a área total do terreno, a percentagem de área de implantação máxima permitida pelo plano de ordenamento municipal para a zona e tendo por pressuposto que aí iria ser construído edifício integralmente destinado à habitação”; g) “quanto aos prédios [ora em causa] U…, … e…, não há qualquer licença, autorização ou viabilidade construtiva ou de utilização aprovada para os referidos lotes, pela edilidade competente. Acresce que a afectação para habitação não tem qualquer sustentação ou suporte em licença de utilização camarária”; h) “nos lotes de terreno supra identificados não foi iniciada nem concluída qualquer construção, não foi requerida e ou licenciada obra e, consequentemente, não foi emitida licença de utilização. E não tendo sido emitida a licença de utilização, não pode falar-se em qualquer destinação ou afectação para habitação relativamente aos lotes de terreno para construção supra identificados”; i) “em síntese, os terrenos para construção não são prédios afectos à habitação, pois a afectação habitacional prssupõe uma abordagem funcional, e um terreno para construção não é, em si mesmo, um prédio habitável”; j) “mesmo após a alteração legal ocorrida na verba 28.1 da TGIS, com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, não há facto ou situação jurídica que esteja abrangida por esta norma. Com efeito, a nova redacção da referida norma não tem carácter interpretativo e teve início de vigência a 1 de Janeiro de 2014, ou seja, produzindo efeitos para o futuro. Assim, sendo que o ano a que se reporta o imposto é 2012, deve ser aplicada a redacção anterior à Lei n.º 83-C/2013”; l) “na anterior redacção da norma em causa, a incidência objectiva do imposto era sobre prédios urbanos com afectação habitacional, sem que o Código do IS definisse o que fosse «prédio urbano com afectação habitacional»”; m) “mesmo por remissão para o CIMI (nos termos do n.º 2 do art. 67.º do CIS), não encontramos a definição do que seja «prédio urbano com afectação habitacional». Por outro lado, a expressão afectação habitacional pressupõe uma efectiva utilização e não uma mera possibilidade, potencialidade ou expectativa que o prédio possa vir a ter”; n) “para estar abrangido pela incidência objectiva do imposto, o prédio urbano apenas se reconduz ao prédio urbano previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 6.º do CIMI, e não aos terrenos para construção”; o) “à data do facto tributário, a verba 28.1 da TGIS não poderia ser aplicada”; p) “as liquidações sub judice são também ilegais por tributar o mesmo facto ou situação jurídica já tributada em sede do CIMI. O mesmo é dizer que a incidência objectiva e subjectiva é idêntica à do CIMI”; q) “as liquidações do imposto do selo [são] ilegais, por violação do princípio da proibição da dupla tributação”; r) “suscita-se, ainda, a inconstitucionalidade da tributação, por dirigir-se apenas aos imóveis para fins habitacionais, ferindo o princípio da igualdade fiscal”; s) “o argumento justificativo da necessidade de tributação de imóveis de luxo é falacioso e discriminatório, por apenas abranger os prédios afectos a habitação, independentemente de ser habitação própria e permanente ou de ser habitação para arrendamento e, nessa medida, ser fonte de rendimentos prediais, tributados em sede de IRS/IRC. Esta situação fere princípios elementares de justiça, da não discriminação e da exigência constitucional da igualdade na tributação [...]. [A] violação do princípio da igualdade dos contribuintes e violação da não discriminação no tratamento fiscal de idênticas situações que determinam a inconstitucionalidade e, consequentemente, determinam a inaplicabilidade da Lei n.º 55-A/2012 ao caso concreto”.  

 

            2.2. Conclui a ora Requerente que, em face do supra exposto, deve o presente Tribunal declarar a “ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano de 2012, a incidir sobre o direito de propriedade dos prédios urbanos com os artigos matriciais…, … e … da freguesia de …, concelho de Silves.”

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “[quanto à alegada falta de notificação:] as liquidações de imposto do selo, verba 28, emitidas ao abrigo do regime transitório do art. 6.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, tal como as agora em apreciação, deram lugar a um procedimento massificado de emissão de documentos de cobrança. Assim, a notificação remetida à requerente mais não é do que o documento de cobrança respectivo, efectuada nos termos do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro, do n.º 1 do art. 119.º do CIMI, através do mecanismo previsto no n.º 4 do art. 38.º CPPT. A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no Acórdão n.º 01089/09, de 20-10-2010, onde se lê: «(…) a liquidação de CA e de IMI, efectuada dentro do prazo normal, não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio do documento de cobrança aludido nos artigos 22.º e 23.º do CCA e nos artigos 119.º e 120.º do CIMI para tornar a divida exigível. Essa notificação do acto de liquidação apenas se impõe quando está em causa uma liquidação ‘fora do prazo normal’ ou quando se trata de uma ‘liquidação adicional’.» Pelo que improcede a invocada falta de notificação das liquidações de imposto do selo, invocada pela requerente”; b) “[quanto à alegada falta de fundamentação:] o dever de fundamentação merece consagração constitucional, garantindo aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, nos termos preceituados no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa. [...] a fundamentação dos actos tributários visa permitir um conhecimento das razões que determinaram o órgão a actuar como actuou, de molde a permitir ao contribuinte optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação. [...]. Por sua vez, nos termos estabelecidos no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, «A decisão do procedimento é fundamental por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)», sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «A fundamentação dos actos tributários deve conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.» [...]. Considera-se que o acto se encontra devidamente fundamentado sempre que o seu destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos. [...]. No caso concreto, as liquidações encontram-se devidamente fundamentadas, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a requerente apresentou reclamação graciosa, recurso hierárquico e pedido junto do tribunal arbitral, no qual revela que não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à emissão das liquidações”; c) “as liquidações em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidas”; d) “não existindo em sede de IS definição do que se entende por «prédio urbano», «terreno para construção» e «afectação habitacional» é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2, do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”; e) “não podemos duvidar de que estamos face a «terrenos para construção», mais concretamente, perante lotes de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito. Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional. [...]. Note-se que o legislador não refere «prédios destinados a habitação», tendo optado pela noção «afectação habitacional», expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI. [...]. [...] numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a requerente pretende dar-lhe, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CC”; f) “[quanto à alegada violação do princípio da igualdade:] a verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstracta, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito. Acresce que fundadas razões, também com assento constitucional, justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva”; g) “os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo, assim, ser mantidos”.

 

            2.4. Conclui a AT, pelo supra exposto, que “se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações ora impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas [, pelo que] deve a acção ser julgada improcedente, absolvendo-se a Autoridade Tributária do pedido, com as legais consequências.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

i) As liquidações de imposto do selo (IS) em causa (vd. documentos de cobrança n.º 2012 …, 2012 … e 2012 …), referentes ao ano de 2012, foram efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), incidindo sobre o direito de propriedade dos prédios urbanos com os artigos matriciais de …, concelho de Silves, e com os valores patrimoniais de €1.195.324,50, €1.991.159,63 e €3.334.825,88.

 

ii) Os referidos documentos de cobrança foram notificados à ora Requerente.

 

iii) Os referidos prédios urbanos, com os artigos matriciais …, … e …, sitos na …, freguesia de…, concelho de Silves, consistem em lotes de terreno destinados a construção (estão matricialmente inscritos como “terrenos para construção”).

 

iv) A requerente interpôs reclamação graciosa contra as referidas liquidações de IS, ao qual foi atribuído o processo de reclamação graciosa n.º …2013… . Indeferida a reclamação, a Requerente deduziu recurso hierárquico contra as mesmas, ao qual foi atribuído o número de processo …2013… . Em 5/1/2016, a ora Requerente foi notificada do indeferimento parcial do recurso hierárquico.

 

v) Inconformada com a referida decisão, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 1/4/2016.

3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

           

            IV – Do Direito

 

Diante do que ficou exposto, verifica-se que a ora Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo em causa com base nos seguintes fundamentos:

- 1) Inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 (e que é, sem dúvida, a redacção aqui aplicável), se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa mera “possibilidade, potencialidade ou expectativa” de afectação à habitação, por alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da dupla tributação.

- 2) Ilegalidade por erro nos pressupostos de facto (falta de notificação) e de direito (falta de fundamentação).

 

Vejamos, então.

 

1) Sendo certo que o Tribunal Arbitral não tem competência para aferir ou declarar a inconstitucionalidade de normas, também não é menos certo que a ora Requerente suscita, nos presentes autos, a “ilegalidade dos actos de liquidação” de IS em causa. Nessa medida, impõe-se, averiguar, antes de mais, se os referidos actos de liquidação estão em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a AT: no caso destes autos, a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção dada pela Lei n.º 55.º-A/2012, de 29 de Outubro.   

 

Assim, e em face do exposto, far-se-á eco, sem mais desenvolvimentos, da análise de direito constante da DA n.º 467/2015-T, de 4/2/2016, na feitura da qual se participou como membro do respectivo júri colectivo (e ainda por se considerar que inexistem razões para, no caso dos presentes autos, alterar o sentido daquela análise):

 

“A Administração encontra-se subordinada à Constituição, como qualquer poder ou órgão do Estado, mas o que a caracteriza é a subordinação imediata à lei, não podendo haver Administração sem mediação legal. O princípio da legalidade entendido num sentido amplo (da juridicidade da administração) constitui pressuposto e fundamento de toda a actividade administrativa, sendo que só excepcionalmente pode haver actividade administrativa directamente vinculada à Constituição[1].

 

Nesta conformidade, impõe-se, antes de mais, averiguar se os actos tributários de liquidação objecto do presente Pedido arbitral estão ou não em conformidade com o parâmetro imediato a que está subordinada a Administração Tributária, no caso dos autos: a verba 28.1 da TGIS, segundo a redacção dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

Como vimos, alega a ora Requerente, em síntese, que as liquidações de Imposto do Selo ora em causa são ilegais por erro nos pressupostos de facto e de direito [...].

 

Cumpre apreciar.

Para a resolução das questões acima elencadas, importa ter presente, antes do mais, a evolução e enquadramento da mencionada verba 28 da TGIS, quer antes, quer depois da alteração determinada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 [...].

 

Nesse sentido, torna-se útil a referência ao Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13), que, tal como outros arestos do STA – e.g.: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – faz uma análise histórica e cronológica detalhada da evolução e enquadramento da verba 28 ora em análise:

 

«O conceito de ‘prédio (urbano) com afectação habitacional’ não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

Esta alteração – a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros)». [...].

 

Antes da alteração legislativa que passou, de forma inovadora, a incluir os referidos terrenos para construção, é que se mostrava necessário averiguar, fazendo uso de diversos elementos interpretativos, se, na ausência de referência literal, tais terrenos poderiam, ainda assim, ser incluídos no âmbito de incidência objectiva da referida verba 28. E, por essa razão, o referido aresto prosseguiu, dizendo:

 

«[Nada] esclarecendo [o legislador] em relação às situações pretéritas [i.e., liquidações anteriores a 2014], como a que está em causa nos presentes autos, não parece poder perfilhar-se [quanto a estas] a interpretação do recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.

 

E do seu ‘espírito’, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44 [...]) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza ‘mais poupadas’ no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de ‘prédios (urbanos) com afectação habitacional’, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido – como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD –, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: ‘O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros’ (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, ‘os prédios (urbanos) habitacionais’, em linguagem corrente «as casas», e não outras realidades. [...].

 

Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos ‘habitacionais’ e ‘terrenos para construção’, não podem estes ser considerados como ‘prédios com afectação habitacional’ para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.» [...].

 

Em síntese, daqui se depreende que, com a nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12 (aplicável aos presentes autos, por se tratar de Imposto do Selo do ano de 2014), alargou-se, de forma inovadora, o âmbito de incidência objectiva da norma, ao incluir-se, de forma explícita, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais.” [Fim de citação.]

 

O excerto agora citado é suficientemente esclarecedor quanto à exclusão do âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, na sua redacção original (que é a que se mostra aplicável ao presente caso), dos terrenos para construção. Estes não podem, à luz da referida redacção, ser considerados “prédios com afectação habitacional” para os efeitos do disposto na referida norma. Só com a nova redacção dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12, é que se passou a incluir, na incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais.

 

Note-se que, mesmo com a nova redacção (que não é a aplicável ao caso dos presentes autos), a falta de concretização de uma expectativa ou previsão de edificação para habitação (que é consensualmente admitido que não ocorreu no caso destes autos, embora, salienta-se novamente, esta exigência não constasse da redacção original da verba 28.1), o IS não deve aplicar-se automaticamente. Com efeito, como também se referiu na DA supra citada:

 

“A questão essencial que, [no contexto da nova redacção da verba 28.1 da TGIS, dada pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12,] se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, «sem [...] aquela previsão ou expectativa de ‘edificação para habitação’ [...] concretizada», se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise [...]. Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:

 

«No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.» [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44].

 

[Os] requisitos acima citados [explicitam] quais as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS [...].

 

[Assim, é necessário,] em sede de prova, [juntar aos] autos [...] suporte documental que ateste que os actos em crise foram praticados tendo por objecto prédios com projectos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as referidas comunicações prévias ou informações prévias favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do CIMI. 

 

Importa, ainda, salientar que, [ainda que os prédios em causa] estejam matricialmente inscritos como sendo «terrenos para construção», tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que o prédio tem uma edificação prevista.

 

Prova do que acabou de se dizer é o facto de, como também referem  ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), «os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [‘concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato’]».

 

Acrescentam os mesmos autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, em abono da sua posição, o seguinte: «Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior».

 

No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (em Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): «O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.»

 

Em síntese, afigura-se claro que, no caso que se vem tratando, a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da «afectação efectiva», para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).

 

Sem essa demonstração da «efectiva potencialidade de edificação» – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redacção do texto legal da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações em causa incorrem no erro invocado pela Requerente [...].» [Fim de citação.]

 

Em síntese: mesmo à luz da nova redacção da verba 28.1 da TGIS (que não é a aqui aplicável), era necessária uma prova da “efectiva potencialidade de edificação” (o que não foi feito – nem se justificava, dada a redacção originária que é a aplicável ao caso dos presentes autos); e a mera inscrição dos prédios como “terrenos para construção” não é (e antes da nova redacção ainda menos era) suficiente para justificar a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Contudo, como o caso dos presentes autos deve ser julgado à luz da redacção original da verba 28.1 da TGIS, deve seguir-se aqui a jurisprudência constante do citado Acórdão do STA de 9/4/2014 (proc. n.º 1870/13) que – tal como vários outros arestos do STA, como, por exemplo: Acórdão de 9/4/2014 (proc. n.º 48/14); Acórdãos de 23/4/2014 (proc. n.os 270/14, 271/14 e 272/14); Acórdão de 25/11/2015 (proc. 1338/15) – se pronuncia no sentido de considerar que os terrenos para construção “não podem [...] ser considerados como ‘prédios com afectação habitacional’ para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro”.

 

E, como também nota o mencionado aresto, já acima citado, mesmo que existisse uma “efectiva potencialidade” no prédio, a mesma não seria, à luz da anterior redacção da verba 28.1 da TGIS, suficiente para considerá-lo como prédio com “afectação habitacional”. Leia-se, a este respeito, o seguinte excerto: “referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com ‘afectação habitacional’, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.” (Acórdão do STA de 9/4/2014, proc. n.º 1870/13).

 

Em face do exposto, conclui-se que os actos de liquidação de IS ora em causa violam o disposto na verba 28.1 da TGIS, na sua redacção originária.

 

2) Mostrando-se procedente o entendimento da Requerente relativamente à questão de ilegalidade referida, fica prejudicado, em face do disposto no artigo 124.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto do Selo aqui em causa, determinando-se a devolução dos montantes indevidamente cobrados.

                       

 

Fixa-se o valor do processo em €32.606,55 (trinta e dois mil seiscentos e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), nos termos dos artigos 32.º do CPTA e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e no art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €1836,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 9 de Setembro de 2016.

 

 

O Árbitro,

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Para maiores desenvolvimentos sobre a vinculação da Administração à lei e à Constituição, cfr. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa, Anotada. Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª ed., 2014, pp. 798 ss..